segunda-feira, 29 de julho de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019

Carlos Pereira: Destruição criativa

- O Estado de S.Paulo

O sistema partidário brasileiro não desmoronou com as eleições de 2018

Diante do imenso tsunami que atingiu as últimas eleições, com um efeito arrastão sem precedentes em favor do presidente eleito, a diminuição do tamanho dos partidos no Congresso e o aumento da fragmentação partidária, o diagnóstico dominante era de que o sistema partidário, que já era frágil, estaria com os dias contados.

Acreditava-se que o sistema partidário, que havia se vertebrado nas últimas seis eleições gerais (desde 1994) em torno da competição entre os dois protagonistas, PSDB e PT, estaria institucionalizado. A despeito do grande número de partidos, o sistema produzia condições de governabilidade para o presidente de plantão, pois os demais partidos funcionariam como coadjuvantes ao orbitarem em torno de um desses polos partidários.

A surpreendente vitória de Bolsonaro, pelo até então inexpressivo PSL, foi interpretada como “disruptiva” desse equilíbrio. Acreditava-se que sua vitória refletiria uma grave crise de legitimidade do sistema partidário, com potenciais riscos inclusive para a estabilidade da democracia. Tão surpreendente quanto foi o resultado eleitoral é a constatação que o sistema partidário brasileiro não ruiu. Uma análise de todas as votações que ocorreram na Câmara dos Deputados na nova legislatura deixa claro que os partidos políticos continuam a apresentar um alto índice de disciplina dentro do legislativo, seguindo a orientação de seus respectivos líderes.

Dois blocos continuam se polarizando: governo e oposição. Além de disciplinados, esses blocos são bastante coesos. Os partidos que formam o Centrão e mais o PSDB apresentam um pouco mais de dispersão, mas também exibem alta disciplina partidária e um evidente governismo.

Ou seja, embora os partidos já algum tempo se mostrem ideologicamente amorfos e fracos para os eleitores, o comportamento disciplinado dos parlamentares revela que os partidos no Congresso não estão enfraquecidos.

Sergio Faust0: ‘Guerra ideológica não combina com recuperação econômica’

Sonia Racy / O Estado de S. Paulo

Para Sérgio Fausto, planos de Bolsonaro para 2022 exigem melhor conexão com o Congresso, avanço de outras reformas e atenção para o ‘pêndulo’ da política que tende a voltar a um centro-direita moderada

A estratégia permanente de ataque aos inimigos, levada a cabo pelo governo Bolsonaro, não combina com recuperação da economia. É a partir desse raciocínio que o cientista político Sergio Fausto avalia os horizontes do atual governo, no momento em que ele emplaca seus primeiros 200 dias de vida. E sua conclusão é que chegou ao Planalto um grupo “desconjuntado administrativamente”, que deveria ir atrás de mais apoio político para avançar as reformas, “mas prefere focar no confronto ideológico, que certamente vai acabar cansando.

Esse modus operandi, adverte Fausto, pode não ter vida longa. “Primeiro, porque o que vai decidir mesmo o futuro do governo é a economia”. Segundo, no universo político “o pêndulo tende a voltar para um conservadorismo moderado, uma centro-direita sem radicalismos. É nesse cenário que as forças devem se organizar para a disputa presidencial de 2022”.

No comando da Fundação FHC – que é apartidária e se dedica a debates e seminários sobre democracia –, Fausto define agendas, convida estudiosos, faz a mediação dos eventos e atua como codiretor do projeto Plataforma Democrática. Nesta entrevista a Gabriel Manzano, Fausto analisa o novo cenário político – “o sistema anterior colapsou” –, o futuro da antiga bipolaridade PT-PSDB e lança um olhar para 2022. Sua conclusão é que Jair Bolsonaro, se pensa mesmo em reeleição, terá de “acompanhar o pêndulo”. A seguir, principais trechos da conversa.

• Como avalia esses 200 dias do governo Bolsonaro?

