sexta-feira, 1 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O merecido repúdio a Eduardo Bolsonaro – Editorial

A defesa do AI-5, depois de falar em fechar o STF, indica que deputado não tem noção do seu papel

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não aprendeu a lição. Antes da posse do pai como presidente da República, o filho 03, em evento aberto ao público, deu sua fórmula para o fechamento do Supremo Tribunal Federal: “um soldado e um cabo”. O pai tratou a gafe, digamos, como um escorregão juvenil.

Já a ameaça inaceitável que o deputado, filho do presidente, fez da volta do AI-5, em entrevista à jornalista Leda Nagle, não deve ser encarada como mais um deslize imaturo.

O deputado acenou com a impensável reedição do AI-5 como reação a movimentos de esquerda que radicalizariam na esteira da volta de Cristina Kirchner ao poder na Argentina, como vice de Alberto Fernández, e no vácuo das manifestações violentas no Chile.

Na visão persecutória de Eduardo Bolsonaro, o Brasil retornaria ao final dos anos 60, “quando sequestravam aeronaves, quando se executavam e sequestravam grandes autoridades, cônsules, embaixadores, (executavam-se) policiais, militares”. Um delírio, diante da solidez das instituições democráticas brasileiras.

Falta, no mínimo, um conhecimento básico de História, para este Bolsonaro entender a diferença, para melhor, entre o Brasil de dezembro de 1968, quando o AI-5 foi editado pela ditadura militar, e o de hoje, da democracia. O risco é a overdose de ideologia afetar a capacidade de compreensão.

Devido à reação que provocou ao se referir de forma mais do que inadequada ao STF, Eduardo já deveria saber que o respeito a essas instituições precisa ser absoluto, portanto, não podem ser afrontadas, principalmente por homens públicos. O próprio clamor contra o que disse sobre o STF deveria alertá-lo que entrara em terreno minado.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição, e os parlamentares têm imunidades. Mas não estão livres da execração pública, nem de enfrentar desdobramentos regimentais de suas atitudes.

Não demorou para a oposição anunciar que encaminhará à Comissão de Ética pedido de cassação do deputado, por quebrar o juramento que fez de defender a Constituição. PSOL, PT, PCdoB e PSB também entrarão no STF com representação criminal.

Acertadamente, os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, emitiram notas de repúdio às declarações do 03. O pai, recém-desembarcado do exterior, não foi tão magnânimo como no caso do STF, ficou no comentário de que quem fala na volta do AI-5 “está sonhando”. Depois, o deputado se retratou com um pedido de “desculpas”. Saiu-se com a velha explicação de ter sido “mal interpretado”.

Deve fazer bem mais do que isso: precisa ter noção da função que exerce e do peso das relações de parentesco. Já precisaria perceber o tamanho da sua responsabilidade. Afinal, seria nomeado pelo pai embaixador em Washington. Demonstrou que não estava mesmo à altura do posto.

Novo ataque - Editorial | Folha de S. Paulo

Eduardo Bolsonaro deve responder por declarações antidemocráticas

Dois dias após o pedido de desculpas de Jair Bolsonaro (PSL) por um vídeo em que, exibido como um leão, o presidente era atacado por hienas que representavam o STF, partidos políticos e instituições da sociedade civil, o filho do mandatário, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, surgiu com uma nova afronta à democracia brasileira.

Desta vez, o chamado 03 propôs a reedição de algo como o infame Ato Institucional nº 5, de 1968, marco do período mais duro da ditadura militar, para casos em que a esquerda brasileira “radicalizar” e promover manifestações pelo país.

Em entrevista publicada na internet, Eduardo Bolsonaro disse que a medida seria “a resposta” para uma eventual —e que hoje parece delirante— onda de protestos que ameaçasse o governo de seu pai.

Não foi a primeira vez que um membro da família Bolsonaro, incluindo o próprio presidente, teve rompantes autoritários. Desta vez, porém, ao evocar um decreto radical do passado que deixou um saldo de cassações e direitos políticos suspensos, o deputado provocou inédita reação no Congresso.
Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), qualificou as manifestações de Eduardo como “repugnantes”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que o episódio é uma “inadmissível afronta à Constituição”.

Na mesma hora em que essas lideranças reagiam, no entanto, Eduardo voltou à carga e insistiu na exaltação à ditadura militar publicando um vídeo em rede social em que seu pai elogia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos símbolos da repressão.

Eduardo Bolsonaro não é só filho do presidente da República. Ele é deputado federal, líder do governo na Câmara e presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional —e até uma semana atrás almejava ser embaixador do Brasil nos EUA.

Como defendeu ontem Rodrigo Maia, é imperioso que o deputado Eduardo seja agora alvo de punição por sua “apologia reiterada a instrumentos da ditadura” —nas palavras do próprio presidente da Câmara dos Deputados.

