quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Maria Cristina Fernandes - Ódio a aliança já tem, só falta o trabalhador

- Valor Econômico

É grande o risco de se ignorar a chance de o programa de geração de emprego ter êxito

Os assuntos mais buscados no Google sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última semana são “Lula expulso de restaurante”, “Lula preso novamente”, “Lula ovada”. Nenhum dos três fatos é verídico apesar de vídeo falso sobre a suposta expulsão ter 2 milhões de visualizações. O perfil das postagens sugere que os vídeos chegam aos usuários de celular por mensagem de WhatsApp e, a partir daí, geram as buscas na internet. O mapeamento da Bites não deixa dúvidas de que a volta do ex-presidente à arena política, além de afetar a estratégia política do presidente Jair Bolsonaro e sua ação de governo, já repagina sua comunicação.

No mesmo período em que a falsa hostilidade ao ex-presidente pontificou, o assunto mais buscado em associação com o presidente Jair Bolsonaro foi “jornada de trabalho”. Entre os cinco Estados em que esta busca mais cresceu quatro são do Nordeste, sugerindo que notícias relativas ao presidente da República e o emprego começaram a circular em grupos de WhatsApp do Nordeste e lá geraram mais buscas. As pegadas deixadas pela movimentação das redes sociais dos últimos sete dias reconstituem o roteiro bolsonarista desde a soltura do ex-presidente: um programa de estímulo à geração de emprego, uma viagem ao Nordeste e uma comunicação miliciana.

Bolsonaro continua imbatível nas redes sociais. Tem 32 milhões de seguidores em quatro plataformas (Twitter, Facebook, Instagram e YouTube), mais de quatro vezes o número de seguidores de Lula. Desde o fim de sua hibernação, porém, o ex-presidente ganhou quatro vezes mais seguidores do que o atual ocupante do cargo, o que explica a acelerada reação governista. Em suas postagens, Lula conseguiu mais compartilhamentos do que o presidente Donald Trump, que enfrenta nas redes a guerra de opinião pública contra o impeachment.

Se no cenário eleitoral, a polarização ainda é um cenário improvável, os números da Bites mostram que nas redes sociais o único nome que ombreia com Bolsonaro é o de Lula. Desde que se envolveu com o episódio do bombeiro do condomínio da Barra da Tijuca em que o presidente tem casa, o governador Wilson Witzel só perde seguidores. João Doria e Luciano Huck hoje são nanicos digitais.

A taxa de compartilhamento das postagens do ex-presidente demonstra que ele tem órfãos digitais, mas seu engajamento dependerá, em grande parte, do discurso a ser adotado por Lula. Se optar por falar para convertidos, devolverá seus voluntários para a orfandade.

A reação do PT ao mais novo pacote do governo será um teste. Se o partido optar por rejeitá-lo de bate pronto corre o risco de jogar uma parcela dos quase 30% de jovens desempregados no colo do bolsonarismo. O pacote é um laboratório para o lançamento da carteira verde e amarela, daqui a dois anos, associada a um projeto de capitalização da Previdência da qual o governo ainda não desembarcou.

Se a desoneração do emprego não é uma má ideia, a maneira como o governo escolheu para fazê-la promoveu uma redistribuição de renda dos pobres para os miseráveis. A cobrança da contribuição previdenciária de desempregados, no discurso governista, responde à necessidade de formalizar a incorporação dos meses de recebimento do seguro desemprego ao cálculo da aposentadoria e à viabilidade fiscal do programa.

A manchete do Valor (13/11), no entanto, deixou um rombo no argumento de que o aperto fiscal inviabilizou a ampliação do programa para aqueles acima de 55 anos. Face a tamanha penúria aparece deslocada a arbitragem governista na disputa entre Fisco e empresas em torno da cobrança previdenciária que incide sobre a distribuição de lucros e dividendos. No conjunto de propostas enviadas ao Congresso o Executivo estão regras que dificultam as condenações de bancos e empresas que contestam o recolhimento previdenciário dos bônus de executivos. Além de tirar de quem ganha pouco para quem nada tem, o Ministério da Economia achou por bem deixar de incomodar os bem-postos.

Ao extinguir o seguro obrigatório DPVAT, o governo, a pretexto de combater a corrupção no setor e tirar um naco dos negócios do presidente do PSL, Luciano Bivar, deixou desabrigadas milhões de vítimas de acidentes. Entre os principais protagonistas estão os 27 milhões de motociclistas do país cujos acidentes, nos últimos 10 anos, levaram à invalidez de 2,5 milhões e à morte de 200 mil pessoas.

Como nenhuma seguradora aceita fazer seguro de motociclista, a extinção do DPVAT não desamparou apenas o motociclista mas o pedestre vítima de acidente. Ainda deixou o SUS, onde um e outro buscarão socorro, desprovido de 45% dos recursos arrecadados pelo seguro obrigatório.

Ainda que inevitável, a crítica às propostas do ministro Paulo Guedes tem se pautado pela linha de que o Chile é o Brasil de amanhã. Ignora-se que o desalento econômico no país, ao contrário do pleno emprego chileno, desmobiliza. A aposta petista de que as propostas de recuperação do emprego do governo vão naufragar inibe o aprofundamento de alternativas que podem vir a ser propostas nesse cenário de penúria fiscal.

O risco de se ignorar a possibilidade de o pacote colher resultados em cima de precarização apareceu impresso no manifesto de lançamento da “Aliança pelo Brasil”. O novo partido que o presidente da República lança tem como meta livrar o país de “larápios, ‘espertos’, demagogos e traidores que enganam os pobres e ignorantes que eles mesmos mantêm, para se fartar”.

O manifesto incorpora, formalmente, o discurso do ódio nos anais da prática política do presidente da República. Não faltam espertos, sem aspas, a faturar com o programa em todas as suas entrelinhas. Se sua meta de geração de empregos for bem sucedida, porém, propiciará o surgimento de um segmento de jovens trabalhadores cultivados pela retórica que cimenta totalitarismos.

Nenhum comentário: