sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Bernardo Mello Franco - Nostalgia da mordaça

- O Globo

Bolsonaro sonha com a volta do tempo em que o governo podia calar a imprensa. Na impossibilidade de mandar censores às redações, ele ataca os jornalistas que são obrigados a ouvi-lo

Não é só a lembrança do DOI-Codi que faz Jair Bolsonaro sentir saudades da ditadura. O presidente sonha com a volta do tempo em que o governo podia amordaçar a imprensa. Na impossibilidade de mandar censores às redações, ele ataca jornalistas que, por dever de ofício, são obrigados a ouvir suas grosserias diárias.

Ontem o capitão esbravejou em três turnos. De manhã, na porta do Alvorada, mandou uma repórter “calar a boca”. À tarde, no Planalto, afirmou aos gritos que os jornalistas não têm “vergonha na cara”. À noite, no Facebook, disse que a imprensa “estraga o país”.

A razão da ira foi a notícia de que o chefe da Secretaria de Comunicação mantém negócios com empresas que recebem verbas do governo. Fábio Wajngarten se formou em direito, mas incorreu num caso clássico de conflito de interesses. Ele aprova repasses de dinheiro público para emissoras que contratam sua firma particular.

A notícia não saiu nos blogs bolsonaristas. Foi revelada pela “Folha de S.Paulo”, que o presidente já chamou de “panfleto ordinário” e usina de “fake news”.

De acordo com levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, Bolsonaro atacou a imprensa 121 vezes no primeiro ano de governo. Isso equivale, em média, a uma afronta a cada três dias.

Além de ofender jornalistas, ele usa o cargo para tentar sufocar empresas de comunicação que o criticam. Em agosto, editou uma medida provisória com o objetivo declarado de reduzir receitas do “Valor Econômico”. Em novembro, excluiu a “Folha” de uma licitação.

Na semana passada, o presidente disse que os jornalistas são uma “espécie em extinção”. Todo político autoritário deseja viver num mundo chapa-branca, sem perguntas incômodas e sem manchetes críticas ao poder. Na democracia, este sonho é irrealizável.

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O secretário da Cultura, Roberto Alvim, disse ontem que pretende usar dinheiro público para financiar filmes históricos de viés conservador. “Estamos tentando criar um cinema sadio, ligado aos nossos valores”, afirmou. Falta achar a Leni Riefenstahl da “nova era”.

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