quarta-feira, 3 de abril de 2019

Opinião do dia: Hannah Arendt*

Só conseguimos perceber a existência de um direito a ter direitos (e isto significa viver numa estrutura onde se é julgado pelas ações e opiniões) e de um direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando surgiram milhões de pessoas que haviam perdido esses direitos e não podiam recuperá-los devido à nova situação política global. O problema é que essa calamidade surgiu não de alguma falta de civilização, atraso ou simples tirania, mas, pelo contrário, que é irreparável porque já não há qualquer lugar “incivilizado” na Terra, pois, queiramos ou não, já começamos realmente a viver num Mundo Único. Só com a humanidade completamente organizada, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão da humanidade.

*Hannah Arendt “O sistema totalitário”. Tradução de Roberto Raposo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978, p. 381-382.

Vera Magalhães: Ver para crer

- O Estado de S.Paulo

O sentimento dominante entre os presidentes e líderes de partidos antes da conversa marcada para amanhã com Jair Bolsonaro é de ceticismo. Ao marcar uma série de audiências em sequência, no mesmo dia, com representantes de siglas que integram, grosso modo, o chamado Centrão, o presidente pretende dar uma demonstração de que aceitou os apelos pela necessidade de iniciar uma articulação política mais consistente com o Parlamento.

Mas a ausência de pontes nos três primeiros meses de governo, somada ao discurso voltado a estigmatizá-los nas redes sociais, deixou os políticos ressabiados. Alguns me dizem que não irão sozinhos ao encontro de Bolsonaro, e chamaram deputados e senadores como “testemunhas”. “Sei lá se o presidente vai sair de lá dizendo que pedimos isso e aquilo”, diz um dos convidados.

Outros duvidam da real disposição de Bolsonaro de tornar o diálogo com os políticos constante e efetivo. “Enfileirar seis conversas num dia mostra que não se quer conversar, mas sim posar para fotos”, me diz um presidente de legenda.

Mas o que seria, para a classe política, o tal diálogo profícuo? O consenso reinante nos partidos é de que ele pressupõe gestos de “carinho”, recursos na base e divisão de espaços de poder. A execução orçamentária, afirmam, está parada. Os gestos são apenas de ataques. E os postos nos Estados seguem fechados ao compartilhamento. Daí porque, até amanhã, o clima geral seja de não botar muita fé de que algo vá mudar na relação entre Executivo e Legislativo.

Monica De Bolle: Redescobrindo o centro

- O Estado de S.Paulo

Não chegaríamos ao Estado mínimo, ideia ultrapassada, mas a um Estado mais enxuto e moderno

Já sabemos que o centro político implodiu não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Mesmo nos sistemas majoritariamente ou completamente bipartidários, como o Reino Unido e os EUA, partidos estão fragmentados pois as rupturas internas têm levado pedaços aos extremos. O caso mais eloquente é o do Reino Unido, onde não há consenso sobre o que quer que seja, enquanto todos observam atônitos a incansável novela do Brexit. A falta de centro no espectro político resulta, em parte, da destruição das regras de transitividade que sustentam qualquer reflexão racional: se eu prefiro a opção A à opção B e a opção B à opção C, então deveria preferir a opção A à opção C. Contudo, hoje, a transitividade já não vale. Quem prefere A à B e B à C prefere C à A. Quando isso acontece, não há possibilidade de encontrar formas de resgatar a racionalidade sobre qual se apoia o centro político.

Algo semelhante está acontecendo na economia: se a preferência é pelo Estado mínimo em vez do Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social e pelo Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social ao Estado desenvolvimentista, então dever-se-ia preferir o Estado mínimo ao desenvolvimentista. Mas, não é isso o que querem os brasileiros, como revelam as discussões sobre as reformas necessárias para o País. Paulo Guedes pode gostar de Estado mínimo mais do que qualquer outra coisa, mas o eleitorado que elegeu Bolsonaro está se lixando para essa discussão. O eleitorado que elegeu Bolsonaro quer ver redução dos 13,1 milhões de desempregados, quer pagar menos impostos, quer ter acesso a serviços públicos de alta qualidade, quer segurança, para não falar de vastidão de outros desejos que necessitam da participação ativa do Estado. Qual é, portanto, o centro de gravidade econômico que tem sido ignorado em prol da discussão sobre a reforma da Previdência – necessária, porém longe de ser bala de prata para quem é minimamente honesto sobre os problemas do Brasil?

Fábio Alves: Soluço na confiança?

- O Estado de S.Paulo

É crucial saber se a confiança de empresários e consumidores seguirá caindo, ou se o recuo desses índices em março foi apenas um soluço

Os índices de confiança apresentaram recuo significativo em março, refletindo uma frustração com os indicadores de atividade econômica ao longo do primeiro trimestre e também uma preocupação com a recente turbulência no cenário político, o que afetou o andamento da proposta de reforma da Previdência no Congresso.

A questão crucial é saber se a confiança de empresários e consumidores seguirá caindo, o que pode prejudicar mais o desempenho da economia nos próximos meses, ou se o recuo desses índices em março foi apenas um soluço.

