domingo, 3 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O método – Editorial | Folha de S. Paulo

Ao atacar a imprensa, Bolsonaro tenta confundir o debate e minar o jornalismo

Os virulentos ataques de Jair Bolsonaro (PSL) contra a imprensa nos últimos dias expuseram com crueza seu instinto autoritário e seu desprezo pelos princípios mais elementares do jogo democrático.

Em entrevista a um programa de televisão na quinta (31), ele disse que mandou as repartições do governo federal cancelarem suas assinaturas desta Folha. “Envenena o meu governo a leitura”, justificou.

Logo depois, em pronunciamento nas redes sociais, voltou a atacar o jornal e fez uma ameaça aos seus anunciantes: “Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?”

Embora sua agressividade com a imprensa seja constante desde a campanha, Bolsonaro vem subindo o tom, e agora se mostra disposto a usar os poderes do cargo para minar a própria existência dos veículos que o desagradam.

Na quarta (30), o presidente dirigiu sua fúria ao Grupo Globo, ameaçando não renovar suas concessões de rádio e televisão quando vencerem em 2022.

Bolsonaro também tomou medidas para acabar com a publicação de balanços das empresas em jornais e revogar a obrigatoriedade de divulgação de atos oficiais do governo, deixando claro que seu objetivo com isso era esvaziar as fontes de receita dos jornais.

Na segunda (28), em vídeo publicado na internet, Bolsonaro já havia se comparado a um leão acossado por hienas que o atacam. Algumas delas foram identificadas como a Folha, a TV Globo, a revista Veja e o jornal O Estado de S. Paulo.

Ofensas a repórteres que lhe dirigem perguntas incômodas, em entrevistas nas quais costuma se cercar de seguidores para tentar intimidar jornalistas, tornaram-se rotina em seu repertório.

O ataque à Globo foi desferido horas após a veiculação de uma reportagem que sugeriu vínculos do presidente com milicianos acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) em 2018.

Bolsonaro não é o primeiro nem será o último governante brasileiro a criticar a imprensa e expressar insatisfação com o tratamento recebido dos jornais. É parte do jogo.

Mas ele é certamente o primeiro a transformar a desinformação em estratégia de comunicação, disseminando notícias falsas, ofensas e disparates num esforço sistemático para intoxicar o ambiente político e confundir o debate público.

Desacreditar veículos dedicados ao jornalismo profissional é parte do método, que visa minar a confiança da sociedade na imprensa não submissa a seu governo.

Ao agir assim, Bolsonaro revela inclinação totalitária e submete a enorme estresse instituições desenhadas para impor limites a abusos de poder e promover a cooperação em prol do bem comum.

Cabe ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal dar as respostas que os desatinos cada vez mais frequentes do presidente merecem.

Esta Folha continuará onde sempre esteve, praticando o jornalismo com espírito crítico e independência, e honrando a confiança nela depositada por seus leitores.

O esforço para domar a dívida – Editorial | O Estado de S. Paulo

Apertadas no dia a dia, as famílias podem nem perceber os efeitos da política de corte de juros. Para o consumidor o crédito pode até estar mais acessível, mas continua caro. Para os cofres públicos, no entanto, a redução do custo financeiro produz benefício rápido, claro e traduzido em bilhões. Mesmo com esse alívio, o governo continua forçado a conter gastos importantes para a produção, o emprego e o bem-estar dos brasileiros. Mas alguns sinais positivos nas contas oficiais são incontestáveis. Os juros custaram R$ 360,03 bilhões ao setor público nos 12 meses até setembro. Nos 12 meses terminados em setembro do ano passado essa despesa havia chegado a R$ 401 bilhões. Com essa mudança, o custo financeiro nas contas governamentais passou em um ano de 5,94% para 5,10% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados são das Estatísticas Fiscais elaboradas mensalmente pelo Banco Central (BC).

O peso da dívida continua muito grande, mas pelo menos alguns fatores vêm facilitando a administração do problema. Juros em queda e inflação contida explicam boa parte da melhora. Ainda será necessário, no entanto, muito trabalho para conter o enorme endividamento e reduzi-lo a proporções mais seguras.

