domingo, 18 de agosto de 2019

Opinião do dia || Jürgen Habermas*

As mídias não estão alijadas da lamentável mudança de forma da política. De uma parte, os políticos se deixam seduzir pela suave pressão das mídias, fazendo encenações de curto fôlego. De outra parte, a configuração dos programas da própria mídia se deixa contaminar pela ânsia de ocasionalismo. Os (as) moderadores (as) animados (as) dos numerosos talk shows servem, com suas personagens sempre iguais, um mingau de opiniões que priva até o último espectador da esperança de que possa haver ainda razões que contem no tocante a temas políticos.

*Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão. ‘Sobre a Constituição da Europa’, p.142, Editora Unesp, 2012.

Luiz Sérgio Henriques* || Esquerda positiva e frente política

- O Estado de S.Paulo

Há de ser possível relegar os extremistas às margens e minimizar o seu impacto

Em situações críticas, quando tradicionais correntes constatam a presença disruptiva de um novo adversário percebido como ameaça a si próprias e às instituições, o tema das frentes reaparece mais ou menos ritualmente, e é natural que assim seja. Não é certo que triunfem ou sequer alcancem seus fins imediatos, assim como não escapam da incompreensão de parte dos contemporâneos, por vezes atônitos com o exercício de uma das dimensões essenciais da política, que, afinal, não vive só de conflitos nem constrói muralhas da China. Adversários leais, sem minimizar o que os divide nem renunciar à própria identidade, conversam, estabelecem pactos, delimitam o terreno de luta, pondo a salvo o que lhes parece patrimônio comum e que permitirá mais adiante a continuação civilizada do conflito.

A moderna história política brasileira conheceu movimentos dessa natureza. Relembrá-los pode servir como alento para os democratas convictos e, ao mesmo tempo, antídoto contra a ação de quem deliberadamente quer repetir indefinidamente os choques mais óbvios que assinalaram os 21 anos do regime de exceção, ceifando vidas e turvando o horizonte do País. Valorizar aqueles movimentos pode ser um guia para a ação em ambiente distinto, como este no qual nascem, ou dão sinais de querer nascer, as inéditas antidemocracias do século 21.

Não teve êxito algum, para dar um exemplo que, apesar do malogro, merece reverência, a frente imaginada por um homem de raro talento, o petebista San Tiago Dantas, às vésperas de março de 1964. A frente que propôs, numa corrida inglória contra o golpe iminente e a própria doença que o mataria, deveria reunir a maior parte do seu PTB, mas também políticos do PSD e até os udenistas “bossa nova”, em defesa da legalidade do mandato do presidente Goulart e de reformas consensuais, que levariam o País até as eleições de 1965 sem quebra da normalidade constitucional - esse bem precioso que nos obriga a cuidar permanentemente da saúde das instituições, dos partidos e do Parlamento.

A frente costurada por Dantas fracassou depois de alguns meses de frenéticas negociações, sem conseguir conter o radicalismo generalizado que atropelaria a democracia de 1946. É que quase todos os atores esperavam ganhar alguma coisa com o acirramento da crise, apostando no “dia D” da explosão revolucionária ou, como seria previsivelmente o caso, contrarrevolucionária. Mas Dantas, como contou recentemente o estudo de Gabriel da Fonseca Onofre Em Busca da Esquerda Esquecida (Prismas, 2015), legou-nos, junto com sua derrota política, o conceito de “esquerda positiva”: uma esquerda que, sem renegar a si mesma nem às razões da luta por justiça social, conduz seu combate no campo das instituições e, por isso, admite plenamente a dialética da democracia, estabelecendo alianças e se comportando com lealdade com aliados e adversários.

Celso Lafer* || Critérios para a indicação de embaixador

- O Estado de S.Paulo

O afeto e a confiança paterna não bastam para habilitar o deputado Eduardo Bolsonaro

O presidente Bolsonaro almeja nomear seu filho Eduardo embaixador do Brasil em Washington. Seu propósito tem suscitado muita polêmica, que passo a examinar.

Nos casos de chefia de uma missão diplomática, a indicação não se circunscreve à esfera do Executivo. Em função da divisão de Poderes, ela só se efetiva com a aprovação do Senado, após arguição do indicado. É de praxe nessa arguição uma exposição das diretrizes que nortearão a atuação do futuro embaixador. Supõe-se que a exposição seja de qualidade e dê conta da multiplicidade das tarefas inerentes ao cargo.

Cabe ex officio ao chanceler dar conhecimento circunstanciado ao presidente das características do seu ministério. Em duas ocasiões no exercício dessa responsabilidade, procurei sempre agregar subsídios sobre o Itamaraty, úteis também em matéria de critérios de acreditação de representantes diplomáticos.

Realcei que o Itamaraty é uma instituição de qualidade da administração federal. Seus quadros ingressam na carreira pelo sistema de mérito. Têm formação profissional que se inicia com o curso no Instituto Rio Branco, aprimorada pela experiência profissional e por vários cursos necessários para galgar postos na carreira.

Por isso os quadros do Itamaraty têm um repertório de conhecimentos e, por obra de sua atividade profissional, detêm a memória da contribuição da política externa para a construção do Brasil. Compartilham um estilo de atuação, assinalador de recursos de competência, que tendem a reforçar a política internacional do País. É um estilo que busca dar vida à síntese formulada pelo Conselho de Estado do Império: “Diplomacia inteligente sem vaidade, franca sem indiscrição, enérgica sem arrogância”. É o que credencia os quadros da carreira para o exercício profissional da função diplomática. Por isso, ainda que a chefia de uma missão diplomática possa ser atribuída a não integrantes do Itamaraty, meu conselho como ministro foi dar prioridade a seus membros, pois no amplo espectro de uma carreira baseada no mérito se encontrariam profissionais qualificados para as diversificadas responsabilidades da função.