Com a melhora no clima político em Brasília nos últimos dias, com acenos de paz entre o presidente Jair Bolsonaro e as principais lideranças políticas, em particular Rodrigo Maia, que comanda a Câmara dos Deputados, cresceu a esperança de que a tramitação da reforma da Previdência ganhe novo ímpeto e comece a avançar.

Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a confiança empresarial caiu para 94,0 pontos em março, menor nível desde outubro de 2018. Já o índice da confiança dos consumidores, divulgado na semana passada, registrou queda de 5,1 pontos, para 91 pontos, também o menor patamar desde outubro de 2018. O componente que mede a avaliação dos consumidores sobre a situação atual recuou 1,5 ponto, mas o que reflete as expectativas para os próximos meses tombou 7,6 pontos.

Também apresentaram queda em março os índices de confiança da indústria (-1,8 ponto), da construção (-2,5 pontos), do comércio (-3,2 pontos) e de serviços (3,5 pontos). Ou seja, houve uma queda generalizada da confiança dos agentes econômicos nos quase 100 primeiros dias do governo Jair Bolsonaro.

Rosângela Bittar: Os formuladores

- Valor Econômico

República de Salamanca ou "Amigos do Brasil"

Todos são integrantes da elite do funcionalismo público; todos ocuparam cargos no circuito de ligação entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça, a Secretaria Jurídica da Casa Civil da Presidência e a assessoria legislativa do Congresso. São da mesma geração, com idades entre 41 e 46 anos, e filhos também da mesma idade, frequentando a mesma escola. O grupo de cinco autoridades do governo Jair Bolsonaro, denominado "Amigos do Brasil" no WhatsApp, combina um encontro por semana, geralmente um almoço, e usa a rede para trocar informações em assuntos comuns às áreas pelas quais ficaram responsáveis.

Tarcísio Gomes de Freitas, 43 anos, ministro da Infraestrutura, é um prodígio em todos os lugares por onde passou. No Instituto Militar de Engenharia (IME) obteve a maior nota média da instituição para o curso de engenharia civil até hoje, proeza que é citada por todo o grupo com admiração. Capitão do Exército, atuou como engenheiro no Haiti. Já fora dos quartéis, trabalhou na CGU e no Dnit. Em 2014, passou em primeiro lugar no concurso para consultor legislativo da Câmara, onde o governo Michel Temer foi buscá-lo, emprestado, para tocar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e conduzir o diálogo com investidores.

Wagner de Campos Rosário, mineiro de Juiz de Fora, 42 anos, foi capitão do Exército com formação na Academia Militar de Agulhas Negras (RJ). Tendia a ingressar na carreira de educação física, como professor, quando mudou de rota e ingressou na carreira de auditor federal de finanças e controle. Na CGU, começou a aprofundar-se no assunto. Fez mestrado em Corrupção e Estado de Direito na Universidade de Salamanca. Pouco depois de voltar ao Brasil, tornou-se secretário-executivo da Controladoria, depois ministro interino da CGU com a saída de Torquato Jardim para o Ministério da Justiça e mais tarde ministro efetivado. Foi o único ministro de Temer convidado por Bolsonaro a permanecer no cargo.

O advogado André Luiz de Almeida Mendonça, 46 anos, nascido em Santos, era do corpo técnico da AGU, onde ingressou como advogado em 2000. Desde 2016, atuava como assessor especial do ministro Wagner Rosário na CGU, e já esteve também na equipe do ex-ministro Torquato Jardim no Ministério da Justiça.

Cristiano Romero: As mágoas do presidente

- Valor Econômico

Paulo Guedes teve que admoestar Bolsonaro antes de acalmá-lo

O clima tenso das últimas duas semanas amainou em Brasília, mas os curiosos continuam interessados em saber por que o presidente da República decidiu comprar briga com o presidente da Câmara dos Deputados, um aliado do governo, no momento em que a proposta da mais difícil das reformas - a da Previdência - chegou ao Congresso Nacional. A explicação pode ser mais simples e muito menos sofisticada do que se imagina, mas o alarido, dada a gravidade da crise econômica vivida pelo país há meia década, será sempre grande.

Ao tentar desmoralizar publicamente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), Jair Bolsonaro seguiu o caminho de Dilma Rousseff, afastada com menos de 15 meses do exercício do segundo mandato. A diferença é que, nada realista, a ex-presidente achou que impediria a eleição de Eduardo Cunha a presidente da Câmara, enquanto Bolsonaro, em nenhum momento, manifestou oposição à ascensão de Maia.

Bolsonaro é um presidente que assumiu o cargo com raiva. Não é, porém, o primeiro a tomar posse da Presidência da República magoado. Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a disputa três vezes (1989, 1994 e 1998) antes de chegar lá, em 2002. Foi reeleito quatro anos depois e, contrariando a "maldição do segundo mandato", era tão popular no 8º ano de poder que escolheu e elegeu a sucessora, uma estreante em eleição.

O sucesso, porém, jamais aplacou profundas mágoas de Lula com jornalistas, que considerava preconceituosos, antigos aliados (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, dos tempos da luta pela redemocratização, era um deles), empresários e banqueiros, a quem atribuiu o interesse em apeá-lo do poder durante o escândalo do mensalão (em 2005). "Fiz tudo o que esses 'caras' pediram e agora eles querem me derrubar", desabafou o então presidente.