É um governo que se formou a partir de grupos bastante heterogêneos, juntados no calor da campanha. Não é uma coalizão de forças produzida por uma longa maturação. Quem, afinal, está no poder? Um estamento militar, cuja figura maior é o general Augusto Heleno, outro de economistas liberais em torno de Paulo Guedes e um terceiro em torno do ministro Sergio Moro. Mas há um quarto, político, que expressa o movimento que de fato levou Bolsonaro à Presidência. Ele tem elementos de uma direita antiliberal, não convencional, juntando igrejas evangélicas, o olavobolsonarismo – que domina pelo menos metade da alma do presidente… mas tudo isso junto não tem um funcionamento orgânico, unificado.

• E o resultado final disso é…

Que ele não conseguiu estabelecer, nem tentou, um relacionamento estável com o Congresso. É desconjuntado administrativamente. E sua marca política é o enfrentamento permanente em uma guerra político-ideológica.

• Portanto eles precisam da esquerda nessa estratégia?

Precisam, sim, de inimigos. De um desafio diário para inflar a ideia de que eles representam uma ameaça. Não cabe mais dúvida de que isso é a forma deles de governar. Não é um projeto de País, é um projeto de poder.

Marcus André Melo*: O ditador parlamentar

- Folha de S. Paulo

Por que não há partidos populistas nos EUA ou Inglaterra, mas apenas lideranças populistas?

A ascensão de uma liderança populista —mais bufão que extremista— como Boris Johnson causa alguma perplexidade. Como parlamentares que expressam preferências minoritárias na sociedade chegam ao poder em democracias estáveis? Como governam?

Há duas variáveis explicativas em jogo: o sistema de governo e o sistema partidário.

No parlamentarismo britânico, se um partido é majoritário no Parlamento, seu líder torna-se primeiro-ministro(a). Torna-se, segundo Adam Przeworski, um ditador parlamentar, porque sua agenda, por definição, contará com apoio majoritário.

Mas, se o sistema é multipartidário, executivos minoritários precisam montar coalizões, pois são potencialmente vulneráveis a moções de desconfiança. Se elas não ocorrem, é porque alguns partidos os toleram, como é comum na Escandinávia. Executivos populistas minoritários são oxímoros. Falam pela maioria sendo minoria, e tendo que barganhar apoio legislativo. Esse é o arranjo institucional que permite maior contenção do populismo.

Mas, ao contrário dos presidentes, mesmo os primeiro-ministros majoritários, como Johnson, não têm mandato fixo. Sua sobrevivência dependerá dos humores da opinião pública, como ocorreu com Thatcher após a revolta contra o Poll Tax. Uma agenda extremista enfrenta resistências intransponíveis (embora cada vez menores) no partido e na sociedade.

Celso Rocha de Barros*: Escalada autoritária

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro passou a campanha falando em destruir a democracia brasileira

Justiça seja feita: se Bolsonaro não tentasse destruir a democracia brasileira, teria praticado estelionato eleitoral. Foi isso que passou a campanha inteira dizendo que faria.

Durante todo o ano de 2018, Bolsonaro repetiu que não reconheceria uma derrota —isto é, que tentaria um golpe de Estado se Fernando Haddad tivesse sido eleito.

Seu filho Eduardo Bolsonaro, nosso futuro embaixador em Washington, declarou que, para fechar o STF, bastariam um soldado e um cabo.

Quando indagado, no programa Roda Viva, sobre seu livro de cabeceira, Bolsonaro citou, às gargalhadas, as memórias falsificadas do torturador Brilhante Ustra, que já havia homenageado na votação do impeachment.

Faltando uma semana para a eleição, com 20 pontos de vantagem sobre o opositor, Bolsonaro discursou dizendo que para a esquerda só restariam o exílio ou a prisão.

Sinceramente, vocês acharam que a Presidência desse sujeito ia ser o quê?

Nesses seis meses, não houve nenhum gesto de moderação. A deputada bolsonarista Bia Kicis propôs revogar a PEC da Bengala para permitir que Bolsonaro nomeasse mais ministros para o STF —um entre vários movimentos extraídos do repertório do ditador húngaro Viktor Orban.

