quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Cristina Serra* - Feliz Ano-Novo?

- Folha de S. Paulo

Gostaria de desejar votos aos leitores com convicção, mas tenho dificuldade diante do que nos aguarda

A convite da Folha, coube-me publicar este artigo no primeiro dia do ano. Gostaria de desejar Feliz Ano-Novo aos leitores com convicção. Mas tenho dificuldade de fazê-lo ao refletir sobre o ano que passou e o que nos aguarda.

Falo especialmente da área ambiental. Em seu primeiro ano, o governo Bolsonaro asfixiou os órgãos de proteção do meio ambiente e a Funai; nomeou gente despreparada para essas funções e aniquilou o papel de liderança mundial do Brasil neste tema, construção histórica iniciada na Rio-92 e que passou por todos os governos desde então.

A política mais cruel do atual governo, porém, é o discurso contra o ambiente e seus defensores e que tem se mostrado mais eficaz que qualquer mudança na legislação ou nos mecanismos de gestão. Bolsonaro faz campanha permanente e insidiosa contra florestas e povos indígenas. Seu discurso acirra conflitos, desata ódios adormecidos, estimula o crime e a violência. Seus seguidores se encarregam de sujar as mãos.

O “Dia do Fogo” na Amazônia (com recorde de desmatamento em 11 anos) e a matança de lideranças Guajajara, no Maranhão são exemplos eloquentes dos efeitos do discurso presidencial. Lembremos do que disse Adama Dieng, conselheiro da ONU para prevenção do genocídio, sobre os discursos de ódio que estimularam chacinas em diferentes épocas e lugares: “As palavras matam tanto quanto as balas”.


O ano que acabou foi o mais letal para as lideranças indígenas no Brasil nos últimos 11 anos e tudo indica agravamento desse cenário, com a promessa de Bolsonaro de permitir mineração e pecuária nesses territórios. É o governo do “correntão” em sua acelerada marcha da insensatez.

O mais grave é que nada disso tira o sono dos entusiastas da reforma da Previdência e da suposta recuperação econômica do país, tampouco dos que garantem que “as instituições estão funcionando normalmente”. A esses pouco importa o quanto ainda iremos recuar aos confins da escala civilizatória. Feliz Ano-Novo???

*Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. Trabalhou nas redações dos jornais Resistência, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, revista Veja e Rede Globo. Foi correspondente em Nova York e comentarista de política do quadro “Meninas do JÔ”, no “Programa do Jô”. É autora dos livros “Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado - uma história de conservação”.

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