domingo, 15 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Fim de ano promissor – Editorial | O Estado de S. Paulo

A expectativa de um bom fim de ano, com o consumo animando a economia, foi reforçada com a divulgação dos dados de outubro do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O indicador subiu 0,17%, na terceira alta mensal consecutiva, e ficou 2,13% acima do nível de um ano antes. O mercado apostava em resultado mais alto, mas, apesar disso, recebeu a novidade como um bom sinal. Informações já publicadas sobre a produção industrial, o mercado de serviços e a evolução do varejo haviam apontado a continuação da retomada no quarto trimestre. A mediana das expectativas coletadas pela Agência Estado havia sido 0,25%.Os analistas, no entanto, de modo geral avaliaram os novos números do IBC-Br como comprovação de uma firme tendência de recuperação econômica.

O indicador do Banco Central, publicado mensalmente, é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora baseada em um conjunto limitado de informações, essa antecipação ajuda os economistas a compor suas apostas. As avaliações continuam positivas e as projeções de algumas instituições financeiras e consultorias já apontam crescimento econômico de 1,2% neste ano. No começo da semana, a mediana das projeções para 2019 estava em 1,10%, pouco acima do nível atingido na semana anterior, 0,99%. Quatro semanas antes ainda se estimava uma expansão de 0,92% para o PIB.

Em outubro houve crescimento de 0,8% na produção industrial, 0,8% na de serviços, 0,1% nas vendas do varejo restrito e 0,8% nas do varejo ampliado (com veículos, autopeças e materiais de construção), segundo o IBGE. A produção da indústria teve a terceira alta mensal consecutiva, mas ainda acumulou queda de 1,3% em 12 meses. Além disso, a comparação dos dados de janeiro-outubro com os de um ano antes mostrou recuo de 1,1%.

Os números da indústria são o detalhe mais preocupante quando se examina o avanço da atividade. Em outubro o setor industrial continuou exibindo os efeitos do baque do ano passado, quando seu desempenho foi severamente prejudicado pelo bloqueio de estradas e também pela incerteza quanto às eleições e à política do governo seguinte.

Esses obstáculos também complicaram o retorno, já demorado, aos níveis de atividade registrados no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A recuperação do setor, especialmente da indústria de transformação, é um desafio crucial para o êxito da política econômica e para a consolidação do Brasil como país digno de ser classificado como economia emergente. Os sinais de aceleração industrial são animadores, mas é difícil dizer, por enquanto, como estará o impulso no primeiro trimestre do próximo ano.

Apesar de alguma divergência, o IBC-Br e o PIB oficial têm coincidido num ponto muito relevante para a avaliação das perspectivas. Nos dois cenários, o ritmo do crescimento se mantém perto de 1% ao ano – e quanto a isso também se aproximam da percepção dos analistas do mercado.

Nos 10 meses de janeiro a outubro, segundo o indicador recém-divulgado pelo BC, o nível de atividade foi 0,95% mais alto que em igual período de 2018. Em 12 meses o crescimento acumulado ficou em 0,96%. A comparação do trimestre de agosto a outubro deste ano com o do ano passado mostrou avanço de 1,16%.

O crescimento em 2018, último ano do governo anterior, chegou a 1,3%, segundo a revisão recém-publicada pelo IBGE. As projeções para este ano estão pouco a pouco chegando perto desse número. O entusiasmo dos analistas diante dessa possibilidade é facilmente explicável, quando se leva em conta o desempenho do País no primeiro semestre.

As estimativas para 2020 andam em torno de 2,20%. Elevando para R$ 998 o limite de saque do FGTS o governo reforça o estímulo ao consumo. Juros básicos em seu menor nível devem ajudar. Se o otimismo persistir, o crescimento poderá passar de 2,20%, consolidando a superação da crise, mesmo com o presidente olhando para outro lado.

Pós-Previdência – Editorial | Folha de S. Paulo

Inabilidade, excesso de propostas e indefinição de prioridades travam agenda

Ameaçada no Congresso Nacional, a medida provisória que cria incentivos para a contratação de jovens exemplifica deficiências e vícios do governo Jair Bolsonaro na condução de sua agenda legislativa.

O obstáculo mais evidente à aprovação do programa batizado de Emprego Verde e Amarelo decorre de um misto de inabilidade e insensibilidade política e social, que se nota na proposta de tributar desempregados para cobrir os custos orçamentários da nova iniciativa.

Até existe uma base racional para a ideia de instituir a cobrança de contribuição previdenciária dos beneficiários do seguro-desemprego. Assim, argumenta-se, o período de recebimento do benefício contaria como tempo para a obtenção da aposentadoria.

Entretanto é óbvio que se penalizam estratos que estão entre os mais vulneráveis da população, em um momento ainda desfavorável da economia e do mercado de trabalho. Enquanto isso, não se viram na prática as intenções corretas de elevar a taxação direta dos rendimentos mais elevados.

Outro erro reside na edição abusiva de medidas provisórias, um instrumento concebido para providências urgentes —categoria em que dificilmente se enquadraria um duvidoso programa de emprego, a merecer exame mais detido.