Militares filmaram ostensivamente uma palestra na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência porque o palestrante tinha críticas à política ambiental de Bolsonaro.

O general Santos Cruz foi demitido de maneira humilhante porque entrou em conflito com a extrema direita bolsonarista.

José Henrique Mariante: O paradoxo de Deltan

- Folha de S. Paulo

Dallagnol edulcorou sua existência nas redes e está indignado (em pânico) com a lufada de realidade

Fugiu das redes sociais? Nem entrou? Saiba que sua ausência não é sentida. Facebook, Google, Instagram e outros estão lá por você, mesmo que o você físico ainda não tenha decidido criar o você digital.

Algoritmos fazem um trabalho sem fim reproduzindo e estimulando nossas preferências e conexões sociais. Sabemos que seremos bombardeados com anúncios de carros quando procuramos um para comprar e recebemos com naturalidade indicações de amizade. O curioso é que, se alguém estiver ausente na sequência infinita de conexões, ainda assim a máquina não o ignora.

Para aumentar a eficiência do processo e aproximar o quanto possível as redes da realidade que reproduzem, empresas de tecnologia criam perfis do ausente enquanto ele não o faz por conta própria. Com dados que, incauto, fornece sem parar.

Não tenho Facebook, mas tenho celular e uso WhatsApp, com contatos que, em alguma medida, estão no Facebook. O Android está ligado a um Gmail, que contém outra lista de contatos, outros tantos pontos de aderência. Continuo não tendo Facebook, mas ele me tem, organizado ao lado dos meus contatos, lapidado pelas interações que faço, das interações que eles fazem em outras redes, das que fazemos em outros sistemas e assim por diante.

Leandro Colon: Moro do Twitter desmente Moro do Senado

- Folha de S. Paulo

Ao contrário do que disse a senadores, ministro teve acesso a investigação sobre hackers

Os registros de áudio e das notas taquigráficas do Senado —um arquivo oficial, autêntico e não editado— guardam as palavras do ministro Sergio Moro (Justiça) aos senadores no depoimento de 8 horas e 30 minutos em 19 de junho.

Disse o ministro às 9h36 sobre o caso dos hackers: “A investigação está sendo realizada com autonomia pela Polícia Federal. Eu já disse mais de uma vez no passado: o meu papel, como ministro da Justiça, é um papel estrutural, apenas para garantir também a autonomia dos órgãos vinculados ao Ministério da Justiça. Então, eu não acompanho, pari passu, cada um desses acontecimentos.”

Ele voltou ao assunto às 11h32. “Relativamente à investigação, são duas questões: a investigação é sigilosa. Então, não se pode informar fatos relativos a essa investigação, sob risco de ineficácia; e, dois, eu, como ministro da Justiça, não tenho o papel de, vamos dizer assim, atuar nessas investigações diretamente. Meu papel é mais estrutural”, afirmou.

Às 16h48, Moro declarou aos senadores: “Eu, de todo modo, estou afastado, vamos dizer assim, da condução concreta desse inquérito. Essa é uma atribuição da Polícia Federal.”

Ricardo Noblat: Hacker ameaça com novas revelações

- Blog do Noblat / Veja

Um agosto para não pôr defeito

Por que os advogados de Walter Delgatti Neto, vulgo “O Vermelho”, que confessou à Polícia Federal ter invadido os celulares de mil autoridades, entre elas os chefes dos três poderes da República, soltaram uma nota, ontem, onde informam a quem interessar possa que todas as informações obtidas pelo hacker estão guardadas por “féis depositários” tanto no Brasil como no exterior?

Se a advertência não for um blefe, a resposta é simples, segundo pessoas que acompanham de perto as investigações: trata-se de uma ameaça. Delgatti Neto quer dizer com isso que se não for bem tratado poderá revelar informações às quais a Polícia Federal não teve acesso quando apreendeu documentos, celulares e computadores que ele usava até ser preso na semana passada.

