quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Ascânio Seleme - Não dá para tirar férias

- O Globo

Com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar

Você imaginou que em janeiro, com aquele calorzão que deixa todo mundo meio anestesiado, não iria acontecer nada, e saiu de férias. Quatro semanas depois, abismado, se deu conta de que perdeu assuntos quentíssimos que renderiam pelo menos uma dúzia de artigos e colunas. Você se esqueceu de que com o governo Bolsonaro é bom nunca relaxar. Foi da turma federal que saíram os casos mais esquisitos de janeiro, mas não se pode ignorar as boas colaborações de Crivella, Witzel e até de Lula. Vejamos.

CARNAVAL EM JANEIRO — Para começar, o prefeito Marcelo Crivella antecipou o início do carnaval para janeiro. Mudar o calendário de Momo foi um oportunismo político em ano eleitoral do bispo que odeia o carnaval. Além de deixar Copacabana irada, a festança fora de hora acabou em caos e violência.

ABSTINÊNCIA — A inacreditável Damares Alves recomendou abstinência de sexo como forma de evitar gravidez precoce. A ministra genial não conseguiu oferecer contribuição melhor para a educação sexual de jovens.

MUITAS LETRAS — O presidente Bolsonaro reclamou que livros didáticos no Brasil “têm muita coisa escrita”. Disse que é preciso suavizar. Pode? Pode. E, pior, anunciou que vai trocar letras por imagens da bandeira do Brasil. Prato cheio para um artigo.

EX-LULINHA — E o Lula sepultou oficialmente seu alter ego Lulinha Paz e Amor. Ele rejeitou recomendação do PT para moderar o seu discurso. O sapo barbudo voltou.

CENSURA — O desembargador Benedicto Abicair censurou filme do Porta dos Fundos. Mais um aloprado julgando sem o apoio da lei. A censura foi derrubada por instância superior. Dava ou não pano para manga?

DENÚNCIA VAZIA — O Ministério Público Federal denunciou o jornalista Glenn Greenwald por cumplicidade com hackeadores de celulares de Moro e companhia. Pior que isso, só a censura do Benedicto.

ÁGUA PODRE — Quem diria, até a água do Rio apodreceu. Uma certa geosmina invadiu o imprevidente Guandu e a água da Cedae ficou com gosto de ovo podre. Como a empresa é estatal, o governador Witzel exonerou um diretor da empresa. E só. Dias depois descobriu-se que a Cedae também estava despejando esgoto em lagoas do Rio.

CERVEJA MATA —E teve também a cerveja contaminada por substância tóxica que matou quatro pessoas em Minas Gerais. Era mesmo só o que faltava ao verão brasileiro.

MÃO NA BOTIJA —Soube-se que empresa de publicidade que pertence ao secretário de Comunicação da Presidência recebe dinheiro de emissoras que têm contratos com o governo. Bolsonaro passou a mão na cabeça do assessor Fabio Wajngarten: “Se houve crime a gente vê lá na frente”. Pois é, o presidente que ia acabar com a corrupção deixou esse caso para depois.

O NAZISTA —Descobriu-se um nazista no governo. Não foi resultado de investigação jornalística que escavou subterrâneos. O próprio nazista se desvelou ao repetir discurso de Goebbels numa rede social. O sujeito, cujo nome não merece ser citado, acabou exonerado do cargo de secretário da Cultura. E abriu vaga para a atriz Regina Duarte.

IMPRECIONANTE —O ministro da Educação, Abraham Weintraub, cometeu outro erro ortográfico num texto que redigiu em janeiro. O desta vez foi escrever a palavra impressionante com “c”. Doía só de olhar.

IMPRECIONANTE 2 —Foram os estudantes que descobriram erros na correção das provas do Enem. Trinta mil alunos foram prejudicados. Weintraub culpou a gráfica, e Bolsonaro disse que pode ter havido sabotagem. Francamente.

COISA DE POBRE — O ministro Paulo Guedes, que não podia ficar de fora do festival de besteira de janeiro, disse que “a maior inimiga do meio ambiente é a pobreza”. Pegou mal e ele ouviu de tudo, só faltou ser vaiado.

PECADO —Guedes anunciou também plano para criar o que ele chamou de “imposto do pecado”, cobrando taxas extras sobre tabaco, álcool e açúcar. Bolsonaro vetou a ideia dizendo que ninguém vai “aumentar imposto da cerveja”.

ANTIÉTICO — E, finalmente, o governador Witzel divulgou telefonema com Mourão e foi chamado de antiético pelo vice-presidente. Constrangimento maior não se viu em janeiro.

É dura a vida do jornalista.

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