O Brasil tem-se destacado entre os países emergentes pelo baixo ritmo de crescimento, pelo mau estado das contas públicas e pelas proporções do endividamento oficial. Em setembro, a dívida bruta do governo geral correspondeu a 79% do PIB. A proporção gira em torno de 50% para a média dos países emergentes e em desenvolvimento. Em agosto, a relação dívida/PIB era de 79,8%. O governo geral inclui as administrações da União, dos Estados e dos municípios e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O governo central tem o maior peso e é o garantidor de grande parte das dívidas estaduais e municipais.

Dois fatos explicam a redução do peso de 79,8% para 79% do PIB. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pagou ao Tesouro Nacional R$ 40 bilhões, parte de uma dívida acumulada no período petista. Além disso, vendas de dólares pelo BC enxugaram R$ 36 bilhões do mercado. Os dois eventos diminuíram a necessidade de emissão de novos títulos.

O conserto das contas públicas depende, no entanto, de um programa amplo e complexo de ajustes e de reformas. A reforma da Previdência é uma conquista importante para o controle das despesas obrigatórias, mas seus efeitos só aparecerão nos próximos anos. Por enquanto, o déficit previdenciário continua engolindo as economias conseguidas com a contenção de outros gastos e deixando ainda amplo o saldo negativo.

Nos 12 meses até setembro, por exemplo, o Tesouro Nacional acumulou superávit primário, isto é, sem a conta de juros, de R$ 103,13 bilhões. O BC teve um pequeno déficit de R$ 591 milhões. O rombo de R$ 205,24 bilhões do INSS devorou o saldo positivo obtido pelo Tesouro e o resultado para o governo central foi um déficit primário de R$ 102,80 bilhões.

Adicionados os saldos, em parte positivos, de Estados, municípios e empresas estatais, o setor público fechou o período com um déficit primário de R$ 91,43 bilhões. Acrescentados os juros, o resultado nominal, o mais amplo, foi um déficit de R$ 451,46 bilhões, soma equivalente a 6,39% do PIB, um buraco de proporções em todos os grupos de economias.

A relação dívida/PIB só será controlada e reduzida quando o setor público tiver sobra, isto é, superávit primário, para liquidar os juros devidos em cada ano. Algum superávit primário deverá aparecer a partir de 2022, segundo projeções do mercado recolhidas na pesquisa Focus conduzida pelo BC.

A dívida bruta do setor público é um indicador acompanhado com atenção por instituições nacionais e estrangeiras, interessadas em identificar as condições de solvência de cada país. Não se trata, no entanto, apenas de sustentar e depois aumentar a nota de crédito do País. Consertar as contas públicas é essencial para tornar o governo mais eficiente, impulsionar o crescimento econômico e a criação de empregos e elevar as condições de vida de toda a população.

Grave retrocesso que pode ser evitado – Editorial | O Globo

Não fere a Constituição manter a jurisprudência já seguida, e consagrada em muitos países

O centenário Supremo Tribunal Federal exerce protagonismo no fortalecimento do estado democrático de direito. Tem sido um trabalho de reafirmação e consolidação de valores. Na próxima quinta-feira, 7, a Corte terá oportunidade de exercer mais uma vez este papel, quando seus 11 ministros definirão se a condenação confirmada em segunda instância pode começar logo a ser executada ou se será necessário aguardar o “transitado em julgado”, ou seja, o esgotamento das incontáveis apelações que a legislação permite, para enfim a justiça ser feita. Que nem sempre é.

Não constitui um debate basicamente teórico com desdobramentos apenas acadêmicos. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, abrirá a sessão de quinta-feira estando o enfrentamento desta questão com o resultado parcial de 4 votos a 3 em defesa da segunda instância como referência para que veredictos comecem a ser aplicados. No lado até agora vencedor, encontram-se os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux; no oposto, o relator do caso em julgamento, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Mas a previsão fundamentada em posições de alguma maneira já assumidas pelos donos dos votos restantes (Cármen Lúcia, Celso de Mello, Gilmar Mendes) é que haverá empate de 5 a 5, a ser decidido por Toffoli, presidente do Tribunal. O ministro já votou pela prisão em segunda instância, mudou de posição, e tentaria uma solução “meia-sola” — nos termos de Marco Aurélio Mello —, que deixaria com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o marco para o começo da execução da sentença.