O mesmo tipo de advertência foi feita pelo jornalista Glenn Greenwald, um dos editores do site The Intercept Brasil, quando começou a publicar há pouco mais de um mês as mensagens trocadas entre si pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba, e as de Deltan Dallagnol com o então juiz Sérgio Moro. É um cuidado natural que se toma em casos como esse.

Moro avisou ao presidente Jair Bolsonaro que ele foi hackeado. Vazou da Polícia Federal a notícia de que também foram hackeados os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, fora ministros do governo e até jornalistas. Quem pagará para ver se os advogados de Delgatti Neto mentiram em sua nota?

Brasília passou o último fim de semana fervendo. E ferverá ainda mais a partir desta semana quando políticos e ministros de tribunais superiores retornarem das férias do meio de ano do Congresso e do Judiciário. Agosto começará na próxima quinta-feira. E diz a lenda que não existe mês mais aziago para a política brasileira. Duvida? Alguns fatos sustentam a lenda.

Em 13 de agosto, em um acidente aéreo, morreu Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e então candidato a presidente da República. Em 22 de agosto, o ex-presidente Juscelino Kubistchek morreu em um acidente de carro. Em 24 de agosto, o presidente Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração. Em 25 de agosto, Jânio Quadros renunciou à presidência da República.

Foi também em agosto que uma trombose cerebral retirou da presidência da República o general Arthur da Costa e Silva, substituído por uma junta militar.

E em agosto foi derrubada a então presidente Dilma Rousseff por meio de um processo de impeachment. Assumiu o vice Michel Temer, que seria alvo de três denúncias de corrupção e preso ao final do seu mandato.

Por enquanto, ninguém se arrisca a especular sobre os possíveis desdobramentos do mais grave episódio de espionagem da história eletrônica do país, mas que haverá, haverá. Em agosto, a Câmara votará em segundo turno a reforma da Previdência; o nome do garoto Eduardo, aspirante a embaixador do Brasil em Washington, será votado na Comissão de Relações Exteriores do Senado.

E o site The Intercept promete revelar algumas das mais comprometedoras informações armazenas nos seus arquivos. Emoção não faltará.

O risco de o país acostumar-se ao capitão

Fernando Gabeira: A inocência perdida

- O Globo

É preciso sempre na internet ter um Sancho Pança interior que nos lembre: olhe bem, mestre; olhe bem o que está falando ou escrevendo

Quando ouvi, pela primeira vez, que os hackers da Lava-Jato tinham sido presos, tive muitas dúvidas. Processos assim sigilosos dependem da polícia. Ela é quem divulga a conta-gotas aquilo que considera inofensivo para o curso das investigações.

Lembrei-me de uma guia na Caverna do Diabo, no Vale do Ribeira. Ela me disse que alguns pontos da caverna eram escuros, mas era preciso tirar partido disto: as formas escurecidas estimulam nossa imaginação.

E lá fui eu no barco para a Ilha Grande remoendo as informações que chegavam aos poucos. O advogado de um dos suspeitos disse que ele negociava bitcoins, apesar de terem sido encontrados R$ 100 mil escondidos em casa.

Lembrei-me daquela velha história: em nosso país, as putas gozam, os traficantes se viciam, e os mercadores de bitcoins, possivelmente, escondem dinheiro nos colchões.

Parecia verossímil. Quando surgiram os primeiros indícios de que realmente tinham hackeado o telefone de Moro, pensei ainda: e se fossem apenas alguns dos hackers, os menos sofisticados que caíram na rede?

Descartei essa hipótese. Afinal, o telefone de Moro não pode ser uma espécie de piquenique de hackers. Deve ter sido um grupo apenas.

Demétrio Magnoli: Muito além de Noronha

- O Globo

Jair Bolsonaro errou o alvo quando insurgiu-se contra o valor da taxa de ingresso no Parque Marinho de Fernando de Noronha. O erro tem, para usar o mantra do governo, “viés ideológico”: evidencia um programa de destruição das políticas de preservação ambiental.

