quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

‘Ensaios autoritários’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao receber o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2019, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, lembrou que a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) foi criada em 1979 como resposta à necessidade imperiosa de reafirmar a importância da liberdade de imprensa. Naquela época, o regime militar ensaiava a abertura política, simbolizada pelo fim do AI-5, que havia estabelecido diversas medidas de força, entre as quais a censura prévia. Era o momento, portanto, de “sustentar a liberdade de expressão do pensamento e da propaganda, e o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios de responsabilidade”, como se lê no primeiro objetivo exposto no Estatuto da ANJ.

A pertinente lembrança do ministro Celso de Mello veio seguida de uma preocupante constatação: a de que hoje o País vive “um momento em que vozes autoritárias se insurgem contra a liberdade de expressão”. Se há 40 anos o surgimento da ANJ serviu para reafirmar que essa liberdade não é uma concessão do Estado, e sim uma das conquistas da democracia, hoje a preocupação da imprensa profissional é o risco nada desprezível de um retrocesso. “Temos que nos insurgir contra ensaios autoritários que buscam suprimir essa liberdade natural (...) em sociedades fundadas com bases genuinamente democráticas”, conclamou o ministro Celso de Mello.

A declaração fazia referência ao modo truculento com que o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a imprensa desde que tomou posse. Ao editar uma medida provisória que extinguia a exigência legal da divulgação de editais públicos em jornais diários, por exemplo, o governo deixou claro seu objetivo de sufocar economicamente alguns veículos. A esse propósito, o ministro Celso de Mello afirmou que a liberdade jornalística “não pode ser comprometida por interdições censórias ou por outros artifícios estatais utilizados para coibi-la”. Além disso, têm sido rotineiras as declarações de Bolsonaro hostilizando a imprensa, o que ajuda a naturalizar, entre seus eleitores, a ideia de que jornais e jornalistas críticos do governo são “inimigos” do País.

Para o presidente da ANJ, Marcelo Rech, há método nesse comportamento autoritário: primeiro, torna-se ilegítima a crítica; depois, mudam-se leis para criar obstáculos ao trabalho da imprensa; e, por fim, procura-se asfixiar economicamente as empresas de comunicação.

Tal ofensiva ocorre justamente no momento em que a imprensa passa pelo desafio de encontrar meios de se sustentar para continuar seu trabalho de forma independente e questionadora, em meio à transformação acelerada do ambiente midiático, que vem alterando dramaticamente o modelo de negócios da comunicação. “O principal perigo que a imprensa mundial está correndo é a viabilidade econômica, sem a qual não há independência jornalística”, declarou o presidente da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA), Fernando de Yarza López-Madrazo. Ele identificou uma “tempestade perfeita” para a imprensa, acossada pela necessidade de criar novas formas de financiamento no instante em que enfrenta uma ofensiva “das próprias lideranças políticas que deveriam estar protegendo os meios de comunicação, como garantia da democracia, mas que, no entanto, atacam esses meios”.

Se há interesse em manter a democracia viva e íntegra, é preciso prestigiar a imprensa livre, a única capaz de jogar luz naquilo que as autoridades pretendem manter nas sombras, de modo a oferecer aos cidadãos, em meio à epidemia de notícias falsas e de “realidades alternativas”, instrumentos para formar opinião acerca dos fatos – e apenas dos fatos, checados e comprovados por jornalistas profissionais. E, por fim, para que a imprensa seja efetivamente livre, “é preciso que haja juízes comprometidos umbilicalmente com a liberdade de expressão”, como lembrou o presidente da ANJ. Assim, o prêmio dado ao ministro Celso de Mello por sua constante defesa da liberdade de imprensa serve também para valorizar todos aqueles que protegem de forma intransigente o direito de todos dizerem o que pensam, ainda que isso possa desagradar aos poderosos de turno e a seus seguidores mais entusiasmados.

Remendo trabalhista – Editorial | Folha de S. Paulo

Programa do governo de estímulo ao emprego suscita dúvidas e merece mais debate

Planos destinados a estimular a criação de vagas no mercado de trabalho, encontradiços em governos de todas as tendências ideológicas, dispõem de um prestígio no debate nacional que não condiz com os resultados historicamente obtidos pelas iniciativas do gênero.

Se os objetivos declarados são sempre virtuosos, o mesmo não se pode dizer do rigor dos diagnósticos e da solidez das medidas propostas, não raro elaboradas sob a pressa das demandas políticas.

Recém-lançado pela administração de Jair Bolsonaro (PSL), o programa Emprego Verde e Amarelo suscita dúvidas e preocupações, a começar por sua providência mais vistosa —a redução de encargos para a contratação de trabalhadores de 18 a 29 anos de idade com remuneração até 1,5 salário mínimo (R$ 1.947 mensais hoje).

