sábado, 4 de janeiro de 2020

Hélio Schwartsman - Beleza espúria

- Folha de S. Paulo

Para o cérebro, beleza pode dizer algo sobre o caráter de uma pessoa

Se há um consenso social dos tempos modernos, é o de que a discriminação em razão de raça, gênero, orientação sexual ou características fenotípicas é condenável. Estou de acordo com esse consenso, mas, quando esmiuçamos os dados, a única certeza que emerge é que as coisas são mais complicadas do que parecem.

Examinemos o caso das pessoas bonitas. A vantagem de que elas gozam é significativa. Há trabalhos mostrando que gente atraente tende a ganhar mais, receber melhores avaliações na escola e no trabalho, vencer mais eleições e até a relatar maiores níveis de satisfação com a vida (felicidade). Mesmo quando pisam na bola e vão a julgamento, os bonitos têm maiores chances de ser inocentados.

O fenômeno, conhecido como "prêmio da beleza", pode ser quantificado. O economista Daniel Hamermesh estimou que, nos EUA, pessoas cuja aparência é considerada acima da média conseguem salários de 10% a 15% maiores que os de seus pares menos afortunados. É uma diferença comparável à verificada, sempre nos EUA, entre pessoas de diferentes gêneros ou de diferentes raças.

E as coisas ficam ainda piores. Exceto talvez por situações muito específicas, como a contratação de atletas para provas de 100 metros, nenhuma diferença de desempenho relevante decorre de o candidato ser branco ou negro. Mas o mesmo não se aplica à beleza, já que há pesquisas mostrando que gente atraente tende a ter melhor desempenho em áreas como vendas e relações públicas, sem mencionar carreiras artísticas.

Não sei como minorar essa discriminação, se é que isso é possível, mas tenho um suspeito. A culpa é de nosso córtex orbitofrontal medial, que está envolvido tanto na avaliação da beleza de uma face quanto na da virtude de comportamentos. Isso significa que, para o cérebro, as curvas do rosto dizem algo sobre o caráter de uma pessoa. Convencê-lo de que essa relação é espúria não é fácil.

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