Vera Magalhães || Jair em seu mundinho

- O Estado de S.Paulo

Declarações do presidente indispõem o Brasil com outros países e ameaçam negócios

Não se tem notícia, entre a coleção aparentemente infindável de declarações sem pé nem cabeça que é capaz de produzir, que Jair Bolsonaro já tenha flertado com a teoria da terra plana. Mas a julgar pela visão de mundo que tem externado em falas, gestos e políticas de seu governo, o presidente brasileiro acha que o mundo é estreito e dividido toscamente entre esquerda e direita, amigos e inimigos, mocinhos e bandidos.

E nem na hora de catalogar os países e colocá-los nessas caixinhas ele demonstra alguma clareza. O nível dos impropérios dirigidos à Noruega e à Alemanha por Bolsonaro é difícil até de analisar. Diante da suspensão de quase R$ 300 milhões do Fundo Amazônia por esses dois países, o presidente se saiu com mitadas sem nexo, do nível que alunos da quinta série dirigem uns aos outros no recreio. Algo como: “Eles (os noruegueses vilões) que usem o dinheiro para reflorestar a Alemanha”. Pausa para constrangimento geral.

Desde 2009, os dois países já doaram (doaram, não emprestaram) R$ 3,4 bilhões para o fundo. A maior parte desse dinheiro vai para órgãos dos governos federal e estaduais, como o sucateado Ibama, e se destina a comprar veículos para fiscalização de ações de desmatamento, grilagem e outras práticas criminosas. Os recursos são administrados pelo BNDES.

Abrir mão desses recursos num cenário em que as restrições orçamentárias atingem mais fortemente pastas como a do Meio Ambiente, historicamente um patinho feio na Esplanada, não é nenhuma afirmação de soberania, não se trata de substituir uma “narrativa esquerdista” por outra de direita e nenhuma bobagem similar. Trata-se única e exclusivamente de rasgar dinheiro e passar vergonha diante do mundo. Esse que Bolsonaro teima em estreitar e perante o qual insiste em diminuir o Brasil.

Eliane Cantanhêde || Blindagem

- O Estado de S.Paulo

Fim da crise, Bolsonaro, Moro e Valeixo vivem felizes para sempre. Será?

Vamos falar claramente. É preocupante a investida simultânea do presidente Jair Bolsonaro contra a Polícia Federal, a Receita e o Coaf, além de sua estranha relação com Sérgio Moro e a dificuldade para definir o procurador- geral da República. Pior: no caso da PF e da Receita, os alvos imediatos são os superintendentes no Rio, base dos Bolsonaro e assolado por violência, milícias e “rachadinhas”.

O presidente diz que “não é um banana” e é ele quem manda. Isso, porém, não significa sair nomeando os homens da PF e da Receita nos Estados, já que são órgãos de investigação, obrigatoriamente autônomos. Bolsonaro escolher pessoalmente os superintendentes no Rio abre a porteira. Os governadores vão querer indicar, políticos e empresários investigados, também e não para mais. O que vai parar são as investigações de corrupção.

Justiça se faça. Lula foi investigado, condenado e preso, Dilma foi investigada e caiu por impeachment, mas não ousaram meter a mão na PF. E, quando Temer nomeou Fernando Segovia para a PF por apadrinhamento político, ele não durou três meses na direção geral.

Ao anunciar a jornalistas a troca da PF no Rio, com críticas ao superintendente Ricardo Saadi, o presidente acendeu o sinal amarelo. Não era um caso isolado. Ele já vinha investindo contra o Coaf, empurrado para o Banco Central, e contra a Receita, em pé de guerra com a intervenção no Rio e “otras cositas mas”. Na sexta-feira, o secretário da Receita, Marcos Cintra, já teve uma conversa séria com o chefe imediato, Paulo Guedes.

Para se blindar, a PF lançou como sucessor de Saadi o atual superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Souza. Mas Bolsonaro foi à tréplica, anunciando no dia seguinte que quem manda é ele e que seria o superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva. De amarelo, o sinal da PF virou vermelho.

Affonso Celso Pastore* || Um mundo muito estranho

- O Estado de S. Paulo

É bom reduzirmos nossa arrogância e admitirmos que a incerteza é grande

Quem até recentemente cultivou o hábito de atribuir às elevadas taxas de juros a culpa pelas baixas taxas de crescimento no Brasil, pode buscar a ajuda de um terapeuta para evitar que a perda do “security blanket” cause danos à sua estabilidade emocional. O motivo do comentário não é a decisão do Copom de baixar 50 pontos base na taxa Selic, mesmo porque com uma economia estagnada e sem risco de inflação não há dúvida de que outras reduções se seguirão. Meu argumento é que há causas importantes que, por um longo período, deverão manter baixas as taxas reais de juros no Brasil e no mundo. Com isso, o debate sobre o nosso crescimento, que ainda assim continuará baixo, terá que se concentrar nas suas verdadeiras causas, e não nos mitos, como o de que o objetivo único da política monetária seria favorecer os rentistas.

Há uma queda persistente das taxas de juros nos países avançados, que se manteve mesmo depois da recuperação à crise de 2008/2009, e isto se deve em grande parte à transição demográfica, com a queda da proporção da população mais jovem e o aumento da mais velha. Jovens têm que poupar mais durante a vida ativa para sustentar o consumo na velhice, e o aumento da poupança reduz a taxa neutra de juros. Dado que transição demográfica não é um episódio cíclico, o curso dos juros não é movimento transitório, e não há nada estranho que em países sem riscos, como Alemanha e Japão, títulos públicos paguem taxas nominais negativas de juros, e que nos EUA as taxas reais das treasuries de 10 anos estejam abaixo de 2% ao ano.

Merval Pereira || Nova chance a Moro

- O Globo

Bolsonaro está entre manter seu apoio a Moro, e consequentemente, ao combate à corrupção, ou desagradar parte do Congresso

A crise coma Polícia Federal, provocada pela tentativa do presidente Jair Bolso na rode intervir na corporação indicando o novo chefe do Rio de Janeiro, proporcionou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, retomar, ainda que em parte, o protagonismo que havia perdido na crise das conversas hackeadas, e também no “quem manda sou eu”, rompante do presidente em relação à PF.

