quinta-feira, 14 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Desempregado paga a conta – Editorial | O Estado de S. Paulo

Meter a mão no bolso do desempregado foi a solução encontrada pelo governo para bancar os incentivos à criação de empregos para jovens de 18 a 29 anos. Ninguém pode prever com segurança quantos empregos serão criados, mas o governo sairá no lucro, certamente, se prevalecerem as condições anunciadas. Se der tudo certo e os contratos chegarem a 1,8 milhão em cinco anos, o custo dos incentivos será de R$ 10 bilhões, segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. No mesmo período, a arrecadação de 7,5% sobre o seguro-desemprego poderá ficar entre R$ 11 bilhões e R$ 12 bilhões. Bom negócio, de toda forma, com ou sem abertura das vagas previstas nos cálculos oficiais.

Fracassaram todos os programas anteriores de expansão do emprego com base em redução de encargos empresariais. O último fracasso, o maior e mais custoso de todos, foi o do programa de desonerações implantado na gestão da presidente Dilma Rousseff. O fracasso, naturalmente, ocorreu somente do lado das contratações. Para as empresas foi obviamente lucrativo.

O plano agora proposto poderá produzir ganhos menos concentrados. Os benefícios valerão para as empresas somente se houver de fato contratações segundo o figurino previsto. Os custos oficiais serão cobertos pelos 7,5% de contribuição previdenciária cobrados sobre o seguro-desemprego. Não haverá perda nas contas oficiais e algum ganho poderá sobrar. E, a propósito, como ficarão os trabalhadores?

Os jovens de 18 a 29 anos contratados pela primeira vez poderão receber no máximo 1,5 salário mínimo, se forem seguidas as condições do programa. O contrato terá prazo máximo de dois anos. As empresas poderão ter até 20% de seus funcionários nessa modalidade e serão proibidas de usar esses contratos para substituir pessoal já empregado. Nada de voracidade excessiva, portanto. Os empregadores já poderão ganhar com os incentivos previstos. Ficarão livres da contribuição patronal para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), das alíquotas do Sistema S e do salário-educação. Se demitirem sem justa causa os novos contratados, terão de pagar multa de 20% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em vez dos habituais 40%, mas para isso terá de haver acordo na contratação.

Mas quantos jovens serão de fato contratados com base no esquema especial? A resposta a uma questão desse tipo, sempre difícil, está associada à solução de outro problema. Empregadores contratarão só por causa da redução de custos?

A experiência mais comum, incorporada com frequência na análise econômica, vincula a abertura de vagas a uma circunstância aparentemente esquecida neste caso: empresários tendem a ampliar seus quadros de pessoal quando necessitam ou preveem necessitar de mais trabalhadores. Não contratam pessoal, nem ampliam seu parque de máquinas e equipamentos, quando a atividade é limitada pela demanda fraca e inexistem sinais de melhora em prazo razoável. Incentivos podem facilitar contratações, investimentos em ativos fixos e também formação de estoques de insumos ou de bens finais quando há algum sinal positivo no cenário econômico. Se não, para quê?

Procedimentos mais simples e menos custosos podem ser permanentes, como nos Estados Unidos, e isso depende de reformas e de leis próprias. A reforma trabalhista aprovada no governo do presidente Michel Temer já tornou o sistema bem mais flexível. Fora dessas condições, incentivos têm sentido geralmente como ações de curto prazo.

No caso do emprego, é difícil imaginar contratações só por causa do barateamento do emprego. Se, no entanto, os empresários precisarem de trabalhadores, para que conceder incentivos e baratear a mão de obra? Para elevar o lucro à custa do assalariado? E, nesse caso, também à custa de quem mal consegue sustentar-se com o seguro-desemprego?

O governo desprezou o desemprego e a piora da crise, até decidir a modesta liberação, iniciada em setembro, de dinheiro do FGTS e do PIS-Pasep. Tendo feito quase nada para aquecer a economia, agora propõe criar empregos baratos à custa de desempregados. Modernização econômica é isso?

Crimes e erros na invasão da embaixada – Editorial | O Globo

Ocupação da representação da Venezuela estimula a polarização entre PT e bolsonarismo

A invasão de uma sede diplomática em território brasileiro é uma grave violação aos tratados e leis internacionais, subscritos pelo país. É responsabilidade do governo, sujeito a sanções, a integridade das embaixadas, missões e diplomatas estrangeiros.

Na ocupação da Embaixada da Venezuela, ontem, foram cometidos crimes em série. E, pior, as transgressões acabaram agravadas pela conivência de parlamentares, entre eles os líderes do PT e do PSL.