O arquipélago de Noronha está administrativamente bipartido. A Área de Proteção Ambiental (APA) abrange 30% da extensão da ilha principal, inclusive a Vila dos Remédios. Na APA são permitidas atividades econômicas, que se sujeitam a certas restrições ambientais. Nela, encontram-se hotéis, restaurantes, comércio, escolas, residências etc. Já o Parque Marinho (Parnamar-FN), que ocupa 70% da ilha principal e todas as ilhas menores, funciona como santuário natural. Nele, são vetadas a construção e as atividades econômicas.

O visitante de Noronha paga duas taxas: uma perfeitamente legal, outra inconstitucional. A primeira é a “taxa do parque”, cobrada pelo ingresso no Parnamar. Para brasileiros, custa R$ 106,00 (cerca de US$ 28) por dez dias. No parque de Yosemite, nos EUA, um carro paga US$ 35 por sete dias e um visitante de bicicleta, US$ 20 pelo mesmo período. No Kruger (África do Sul), um sul-africano paga US$ 47 por sete dias. Bolsonaro quer cortar o valor de uma taxa razoável porque odeia a noção de proteção ambiental.

Cacá Diegues: Patrulha de ‘viés ideológico’ é uma ação autoritária

- O Globo

No final dos anos 1970, “Xica da Silva”, filme voltado a uma revisão de nosso passado histórico, anunciava também valores que deviam nos conduzir a uma nova democracia, depois da ditadura sob a qual ainda vivíamos, embora seu fim já estivesse no horizonte. O que o filme queria dizer era simples — se íamos viver um novo momento em nossa história, era preciso vivê-lo com valores novos, trazendo para o público o que era desejável no privado. Era preciso superar a melancolia, enterrar a tristeza de ideias revolucionárias que não levavam em conta nossos desejos e nosso prazer de viver, nossa vontade e nosso direito de ser feliz.

O filme foi esculhambado por revolucionários bem comportados, uma esquerda que começava a entrar em decadência no mundo inteiro, graças ao fim do mito soviético, aos movimentos identitários que pipocavam por aí, aos heróis do que chamávamos então de contracultura. Na defesa de “Xica da Silva”, valeu demais a solidariedade de cineastas como Glauber Rocha, o apoio expresso publicamente por artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso, os textos de ensaístas de respeito como Roberto DaMatta.

Mas o que nos garantiu que o filme estava certo foi a reação do público. Nunca me esquecerei da festa improvisada pelos espectadores, na estreia de “Xica da Silva” no Cine Madureira. Depois de risos e aplausos, comentários oportunos e divertidos durante a projeção, assim que entraram os créditos finais, os espectadores se levantaram de suas cadeiras e se puseram a dançar pelos corredores da sala, ao som de Jorge Ben, com palavras de ordem inesperadas e muito bem-vindas. A cena se repetiu pelo país afora, ao longo dos muitos meses em cartaz e dos cerca de quatro milhões de pessoas que viram o filme. Era aquele o Brasil em que acreditávamos, era naquilo que queríamos transformar o futuro do país.

Nada disso impediu que os mal-humorados, perdidos em teorias livrescas, mesmo quando bem-intencionados, condenassem o filme como uma heresia, uma negação da seriedade estéril com que prefiguravam nossa Revolução com maiúscula. Era como se fossem os policiais que vigiam as estradas, patrulhas a impedir que os automóveis corram mais do que devem, em benefício da ordem e da disciplina do que está previsto nos códigos. Numa entrevista ao “Estado de S. Paulo ”, chamei-os, meio de brincadeira, de “patrulha ideológica ”. A piada pegou e dura até hoje.

Bruno Carazza*: Partidos clandestinos

- Valor Econômico

Movimentos de renovação não podem ser criminalizados

Barack Obama ganhou seus primeiros 15 minutos de fama ao subir ao palco e proferir um discurso arrebatador na Convenção do Partido Democrata em 27 de julho de 2004. Há exatos 15 anos, Obama era um parlamentar de Illinois em campanha por uma vaga no Senado. Naquela noite "o rapaz de cor de nome engraçado" ganhou atenção nacional ao atribuir à força da democracia americana o fato improvável de ele estar ali. Quatro anos depois, ele seria eleito presidente.

