terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Eliane Cantanhêde - Injustiça e desigualdade

- O Estado de S.Paulo

IDH toca na maior ferida do Brasil: desigualdade social. País rico, cidadãos pobres

O Brasil ficou na 79.ª posição geral e na quarta da América do Sul no IDH, atrás de Chile, Argentina e Uruguai, mas a pior notícia não é essa, é o pódium da desigualdade. O índice brasileiro vai melhorando devagar, mas continua péssimo e sem reduzir o gap triste e vexaminoso entre os mais pobres e os mais ricos. Simplesmente 1/3 da renda vai todinha para apenas o 1% de mais ricos.

Os avanços foram mais acentuados de 1990 a 2013, até que a crise Dilma Rousseff, com todos os seus fatores, estancou esses avanços. Em 2018, a melhora foi de um milésimo no IDH. O que puxou o freio foi a educação. Alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?

Ao lado disso, a confirmação agora, como ocorre ano após ano, de que as mulheres estudam mais, mas ganham menos que os homens. Muito menos, aliás, em torno de 41,5%. Novamente, há alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?

O principal alerta sobre o significado de tudo isso está aqui perto, no Chile. Considerado um oásis, com bons indicadores econômicos, políticos e sociais, o país ficou novamente em primeiro lugar no IDH na região. Então, há alguma coisa fora de lugar. Se o país tem o melhor IDH e indicadores tão elogiados, por que pipocaram manifestações gigantescas contra tudo?

A resposta, não científica, mas compartilhada pelos meios acadêmicos e diplomáticos tanto do Chile quanto do Brasil, é essa: o país vai bem, mas as pessoas não tanto. A renda é alta, a divisão é precária. E, atenção, quanto mais a sociedade tem informação, serviços adequados e suas reivindicações atendidas, mais ela fica exigente.

Afinal, informação é poder. Se as pessoas têm mais acesso a escola, a saúde, a habitação e aos seus direitos, mais ela acha que pode conseguir. E está certa. Daí a pressão. E daí o temor no Brasil de que a onda de protestos no Chile venha cruzando fronteiras e desembarque por aqui. Esse temor é reforçado pelo ambiente geral na região. Também vivem graves conflitos de rua Colômbia, Bolívia e Equador, sem falar na Venezuela, um caso perdido. E há troca de governo na Argentina e Uruguai.

É instigante que os protestos não perdoem os regimes nem de direita (Colômbia) nem de esquerda (Bolívia). O “povo” não quer saber desse mimimi de direita e de esquerda. Quer direitos e serviços: educação, saúde, habitação, transporte, emprego, dinheiro no bolso – e inclusão social.

No Chile, todas as forças políticas, exceto o Partido Comunista, se reuniram para tentar entender o que está acontecendo e providenciar uma reação consistente à sociedade. O manifesto dessa nova “Concertación”, “pela democracia”, acena com uma resposta ao “clamor dos cidadãos”, um “acordo social” e uma “nova era”, avançando com a atualização da Constituição.

No Brasil, pego de surpresa, como todos os demais, por essas ondas de rebelião ao seu redor, a questão é tratada superficialmente, só pelo ângulo da repressão. Ou melhor, como caso de polícia, de tropas do Exército ou até mesmo de AI-5.

O correto, porém, é passar os olhos pelo manifesto chileno e focar num parágrafo sobre o “bom momento” para reformas sociais e econômicas que possam “outorgar justiça e maior igualdade de oportunidades, ajudando aqueles que necessitam da presença de um Estado solidário, de bem-estar e seguridade social”. Esse é o pulo do gato.

É arregaçar as mangas, lá, como cá, para que o Estado deixe de servir às castas estatais e privadas e passe a se voltar para o interesse da maioria, para aqueles que realmente precisam do Estado. Reformas já! Mas não só enxugando os privilégios de quem não precisa, mas garantindo direitos para quem precisa. O começo de tudo é a Educação.

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