Em seus diários, FHC não poupa a imprensa. Em seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), teve amplo apoio das empresas de comunicação para a agenda de modernização da economia, que contemplou a quebra de monopólios estatais e a privatização de companhias como a Vale. Ainda assim, sentiu-se incompreendido e até perseguido por jornalistas e órgãos da mídia.

Hélio Schwartsman: Um gesto de caridade

- Folha de S. Paulo

Fala do ministro Ernesto Araújo sobre o nazismo é obviamente um disparate

O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo foi um movimento de esquerda. Trata-se, obviamente, de um disparate, já que o nazismo é uma espécie de tipo ideal dos movimentos de extrema direita —e como tal é reconhecido por toda a comunidade acadêmica.

Hoje, contudo, proponho algo diferente. Proponho que apliquemos a Araújo o princípio da caridade. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma disputa intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas quando não houver outra leitura possível. Mais do que isso, se o raciocínio apresenta defeitos, devemos reconstruir o argumento, tornando-o mais claro e livrando-o de erros laterais.

Trocando em miúdos, existe algum plano, ainda que muito etéreo, em que a declaração do chanceler faça sentido? Da forma como ele colocou, receio que não, mas, se esquecermos as noções de esquerda e direita e adotarmos o dogmatismo ideológico como fio condutor, aí é possível aproximar não só o nazismo do stalinismo —o tipo ideal de totalitarismo de esquerda— como também das guerras religiosas.

Com efeito, a literatura especializada sustenta que a violência tem poucas causas principais. Steven Pinker identifica cinco: predação (violência com vistas a atingir um fim), dominância (desejo de obter prestígio), vingança (propensão a reparar injustiças), sadismo (o mal por prazer) e a ideologia (criar a sociedade perfeita ou concretizar os desejos de Deus). Enquanto as quatro primeiras costumam definir casos de violência interpessoal, é a última que aparece nas grandes tragédias históricas.

Bruno Boghossian: Bolsonaro falsifica a realidade para enganar a população

- Folha de S. Paulo

Do nazismo ao desemprego, presidente adultera fatos para reduzir desgastes

Ao contestar números oficiais sobre o desemprego, Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ser desmentido por seu próprio governo. De Israel, o presidente distorceu dados do IBGE para tentar convencer o país de que o mercado de trabalho, na verdade, está bombando. “É uma coisa que não mede a realidade. Parecem índices que são feitos para enganar a população”, disparou.

O instituto havia calculado que o número de brasileiros desocupados subiu para 13,1 milhões em fevereiro. A conta segue padrões internacionais e leva em consideração pessoas que procuram emprego, mas não encontram. Bolsonaro não gostou.

O IBGE precisou divulgar uma nota de cinco parágrafos para explicar sua metodologia. Afirmou que adota regras semelhantes às de outros países e ainda negou a declaração do presidente de que beneficiários do Bolsa Família não são classificados como desempregados.

Vinicius Torres Freire: Economia definha na desordem política

- Folha de S. Paulo

Indústria vai mal, governo segue sem rumo e Bolsonaro duvida das estatísticas nacionais

A indústria não cresce quase nada, soube-se nesta terça-feira (2) pelo IBGE.

No início da semana no Congresso, gente do governo tentava apagar os incêndios criados pelo próprio governo, mas o fazia com baldes d’água e à matroca.

A economia esfria, o que deve azedar os ânimos no país e, por tabela, no Congresso. Ânimos azedos no Congresso pioram o humor econômico.

A confiança de consumidores e empresas regride desde o início do ano. Virou fumaça a esperança que sempre se reaviva na eleição de um presidente.

O resultado da indústria foi ainda pior por causa dos efeitos econômicos da barbaridade de Brumadinho. Mas não convém dourar a pílula com lama assassina. A indústria extrativa (como minério de ferro) é responsável por 11% da produção industrial total. O restante é indústria de transformação.

A indústria de transformação cresceu apenas 0,4% neste primeiro bimestre, em relação aos primeiros dois meses de 2018. Em 12 meses, o crescimento foi de apenas 0,5%. O crescimento previsto para março da indústria em geral é próximo de zero.

O governo ainda apanha no Congresso. Até os líderes da bancada evangélica batem em Jair Bolsonaro.

Há racha no PSL e entre o PSL e o governo. Ouve-se revolta contra vários ministros relevantes e ameaças de aprovar restrição dura da capacidade do governo de baixar medidas provisórias.

O governo inventa mais moda. Debate o tal “pacto federativo”, em tese redistribuição de recursos e deveres entre União, Estados e municípios.

Ou o governo vai frustrar todo o mundo com essa história de divisão de dinheiro (não há dinheiro) ou, se bobear, vai levar um tombo, perder recursos e ficar com um buraco maior nas contas.

É possível. A desordem e a besteira estão grandes.

Lideranças do Congresso dizem que vai passar uma reforma da Previdência, mas sem cortes nos benefícios de idosos (BPC), de trabalhadores rurais e com alívio nas regras de aposentadorias de servidores, afora o veto ao sistema de capitalização e à desconstitucionalização das normas previdenciárias. Para começar.

