quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Vinicius Torres Freire - O novo expurgo do bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

Em vez de firmar alianças, presidente faz opção por partido de poucos, bons e fieis

O partido que os Bolsonaro pretendem criar, a “Aliança pelo Brasil”, parece mais um dos movimentos de expurgo e purificação do bolsonarismo, em curso desde a vitória de 2018. Em vez de firmar alianças, criar coalizão mais ampla e expandir um partido, os Bolsonaro e seu comitê central se dedicam a criar uma agremiação de “poucos e bons”, sujeita ao estrito controle político, financeiro e ideológico da família.

Tal plano de depuração não parece compatível com a preocupação de formar coalizão ampla e estável no Congresso ou de criar partido grande o bastante para se tornar âncora no Parlamento, apesar de os Bolsonaro alardearem que terão mais de 100 deputados.

Não é novidade que os Bolsonaro não deem bola para tal assunto. O exclusivismo, porém, tende pelo menos de início a diminuir ainda mais o peso relativo do partido do presidente. Será menor em números, terá menos lugares em comissões e lideranças, que já eram fracas e caóticas. A inconstância deve criar incertezas e desconfianças em potenciais aliados.

Jair Bolsonaro deixou para trás aliados de campanha, ainda na transição. No poder, abateu amigos e aliados com posição de ministros. Mostrou que não haveria “ala militar” capaz de subjuga-lo, de modo decisivo e até surpreendente (inclusive para os militares, dentro e fora do governo). Não se abalou de romper violentamente com dois companheiros de viagem eleitoral, João Doria (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio), assim que esses governadores deram indícios de que poderiam ser concorrentes em 2022.

O ex-ministro Gustavo Bebianno, escorraçado do governo pela filhocracia e pela “ala anti-establishment” do governo, diz que Bolsonaro atira nos seus soldados pelas costas. A inconstância e acusações de traição vão abalar a capacidade bolsonarista de inventar um partido ou de ter força eleitoral? Vai depender dos recursos de que vai dispor (prestígio presidencial, dinheiros). Vai depender do tamanho da reação da economia em 2020 (ainda incerto) e seu efeito sobre a maioria da população (ainda mais incerto).

A princípio, a fúria bolsonarista causa desconfiança ou até irritação (o centrão não está gostando da hipótese de ter parlamentares roubados).

Se lhe resta alguma capacidade de cálculo racional, o bolsonarismo talvez imagine que tal movimento exclusivista deva ter outras bases de apoio. Por exemplo, prestígio nas redes sociais, como na eleição de 2018. Assim, Bolsonaro manteria popularidade para não ser abandonado de vez no Congresso e meios de eleger prefeitos e vereadores em quantidade suficiente para parecer que foi bem na eleição de 2020. Mas, talvez queira mesmo liderar um movimento de massa, “sem partidos”, mais ou menos revolucionário. Não é bem piada.

Qual será o efeito da “Aliança pelo Brasil” (“Deus, Pátria, Família”) no entorno político? Pelo que se sabe, o Congresso ainda operará em regime de “parlamentarismo branco pelas reformas” até meados do ano que vem.

Mas Lula está solto e ainda não se sabe como vai tentar conduzir a política da esquerda (frente ou “polarização”). João Doria e o PSDB, o centrão ou o embrião neocentrista de um eventual Luciano Huck, todos vão ter de se posicionar, se por mais não fosse, por causa da eleição de 2020, que não terá coligações para a vereança, mas terá ainda assim alianças e teste de projetos.

Em suma, convém notar que Bolsonaro relançou seu projeto político _e não é pelas “reformas”.

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