A trajetória de Barack Obama, desde seus tempos como líder comunitário em Chicago, é muito bem retratada no podcast "Making Obama". Os seis episódios são uma excelente introdução ao modo de funcionamento da política americana.

Depois de uma derrota acachapante em 2000, Obama vislumbrou a possibilidade de chegar ao Congresso em 2004. Para isso, foi fundamental sua articulação com membros da elite americana. Com sua história de vida e propostas, Obama começou a impressionar magnatas de Manhattan e empreendedores do Vale do Silício.

"Se você me ajudar a levantar US$ 5 milhões, eu terei 50% de chance de ganhar; se eu conseguir US$ 7,5 milhões, minha probabilidade sobe para 70%. Mas se arrecadarmos US$ 10 milhões, eu garanto que vamos vencer", dizia o candidato para seu comitê de campanha. Ao final, recebeu US$ 15 milhões em doações e, claro, foi eleito.

A história da ascensão do primeiro presidente negro dos Estados Unidos mostra quão elevadas são as barreiras à entrada na política. E não se trata apenas de dinheiro para fazer campanha. Existem também as estruturas partidárias - Barack Obama teve que conquistar a confiança de caciques democratas em Chicago e depois em Washington - e a necessidade de construir uma base fiel de apoiadores.

Aqui no Brasil temos observado, recentemente, a eclosão de uma série de movimentos e entidades criados para facilitar o acesso de novos quadros na política nacional. Nascidos da combinação entre a crise do sistema de representação partidária e as manifestações populares pós-junho de 2013, organizações com diferentes estruturas e propósitos apoiaram centenas de novos candidatos em 2018.

Há importantes diferenças entre esses grupos. Alguns se organizam de forma mais horizontal e fluida (Bancada Ativista, MBL, Vem pra Rua, Nós) enquanto outros têm estruturas que se assemelham a grandes organizações - a Raps, por exemplo, possui assembleia geral, diretoria executiva e conselhos diretor, fiscal e de ética. Há movimentos mais identificados com a direita (Livres, MBL, Vem pra Rua), outros com a esquerda (Ocupa Política, Nós) e outros que apoiaram candidatos de uma ampla gama de partidos (Acredito, Agora!, Raps, Renova BR, Vote Nelas).

Sua atuação também é distinta, envolvendo capacitação e formação política, ou apenas mobilização nas redes sociais. Alguns desses movimentos, como o Agora!, têm plataformas políticas claras, com propostas detalhadas de políticas públicas. Outros são coletivos comprometidos com a ampliação da diversidade no Legislativo (Vote Nelas, Bancada Ativista, Muitas).

'Presidentes pós-88 não atacaram direitos civis como Bolsonaro'

Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - O governo Bolsonaro interrompe um projeto paulatino de construção da cidadania civil e de valorização dos direitos humanos introduzido após a Constituição de 1988. E essa será a pior herança da atual administração, avalia o historiador Carlos Fico, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em ditadura militar brasileira. Ao atacar os direitos humanos e fazer proselitismo e apologia da violência, afirma Fico, o presidente Jair Bolsonaro se distingue de todos os presidentes anteriores desde José Sarney.

"Independentemente do que houve de problemas nos governos posteriores à Constituição de 88, com [José] Sarney, [Fernando] Collor, os governos do PSDB e do PT, nunca houve espaço, ainda mais a partir do próprio presidente da República, para a contestação dos direitos civis." Esse aspecto, salienta o professor, ainda pouco identificado e explorado, é muito mais grave e complexo do que afirmações autoritários e estapafúrdias de Bolsonaro.

O historiador considera que contra as "declarações amalucadas" do presidente há recursos de contraposição na esfera institucional, mas já seu comportamento cria simbolismos que afetam a prática cotidiana social num país com um grave histórico de autoritarismo.