Moro e o diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, mostraram a Bolsonaro que a atitude provocou uma verdadeira comoção na instituição, sendo possível um pedido coletivo de demissão dos chefes operacionais. Bolsonaro voltou atrás, e Moro ganhou a confiança da Polícia Federal.

Entra agora na negociação dos vetos à nova lei de abuso de autoridade com mais poder de convencimento, pois muitos dos que pede são em defesa dos policiais e agentes de segurança pública, os mais atingidos pelas novas normas. Moro terá também um teste decisivo, poisa lei de abuso de autoridade interfere diretamente no combate à corrupção, bandeira que o identifica. Já Bolsonaro está entre manter seu apoio a Moro, e consequentemente, ao combate à corrupção, ou desagradar parte do Congresso.

Bernardo Mello Franco || O presidente e as bananas

- O Globo

Sob pressão, Polícia Federal e Receita tentam resistir à interferência presidencial. No Rio, os dois órgãos atrapalham os negócios das milícias

Jair Bolsonaro não preza pela discrição. Na quinta-feira, o presidente atropelou a Polícia Federal e anunciou a remoção do superintendente no Rio. Na manhã seguinte, bateu no peito e confirmou a interferência política: “Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”. O mandonismo presidencial já fez vítimas em diversas áreas do governo —do fiscal do Ibama que o multou ao diretor do Inpe que não aceitou esconder os números do desmatamento. Agora chegou a vez dos órgãos de combate à corrupção e ao crime organizado.

Segundo disse Bolsonaro, o delegado Ricardo Saadi deixará o posto por problemas de “gestão e produtividade”. A declaração irritou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que desmentiu o presidente em nota oficial. O episódio esvaziou ainda mais o ministro Sergio Moro, a quem a polícia está subordinada.

A troca de Saadi foi antecipada por outro motivo: sob o comando dele, correm investigações sensíveis ao clã presidencial. O delegado despacha na Praça Mauá, mas coordena casos com potencial para abalar o Planalto. Um deles envolve o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de ocultar bens nas eleições de 2014. Na época, o faz-tudo Fabrício Queiroz já assinava cheques em seu gabinete na Alerj.

Elio Gaspari || O embaixador Eduardo Bolsonaro

- O Globo / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro é um mágico. Baixa o nível do debate dos assuntos públicos, trata de cocô e não discute os 12 milhões de desempregados. É ajudado pela oposição que aceita sua agenda ilusionista. Um bom exemplo desse fenômeno é a qualidade do debate em torno da indicação de seu filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington.

É nepotismo? Sem dúvida. O que isso quer dizer? Pouco. O ditador nicaraguense Anastasio Somoza nomeou o genro, Guillermo Sevilla Sacasa para Washington. Um craque, tornou-se decano do Corpo Diplomático e atravessou os mandatos de oito presidentes. O Xá do Irã mandou para os Estados Unidos um cunhado, e Ardeshir Zahedi foi um grande embaixador. As monarquias do Golfo mandam seus filhos para Washington e, com a ajuda do poder de petróleo, eles se desempenham com mais sucesso que outros embaixadores árabes.

Há o nepotismo das ditaduras e há compadrio das democracias. Bill Clinton mandou Jean Kennedy Smith (irmã do falecido presidente) para a embaixada na Irlanda e Barack Obama mandou Caroline Kennedy, (filha de John) para a do Japão. (Uma meteu-se em encrencas, a outra foi irrelevante.) Isso, para não falar de Pamela Harriman, mandada por Clinton para a França. Seu mérito foi ajudá-lo na campanha. Fora disso, foi uma cortesã, mulher do filho de Winston Churchill e colecionadora de milionários, de Averell Harriman a Gianni Agnelli, passando por Ali Khan, Elie de Rothschild e Stavros Niarchos.

Ascânio Seleme || Avesso a sombras

- O Globo

Só Jair Bolsonaro e seu filho Carlos sabem o que pensa o presidente da República sobre a comunicação oficial do governo. Os sinais de que nada importa, a não ser a voz do chefe, são cada dia mais evidentes. De umas três ou quatro semanas para cá, Bolsonaro vem falando quase todos os dias na portaria do Palácio da Alvorada, quando sai para trabalhar de manhã cedo. É uma estratégia de comunicação, evidentemente. Só que não funciona. O presidente vai ao cercadinho da imprensa para passar recados. O problema é que ele também responde a perguntas. E então, desanda.

O presidente não consegue resistir a um microfone. Além das agora cotidianas falas no Alvorada, Bolsonaro também abre o bico em toda atividade de que participa. Seus assessores dizem que muitas vezes ele muda o trajeto do seu deslocamento apenas para passar em frente aos jornalistas e parar assim que a primeira pergunta é feita. E dá-lhe blá-blá-blá. Bolsonaro adora um quebra-queixo (termo criado pela jornalista Ana Tavares, ex-secretária de imprensa do presidente Fernando Henrique, para designar entrevistas concedidas a dezenas de jornalistas portando alvoroçadamente microfones, gravadores ou celulares prontos para quebrar o queixo do entrevistado).

A eloquência presidencial torna o porta voz do Palácio do Planalto um figurante. Única coisa que Otávio Rêgo Barros conseguiu depois de sete meses na função foi perder sua quarta estrela de general. Bolsonaro é centralizador e odeia quando alguém de seu time se destaca mais do que ele. Entre outras razões, essa ciumeira, que também irrita ao filho Carlos, está esvaziando Rêgo Barros, que pode deixar o cargo a qualquer momento. Nesta semana, ele teve uma pequena vitória. Conseguiu o afastamento do jornalista Paulo Fona apenas seis dias depois de sua posse como secretário de Imprensa da Secom.