BOLSONARO ATACA IBGE
Demagogos sinistros e autoritários em geral gostam da ideia ou da prática de falsificar estatísticas econômicas, dentre outras mentiras. No mínimo ou a princípio, assediam quem trabalha para produzir informações confiáveis, por meio das melhores técnicas conhecidas.

A falsificação de estatísticas é um desastre. Pode alterar o valor das coisas, violar a segurança de contratos, abater a confiança econômica. Enfim, é uma violência contra o debate democrático.

Elio Gaspari*: Lula livre, em casa

- O Globo / Folha de S. Paulo

Manter um ex-presidente na cadeia faz mal à história do país

No próximo domingo (7) Lula completará um ano de prisão, fechado numa cela de 15 metros quadrados na carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Sua situação é inédita na história do Brasil e essa circunstância sobrepõe-se aos aspectos jurídicos, porque a decisão dos magistrados um dia será uma nota de pé de página na narrativa de um fato maior. Em 1889 decidiu-se banir a família imperial. Vá lá, mas fazia sentido negar sepultura no Brasil a d. Pedro 2º durante décadas?

Para quem vive com a cabeça quente, Lula deve "apodrecer na cadeia", como disse Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Quando as cabeças esfriam, as coisas voltam para seu lugar.

Três precedentes mostram que seria melhor permitir, em algum momento, a transferência de Lula para o regime de prisão domiciliar. Nele só poderia receber um número fixo de visitantes. (Em 2017, quando Marcelo Odebrecht passou a cumprir a pena em casa, tinha direito a 15 visitantes previamente listados.)

Jefferson Davis, o incendiário presidente dos estados confederados do Sul dos Estados Unidos, foi preso em 1865 e libertado dois anos depois. A Guerra Civil americana custou ao país quatro anos de combates e algo como 700 mil mortos (2% da população).

As condições carcerárias de Lula são dignas, mas assemelham-se àquelas que a República Francesa impôs ao marechal Philippe Pétain em 1945. Ele presidira o regime ditatorial e racista de Vichy, colaborando sinceramente com a ocupação nazista. Nonagenário e doente, teve a pena comutada em 1951 e logo depois morreu, em casa. Lula não foi um Pétain.

Merval Pereira: Ambiente conturbado

- O Globo

Congresso tem a ideia de limitar ainda mais a capacidade do governo de editar medidas provisórias

O presidente Bolsonaro vai encontrar na sua volta de Israel um ambiente político conturbado, com uma Câmara dos Deputados disposta a criar embaraços e limites à atuação do governo.

Tudo porque os deputados estão irritados com a reiterada posição do presidente de generalizar a acusação de que os representantes da “velha política” querem que abra um balcão de negócios para a aprovação da reforma da Previdência.

Resultado: os que realmente querem benesses em troca de votos se sentem expostos à opinião pública. Os que não se consideram da “velha política” se revoltam com a maneira leviana com que o presidente trata do assunto.

A percepção generalizada é que o presidente Bolsonaro, com suas atitudes e com os ataques pelas redes sociais aos políticos, procura pressionar o Congresso a aprovar o que interessa ao Executivo, e se prepara para jogar a culpa da eventual não aprovação das reformas sobre os parlamentares.

Mesmo que seja aprovada uma versão desidratada da reforma da Previdência, também o ônus das medidas impopulares recairia sobre o Congresso, pois o presidente não se empenha na articulação política para aprovar as reformas. Não foi por distração nem sem razão que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, garantiu ontem que as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural não serão aprovadas pelo Congresso. E também descartou a capitalização integral da Previdência. São medidas impopulares, que os parlamentares querem barrar para neutralizar eventuais críticas

Zuenir Ventura: Presidente mestre em encrencas

- O Globo

Capitão teima em dirigir o país olhando pelo retrovisor

No meu tempo de criança se dizia que há pessoas que “procuram sarna pra se coçar”. Depois, passou a ser dito de maneira mais criativa: “há gente que é capaz de atravessar a rua para escorregar na casca de banana no outro lado da calçada”. O presidente Jair Bolsonaro pertence a essa categoria: não resiste à tentação de criar encrencas desnecessárias. Agora mesmo foi até Israel para, ao mesmo tempo, frustrar o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu por não transferir a embaixada para Jerusalém, como prometera na campanha, e desagradar à Autoridade Palestina, por criar um controvertido escritório de representação na cidade.

Bolsonaro conseguiu também, mesmo ausente, provocar agitações contra e a favor do golpe de 64. Constava que os militares em seu entorno o tinham convencido a amenizar as “comemorações devidas”, argumentando que elas eram, digamos, indevidas. O fato, porém, é que o Planalto lançou no dia 31 um vídeo provocativo exaltando a ditadura. O vice Mourão garante que “a decisão foi do presidente”.

Bernardo Mello Franco: Pior para os fatos

- O Globo

A insistência em descrever o nazismo como ideologia de esquerda mostra que Bolsonaro cultiva uma relação peculiar com a realidade. Se os fatos o contrariam, pior para os fatos

Jair Bolsonaro cultiva uma relação peculiar com a realidade. Ele não admite contestação, mesmo quando é desmentido com argumentos irrefutáveis. Se os fatos o contrariam, pior para os fatos.