"Diz respeito a uma dimensão institucional que está ali na ponta da sociedade. Não adianta só ter lei e Constituição. É preciso que as coisas mudem também no cotidiano, quer dizer, como a polícia trata alguém, como nós tratamos um empregado doméstico, como a gente lida com as diferenças que configuram uma sociedade, se você pode ter acesso à Justiça ou não. Claro que existem leis sobre isso tudo, mas isso diz respeito ao autoritarismo socialmente existente e à mudança de comportamento das pessoas. E os governos posteriores a 1988 valorizaram essas questões", explica Carlos Fico.

Social-democracia nórdica se flexibiliza e governa em 3 países

Progressistas avançam na Dinamarca, Finlândia e Suécia, enquanto esquerda fraqueja na maior parte da Europa

Lucas Neves / Folha de S. Paulo

PARIS - O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) ganhou com folga a eleição legislativa de abril passado. Mas até agora seu líder, Pedro Sánchez, não conseguiu se pôr de acordo com o Podemos (mais à esquerda), aliado natural, para formar uma base de sustentação que o credencie a iniciar seu segundo mandato como primeiro-ministro.

Talvez devesse olhar para o norte da Europa e se aconselhar com os chefes da social-democracia na Escandinávia, onde o movimento progressista emplacou três governos na primeira metade de 2019.
Enquanto a esquerda tradicional míngua na França, na Alemanha e na Itália, partidos na Dinamarca, na Finlândia e na Suécia fazem contrapeso à ascensão notável do populismo de direita no continente.

Na Dinamarca, os social-democratas lideraram a votação de junho, mas com índice insuficiente para reconquistar o comando do país sem a anuência do restante do bloco de centro-esquerda. Três semanas depois da eleição, a líder Mette Frederiksen fecharia acordo com sociais-liberais, Partido do Povo Socialista e Aliança Rubro-Verde (de esquerda radical) para virar a mais jovem primeira-ministra dinamarquesa, aos 41 anos.

Ela está à frente de um governo minoritário, algo comum por lá, mas por ora goza do apoio dessas três agremiações para fazer avançar temas centrais de sua agenda, como o combate à mudança climática e o reforço do Estado de bem-estar social, depois de uma década de austeridade.

Na Finlândia, a social-democracia até integrou duas gestões, mas não capitaneava uma coalizão governamental desde 2003. O jejum terminou em abril, quando Anti Rinne, líder esquerdista, desbancou por menos de 8.000 votos o líder do Finlandeses (de direita ultranacionalista) e obteve a prerrogativa de buscar pilares de sustentação para seu mandato. Pactuou com nada menos que quatro outros partidos para isolar o conservadorismo radical.

Reforma tributária ganha fôlego, mas há o risco de frustração: Editorial / Valor Econômico

O debate sobre a reforma tributária ganhou corpo nas últimas semanas, após a aprovação em primeiro turno da proposta de emenda constitucional que muda as regras do sistema previdenciário. A despeito de ainda haver uma série de riscos no caminho da Previdência, é natural que, uma vez superada a fase mais difícil da tramitação dessa matéria, outros temas ganhem espaço. E a questão tributária, enredada em um modelo complexo e injusto, há anos clama por um processo de renovação, que insiste em fracassar ao longo das últimas décadas.

O ministério da Economia finaliza sua proposta a ser enviada no retorno do recesso do Congresso. A ideia em discussão é a de criação de um imposto sobre pagamentos e movimentação financeira, no estilo da antiga e extinta CPMF, que substituiria a contribuição sobre a folha de pagamentos das empresas e, eventualmente, a parte dos trabalhadores. Além disso, o PIS-Cofins e IPI seriam unificados no Imposto sobre Valor Adicional (IVA) federal.

Os parlamentares, por sua vez, se anteciparam e abriram a discussão. Duas propostas (uma na Câmara e outra no Senado) já tramitam. O principal mote é a criação de um IVA nacional (que envolve os tributos sobre consumo de bens e serviços da União, Estados e Municípios), chamado de IBS (Imposto sobre Operações de Bens e Serviços).