Míriam Leitão || Origem das crises e das ameaças

- O Globo

O risco não vem da direita nem da esquerda, vem do autoritarismo e do populismo. Eles arruínam a economia e ameaçam a democracia

O problema não é a direita ou a esquerda. Em qualquer democracia há alternância de tendências políticas no poder. O risco vem do populismo e do autoritarismo. Eles produzem crises econômicas, ameaçam instituições, emburrecem o debate. Na Argentina, na Venezuela e no Brasil, o problema sempre foi o autoritarismo, e piora quando ele vem vestido com as cores do populismo.

A Argentina de Cristina Kirchner aprovou uma lei de imprensa para brigar com alguns órgãos, principalmente o “Clarín”. A Venezuela de Chá veze Maduro atacou jornalistas, jornais e emissoras de T Vem geral. Conseguiu fechara maioria. No silêncio que se seguiu, escalo uno populismo autoritário qu elevou o país à devastação. O governo Lula tentou imitar a onda da Venezuela e da Argentina na relação com a imprensa e propôs projetos de controle. Teve que recuar, mas a ideia é renovada nos programas do PT a cada eleição.

O governo Bolsonaro ofende cotidianamente jovens repórteres que fazem perguntas pertinentes, posta mentiras sobre jornalistas, ataca jornais, ameaça usar a força econômica do governo para acabar com órgãos de imprensa e editou a MP do balanço das empresas declarando que o fazia para retaliar o “Valor”. Autoritários e populistas não gostam de jornalistas e jornais.

A Argentina de Cristina Kirchner brigou com o número da inflação, fez uma intervenção no Indec e mudou a fórmula de cálculo. O governo Bolsonaro não gosta das notícias de aumento do desmatamento, fez uma intervenção no Inpe e vai contratar um serviço privado extraindo o dinheiro do cofre público que já está vazio. O desmatamento continuará aumentando, assim como a inflação argentina. O governo Macri anunciou que corrigiria o que Cristina fez no índice. Cumpriu a promessa. Mas foi incompetente para reduzir a inflação e recorreu a uma arma velha dos populistas: o congelamento de preços. Fez o controle da cesta básica e agora, depois da eleição, congelou gasolina e combustíveis em geral. Não vai ajudá-lo na eleição e aprofundará a crise da Argentina.

Dorrit Harazim || Primeiro de abril o ano todo

- O Globo

Merkel tende a tratar com o devido desdém a incivilidade, vulgaridade e insegurança de Bolsonaro em relação a ela

Em 1989 Angela Merkel era uma divorciada de 35 anos que jamais fizera um pronunciamento político em público. Física com especialização em química quântica, tocava a vida fechada na Alemanha Oriental (comunista). A queda do Muro de Berlim, acontecimento épico que em novembro próximo terá o 30º aniversário festejado à altura, permitiu a Merkel ascender numa democrática sociedade alemã reunificada, e chegar ao topo do poder. Só que neste seu quarto mandato a sua própria saúde, a do país que governa e a do mundo à sua volta encontram-se em condições mais claudicantes. Ainda assim Merkel continua sendo a única chefe de Estado ou de governo deste terceiro milênio merecedora da qualificação de estadista.

E por isso tende a tratar com o devido desdém a incivilidade, vulgaridade e insegurança do presidente do Brasil em relação a ela e à nação alemã.

Difícil dizer o que foi mais feiúsco no episódio de dias atrás, quando Jair Bolsonaro respondeu, no estilo “impromptu calculado” que agora virou regra, à decisão da Alemanha de suspender a doação de R$ 150 milhões para a proteção ambiental da Amazônia. Talvez o linguajar: “Pega esta grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui” é chulo. Ou o riso laranja-mecânica também asqueroso com o qual Bolsonaro costuma encerrar suas tiradas. Ou ainda os figurantes do governo com cara de paisagem que assistem a estas frequentes scenate presidenciais. Decididamente, um conjunto pouco edificante.

Daí a resposta alemã ter vindo não da chancelaria em Berlim, mas através de uma plataforma mais adequada: a sátira política. Um programa humorístico na principal rede de TV pública alemã retratou o chefe da nação brasileira, em horário nobre, como “bobo da corte do agronegócio”. Com direito a uma fotomontagem na qual ele enverga a inesquecível sunga verde do também inesquecível personagem Borat, criado por Sacha Baron Cohen, além de uma paródia da música “Copacabana” rebatizada Bolsonaro-Song. Tudo meio tosco, como é o senso de humor germânico. Mas tosco por tosco, tem tudo para alimentar as redes sociais e o rancor bolsonarista.

Luiz Carlos Azedo || Moço mal-educado

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Ao se tomar uma decisão, há uma dimensão ética e outra pragmática, muitas vezes tensa, que nem sempre são compatíveis. No longo prazo, a ética prevalece”

Nos anos 50 a.C., ou seja, quando ainda não existia cristianismo, todo esforço civilizatório romano se sustentava no resgate das ideias dos filósofos gregos, do qual Marco Túlio Cícero foi um expoente. Filósofo e advogado, destacou-se como republicano, mas não foi um político bafejado plenamente pela sorte, pois acabou traído por Octaviano, filho de Julio Cezar, ao bater de frente com Marco Antônio. Assassinado em 7 de dezembro de 43 a.C., sua cabeça e suas mãos foram cortadas e expostas no Fórum Romano. Entretanto, seu legado intelectual sobrevive até hoje.

Segundo Cícero, tudo o que é moralmente correto deriva de quatro fontes: a percepção ou desenvolvimento inteligente do que é verdade; a preservação da sociedade organizada, em que todos recebem o que merece e cumprem com suas obrigações; a grandeza e força de um espírito nobre e invencível; ou a ordem e moderação em tudo o que é dito e feito, por meio da temperança e do autocontrole. O presidente Jair Bolsonaro não se enquadra plenamente em nenhum desses quesitos.