Na segunda-feira, o presidente atacou o IBGE. Motivo: o instituto revelou que o desemprego voltou a subir. Em vez de encarar o problema, Bolsonaro reclamou da estatística. “Parecem índices que são feitos para enganar a população”, esbravejou.

A pesquisa seguiu parâmetros internacionais, mas foi descartada por não confirmar a propaganda. “Fui muito criticado e volto a repetir: não interessam as críticas. Eu tenho que falar a verdade”, prosseguiu o presidente. Ele deu as declarações numa data sugestiva: 1º de abril.

Ontem Bolsonaro resolveu esticar o Dia da Mentira. Em Israel, embarcou no delírio do chanceler Ernesto Araújo e disse que o nazismo foi uma ideologia de esquerda. “Não há dúvida, né? Partido Socialista… Como é que é? Partido Nacional-Socialista da Alemanha”.

O presidente despejou o besteirol em visita ao Yad Vashem, museu que lembra as vítimas do Holocausto. A instituição informa aos visitantes que o nazismo foi uma das expressões do “crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha”. Se não leu os livros escolares, Bolsonaro poderia ter consultado as plaquinhas.

Míriam Leitão: O IBGE sob novo ataque governista

- O Globo

O presidente ataca o IBGE, revela falta de informação básica sobre desemprego, mas o pior risco que o país corre é no Censo

O presidente Jair Bolsonaro revela mais do que ignorância quando critica o IBGE. É comum governantes não gostarem dos dados negativos, o que os diferencia é que os de mente autoritária querem desmoralizar o órgão que apura a estatística indesejada. Bolsonaro poderia afirmar que não é culpado pelo enorme desemprego do Brasil e que herdou o problema, afinal está no cargo há pouco mais de um trimestre. Em vez de dizer como enfrentará esse desafio, ele prefere brigar com o termômetro e ofender a inteligência alheia.

Em novembro, ele definiu como “farsa” o índice do desemprego. Agora, voltou à carga contra o instituto e, em entrevista à Rede Record, disse que os indicadores são feitos para “enganar a população”.

— O que acontece? Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta só quem está procurando emprego. Quem não procura não é tido como desempregado — disse ele.

Se o presidente tivesse lido um pouco sobre o assunto saberia que os dois dados já são divulgados. O IBGE pergunta se a pessoa está procurando emprego. Se sim, ela entra na estatística dos desocupados, que deu 12,4%, ou 13,1 milhões de brasileiros, no trimestre encerrado em fevereiro. Se a pessoa gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego, ela entra no índice dos desalentados, que registrou 4,9 milhões de pessoas. O IBGE divulga um terceiro dado que engloba tudo, chamado de subutilização da força de trabalho. Nele, entram os desempregados, os desalentados e os que estão subocupados. São ao todo 27,9 milhões de pessoas. O instituto brasileiro segue as melhores práticas internacionais.

Luiz Carlos Azedo: Ideias exóticas

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Na visita ao Museu do Holocausto de Israel, o Yad Vashem, Bolsonaro ignorou a definição da própria instituição sobre a origem do Holocausto”

O mínimo que se espera de um oficial do Exército brasileiro em termos de conhecimentos gerais é ter estudado os grandes acontecimentos militares do século XX, marcado por duas grandes guerras mundiais, que resultaram da disputa pelo controle do comércio no Atlântico entre uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, a Inglaterra. Há farta literatura sobre o assunto, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro esqueceu tudo o que aprendeu nas escolas militares. Influenciado pelas ideias exóticas de Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, Bolsonaro disse ontem, em Israel, que “sem dúvida” o nazismo foi um movimento de esquerda, tese tão absurda quanto a de que não houve Holocausto

O presidente da República deu a declaração depois de visitar o Museu do Holocausto, o que é uma tremenda gafe diplomática, pois os historiadores israelenses não concordam com esse tipo de interpretação. Quando nada, porque os primeiros registros sobre os horrores do Holocausto foram feitos pelo Exército soviético. O primeiro grande campo de concentração, Majdanek, foi descoberto pelos soviéticos em 23 de julho de 1944; depois, libertaram Chelmno, em 20 de janeiro de 1945; e Auschwitz, em 27 de janeiro de 1945.

Buchenwald foi libertado pelos norte-americanos em 11 de abril; Bergen-Belsen, pelos britânicos, em 15 de abril; Dachau, pelos norte-americanos, em 29 de abril; Ravensbrück, pelos soviéticos, no mesmo dia; Mauthausen, pelos norte-americanos, em 5 de maio; e Theresienstadt, pelos soviéticos, em 8 de maio. Treblinka, Sobibor e Belzec nunca foram libertados, foram destruídos pelos nazistas.

Na visita ao Museu do Holocausto de Israel, o Yad Vashem, Bolsonaro ignorou a definição da própria instituição sobre a origem do Holocausto: “O Partido Nazista foi a consequência de um pequeno círculo extremamente antissemita e de direita que começou a se reunir em novembro de 1918”.