Na segunda-feira, Dias Toffoli encaminhou ao Congresso projeto de lei para restringir a aplicação das prescrições. Uma resposta aos muitos que se opõem à derrubada da prisão em segunda instância com o argumento de que isso favorecerá os réus em condições financeiras de contratar advogados competentes para explorar o emaranhado de leis, a fim de que os crimes cometidos por sua clientela caduquem, por força do excessivo número de recursos permitidos no Brasil. Na avaliação de especialistas, a proposta de Toffoli não resolve o problema. Não elimina as postergações.

Não se deve considerar o Supremo volúvel por ter, em 2016, mudado o entendimento da execução de pena, para considerar legal a prisão a partir da segunda instância. Está no voto já pronunciado pelo ministro Luís Roberto Barroso: na entrada em vigor do Código de Processo Penal, em 3 de outubro de 1941, a Justiça brasileira passou a executar a sentença na sua confirmação em segunda instância. Veio a Constituição de 1988, continuou assim, até 2009, quando, por meio de um julgamento de habeas corpus que teve o então ministro Eros Grau na relatoria, passou a vigorar o “transitado em julgado”. Até que em 2016 o ministro Teori Zavascki restabeleceu a norma histórica, ao relatar também um pedido de habeas corpus, ao manter a rejeição a duas ações cautelares de Declaração de Constitucionalidade (ADCs) e a um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE), neste caso, uma decisão vinculante.

A prisão em segunda instância não é uma jabuticaba jurídica, algo dos trópicos. Existe na maioria dos países, em especial naqueles em que o processo civilizatório democrático está mais avançado. Exemplos de Canadá, Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, bem como Espanha e Portugal. Na vizinha Argentina ocorre o mesmo. Em certos países, a depender do crime, a pena de prisão passa a ser cumprida logo na primeira instância.

O voto do relator Marco Aurélio Mello pela revogação da jurisprudência é dado sobre ADCs impetradas pelo PCdoB, Patriota e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Elas pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que determina: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Na interpretação dos defensores da prisão em segunda instância, como o ministro Luiz Fux, o estabelecido no artigo 283 do CPP, de que a prisão pode ser executada por “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”, é suficiente para sustentar a execução antecipada da sentença. Na Constituição, o artigo 5º LXI estabelece que a prisão se dará: “em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”. Confirma esta interpretação do CPP. São estas as condições para prisão, e não o esgotamento dos recursos.

Já os magistrados “garantistas”, ao contrário dos “consequencialistas”, se apegam ao sentido literal do “transitado em julgado”. Um assunto tão polêmico, e que tem dividido o Supremo, não deveria ser decidido como competição esportiva. Ainda por cima só tendo transcorrido, desta vez, três anos da vigência da execução da sentença a partir da segunda instância, uma jurisprudência que vigorou de 1941 até 2009, quase sete décadas, sem problemas. Por que o açodamento, se as mais consolidadas democracias do mundo adotam a regra da segunda instância? E nenhum dos tratados e convenções multilaterais de defesa dos direitos humanos exige o “trânsito em julgado” para o cumprimento de sentença.

Há também premissas falsas dos defensores do “transitado em julgado”. Foi demonstrado por Luís Roberto Barroso que a vigência da prisão em segunda instância não aumentou o encarceramento, como é alegado. Na realidade, este conflito que divide a mais alta Corte do país não tem a ver com a maioria dos brasileiros, os pobres. Estes não constituem advogados, são presos provisoriamente e compõem 40% da população carcerária. O tema da segunda instância interessa de perto a apenas 4.895 presos, entre eles condenados por roubo do dinheiro público etc. Têm enorme poder de influência.

Outro forte argumento a favor da manutenção de uma jurisprudência que vigorou por 68 anos, de 1941 a 2009: na primeira e segunda instâncias se esgota a análise de provas, definem-se a materialidade do delito e sua autoria. Depois disso, há apenas discussões sobre aspectos jurídicos. Daí ser ínfima a taxa de sucesso de recursos especiais e extraordinários encaminhados ao STF e ao STJ, em favor dos condenados: no STF, por exemplo, em 25.707 recursos extraordinários, apenas em 1,12% deles houve decisão favorável aos réus, e só em 0,035% ocorreu absolvição. Portanto, não se confirma que a prisão em instâncias inferiores resulta em um massivo desrespeito a direitos. O julgamento de quinta dá chance ao STF de ser sensato e não permitir recuos que danifiquem a confiança que a sociedade voltou a ter nas instituições com o enfrentamento da alta corrupção. Sem ferir a Constituição.

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