Os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) arrastaram o Legislativo para um perigoso envolvimento num incidente diplomático, relevante à segurança nacional e em flagrante desrespeito às leis.
A ação parece ter sido projetada para repercutir durante a reunião de líderes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Houve uma estranhável falha na segurança.

Quando a embaixada foi invadida, havia quase 10 mil policiais patrulhando o perímetro de atividades diplomáticas, com apoio aéreo. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência viu-se na contingência de ter de explicar que “jamais tomou conhecimento e, muito menos, incentivou” a invasão. Inócuo.

Na moldura da crise venezuelana, o episódio chama a atenção para o derretimento da cleptocracia liderada pelo ditador Nicolás Maduro, que já não consegue sequer custear o serviço diplomático. As cenas de Brasília fizeram aflorar extremismos e equívocos.

Governos do PT apoiaram a ditadura chavista. Lula fez comícios para Hugo Chávez na Venezuela e mobilizou recursos do Estado brasileiro para respaldar projetos inviáveis em privilégio da ditadura, com lucros garantidos para empresas amigas. Dilma preservou a política, em benefício de Maduro. O deputado Pimenta entrou na embaixada ontem para defender esse apoio à cleptocracia venezuelana.

O governo Jair Bolsonaro optou pelo oposto. Acabou num atrapalhado alinhamento ao projeto de invasão militar da Venezuela gestado na administração Donald Trump. Foi o profissionalismo das Forças Armadas que impediu a aventura.

A bipolaridade prevalece na política externa. Ela potencializa ações espúrias como a do deputado Eduardo Bolsonaro, que apoiou como “certo” e “justo” o movimento de invasão da embaixada. Pai do parlamentar, o presidente apressou-se em discordar de tal infantilidade e viu-se obrigado a divulgar um repúdio ao desvario. Porém, o dano à imagem do Legislativo estava feito —e pelo deputado que preside a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara.

Governo e Legislativo devem providências. O Executivo, na política externa e na garantia das representações diplomáticas e seus integrantes. A Câmara, na sanção aos extremistas que foram cúmplices em violações às leis nacionais e internacionais.

Partido de bolso – Editorial | Folha de S. Paulo

Projeto personalista de Bolsonaro traz risco de acentuar fragmentação de apoio

Em dez caudalosos parágrafos, o manifesto de fundação da Aliança pelo Brasil, partido que pretende dar sustentação personalista a Jair Bolsonaro, não toca no propalado liberalismo econômico associado ao governo do presidente.

Não é casual. Bolsonaro nunca foi um liberal ao longo de sua vida partidária em oito siglas até aqui. O acoplamento de economistas ortodoxos à sua equipe serviu mais como fiador para os mercados de sua aventura presidencial do que como prova de conversão.

Textos como esse não significam muito na prática. A Aliança, nome que remete à agremiação de apoio ao regime militar, tem em seu programa ênfase na identificação com a liderança do presidente e sua criticada agenda de costumes, e só.


Para os fins colocados, é o que basta. Malsucedido na tentativa de tomar para si o PSL que o hospedou para a campanha de 2018, Bolsonaro embarcou no primeiro projeto de partido criado para uma família no Brasil moderno.

A fim de disputar a eleição municipal do ano que vem, a Aliança tem menos de cinco meses para obter registro no Tribunal Superior Eleitoral. Não é fácil.

Não serão surpresa disputas judiciais por acusações de fraudes com a ratificação cartorial de assinaturas, mas isso não impediu políticos de ir em frente no passado, como Gilberto Kassab e seu PSD.

A diferença, a despeito do fato de que Bolsonaro emprega o mesmo advogado que auxiliou o ex-prefeito paulistano na sua empreitada em 2011, é que o presidente nada tem de agregador.

Decerto que as eleições de 2020 fomentarão uma concentração do quadro de candidaturas, devido ao veto às coligações no pleito proporcional, e nesse sentido compreende-se que Bolsonaro queira uma sigla para chamar de sua.

Entretanto a jogada também favorece uma fragmentação ainda maior da representação congressual —hoje há nada menos que 25 partidos na Câmara, nenhum deles dominante em termos de bancada.

O antes nanico PSL tem hoje 53 deputados, o segundo maior contingente após o PT, e aliados do presidente especulam uma Aliança com cerca de 30 nomes na Casa.

Não é exatamente animador em termos de encaminhamento de propostas ou para evitar movimentos contrários ao Palácio do Planalto, como comissões de inquérito e convocações.

No presidencialismo brasileiro, é a caneta do mandatário máximo que modula o jogo político. Isso tem mudado aos poucos, como a condução pelo Parlamento da reforma da Previdência demonstra, e não será com um partido mediano e radical que Bolsonaro terá a vida facilitada do outro lado da praça dos Três Poderes.

