quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Luiz Fernando Veríssimo - ‘No pasarán!’

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Jovens hoje se equiparam aos antifascistas da Espanha na Guerra Civil

A jornalista Eliane Brum, conhecida batalhadora pelas boas causas, chamou atenção para uma matéria publicada recentemente no jornal inglês “Guardian” assinada por Jonathan Watts, seu editor de assuntos ambientais. A matéria é sobre os crimes em curso na Amazônia, o desmatamento, as queimadas, a grilagem, os assassinatos — enfim, tudo que se sabe e se lamenta dessa vergonha nacional. Mas Watts estranha que a revolta contra os crimes ambientais ainda não tenha atingido o grau de indignação que mobilizou tanta gente durante, por exemplo, a Guerra Civil Espanhola, quando voluntários republicanos vindos de várias partes do mundo se apresentaram para impedir que a direita franquista dominasse o país.


A comparação de Watts não deixa de ser injusta. Na Espanha, no fim dos anos 30, ninguém tinha dúvidas sobre a legitimidade da sua causa e a necessidade de se engajar contra as forças de Franco e o fascismo em ascensão. Milhares de estrangeiros foram para as frentes de batalha, alistaram-se em tropas como as da Brigada Internacional, gritaram “No pasarán!” e abriram o peito para enfrentar o que depois seria chamada de a última grande causa. Ajudou a mobilização o fato de intelectuais, artistas e figuras públicas da época, em muitos casos, não apenas se manifestarem a favor da esquerda como desembarcarem na Espanha dispostos a lutar, como os escritores George Orwell, ferido na guerra, e Ernest Hemingway.

Há cada vez mais manifestações contra o aquecimento global e os crimes na Amazônia, e jovens com o peito aberto enfrentando os cassetetes e o gás lacrimogênio das forças da ordem se equiparam, hoje, aos jovens antifascistas da Espanha, mas as decisões sobre o que fazer para salvar o planeta são tomadas — ou adiadas — em conferências ascéticas, onde os países industrializados e poluidores têm o voto decisivo e garantem que seus interesses passarão, sim. Aliás, na Espanha os franquistas também passaram.

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