Nesses casos, as empresas estarão livres da contribuição patronal de 20% à Previdência Social, enquanto o recolhimento para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço cairá de 8% para 2%, e a multa por demissão sem justa causa, de 40% para 20% do saldo do FGTS.

As normas valerão por dois anos por beneficiário, se aprovada a medida provisória que as instituiu.

Para compensar a perda de arrecadação, estimada em R$ 10 bilhões ao longo de cinco anos, será cobrada contribuição previdenciária de 7,5% da clientela do seguro-desemprego, hoje isenta. Em contrapartida, o período de recebimento do seguro será contado para fins de aposentadoria.

O desemprego se mostra de fato mais elevado entre os jovens: no segundo trimestre, a taxa chegou a 25,8% na faixa etária de 18 a 24 anos, ante 12% na população total. Em parte, isso pode ser explicado por trocas mais frequentes de ocupação nessa etapa da vida.

Pretendia-se também incluir as pessoas com mais de 55 anos no programa, ideia abandonada em razão dos custos envolvidos.

De todo modo, é difícil justificar, até do ponto de vista legal, uma regra trabalhista especial para um contingente em particular do mercado. A legislação se torna mais complexa, dando margem a questionamentos judiciais.

Recorde-se, ademais, que apenas agora se completaram dois anos de uma ampla reforma promovida na CLT, cujas diretrizes ainda estão em análise nos tribunais. O mérito desse redesenho foi permitir contratos mais flexíveis e favorecer a formalização —para todos.

Não parece a melhor ideia, por fim, introduzir as mudanças por meio de medida provisória, instrumento mais adequado a medidas emergenciais. Espera-se que ao menos o Congresso encontre tempo, entre tantas outras MPs e projetos em tramitação, para um exame criterioso do assunto.

É relevante a promulgação da reforma – Editorial | O Globo

São vitais as mudanças na Previdência feitas no Congresso, mas elas terão de ser atualizadas

A promulgação da reforma da Previdência, pelos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, transcende o fato em si, por não se tratar apenas de um evento do calendário político administrativo do Congresso.

A solenidade realizada ontem formalizou uma das mais profundas mudanças já realizadas no sistema de seguridade, reforma vital para o sustento de milhões de famílias. Principalmente as mais pobres, a grande maioria delas.

Numa perspectiva mais ampla, esta reforma impedirá, por enquanto, a quebra fiscal do Estado, já sinalizada pelo crescimento da dívida pública de 50% do PIB, em 2010, para os quase 80% atuais.

O índice ainda continuará a subir, porque persiste o déficit nas contas públicas, impossibilitando que o Estado volte a investir em obras de infraestrutura que melhorem a qualidade de vida da grande maioria dos 210 milhões de brasileiros.

Como pedras de dominó, esta sucessão de problemas levou à retração dos investimentos privados, contidos pelo compreensível medo que tinham os agentes econômicos, internos e externos, de empatar capital em um país com perspectiva de cair num redemoinho de depressão e convulsões social e política.

Portanto, é histórico o trabalho que o Congresso, mesmo coma falta de empenho do presidente Bolsonaro, conseguiu executar, junto com equipes do Executivo, destacando-se as do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho.

A situação-limite a que se chegou na Previdência se deve à classe política, costumeiramente sensível a pressões corporativistas que partem dos servidores públicos e desindica tosem geral.

Iniciada a redemocratização em 1985, depois de 21 anos de ditadura, o debate na sociedade ganhou os espaços democráticos que se abriam e, na agenda econômica, entraria a questão da Previdência.

O PT e aliados da esquerda impediram que na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (19942001) todas as alterações necessárias fossem executadas. Mas era tão imperiosa a reforma que mesmo o PT, ao chegar ao Planalto, com Lula e Dilma, foi levado a tocar esta agenda, apesar de todo o discurso contra. A aritmética é implacável, não tem ideologia. Porém não foi a fundo.

Mas agora houve, enfim, a consciência majoritária entre os políticos de que os pobres, que dizem proteger, são os primeiros e grandes prejudicados numa crise fiscal. E já estão sendo, nas emergências do SUS, na precariedade de escolas públicas etc.

Por suposto, as regras previdenciárias continuarão sendo atualizadas, porque o processo demográfico de envelhecimento da população exige. No Brasil, há também outro motivo: reduzir a injustiça social das gritantes desigualdades entre os benefícios do funcionalismo, privilegiado, e do aposentado da iniciativa privada (INSS). Esta reforma apenas começa a enfrentar a distorção.