Nesse sentido, foi inútil tanto a reação subsequente do presidente ao dizer que não apoia a fala do filho como o próprio recuo de Eduardo. O deputado deveria ser, mesmo assim, levado ao Conselho de Ética da Câmara para responder pelas suas declarações.

O outro aspecto extraordinário desse lamentável episódio é como já virou padrão no clã Bolsonaro produzir fatos ruidosos como esse a cada vez que investigações envolvendo a família ganham relevo na polícia e no noticiário. Repetido à exaustão, o truque barato só chama cada vez mais a atenção.

O resgate da confiança – Editorial | O Estado de S. Paulo

A democracia torna-se insustentável sem confiança, especialmente nas instituições. Se os cidadãos se convencem de que a lei não vale para todos, de que a política é sinônimo de corrupção e de que a imprensa deixou de ser um mediador fidedigno do que acontece, cria-se uma atmosfera de frustração com o regime democrático, que pode levar a sociedade à anomia – e, no limite, a aceitar ou mesmo desejar soluções autoritárias. Assim, mais do que nunca, é preciso resgatar a confiança nas diversas instituições de poder numa democracia, como salientaram vários dos participantes do “Estadão Summit Brasil – O que é Poder?”, realizado na quarta-feira passada em São Paulo.

Numa sociedade que se pretende livre, o exercício do poder, em suas múltiplas instâncias, só se viabiliza se for um empreendimento coletivo, o que pressupõe a aceitação da legitimidade dos diversos atores políticos. Esse empreendimento demanda um debate público constante, que não se limita ao Congresso nem às campanhas eleitorais. Neste momento em que o poder se encontra tão fragmentado, graças às várias formas de expressão postas à disposição pelo mundo digital, o desafio é dar um sentido ao debate para torná-lo proveitoso para o conjunto da sociedade, e esse é o papel – e o grande desafio – da imprensa profissional, como salientou o diretor-presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto, na abertura do encontro, que reuniu personalidades de diversos campos.

A mensagem mais potente do evento é a de que a turbulência que o Brasil atravessa, malgrado seus riscos e ameaças intrínsecos, é igualmente uma oportunidade única para melhorar as relações entre os cidadãos e destes com as instituições democráticas. Para isso, é preciso que todos os líderes e empreendedores interessados na superação da crise e no aprimoramento da democracia atuem mais concretamente no sentido de recuperar a credibilidade dos poderes instituídos e os valores republicanos.

O momento é ideal. Bem ou mal, como lembraram vários participantes do “Estadão Summit Brasil”, poucas vezes na história recente se falou tanto em política e também de direito, ainda que não exatamente de maneira positiva. Não é mais possível ignorar, por exemplo, que a desconfiança generalizada dos cidadãos resulta em parte da sensação de que a lei não vale para todos e de que aos poderosos é reservada uma interpretação mais benevolente da lei. Essa percepção de que as regras são aplicadas somente para os cidadãos comuns mina a disposição de aceitar as autoridades constituídas. Do mesmo modo, há uma perigosa frustração de expectativas, isto é, um abismo entre o que é prometido pelos políticos e o que o Estado é capaz de entregar aos eleitores, o que resulta em contestação da própria política.

Os interessados em resgatar a confiança nas instituições devem lutar para que a política recupere sua utilidade como ferramenta de negociação legítima entre partes com vontades divergentes, para que o Estado seja eficiente e traduza os verdadeiros anseios da sociedade. Devem, igualmente, zelar para que haja segurança e estabilidade jurídica, para que nenhum cidadão esteja acima da lei.

Nesse esforço, a imprensa, hoje sob intenso ataque de governantes e movimentos autoritários, deve recuperar seu papel de guardiã e curadora dos fatos concretos e relevantes, sem os quais não se formulam políticas públicas consistentes nem os cidadãos são capazes de se orientar e tomar decisões importantes para suas vidas.

Tal empreendimento não pode prescindir da ajuda das empresas de tecnologia que controlam as redes sociais. Mais do que nunca, essas companhias gigantescas devem assumir suas responsabilidades na luta em favor da verdade e da imprensa livre e responsável, agindo com presteza contra os que abusam da liberdade e atentam contra a democracia ao disseminar mentiras, estimular o ódio e destruir os laços de solidariedade que caracterizam as sociedades civilizadas.

Não é um problema menor. Num ambiente intoxicado de extremismo, o exercício do poder democrático, que representa o ponto de convergência dos mais diversos atores políticos da sociedade, torna-se simplesmente impossível.