Ricardo Noblat: Governo em desencanto

- Blog do Noblat / Veja

E tudo só mal começou...

A uma semana de completar cem dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro deu-se ao trabalho de desautorizar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criado em 1934 e respeitado desde então aqui e no exterior pela correção de suas análises.

O IBGE havia divulgado que o desemprego aumentou no país em fevereiro último, quando a taxa subiu para 12,4% e o total de desempregados voltou a superar 13 milhões. Bolsonaro disse que o número está errado e que os “índices parecem feitos para enganar”.

Economia não é o forte de Bolsonaro, e ele mesmo já confessou isso dezenas de vezes. Quando se arriscar a dar palpites a respeito, quase sempre dispara grossas bobagens. Ao tentar desacreditar o IBGE, ele apenas copia o exemplo dado por ministros de governos passados.

Até aqui, Bolsonaro só tem feito brigar com fantasmas e com o português. Golpe de 64, ditadura e agora o nazismo foram seus fantasmas preferidos. Reforma da Previdência é problema do Congresso. O pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, também.

Quando não se ocupa em disseminar notícias falsas nas redes sociais, viaja ao exterior – e por lá envergonha o país. Só faltou ajoelhar-se aos pés de Trump. No Chile, elogiou Pinochet, ditador sanguinário. No Paraguai, Stroessner, ditador pedófilo.

Governar de fato, ele não faz. Sequer preencheu ainda cargos importantes no segundo e terceiro escalões da administração federal. Já foi capaz de faltar ao trabalho para ir ao cinema com a mulher. E de faltar de novo para ir rezar junto com amigos homens.

Sua inapetência pelo exercício do poder não tem par desde que a democracia foi restaurada no país. É visível seu enfado com as múltiplas tarefas que cabem a um presidente da República. Só se sente bem e à vontade entre seus ex-companheiros de farda.

Anarquia no palácio do capitão

Quem mandou divulgar o vídeo que exalta o golpe de 64?
O general porta-voz de Jair Bolsonaro disse considerar “caso encerrado” a polêmica provocada por um vídeo divulgado no último domingo por meio de um dos canais privados da Secretaria de Comunicação da presidência da República que exalta o golpe militar de 31 de março de 1964. Caso encerrado coisa nenhuma!

Na segunda-feira, dia 1º de abril, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, declarou ao jornal O Globo que o vídeo fora divulgado por decisão do presidente Jair Bolsonaro, àquela altura em visita a Israel: “Decisão do presidente. Foi divulgado pelo Planalto, é decisão do presidente”.

Mas ontem, ainda no exercício da presidência da República, Mourão corrigiu-se: “Em tese, ele deveria saber. Agora sei que ele não sabia”. Se antes era grave o fato de um vídeo que exalta um golpe militar ter sido divulgado por decisão do presidente, muito mais grave ficou com a revelação feita por Mourão de que Bolsonaro não sabia.

Quem mandou produzir o vídeo e quem mandou divulgar? – eis a questão. O empresário bolsonarista Osmar Stábile, de São Paulo, ex-vice-presidente do Corinthians, se apresentou há poucas horas como o produtor do vídeo. “Não conheço Bolsonaro, mas apoiei sua eleição”, justificou-se. Ele disse também ter apoiado o golpe de 64.

Vá lá que não se trate de um arranjo de última hora para esconder o verdadeiro autor do vídeo, ou para afastar a suspeita de que o vídeo foi produzido e pago pelo governo. Mas quem autorizou que o vídeo supostamente produzido por um empresário fosse divulgado pela Secretaria de Comunicação da presidência da República?

Tuíte de Flávio Bolsonaro revolta frente ruralista

Chefe da bancada repreende líderes do governo no Congresso após senador postar ‘Quero que vocês se explodam’ em reação a nota do Hamas sobre visita a Israel; Mourão tenta minimizar repercussão no mundo árabe

Bruno Góes, Eliane Oliveira e Jussara Soares / O Globo

BRASÍLIA - Ríspido e com poucas palavras, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), repreendeu ontem os líderes do governo no Congresso e na Câmara, Joice Hasselmann(PSL -SP) e Vitor Hugo( PSL- GO ). No cafezinho da Câmara, ao passar pelos dois, Moreira demonstrou sua revolta com uma mensagem nas redes sociais postada pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Flávio escreveu “Quero que vocês se explodam”, em resposta à nota de repúdio do movimento islâmico Hamas à abertura de um escritório de negócios pelo governo brasileiro em Jerusalém.

— Chega! Chegamos ao limite! Não dá mais! Acabou a paciência! —disse Moreira, ao citar a mensagem do senador.

Joice e Vitor Hugo ainda tentaram acalmar o líder da frente ruralista, mas ele saiu em disparada. Desde que Bolsonaro prometeu mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, a Frente Parlamentar da Agropecuária negocia um recuo do Planalto. Na viagem a Israel, Bolsonaro decidiu abrir apenas um escritório de negócios em Jerusalém.

A preocupação do setor é com uma possível retaliação de países árabes à exportação de carne brasileira. O Brasil é hoje o maior exportador global de proteína halal —preparada de acordo com as tradições islâmicas. O mercado consumidor do produto reúne 1,8 bilhão de muçulmanos.