Piora nas contas externas ajuda a depreciar o real – Editorial | Valor Econômico

O que os números estão dizendo é que o câmbio ainda pode se apreciar mais por algum tempo

Os investidores ficaram frustrados com o resultado dos leilões de exploração do petróleo deste mês. Contrariando as expectativas, Shell, Chevron, Total, Galp e outras grandes empresas não participaram e a arrecadação ficou bem abaixo dos R$ 106 bilhões esperados para as áreas do pré-sal. Não fosse a atuação da Petrobras em parceria com sócios chineses, o fracasso seria total. O impacto foi forte no câmbio, que contava com a entrada dos dólares do leilão. Depois de ter caído 3,85% em outubro, chegando a ficar abaixo de R$ 4, com o otimismo provocado pela aprovação da reforma da Previdência e pela expectativa com os leilões, o dólar subiu 4% nestes primeiros dias do mês. Foi a maior alta em uma semana desde a escalada de agosto de 2018, em consequência da divulgação de pesquisa eleitoral.

O mercado financeiro alinhou outras justificativas para a alta do dólar como a soltura do ex-presidente Lula e nova onda de tensão nas relações entre a China e os EUA. No entanto, não se pode atribuir só a esses fatores o movimento do câmbio. O dólar se valorizou ao longo do ano e chegou ao pico de R$ 4,18 no início de setembro. Mesmo tendo caído quase 4% em outubro, acumula elevação de 7,58% no ano, até ontem.

Os dados do fluxo cambial ajudam a explicar o que acontece. Outubro registrou a maior saída de divisas da série histórica mensal, com US$ 8,5 bilhões. No acumulado do ano, as saídas chegam a US$ 21,9 bilhões, com retiradas líquidas de US$ 35,6 bilhões pelo câmbio financeiro, não compensadas pelo saldo positivo de US$ 13,7 bilhões no câmbio relativo às operações comerciais. Ao mesmo tempo, nota-se a crescente saída de capital externo que estava no mercado brasileiro para aproveitar o antes elevado diferencial entre as taxas brasileiras e as praticadas no exterior, e começaram a bater em retirada depois da queda da taxa Selic para patamares historicamente baixos.

O balanço da conta corrente também espelha essa situação. Com o déficit de US$ 3,5 bilhões, o resultado teve em setembro o sexto aumento consecutivo, acumulando no ano US$ 34,1 bilhões, ou 2,51% do Produto Interno Bruto (PIB), bem superior aos US$ 18,6 bilhões do mesmo período em 2018 e também aos US$ 21,9 bilhões do ano passado inteiro. Diante disso, o BC já revisou para cima a previsão, ampliando o déficit esperado de US$ 19,3 bilhões para US$ 36,3 bilhões em 2019.

Um dos motivos para a nova perspectiva é o enfraquecimento da balança comercial, em consequência da crise argentina e da tensão comercial internacional, desencadeada pela disputa entre os Estados Unidos e a China. O saldo comercial ficou em US$ 1,7 bilhão em setembro, menos da metade dos US$ 4,7 bilhões de igual mês de 2018, acumulando US$ 28,6 bilhões no ano, bem abaixo dos US$ 38,1 bilhões do ano passado. A balança de serviços, com déficit de US$ 2,7 bilhões em setembro e US$ 26,1 bilhões no ano, está empatada com o resultado de 2018.

Mas o déficit da conta de rendas também cresceu, basicamente por dois motivos. As remessas de lucros e dividendos, de US$ 1,4 bilhão em setembro, totalizam US$ 19,3 bilhões no ano, quase 50% acima dos US$ 13,2 bilhões nos primeiros nove meses de 2018. Os pagamentos de juros também aumentaram. Com saída de US$ 1,3 bilhão em setembro, soma US$ 18,6 bilhões no ano, pouco acima dos US$ 17,1 bilhões do mesmo período de 2018.

Chama ainda a atenção a redução dos investimentos em carteira, apesar de o risco país ter recuado para 115 pontos no início de novembro, o menor patamar desde maio de 2013, quando o Brasil era avaliado como grau de investimento pelas empresas internacionais de rating. Somente em setembro, saíram do país US$ 4,9 bilhões, dos quais US$ 3,4 bilhões da renda fixa e US$ 1,5 bilhão da renda variável; e, em outubro, até o dia 22, foram retirados mais US$ 4,3 bilhões, sendo US$ 2,4 bilhões de ações, antecipou o Banco Central.

Apesar disso, as contas externas não são motivo de preocupação especial por conta do elevado volume de investimento direto no país, que foi de US$ 6,3 bilhões em setembro, e US$ 47,5 bilhões no ano, inferior aos US$ 53,9 bilhões do mesmo período de 2018, mas o suficiente para financiar o déficit em conta corrente e com previsão de fechar o ano ao redor de US$ 70 bilhões. As reservas também continuam elevadas, apesar de o Banco Central ter resolvido utilizá-las nas intervenções no mercado de câmbio. O que os números estão dizendo é que o câmbio ainda pode se apreciar mais por algum tempo

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