Por exemplo, no primeiro quesito, não tem compromisso com a verdade quando trata da tortura nos quartéis durante o regime militar. O caso de Fernando Santa Cruz é paradigmático. Com relação à equidade e igualdade de oportunidades na sociedade, no segundo, privilegia claramente aliados e corporações que o apoiam, como os caminhoneiros, sem falar no caso de nepotismo na indicação do filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para a embaixada do Brasil em Washington. Com relação à moderação e ao autocontrole, o quarto quesito, dispensam comentários, não fazem o seu estilo de governar.

Talvez se aproxime apenas do espírito invencível, que o levou à Presidência, mas deixa muito a desejar, no terceiro quesito, quanto à nobreza, por causa do comportamento rude e desrespeitoso em relação aos que o contrariam, desde o correligionário que ousa contestá-lo à primeira-ministra alemã Angela Merkel, hoje a principal liderança europeia. Um dia sim, outro também, o presidente da República dá uma declaração polêmica, às vezes escatológica. As pesquisas dirão como a maioria da sociedade encara isso, mas as pessoas educadas, de qualquer orientação política, reagem negativamente, inclusive as que lhe deram o voto nas eleições passadas.

No exterior, então, a repercussão desse estilo de governar é péssima. Nunca um presidente brasileiro teve sua imagem tão associada ao nazismo e ridicularizada por chargistas dos principais veículos de comunicação do mundo. O presidente Donald Trump também é muito criticado por suas declarações xenófobas, racistas e misóginas, mas dispõe de meios de intervenção na política e na economia mundial com os quais não contamos. Mesmo que Bolsonaro queira fazer um piquenique à sombra de Trump na política internacional, sua capacidade de atuação em fóruns multilaterais e nas relações bilaterais sofre restrições absolutamente desnecessárias por causa de suas atitudes e declarações.

Janio de Freitas || A palavra do coprófilo

- Folha de S. Paulo

O Brasil está sem dinheiro porque está sem governo

"O Brasil está sem dinheiro / os ministros estão apavorados / estamos aqui tentando sobreviver". Dessa vez Jair Bolsonaro não mentiu, mas não é bem como disse. O Brasil está sem dinheiro porque está sem governo. E sem governo não há país que sobreviva como algo que seja ainda considerado país.

Faltam dinheiro e governo porque, com a produção industrial em queda contínua, o comércio em queda, queda até nos serviços e o crescente desemprego, a arrecadação de impostos e outras contribuições não alcança o mínimo necessário. Colapso a que Paulo Guedes, Bolsonaro e os militares retornados assistem com indiferença imobilizadora há quase nove meses. A solução que Guedes pesca em sua perplexidade é o seu apelo por dois ou três anos de paciência.

Em economia não existe o conceito de paciência. Na vida dos países, muito menos.

Muito diferente foi o assegurado aos eleitores na campanha, pelo candidato, por Guedes, por consultorias e jornalistas do apoio a Bolsonaro. Durante meses, ouviu-se que já neste primeiro ano de governo o crescimento econômico seria de 3%, se não mais. Desde o primeiro mês de 2019, no entanto, as previsões foram submetidas a sucessivos cortes mensais. Ainda a quatro meses e meio do fim de ano, já estão em 0,8% ou menos, havendo quem admita 0% no final.

Angela Alonso* || Ouro de tolo

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Guedes, Tarciso e Tereza Cristina seriam pepitas em meio ao cascalho bolsonarista

O presidente fala para chocar e distrair. Jair repete Fernando (Collor), com motos, jet-skis e escatologias.

Para muitos, essa vitrine obscurantista acha contraponto no fundo liberal da loja. A despeito das presidenciadas cotidianas, lá estão Paulo, Tarcísio e Tereza Cristina a embalar a esperança do mercado na melhora do ambiente de negócios. Seriam o ouro escondido em meio ao cascalho. Cascalhada precificada.

Como sabe Bolsonaro, que já garimpou, peneira-se muito para achar pepita. A jazida da pujança deveria luzir aos cem dias de governo, mas impôs reentrâncias políticas e jurídicas incontornáveis mesmo para o gênio de Chicago. Guedes pede paciência, mas não pede água. É movido pela crença no triunfo da vontade —a sua.

Acontece que o brilho da pepita e a opacidade do cascalho se amalgamam no mesmo riacho. Não são as cabeças de Janus, uma olhando o passado e a outra, o futuro. São serpentes da mesma Medusa, como mostra a tópica das universidades públicas.

A turma do cascalho ataca ciência, pesquisa, liberdade de pensamento. Na retórica obscurantista, crença vale mais que argumento, fé mais que demonstração. Seu dogma é o da verdade revelada. Como pensam assim, supõem que os demais também assim pensem.
Daí julgarem a universidade um celeiro de esquerdistas que passariam, como os bolsonaristas, o dia todo produzindo fake news e incitando estudantes a repeti-las.

Creem nisso porque, decerto, nunca usufruíram do ambiente intelectual de uma universidade. Nesta instituição convivem diferentes credos, valores e opções políticas. A convergência está no engajamento na produção e transmissão intergeracional de conhecimento.

A universidade é o contrário de tudo o que diz a turma do cascalho. É espaço de pluralidade de disciplinas, teorias, argumentos e métodos. Não se rege por ideologia unificadora, mas por ethos comum, a adesão aos pilares da produção do conhecimento científico: o raciocínio lógico, o rigor dos métodos, a apresentação de provas e a legitimação intersubjetiva dos resultados.

Vinicius Torres Freire || A crise mundial, no reino da Dinamarca

- Folha de S. Paulo

Recessão no mundo rico ainda é dúvida, mas dinheiro grosso foge para as montanhas

Nestes dias de muvuca nos mercados financeiros, correu a história de que o terceiro maior banco da Dinamarca, o Jyske, passou a oferecer empréstimos a taxas de juros negativas a quem queira comprar uma casa. Isto é, quem pegar 100 dinheiros emprestados terá de pagar pouco mais de 95 dinheiros, ao final de dez anos.