Após renúncia de Evo, Bolívia tem vazio de poder e caos- Editorial | Valor Econômico

O líder indígena que garantiu estabilidade política à Bolívia, impulsionou uma etapa de crescimento médio de 4,9% ao ano nos últimos 13 anos e reduziu pela metade a pobreza extrema foi o mesmo Evo Morales que renunciou ao governo após fraudar eleições e lançar o país de volta ao passado de caos político. Asilado no México, Morales disse que foi vítima de um “golpe cívico, político e policial”. O motivo para a rebelião, que continua nas ruas bolivianas, foi a manipulação do resultado de um pleito ao qual o presidente sequer deveria ter concorrido. Todos os ocupantes de cargos relevantes que apoiaram Evo renunciaram - o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado -, deixando um vácuo de poder que pode ser ocupado pelos militares.

Evo Morales se destacou como o melhor administrador entre os “bolivarianos”. Em sua gestão, a Bolívia “talvez tenha passado pela era mais estável de sua história”, diz Filipe Carvalho, da consultoria Eurasia (Valor, ontem). Fez um governo inclusivo, que reduziu de 8% para 3,5% o desemprego e cortou pela metade - de 38% para 17% - a fatia da população na pobreza extrema - no país mais pobre da América do Sul. Foi austero diante do boom das commodities e soube manter superávits primários até 2013, sem deixar de investir muito em programas sociais que, de 2006 a 2017, cresceram 10% ao ano.

O período final do mandato de Evo, antes da renúncia, foi marcado pela deterioração das condições econômicas. As cotações do petróleo, gás e commodities metálicas caíram e o governo executou uma política contracíclica que elevou aos poucos o déficit fiscal a 7,8% do PIB. Com crédito e consumo em alta, o BC manteve fixa a cotação do boliviano em relação ao dólar, que só em 2015 valorizou 16,1%. O aumento do déficit fiscal foi acompanhado pelo do déficit em conta corrente, hoje na perigosa casa dos 5% do PIB. Para manter a paridade cambial, as reservas caíram à metade, para algo em torno a US$ 10 bilhões. A dívida pública subiu de 38% para 53% do PIB entre 2014 e 2018 - um nível ainda assim muito mais confortável do que os 79% do Brasil.

Mas não foram as agruras econômicas que arruinaram a credibilidade do governo, embora tenham contribuído para isso. Foi o desejo de perpetuar-se no poder, praga bolivariana, que derrubou Evo. A Constituição não permitia que ele pudesse se candidatar novamente. Foi realizado um referendo em fevereiro de 2016 e, por maioria de 51,3% (ante 48,7%), o povo boliviano recusou-se a dar mais uma chance a ele. Evo recorreu aos amigos da Justiça e ganhou aval legal para ir às urnas.

Em 20 de outubro, computados quase 85% dos votos, a diferença entre Evo e Carlos Mesa, seu rival, não chegava perto dos 10 pontos percentuais necessários para liquidar a eleição em primeiro turno. Houve estranha interrupção e, retomada a contagem, Evo se reelegeu com uma distância de 10,57%. Com os protestos, o governo aceitou auditoria da Organização dos Estados Americanos, que concluiu ter havido “contundentes” sinais de fraude e recomendou novas eleições.

Evo aceitou a recomendação, mas a essa altura parte da população, e não só tradicionais rivais direitistas, mas também a Central Operária Boliviana e alguns movimentos sociais, se insurgiu. Além de não poder ter concorrido, Evo havia fraudado as urnas e, ainda assim, teria outra chance para dirigir o país. Na sexta-feira a polícia se recusou a reprimir manifestações contrárias ao governo e, no domingo, os militares “sugeriram” ao presidente que renunciasse.

A debandada geral de políticos do Movimento ao Socialismo de Evo deixou a Bolívia sem presidente e sem meios de encaminhar um processo de substituição legal. A renúncia de Evo tem de ser aprovada pelo Legislativo, que não se reúne com medo da ira popular. Sem Tribunal Eleitoral, dissolvido por Evo, não há sequer quem diga quem poderá disputar eleições.

A última autoridade disponível, a segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, seguiu a lógica e autoproclamou-se, com a Bíblia nas mãos, presidente interina, sem base legal e aprovação do Congresso. Ela prometeu organizar novas eleições - a única saída democrática.

As forças contrárias a Morales tendem a se dividir após sua queda. O ultradireitista Luis Camacho, líder do Movimento Cívico de Santa Cruz, ganhou durante as manifestações suficiente projeção política para concorrer. O MAS, que deixou o poder, ainda tem ampla representatividade e não pode ser excluído do processo, sob risco de mais instabilidade. Sem consenso, não haverá eleições - e ele parecia distante até ontem.

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