Privatização 2.0: Editorial / Folha de S. Paulo

Vendas de estatais como a BR ocorrem em novo modelo; processo deve buscar melhor governança e maior competição

As grandes privatizações dos anos 1990 eram eventos que mobilizavam a política e a Justiça ao longo de dias ou semanas, antes e depois do desfecho dos leilões. Hoje, empresas estatais deixam tal condição em operações bilionárias, porém sem alarde comparável.

Assim se deu com a BR Distribuidora, que até terça-feira (23) pertencia à Petrobras. Esta simplesmente ofertou na Bolsa de Valores 30% das ações que detinha da subsidiária, reduzindo sua participação no capital a 41,25% —o bastante para a perda do controle.

A gigante petroleira arrecadou R$ 8,6 bilhões no negócio quase silencioso. Como comparação, a venda do controle da Vale, uma das maiores e mais controversas desestatizações do país, movimentou R$ 3,3 bilhões em 1997, hoje equivalentes a R$ 12,4 bilhões.

Entretanto houve transação ainda mais vultosa nos tempos recentes. Em abril, a Petrobras se desfez da Transportadora Associada de Gás (TAG) por US$ 8,6 bilhões, ou R$ 32,4 bilhões pela cotação atual.

A crise da indústria paulista: Editorial / O Estado de S. Paulo

Sob estatísticas que mostram a persistência e a intensidade da crise da economia brasileira, por si mesmas assustadoras, acumulam-se dramas pessoais e familiares que compõem uma tragédia social. Estado mais desenvolvido do País e que responde pela maior fatia da produção industrial brasileira - mais de um terço do total -, São Paulo registra, neste ano, o maior número de indústrias fechadas em uma década. As consequências não poderiam ser diferentes das que reportagem do Estado mostrou há pouco.

Trabalhadores que, como fizeram diariamente nos últimos 10 ou 20 anos, sempre no mesmo emprego, chegaram para trabalhar numa segunda-feira e encontraram as portas da fábrica fechadas. Ali ficaram sabendo que, vendida havia algum tempo, a empresa simplesmente parara de funcionar, sem avisar seus empregados e muito menos acertar as contas.

Sem baixa na carteira profissional, trabalhadores experientes não conseguem nova ocupação porque, formalmente, ainda estão empregados. Brasileiros que vieram para São Paulo de outras regiões em busca de empregos melhores e, sobretudo, salários mais altos veem sua situação tão ruim quanto a que deixaram na terra natal. Mas lá, lembra um deles, o aluguel é mais barato.

Em São Paulo, nos primeiros cinco meses do ano, 2.325 indústrias de transformação e extrativas fecharam suas portas. Pode se contrapor a esse número o de empresas industriais abertas no mesmo período, de 4.491, o que sugere aumento da atividade do setor no Estado. Mas, quando se examinam outros dados, como o valor da produção industrial e o número de trabalhadores empregados, fica nítido que há uma crise séria. Emprega-se menos e produz-se menos.

Em Caracas, a esquerda se esqueceu das vítimas: Editorial / O Globo

Relatório da ONU registra 6.856 mortes suspeitas de opositores ao regime de Nicolás Maduro

Aplausos podem custar caro. Na semana passada, em Caracas, a cleptocracia venezuelana gastou mais de US$ 70 milhões numa auto-homenagem, com plateia composta por representantes de partidos políticos que se dizem progressistas e de esquerda. A ditadura de Nicolás Maduro pagou despesas de uma centena de delegações — a brasileira foi capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores, fundador do agrupamento Foro de São Paulo, em cuja lista de associados se destacam também o PDT, o PCdoB e o PSB.

Seria mais uma milionária reunião de simpatizantes de ditaduras, não fosse pelo panorama insólito: a crise humanitária sem precedentes, que já provocou o êxodo de 4 milhões de venezuelanos, leva a economia a uma contração de 35% neste ano e pulverizou o salário mínimo mensal ao equivalente a US$ 7 (ou R$ 28).

Vinicius de Moraes: Eu sei e você sabe

Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.

Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!

Estácio, Holly Estácio - Luiz Melodia e Diogo Nogueira