E daí se há algo de doido no reino da Dinamarca? E o Brasil, a China, os EUA? Há muito chute sobre a recessão americana, que dirá sobre seu impacto por aqui. A anedota dinamarquesa pelo menos diz algo sobre a finança do mundo.

O banco dinamarquês empresta dinheiro a juros negativos porque pode tomar emprestado a taxas ainda menores, mais negativas, como também na Alemanha, na Suíça ou no Japão. Na prática, quem empresta dinheiro ao governo alemão por dez anos perde 0,5% ao ano. Há montes de dinheiro sem uso no mundo rico, por medo de risco ou falta de onde aplicar em economias que se arrastam e o povo anda na pindaíba.

Nos Estados Unidos, a taxa do título do Tesouro de dez anos caiu para perto de mínimas históricas na semana passada, mas ainda positivas, cerca de 1,5% ao ano (pagava 3% ao ano ainda em novembro).

Medo de recessão, de colapso financeiro e especulação levam investidores, dos caseirinhos aos fundos soberanos gigantes da Ásia, a fugir de aplicações de risco em tese maior e a comprar títulos de governo, do americano em especial, o que eleva seus preços e reduz seu rendimento (é a mesma coisa).

Bruno Boghossian || Os cadáveres de Witzel

- Folha de S. Paulo

Se não quiser assumir responsabilidades, governador deve procurar outro emprego

Wilson Witzel plantou atiradores em torno de favelas do Rio, despachou policiais em helicópteros para metralhar as ruas e sonhou até em lançar um míssil para despedaçar bandidos na Cidade de Deus. Com pose valente, promete não recuar. Falta saber quando ele vai demonstrar um pingo de preocupação com os moradores desses lugares.

O ex-juiz resolveu tratar a morte de inocentes em tiroteios entre traficantes e a polícia como um contratempo insignificante. Após uma semana especialmente violenta, sua equipe disse lamentar essas ocorrências “e todas as outras que possam acontecer”. Witzel, nem isso.

Atrás de alguém para culpar, o governador pisou nos corpos das vítimas e fez deles um palanque. “Pseudodefensores dos direitos humanos não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês”, afirmou, na sexta (16).

Alon Feuerwerker || Só o príncipe pode criar a tempestade perfeita para ele mesmo

- Blog do Noblat / Veja

Agora aplaudem que o Coaf vá para o BC

Era previsível que as principais turbulências políticas em 2019 viessem dos movimentos do Executivo para retomar o poder moderador, presente no Brasil desde que D. Pedro I deu seu golpe contra a Constituinte de 1823 mas esvaziado no período recente. Escrevi sobre o assunto há exatamente dois anos, em “A calmaria de hoje e a tempestade que vem…”. Um motivo estrutural: vacinados pela experiência com a ditadura, os constituintes de 1988 fizeram de tudo para esvaziar o Executivo. Ainda que tenham cedido em aspectos pontuais, por exemplo quando mantiveram o decreto-lei sob o nome de medida provisória.

Assim, a atual Constituição trouxe as bases objetivas para órgãos de Estado dotados de poder de investigação e polícia passarem a operar sem estar subordinados ao governo civil eleito na urna. Mas condições objetivas não bastam para desencadear turbulências políticas, as subjetivas são indispensáveis. E elas amadureceram nos últimos anos, com o enfraquecimento extremo dos ocupantes do Palácio do Planalto. E com o apoio da opinião publica a toda violação de normas legais, desde que para alcançar alvos políticos por meio do combate à corrupção.

A Brasília que Jair Bolsonaro assumiu em janeiro não era uma terra arada à espera da semeadura bolsonarista. É um território ocupado por núcleos de poder anabolizados, musculosos depois de intensa malhação. Afinal, derrubaram uma presidente, prenderam e tornaram inelegível um outro e transformaram o último em pato manco. Em meio aos embates com a Constituinte, o então presidente José Sarney previu que, por múltiplas razões, a nova Constituição tornaria o Brasil ingovernável. O eleito em outubro de 2019 apenas constatou o previsto três décadas antes.

‘Os Poderes precisam bater continência à Constituição’, afirma Ayres Britto

Ministro aposentado do STF faz ressalvas, em entrevista ao GLOBO, ao projeto lei sobre abuso de autoridade

Bernardo Mello || O Globo

RIO — Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto criticou o projeto de lei sobre abuso de autoridade aprovado pela Câmara . A matéria aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro . Para Ayres Britto, há risco de “violação da autonomia” dos juízes.
O ex-ministro, ativo na advocacia aos 76 anos — integrou a equipe jurídica de Aécio Neves (PSDB) na campanha de 2014, quase três décadas depois de ser candidato a deputado federal pelo PT —, afirmou ainda que é preciso resguardar a independência do Supremo , bombardeado por críticas de diferentes setores do espectro político.

• A lei do abuso de autoridade é um contra-ataque ao Judiciário?

O Judiciário, além de independente, tem autonomia técnica para julgar segundo sua convicção e sua ciência própria. O crime que um magistrado pode praticar é o de responsabilidade, ou uma infração administrativa. Abuso de autoridade, não. A título de imputar o abuso de autoridade a um juiz, o Estado vai terminar por violar sua autonomia técnica. Vai criminalizar o modo como o juiz interpreta o Direito.

• Defensores do projeto sustentam que não haverá “crime de hermenêutica”, de interpretação de lei...

Se você relativizar a liberdade de expressão, você absolutiza o poder do Estado. Não há meio-termo: ou você absolutiza o poder do Estado de criminalizar a liberdade técnica do juiz ou absolutiza a autonomia interpretativa do magistrado. “Abuso” se associa a um transbordamento do modo de entender ou aplicar o Direito. Como separar, então, este suposto “abuso” do estabelecimento de uma censura, de uma criminalização de certas interpretações do Direito? É impossível.