No tuíte, apagado no início da noite, Flávio reproduziu a reportagem da revista Exame sobre a nota do Hamas, que controla a Faixa de Gaza e é classificado como terrorista por Israel e EUA. No texto, o grupo critica não só a abertura do escritório, como a ida de Bolsonaro ao Muro das Lamentações, em área considerada território ocupado, sem uma coordenação com autoridades palestinas.

Flávio acompanhou o pai na viagem a Israel. Como senador, foi ao país representando a bancada da segurança pública na Casa. À noite, a publicação não podia mais ser encontrada no Twitter.

Economistas reagem a críticas de Bolsonaro ao IBGE

Sem fazer menção aos comentários do presidente, instituto divulga nota sobre como é feita a pesquisa de emprego

Gabriel Martins e Daiane Costa / O Globo

Economistas lamentaram as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre as estatísticas de emprego do IBGE. Anteontem, em entrevista em Israel, Bolsonaro afirmou que os números do IBGE “parecem índices feitos para enganar a população” e criticou a metodologia da pesquisa. Para especialistas, as declarações podem dar a impressão de que o governo quer interferir nos dados.

Os economistas afirmam que a metodologia do IBGE é abrangente, consistente e relevante para a realização de políticas públicas.

— Dizer que uma pesquisa quer enganar a população é muito ruim, isso pode dar a impressão de que o governo quer interferir nos dados — avalia Simon Schwartzman, que presidiu o IBGE de 1994 a 1998. — As instituições de pesquisa têm de ter seu trabalho reconhecido e sem interferência política. O presidente tem o direito de pedir explicações a respeito de como as pesquisas são elaboradas, mas não deveria criticá-las desta maneira. Isso faz mal para o país.

O economista Cláudio Considera, pesquisador da FGV e ex-chefe de Contas Nacional do IBGE, destaca que o instituto é reconhecido internacionalmente, e as bases da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que investiga as condições do mercado de trabalho) seguem recomendações da Organização internacional do Trabalho (OIT):

Partidos de centro e centro-direita articulam agir em bloco em negociação com Bolsonaro

Painel / Folha de S. Paulo

Ninguém solta a mão… Na véspera da primeira reunião com Jair Bolsonaro, dirigentes de partidos de centro e centro-direita vão fazer um encontro fechado para afinar os termos da conversa que terão no dia seguinte no Planalto. As cúpulas de DEM, PP, PRB e PR se encontram nesta quarta (3) para tentar manter o bloco que viabilizou aeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao comando da Câmara unido em meio às negociações com o governo. A ideia, dizem, é sentar com o presidente mais para ouvir do que para falar.

Gato escaldado O encontro entre Bolsonaro e os dirigentes partidários se dará em clima de desconfiança. Ninguém está disposto a chegar dando conselhos ou apresentando demandas ao presidente. Temem que ele faça o que fez com Maia, e, após a conversa, diga estar sendo “pressionado pela velha política”.

Às claras O presidente da Câmara e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foram convidados pelas cúpulas dessas siglas a participar da conversa. Os dirigentes das legendas querem deixar os dois a par do que for acertado pelo grupo.

Todos por um Entre DEM, PR, PRB e PP a ideia é não embarcar nem rechaçar qualquer acordo com o Planalto sem o conhecimento dos demais.

Bolsonaro é incompetente político e limitado intelectualmente, diz cientista político

Para Sergio Fausto, superintendente do Fundação FHC, presidente estigmatiza a relação com o Congresso

Flavia Lima / Folha de Paulo

SÃO PAULO - Cientistas políticos criticaram nesta terça-feira (2) o desejo do mercado financeiro de ver o ministro da Economia, Paulo Guedes, à frente das negociações da reforma da Previdência com o Congresso.

A uma plateia formada basicamente por economistas, analistas e operadores do mercado, em evento organizado pelo Bradesco, o cientista político Luciano Dias disse que colocar Paulo Guedes na linha de frente da negociação com o Congresso é equivalente ao que ocorre nos filmes com o “mexicano no saloon” porque “ele vai ser o primeiro a levar tiro”.

Sergio Fausto, superintendente do Fundação FHC, afirmou ser improvável que Guedes ganhe vida própria no governo, se tornando um foco independente de poder porque, no regime democrático, o palco de negociação é o Congresso Nacional.

“Isso é sonho de uma noite de outono [do mercado financeiro]", afirmou Fausto, num trocadilho que faz alusão à peça Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare, uma comédia em que os personagens vivem em devaneios.

Para Fausto, o custo de interação do governo com o Congresso é elevado porque o presidente Jair Bolsonaro estigmatizou essa relação.

Dias, que está à frente da CAC Consultoria disse que, ao se olhar apenas para a formação do governo, a perspectiva é de não aprovar reforma nenhuma. Ele não duvida, no entanto, que o governo Bolsonaro se dobre ao presidencialismo de coalização.