Decerto Bolsonaro não é o primeiro presidente a pretender legislar por meio de MPs. Tratando-se de um governo de base partidária frágil e relações difíceis com o Congresso, todavia, a estratégia parece mais hostil e fadada ao fracasso.

Não por acaso, de 42 MPs baixadas neste ano, 11 perderam a validade após não serem votadas no prazo regimental, enquanto apenas 10 viraram leis até o momento. Trata-se de desempenho vexatório para um início de mandato.

Novas normas de tramitação das medidas, ademais, dificultaram o trabalho do Executivo. Até por isso, o uso do instrumento deveria ser mais parcimonioso.

Por fim, observa-se falta de clareza e pragmatismo na definição de prioridades, inclusive na área econômica, a mais qualificada.

Se a nova Previdência mereceu absoluta primazia inicial e foi concluída com êxito graças ao protagonismo do Congresso, os próximos passos da agenda reformista se afiguram um tanto incertos.

Só o Plano Mais Brasil, lançado em novembro, reúne três complexas propostas de emenda constitucional, tratando de temas tão diferentes quanto fusão de municípios, extinção de fundos públicos e gastos em saúde e educação.

Que o Emprego Verde e Amarelo venha a se diluir em meio à barafunda legislativa é problema menor. O programa pode ser aprimorado ou mesmo abandonado.

No entanto há medidas de real urgência, como a destinada a conter desembolsos obrigatórios em um cenário de descumprimento do teto das despesas. O governo ainda está por demonstrar capacidade de conduzir essa agenda.

Chance real de um salto no saneamento – Editorial | O Globo

Novo marco regulatório abre espaço para iniciativa privada e permite ampliar investimentos

Embora seja lugar-comum criticar o vergonhoso estágio em que o saneamento básico no Brasil se mantém há tempos, é preciso insistir. Porque se trata de um problema capaz de gerar mazelas múltiplas. Não pode ser encoberto. A falta de coleta e tratamento do esgoto, e mais as deficiências na distribuição de água tratada, adoecem as pessoas e assim pressionam um sistema de saúde pública já sobrecarregado; prejudicam o rendimento escolar das crianças mais pobres, necessitadas de um ensino de qualidade; aumentam o absenteísmo no trabalho, com reflexos negativos no plano pessoal e na economia. É um círculo perverso que precisa ser rompido.

Pela lógica, não haveria o que se discutir. Mas há muitos interesses em questão. O saneamento é uma atividade com muitas empresas públicas, grupos políticos e corporações que em geral não querem abrir mão de espaços de poder e benefícios. Não importam as deficiências do serviço prestado.

A aprovação na Câmara do texto-base do projeto de lei que atualiza o marco regulatório do setor é um passo na direção certa. Que precisa ser confirmado pelos senadores.

Um aspecto essencial das novas regras é abrir espaço para a iniciativa privada em um setor dominado por empresas públicas, em torno das quais construíram-se fortes corporações sindicais, que resistem a tudo que resulte em perda de privilégios.

Não importa, para esses grupos de pressão, que ainda metade da população não tenha acesso a tratamento de esgoto — mais de 100 milhões de pessoas. O novo marco, ao estabelecer que o poder concedente — os municípios — tem de abrir licitação de que participem empresas privadas e públicas, permite que se acelerem os investimentos na ampliação e melhoria dos serviços.

A meta é atingir cobertura nacional de 99% em água tratada e 90% em coleta e tratamento de esgoto até o fim de 2033.

Só com as empresas públicas será impossível. No Rio, a estatal Cedae tem bons resultados financeiros e baixo rendimento operacional — no ranking de cidades do Instituto Trata Brasil, o Rio, em grande parte atendido pela empresa, caiu da 39ª para a 51ª posição. O serviço na região pode ser ampliado e melhorado por meio de concessões, a partir de modelo desenhado pelo BNDES. A empresa estatal poderá continuar captando, tratando e distribuindo água na Região Metropolitana, enquanto quatro conjuntos de concessionárias privadas atuarão em sua área. A composição dos blocos obedecerá ao critério de conjugar áreas ricas e pobres, para que as primeiras financiem as segundas.

Esta engenharia precisa ser bem feita, para impedir grande elevação de tarifas em regiões de menor poder aquisitivo. É preciso cuidado em não deixar brechas técnicas no modelo que possam ser exploradas de maneira demagógica pelos grupos que controlam as estatais e se beneficiam delas.

Estudo da consultoria Inter.B mostra que, entre 2014 e 2017, as tarifas dos serviços subiram 30,7%; as despesas com folha de pessoal, 26,9%, em média, mas os investimentos retrocederam aproximadamente 3%, enquanto o índice de perda no abastecimento de água aumentou de 36,6% para 38,3%. Diagnóstico: o crescimento da receita só favoreceu os servidores. Os investimentos e a melhoria da eficiência ficaram em segundo plano. Entende-se a tragédia do saneamento.

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