• É preciso, hoje, haver um pacto entre os Poderes, como proposto pelo presidente do STF, Dias Toffoli?

Vejo isto com muitas ressalvas. Os Poderes só devem pactuar com a Constituição. Há até um certo compartilhamento de funções entre Executivo e Legislativo, mas o Judiciário não tem nada a ver com isso. Até porque, quando se mete a se familiarizar com os outros Poderes, o Judiciário termina cooptado. Quanto mais os Poderes seguirem a Constituição, menos vão depender um do outro. Que cada qual fique no seu quadrado normativo, e a harmonia será uma resultante.

Agronegócio depende da preservação ambiental, diz líder de associação do setor

Presidente da Abag, Marcello Brito nega que haja ‘paranoia’ sobre o ambiente, como afirmou Bolsonaro, e diz que, se o setor não se enquadrar na pauta global da biodiversidade, Brasil ficará ‘fora do jogo’

Johanns Eller || O Globo, 17/8/2019

RIO — Engenheiro de alimentos e diretor-executivo da Agropalma, maior produtora de óleo de palma do Brasil, Marcello Brito está desde dezembro à frente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), entidade que reúne muitas das principais empresas do país.

Ele defende os dados científicos que mostram o crescimento dodesmatamento no Brasil (" É só dar uma passadinha aqui na Amazônia, não precisa ir muito além de Belém ou de Manaus para assistir a isso de camarote", diz) e a legislação que protege o ambiente, como o Código Florestal, ameaçado de alteração .

Também afirma que a grande maioria dos empresários do agronegócio já entendeu que o setor está ligado de modo irreversível à preservação do meio ambiente, tanto pela dependência de terra e de água quanto pelo fato de que quem não se enquadra na nova agenda ambiental global perde mercados no exterior.

Ele mostra preocupação com o recrudescimento da retórica antiambientaldo atual governo , mas acredita que o presidente ainda pode corrigir o rumo. “Se ele olhar as informações que o mundo está passando em relação às ações do Brasil, tenho certeza de que a atuação dele será diferente”, diz.

• Em que pontos a agenda ambiental converge com a do agronegócio?

Para termos agronegócio precisamos de terra e água. Água só temos com o ciclo natural de chuvas, para o qual precisamos de florestas. Uma coisa é intrínseca à outra. Hoje em dia, o que mais pesa em cima do nosso setor é justamente a questão do desmatamento. Muitos anos atrás, era algo efetivamente praticado pelo agronegócio. A empresa que eu dirijo (Agropalma), nós temos, entre produção própria e parcerias, 52 mil hectares. A parte que foi desenvolvida na década de 80 e início de 90 foi em substituição de floresta. Mantivemos reserva legal, mas uma parte foi cima de desmatamento. Isso é algo que não cabe mais. E, quando você faz a análise do desmatamento atual, entende que a maior parte dele é ilegal, que nada tem a ver com o agronegócio propriamente dito.

• Então há pautas em comum?

A Abag acredita que é do nosso interesse total trabalhar junto a outras forças da sociedade auxíliando o governo e as forças estaduais e federais no combate ao desmatamento ilegal. A agenda ambiental hoje faz parte de todo e qualquer negócio. É indissociável. A grande maioria dos empresários do setor já enxerga que a agenda ambiental da nova geração é completamente diferente da nossa. Ou nos enquadramos dentro dessa nova agenda mundial de mudanças climáticas e preservação da biodiversidade ou ficaremos fora do jogo.

• Em que medida o Brasil pode ser afetado?

Imagina se a gente conseguir reduzir o desmatamento ilegal em 50% nos próximos 5 anos, o sucesso que isso seria em termos de reconstrução da imagem brasileira? Estamos falando em acesso a mercado. Uma coisa é muito clara: a gente precisa saber analisar mercados de forma mais profissional. Aquela imagem antiga de que, se o Brasil não participar, ninguém vai ter (produtos) para oferecer, não é verdadeira. A partir do momento em que você dá oportunidade de mercado e deixa espaço a ser preenchido, alguém vai preenchê-lo. O Brasil não é uma ilha paradisíaca e única produtora de alimentos do mundo. Vários outros países também têm condições. Às vezes não têm as condições tropicais que temos aqui, mas com há tecnologia disponível hoje, só lembrar que Arábia Saudita e Israel têm plantações no deserto. E a gente também tem o continente africano monstruoso em oportunidades agrícolas, ainda com uma série de dificuldades socioeconômicas e políticas, mas no passado nós tivemos também. É uma questão de competência.

• Houve, no período após a eleição, o sentimento de que ruralistas estavam em êxtase com a possibilidade de expandir suas fronteiras agrícolas. Há segmentos preocupados com o desenvolvimento sustentável?

Nós estamos em um processo de construção de consensos e de visões. Nada mais forte do que o mercado. Você vai ampliar a fronteira agrícola para quê? Está faltando alimento no mundo? Isso significaria derrubar os preços.

• A ex-ministra Kátia Abreu (PDT-TO), notório quadro da bancada ruralista no Congresso, disse em entrevista ao “Estado de S. Paulo” que o presidente Jair Bolsonaro atua como “antimercado” ao ignorar a importância do meio ambiente para a produção agrícola. O senhor concorda?

Olha, a senadora naturalmente tem o viés político dela ao fazer seus comentários. A minha posição é empresarial, e eu diria que falta uma sintonia maior com a realidade ambiental, e diria que talvez o presidente esteja tomando decisões sem ter a devida informação em suas mãos. Ninguém chega à posição que ele chegou se não for uma pessoa inteligente, que saiba olhar o que acontece em volta. Se ele olhar as informações que o mundo está passando em relação às ações do Brasil, tenho certeza que a atuação dele será diferente. Tenho plena consciência de que esse governo não é feito só de uma pessoa, mas de uma composição. Se você olhar para os diversos ministérios, há muita gente boa e competente. Você vê o brilhante trabalho da Tereza Cristina (ministra da Agricultura), da Infraestrutura (do ministro Tarcísio Gomes), seria muito ruim da nossa parte se a gente achasse que todo o governo brasileiro é incompetente.