Bolsonaro precisa recuperar tempo perdido na reforma: Editorial / O Globo

Disposição de entrar na negociação com o Congresso sobre a Previdência é um alento diante dos obstáculos

Deixados para trás os dias de tensão no relacionamento entre o presidente e o Congresso, simbolizados pela troca de farpas protagonizada por Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ambiente melhorou, com acenos de não beligerância de ambos. Não se trata aqui de qualquer questão pessoal, mas da necessidade institucional de haver um entendimento mínimo entre chefes de poderes, para que reformas sejam aprovadas no Congresso. Só assim o país poderá sair de uma crise que completará seis anos —iniciada com a petista Dilma Rousseff em 2014 —, e cujo principal indicador da sua gravidade é o desemprego de 13 milhões de pessoas, um milhão a mais do que na última pesquisa.

Ainda em Israel, Bolsonaro garantiu que reservará pelo menos meio dia da agenda cotidiana para atender deputados e senadores. Como em outras vezes, o presidente errou, mas teve alguma consciência do erro e voltou atrás. Bolsonaro se equivocara ao confundir fazer política com praticar a corrupção do fisiologismo. Deve ter ficado marcado pelo show de toma lá dá cá ocorrido no período lulopetista. Até o termo “presidencialismo de coalizão” foi amaldiçoado, quando, na verdade, não só é impossível governar o Brasil sem sustentação numa aliança partidária, devido à proliferação de legendas, como não é correto confundir negociação política legítima, em cima de projetos, com malfeitos.

Sangue frio: Editorial / Folha de S. Paulo

Permanecem as condições para a aprovação de uma reforma razoável da Previdência

Apesar das demonstrações de inabilidade política do governo Jair Bolsonaro (PSL), felizmente menos notadas nos últimos dias, o cenário mais provável para a reforma da Previdência permanece o de aprovação neste ano.

As circunstâncias ainda são as mais favoráveis já observadas para tal desde os anos 1990, quando tiveram início as tentativas —algumas fracassadas, outras parcialmente exitosas— de enfrentar o desequilíbrio nas contas dos regimes nacionais de aposentadorias.

Pela primeira vez, a empreitada merece a condição de prioridade absoluta anunciada desde antes da posse do presidente, que poderá aplicar na proposta o capital político de um início de mandato.

O debate na sociedade em torno do tema, ademais, intensificou-se no último quadriênio, em que as gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) se viram forçadas, esta com mais método do que aquela, a encaminhar a pauta.

Lava Jato e Mãos Limpas: Editorial / O Estado de S. Paulo

Em cinco anos de atividade, a Operação Lava Jato não só se transformou a si mesma, como também o País. De uma investigação limitada a um caso de lavagem de dinheiro, brotou a maior ação de combate à corrupção de que se teve notícia no Brasil, forte o bastante para mudar o pensamento e a forma de agir de variados atores sociais públicos e privados.

Pela primeira vez, graças à Lava Jato, a sociedade deixou de ver a corrupção como uma mazela atavicamente ligada à identidade nacional para vê-la como um crime que, uma vez combatido com rigor, técnica e justiça, poderia deixar de ser uma das âncoras que mantêm o País em atraso crônico.

Por seu ineditismo e alcance, a Lava Jato só é equiparável no mundo à Operação Mãos Limpas, deflagrada na Itália no início da década de 1990, em que pesem os desdobramentos bastante distintos de cada uma das operações. A comparação entre ambas favorece o caso brasileiro. Aqui, houve inolvidáveis avanços na punição da grande corrupção e, principalmente, no resgate de um primado da democracia: a igualdade de todos perante a lei. Na Itália, a Operação Mani Pulite resultou num sabor acre de frustração.

Após impasse total, Brexit pode ter solução moderada: Editorial / Valor Econômico

Tudo vai mal quando acaba mal e o destino do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia pareceu desde o início uma comédia de erros, de funestas consequências. Quase três anos após a votação que decidiu pela saída do país, em 23 de junho de 2016, os políticos britânicos continuam totalmente incapazes de chegar a uma conclusão sobre o que pretendem para o futuro das relações com a UE. A saída deveria ocorrer em 29 de março, foi protelada e a data final agora é 12 de abril. A Comissão Europeia se reúne em 10 de abril e espera uma definição. Como o acerto feito pela primeira ministra Theresa May foi rejeitado três vezes, a pior opção pode se consumar - a saída sem acordo.

"Uma esfinge é um livro aberto se comparado ao Parlamento britânico", resumiu Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Ele foi fiel aos fatos. Já houve três rejeições ao "Brexit duro" de May - a separação total do Reino Unido, mas com um tratado que assegura que ela seja feita de forma ordenada e com um período de transição até dezembro de 2020, prorrogável até o último dia de dezembro de 2022. Com o impasse, o Parlamento decidiu votar alternativas ao plano de May. Por duas vezes, debateram e votaram oito opções - e todas foram rejeitadas.

Debate 04/03/2019


Graziela Melo: Poema

Entre
as estrelas
e a lua
transitam
nuvens
inquietas

Há muito
se escondeu
o sol
atrás
das sombras
da terra!

Ruminando
um certo
desejo
que consome
minha alma

E do meu sono
tripudia

Olho pela janela
e vejo a rua
vazia...

E apenas
olhar
para o mundo,
era só
o que eu
queria!!!

Teresa Cristina: Candeeiro