quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Luiz Carlos Azedo - O pacote social de Maia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O ímpeto reformista de caráter ultraliberal começa a perder força e a agenda social ganha densidade no Congresso, inclusive por causa das eleições municipais”

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, um pacote de propostas de combate à desigualdade e à pobreza, elaborado por um grupo de deputados de esquerda coordenado pela deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), cuja liderança se consolida na Casa. Participam do grupo os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), João Campos (PSB-PE), Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Raul Henry (MDB-PE), todos apadrinhados por Maia, que também começou a carreira no Congresso muito jovem e agora aposta na consolidação desse grupo para sintonizar a Câmara com os ventos de renovação política que ainda sopra nas ruas.

A iniciativa quebra o monopólio da agenda social por parte da frente formada pelo PT e outros partidos de esquerda. O pacote abarca os seguintes temas: garantia de renda, inclusão produtiva, rede de proteção ao trabalhador, água e saneamento e governança e incentivos. Maia vem se reunindo com o grupo há algum tempo, num esforço para ampliar o bloco que lhe dá sustentação no comando da Casa. “A nossa agenda vai além das reformas econômicas, com o objetivo de ter um país mais igual”, disse, no lançamento.

Uma das propostas em estudos é uma emenda para modificar o artigo 203 da Constituição Federal e assegurar a garantia de transferência de renda a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, transformando o Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do país, em política de Estado. Principal herança do governo Lula, o Bolsa Família sempre foi polêmico. Na essência, trata-se de uma política social-liberal, de concentração do gasto social nas camadas da população abaixo da chamada linha de pobreza.

Rotulado de populista pela oposição aos governos petistas, o programa é criticado por não ter porta de saída e não estar vinculado à educação, como o antigo Bolsa-Escola, um programa criado pelo então governador de Brasília, Cristovam Buarque (Cidadania), e encampado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desvinculou o programa da política de educação e ampliou sua escala para 12,5 milhões de famílias, transformando-o no carro-chefe de sua reeleição. O presidente Jair Bolsonaro não só manteve o programa como aprovou o que seria o 13º Bolsa Família neste ano. Hoje, o programa atinge 13,9 milhões de famílias.

Nova agenda
Entretanto, a equipe econômica deseja mudanças no programa, com base num estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Especula-se que, entre as mudanças, serão retirados os benefícios de pessoas com maior renda, e todas as crianças e adolescentes teriam um benefício universal de R$ 45, até 18 anos. Além disso, famílias com renda per capita mensal de R$ 250 continuariam a receber o benefício. Outro incentivo estudado é referente a lares com crianças de zero a quatro anos e um repasse extra para famílias em situação de extrema pobreza, ou seja, aquelas que têm renda abaixo de R$ 85,00 por pessoa.

De certa forma, Maia se antecipa ao governo, que vive grandes contradições internas em relação às políticas sociais, devido à orientação ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente da Câmara foi o grande responsável pela aprovação da reforma da Previdência e pela blindagem da política econômica na Câmara, mas agora está redirecionando o debate para a questão da desigualdade social, que se ampliou no Brasil em consequência da recessão.

Como a recuperação da economia é lenta, a questão do desemprego torna-se ainda mais dramática, porque os setores em recuperação não geram postos de trabalho na escala necessária, sobretudo para os jovens. O pacote anunciado pelo governo para enfrentar a questão, que foi encaminhado ao Senado, não entusiasmou o Congresso até agora. O ímpeto reformista de caráter ultraliberal começa a perder força e a agenda social ganha densidade no Congresso, inclusive por causa das eleições municipais, que fortalecem as demandas de políticas públicas universalistas, inclusive na saúde e na educação. Nesse aspecto, com apoio de jovens parlamentares de esquerda, Maia sai na frente.

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