Cortes na Selic dão um bom alívio nos gastos do governo – Editorial | Valor Econômico

A desvinculação orçamentária que será levada ao Congresso busca abrir espaço para mais investimentos públicos

A aprovação da reforma da previdência e o estágio final de apresentação de novas reformas pela equipe econômica, sob o pano de fundo de uma economia anêmica, levaram o Banco Central a testar limites nunca antes atingidos pela taxa de juros básica. De julho a dezembro, a Selic, que nominalmente já era a mais baixa da série, de 6,5%, cairá mais dois pontos percentuais e fechará o ano em 4,5%. A taxa de juros real, calculada pela inflação 12 meses à frente e os swaps DI 360, chegou a 0,8% em 25 de outubro. A política monetária aproxima-se de seu limite, mas os efeitos estimulativos da baixa consistente dos juros ainda surgirão mais à frente.

As consequências sobre a dívida pública são as mais visíveis. Nas estatísticas divulgadas ontem pelo Banco Central, sobre as contas do setor público consolidado, a conta dos juros pagos no acumulado de 12 meses encerrado em setembro reduziu-se em R$ 41 bilhões - de R$ 401 bilhões para R$ 360 bilhões. A redução será mais intensa a partir de agora, porque a taxa Selic, manteve-se a maior parte do período considerado em 6,5% - a queda ocorreu apenas em agosto, para 6%. Ela é indexador de 77,6% (R$ 3,03 trilhões) da dívida líquida total em setembro (R$ 3,9 trilhões). A grosso modo, 1 ponto percentual de corte na Selic permite economia de R$ 30 bilhões na conta de juros. Além disso, como a inflação está mais baixa e os juros também, os R$ 971 bilhões em dívida indexados ao IPCA terão menores desembolsos, como se nota na precificação cadente desses títulos no mercado.

A descomunal despesa com juros, que ainda sobe porque o governo não consegue obter superávits primários que abatam parte dela, tende a emagrecer. A taxa de juros implícita de janeiro a setembro sobre a dívida bruta total caiu de 10,6% PIB em 2016 para 5,8% agora. A taxa incidente sobre a dívida líquida total, considerado os 9 meses do ano, é igualmente expressiva. Em 2016, pagava-se 13,2% de juros, hoje 7,7%. A conta para o governo federal encolheu de 15% para 8,7%.

Manter o teto de gastos é importante para produzir superávits primários, o que, pelas projeções do Tesouro, só serão possíveis a partir de 2022. De qualquer forma, persistindo no esforço fiscal, a estabilização e redução da dívida bruta, de 80,8% do PIB, está à mão. No cenário base do Tesouro, com uma Selic média de 6,59% entre 2020 e 2028 e crescimento do PIB de 2,44%, um superávit primário de 0,81% do PIB seria suficiente para essa dívida em relação ao PIB em 10 pontos percentuais.

A Selic média em 2020 estará abaixo deste patamar. A Selic real média em 2019, segundo o ValorData é de 2,12%, enquanto que a inflação média do ano até setembro foi de 3,85%. O crescimento é hoje menor do que no cenário de base, mas alguns analistas preveem que, anualizado, o ritmo da economia no último trimestre será de 2%. Com uma Selic média de 5,59%, factível em 2020, e o mesmo crescimento, um superávit bem menor, de 0,27%, teria o mesmo efeito. E mesmo um déficit primário de 0,52% obteria o mesmo resultado se o crescimento acelerasse para 3,55%, com Selic média a 5,59%.

O caminho para chegar a esses resultados, porém, ainda é longo. No ano até setembro, o déficit primário do governo central foi de 1,4% do PIB. O Banco Central fez sua parte, mas a equação virtuosa só se completará, pelo lado dos gastos, com a redução das despesas com o funcionalismo público - a segunda maior da União -, que poderá ser feita com a reforma administrativa e, pelo lado das receitas, com um crescimento da economia vigoroso e sustentável, que não está no horizonte.

Os cortes nos juros terão seus efeitos plenos na segunda metade de 2020. Ele estimulará o crédito, à medida que o endividamento de empresas e consumidores continuar em queda. E dará por outra via um empurrão no consumo, ao reduzir a rentabilidade dos poupadores em todas as categorias de investimento que hoje tem baixo grau de risco. A recuperação do mercado de imóveis e da construção residencial, que começou, já reflete em parte estes dois movimentos. Parte do dinheiro que não encontra mais remuneração segura nas aplicações tradicionais desaguará no consumo. Até hoje, nunca houve um período longo de tempo em que os juros básicos se mantiveram em níveis civilizados - algo ainda longe de ocorrer na ponta dos empréstimos bancários.

A desvinculação orçamentária que será levada ao Congresso busca, entre outras coisas, abrir espaço para mais investimentos públicos - estão orçados ridículos R$ 19 bilhões em 2020. Eles podem potencializar uma expansão equilibrada, na hipótese de que gastos sigam contidos, e juros e inflação, baixos.

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