quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Fernando Exman - Um Bolsonaro mais político em 2020

- Valor Econômico

Presidente vem se envolvendo mais nas pautas econômicas

O presidente Jair Bolsonaro inicia 2020 com um novo figurino. Um traje que Bolsonaro recusou durante a campanha eleitoral e parte considerável do ano passado, mas que, depois de repaginado, parece ter conquistado de vez o seu gosto. É o modelito de quem se apresenta com ampla experiência política e responsabilidade direta pelos resultados da política econômica.

O novo figurino cai bem para um chefe de Estado e de governo, que precisa interagir com autoridades de outros Poderes e articular os interesses do Executivo. Mas pode ser considerado fora da estação, se usado como uniforme de campanha em vez da roupa usada para executar os afazeres do dia a dia.

Nos últimos meses, o presidente foi deixando de lado o Bolsonaro que rechaçava a política. A despeito das quase três décadas exercendo o cargo de deputado federal, ele fazia questão de tentar se diferenciar dos políticos e se desvincular dos partidos.

Aquele Bolsonaro também se dizia completamente desinteressado pela economia. Terceirizava a auxiliares a responsabilidade de formular as propostas da área econômica, executar essas políticas e monitorar os resultados de cada ação colocada em prática.

Deu-se nesse contexto a ascensão do deputado do chamado baixo clero ao posto mais poderoso da República. Esse comportamento deu credibilidade à promessa de que, mesmo sendo Bolsonaro um parlamentar com históricas posições nacionalistas, uma equipe econômica estava sendo contratada com autonomia para implementar um programa liberal.

Ao longo de 2019, contudo, ocorreu uma paulatina calibragem no discurso do presidente. O ano passado é visto, no Palácio do Planalto, como um período de adaptação do presidente às suas novas atribuições à frente do Executivo e de realinhamento das engrenagens da máquina federal ao novo comandante. O próprio Bolsonaro chegou a dizer publicamente, no início do governo, que ainda não estava habituado à liturgia do cargo.

Agora, demonstra estar cada vez mais à vontade. E quer que sua história na política seja vista como experiência, uma indiscutível vivência capaz de identificar e evitar as armadilhas que o processo legislativo pode criar para sua base eleitoral. Esse argumento foi utilizado para justificar a sanção do dispositivo que cria a figura do juiz de garantias, decisão duramente criticada por bolsonaristas nas redes sociais. Na narrativa de aliados, Bolsonaro evitou a derrubada de um veto e que seu desgaste no Congresso fosse maior.

Outra característica emerge deste novo Bolsonaro. Após conceder “carta branca” à equipe econômica, o presidente passou a dizer que ouve 90% do que fala o ministro Paulo Guedes em nome da política, do social e do ser humano potencialmente prejudicado. Em outras palavras, em função da receptividade do Congresso e dos eleitores em relação às propostas da equipe econômica.

No fim do ano passado, por exemplo, a alta do dólar chamou a atenção do presidente e o assunto entrou em pauta numa reunião ministerial.

A equipe econômica buscou tranquilizar o chefe. Disse que não havia surpresa. O fenômeno já estava previsto quando foi iniciado o movimento de redução da taxa de juros, asseguraram.

O argumento apresentado ao presidente foi que a queda da Selic estava levando os “aventureiros” a deixarem o país. Com a saída desse dinheiro, acrescentou-se durante a explanação, o dólar inevitavelmente subiria. Mas depois a cotação se estabilizaria. E concluiu-se: somada a outras medidas na área econômica e do setor de infraestrutura do governo, a política monetária proporcionaria as condições para a entrada de recursos para investimentos diretos.

A explicação agradou o núcleo político do governo e serviu, inclusive, como subsídio para pronunciamentos públicos do presidente sobre o assunto.

O preço dos combustíveis é a preocupação atual, e novamente o presidente decidiu participar das análises de conjuntura e dos debates sobre eventuais medidas a serem tomadas. Em um gesto simbólico, saiu na segunda-feira do Palácio do Planalto e foi ao Ministério de Minas e Energia para se inteirar das discussões sobre os potenciais desdobramentos, no mercado internacional de petróleo e na economia doméstica, do ataque americano que matou o general iraniano Qassem Soleimani.

Até agora, não há consenso no governo. A ala política vislumbra uma solução que preserve a imagem do governo entre os eleitores, enquanto integrantes da equipe econômica sustentam que a dinâmica de preços é dada pelo mercado. Há um hiato nada desprezível entre as expectativas dos políticos e a realidade apresentada pelos técnicos. Uma saída preliminar foi o presidente tentar dividir o ônus político com os governadores, colocando sobre a mesa a discussão sobre a tributação do setor.

O governo tenta uma solução que evite criar subsídios e intervir na política de preços da Petrobras, embora esteja permanentemente preocupado com a sensibilidade dos bolsos dos eleitores em relação ao tema. Em outra frente, o presidente entrou abertamente para conduzir o debate sobre as regras do setor de geração de energia solar, articulando o apoio da cúpula do Congresso para aumentar a pressão sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Bolsonaro passou a cobrar que lhe deem crédito pela recuperação da economia e pelo aumento da oferta de empregos. Tem razão. Afinal, há indicadores que traduzem em números o otimismo propalado por representantes de seu governo durante todo 2019.

O presidente e seus mais próximos auxiliares estão seguros de que a economia vai continuar a apresentar resultados positivos ao logo do novo ano. Empresários, trabalhadores e o próprio Bolsonaro têm a ganhar, se essas projeções se confirmarem. Não se deve esquecer, no entanto, que parte considerável dos avanços obtidos até agora se deve também à autonomia de que as áreas técnicas puderam usufruir. Eventuais resultados negativos também recairão na conta presidencial.

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