quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Cristiano Romero - O grande risco

- Valor Econômico

Espera-se que Bolsonaro não ameace cumprimento da agenda econômica defendida hoje pela maioria dos brasileiros

Em julho de 2015, o economista Nilson Teixeira fez uma profecia terrível: a recessão que atingira o país no segundo trimestre do ano anterior seria a mais longa da história e a recuperação, a mais lenta. Infelizmente, acertou. A “Grande Recessão” durou três anos (2014/16) e registrou contração do PIB de 6,2%. A recuperação tem sido medíocre: entre 2017 e 2019, o crescimento acumulado pode ter sido de apenas 3,8%, muito inferior, portanto, à queda ocorrida no triênio anterior.

Economista-chefe do Credit Suisse quando fez o vaticínio, Nilson, hoje sócio da gestora Macro Capital, e sua equipe projetaram números menos pessimistas que os revelados mais tarde pela realidade. Ainda assim, a previsão contrariava a tradição da economia brasileira, de recuperação rápida de crises. A severa crise fiscal, um governo fraco e sem nenhuma intenção de promover reformas e corrigir os erros que provocaram a “Grande Recessão” compunham um quadro tão desolador que a superação levaria tempo.

Ninguém esperava, porém, que o PIB fosse recuar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Nos últimos três anos, o crescimento foi desanimador, contrariando as expectativas da maioria dos analistas - de 1,3% em 2017 e 2018 e de 1,16% em 2019, considerando para o ano passado a mediana das expectativas do mercado captadas pelo Banco Central.

O gráfico abaixo mostra que, em termos de crescimento econômico, a segunda década deste século foi perdida. Não foi à toa que os brasileiros respaldaram dois movimentos políticos: o primeiro, em 2016, de apoiar nas ruas o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT); o seguinte, eleger o candidato que se apresentou bem cedo, nas redes sociais, como o anti-PT, o político que revogaria as políticas que afundaram o Brasil na crise mais longa e profunda de sua história.

Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que, para tirar um presidente do cargo na nossa democracia é preciso cumprir três condições (não basta apenas uma delas): ter apoio das ruas (manifestações populares demonstrando insatisfação), maioria de votos no Congresso e pelo menos uma razão de natureza técnico-jurídica que justifique o questionamento do chefe do Executivo. Essas condições estiveram presentes tanto no impeachment de Fernando Collor, em 1992, quanto de Dilma, em 2016.

Ao apoiarem a queda de Dilma, as ruas deixaram claro que, neste momento, apoiam agenda oposta à da ex-presidente. Mesmo tendo sido eleita pela extraordinária popularidade de seu antecessor e então mentor (Lula), Dilma abandonou a política econômica que herdou dele. Desta forma, rompeu com o consenso que vigorava na área econômica desde 1999, desde o início do segundo mandato de FHC. Abraçou o populismo fiscal sem constrangimento e, em 2015, reeleita com dificuldade e prometendo aprofundar o que já tinha dado errado, esboçou correção de rumo ao adotar política fiscal austera, contrariando o que prometera a seus eleitores. Mas, logo, à semelhança do escorpião da fábula, voltou ao seu normal, desistiu do ajuste, rompeu com aliados e foi destituída do cargo.

O capital político do vice Michel Temer, que assumiu a Presidência em maio de 2016, era implantar a agenda anti-Dilma. Em pouco tempo, reformas que se diziam impossíveis, como a fixação de um teto para o aumento dos gastos da União, foram aprovadas no Congresso. No meio do caminho, entretanto, Temer perdeu seu capital político no episódio da gravação de diálogo embaraçoso com o empresário Joesley Batista, mas isso, ao contrário do que imaginou a elite política do país, não abalou o apoio da população à agenda econômica adotada desde a queda de Dilma.

Essa agenda não é de um grupo político específico, à direita do espectro partidário. Ela é necessária, urgente, absolutamente racional, de quem tem um mínimo de consciência, ética e responsabilidade em relação ao contrato social que rege ou deveria reger a vida dos mais de 200 milhões de viventes da Ilha de Vera Cruz. Dos presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, cinco abraçaram essa agenda de uma forma ou outra, deixando Dilma na incômoda posição de exceção, o que só agrava sua avaliação.

Jair Bolsonaro, deputado de uma nota só (a defesa dos interesses corporativistas dos militares), percebeu isso, mas Geraldo Alckmin, do PSDB, e Fernando Haddad, do PT, não. O tucano nunca fez oposição aguerrida ao PT nem defendeu o receituário econômico com que FHC, a maior liderança de seu partido, governou o país de 1995 a 2002. O petista defendeu em sua campanha os anacronismos perpetrados pelas políticas da presidente deposta, o que leva a crer que Lula, sabido que só ele, colocou Haddad na disputa porque, claro, sabia que ele trataria de ser derrotado.

Setores da esquerda brasileira que ainda não superaram a Queda do Muro logo trataram de rotular a agenda em vigor de liberal. É uma forma de constranger formadores de opinião porque, no Brasil, lucro é coisa do cão babão.

Bolsonaro é um presidente que incomoda bastante, mas muito mesmo, quem preza por uma sociedade civilizada, que não tolera discriminação de qualquer espécie, inclusive, porque é isso o que prescreve a Constituição de 1988. Incomoda seu excesso de gesticulação na área ambiental, onde o Brasil, desde a Rio 92, se destacou como um ator crucial. Incomoda com seu discurso em defesa do uso de armas e que tais. Espera-se que tudo isso e muito mais não ameacem o cumprimento da agenda econômica defendida hoje pela maioria dos brasileiros.

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