Entrevista || Matteo Renzi | senador do partido democrático e ex primeiro-ministro italiano

“Agora é preciso salvar a Itália; depois, nos dividiremos”

Ex-primeiro-ministro aposta em um "Governo de unidade nacional" em vez das eleições que Salvini exige

Lorena Pacho || EL PAÍS

ROMA - - O ex-primeiro-ministro e senador Matteo Renzi voltou à linha de frente para neutralizar a tempestade perfeita que Matteo Salvini (Liga) criou ao dinamitar a coalizão do Governo com o Movimento 5 Estrelas (M5S). Depois de irromper em cena como um ciclone disposto a arrasar primeiro com a velha política e de passar em seguida para o ostracismo, tornando-se um pária após perder um referendo constitucional que lhe custou o cargo e que marcou os últimos três anos da política italiana, Renzi, mais uma vez, tem espaço na complexa e intrincada situação política atual, como chave para um novo Governo de unidade nacional. Em uma entrevista por telefone a EL PAÍS, ele explica as razões pelas quais defende um acordo de todas as forças políticas para deter o líder da ultradireitista Liga.

Pergunta. A Itália está à beira de uma crise institucional. Como se chegou a esta situação?

Resposta. É responsabilidade de um homem só: Matteo Salvini. Se tivesse escolhido pedir a votação antecipada depois das eleições europeias, teria sido uma decisão muito egoísta, talvez cínica, mas institucionalmente correta. No entanto, quis esperar que as semanas passassem e, de repente, precipitou tudo, quando não há tempo para convocar eleições antes da tramitação do orçamento e contra as tradições italianas que dizem que enquanto o orçamento é decidido não há votação.

P. Quais podem ser as consequências?

R. A isto se acrescenta uma mensagem muito provocativa de Salvini aos italianos: "Deem-me plenos poderes". Na Itália, o último que pediu plenos poderes foi Mussolini. Isso se junta ao problema da desaceleração da economia alemã, à guerra comercial entre a China e os Estados Unidos e ao fato de que na Itália o Governo de Salvini e do M5S projetou para 2020 um aumento de impostos. Em suma, é o caos perfeito.

P. Diante desse panorama, que alternativas propõe?

R. Em face dessa crise institucional, há duas alternativas: a primeira é ir às eleições e provocar um desastre econômico; a segunda é parar tudo e pôr em marcha um Governo que chamo de institucional.

P. O senhor tem a chave para um Governo institucional ou uma antecipação das eleições, o que fará?

R. Creio que no Parlamento há números para formar um Governo de unidade nacional e não para realizar eleições. Trabalho para atingir esse objetivo. Não faço isso como membro do meu partido, ou por motivos pessoais, mas como um ex-primeiro-ministro que está vendo uma situação de graves dificuldades e decidiu voltar para dar uma mãozinha.

P. O que propõe?

R. Não quero que a Itália entre em recessão por causa de um aumento de impostos ou da saída do euro. Quando as coisas estiverem resolvidas e as contas asseguradas, que as forças políticas do Governo de unidade nacional se confrontem umas com as outras. Agora temos que salvar a Itália, depois das eleições, nos dividiremos.

P. Outubro será um mês fundamental para o futuro relacionamento da Itália com a UE na questão do orçamento. Quem deve preparar as contas públicas?

R. Salvini pediu um voto no Parlamento [fixar a data do debate sobre a moção de censura contra o primeiro-ministro Giuseppe Conte, para 14 de agosto], e perdeu. Deveria renunciar. Mas, como não vai fazer isso, o mais lógico seria que o Governo populista que fracassou renuncie e que seja criado um novo, a partir de setembro, que possa preparar o orçamento e desempenhar um papel na Europa.

O que pensa a mídia || Editoriais

Bolsonaro cria risco amazônico para o agronegócio || Editorial / O Globo

Governo renega a Ciência, desdenha de debates e estimula o desinvestimento externo

O governo Jair Bolsonaro tem sido pródigo em disfarçar a própria escassez de ideias com o abuso da retórica. O caso da Amazônia é exemplar. Critica a Igreja Católica, que há três anos prepara um Sínodo no Vaticano, em outubro, para uma reflexão além do âmbito eclesial sobre essa área de 7 milhões de km² , dos quais 64% estão no Brasil.

Desdenha de países que, nos últimos dez anos, repassaram US$ 1 bilhão dos seus cidadãos — a fundo perdido — para projetos sustentáveis, cujos únicos beneficiários são comunidades nas quais a presença do Estado brasileiro é rarefeita.

Critica em linguajar tosco chefes de Estado da Alemanha, França e Noruega, entre outros, por seus apelos à preservação ambiental, insinuando uma suposta conspiração contra a soberania brasileira. Nesse aspecto, aliás, Bolsonaro mimetiza líderes da esquerda mais retrógrada, habituados a recorrer ao espectro do “inimigo externo” para justificar o próprio naufrágio por incompetência — como na Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

Essa retórica encrespada do presidente sobre a suposta cobiça estrangeira apenas ecoa uma etapa da ditadura militar, quando ocorreu no Brasil, em plena Guerra Fria, uma aproximação entre extremistas fardados do nacionalismo e seus símiles na esquerda anticapitalista e defensora da luta armada.

Poesia || Joaquim Cardoso - Tarde no Recife

Tarde no Recife.
Da ponta Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Máxime.
Cais do Abacaxi. Gameleiras.
Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita.
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um carreto gritando — alerta!
Algazarra, Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem
[dos fidalgos holandeses.
Que assistem agora ao mar, inerte das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas
[do Pacífico.
Recife romântico dos crepúsculos das pontes.
E da beleza católica do rio.

Música || Elba Ramalho - Aquela Rosa