segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

José Goldemberg* - O ‘fim da História’ e da inovação

- O Estado de S.Paulo

Analistas questionam se não atingimos os limites do nosso conhecimento científico

Em 1992 Francis Fukuyama, um renomado cientista político norte-americano, publicou um livro intitulado O Fim da História, que teve enorme repercussão. Nele o autor argumenta que a queda do Muro de Berlim e o fim do império soviético significavam a vitória final do capitalismo com liberalismo econômico e democracia. A globalização da economia mundial nas últimas décadas e a redução dos conflitos provocados pelo nacionalismo exacerbado, que levou às grandes guerras mundiais do século 20, parecem confirmar a análise de Fukuyama.

O único desafio real a essa visão da História foi a ascensão do Estado Islâmico, que, apesar do grande impacto que teve, não abalou a estrutura mundial. Até a China, que poderia mudar o curso do desenvolvimento da História com um novo socialismo, se incorporou à grande corrente mundial da globalização, apesar das suas restrições internas à democracia.

Em outras palavras, parece plausível a visão de Fukuyama de que o desenvolvimento social e econômico mundial teria atingido um nível tal que evitaria as grandes revoluções e guerras do passado, que, em geral, são o objeto do que se chama de História.

Mais recentemente surgiram outras análises que mostram que o mesmo pode estar acontecendo com a tecnologia e até com a própria ciência. Estudos sobre o “fim da tecnologia” e mesmo sobre o “fim da ciência” estão se tornando populares.

O primeiro desses estudos, feito por Robert Gordon, professor de uma universidade americana, atribui a estagnação da economia dos EUA nas últimas décadas ao fato de que a produtividade deixou de crescer na segunda metade do século passado. O professor Gordon argumenta que isso se deve ao fato de que os avanços tecnológicos mais recentes – principalmente na área da computação e informática – não são tão impressionantes como os que ocorreram na primeira metade do século 20, quando máquinas de lavar roupa, geladeiras, ar-condicionado, automóveis e aviões mudaram o mundo de uma maneira revolucionária e o que estamos presenciando hoje são apenas pequenos aperfeiçoamentos, muitos dos quais de caráter puramente comercial.

As ideias que captam hoje as manchetes dos jornais são inteligência artificial, automóveis sem motorista e viagens espaciais, que ainda não tiveram grande impacto na vida das pessoas e até sua necessidade está sendo questionada.

A qualidade de vida de boa parte da humanidade melhorou tanto no século 20 em comparação com as condições do século 19 que é o caso de perguntar se a tecnologia necessária para garantir um nível de vida adequado a todos não teria também atingido seus limites.

Mais recentemente, outros analistas começaram a questionar também se não teremos atingido os limites nos nossos conhecimentos científicos sobre a natureza.

John Horgan, em livro recente, O Fim da Ciência, argumenta que a física avançou de forma tão dramática na primeira metade do século 20 que não é razoável esperar que esses avanços continuem depois que desenvolvemos transistores, lasers, GPS, energia nuclear e tantas outras tecnologias baseadas nas descobertas revolucionárias da mecânica quântica e da relatividade.

Haverá, ainda, inúmeras investigações em ciência dos materiais ou biotecnologia que nos permitirão fazer fotossíntese artificial e substituir petróleo por novos combustíveis. Além disso, a captação da energia solar em painéis fotovoltaicos ou a energia dos ventos poderão gerar toda a eletricidade de que necessitamos, mas nada de fundamentalmente novo.

A visão de Horgan é contestada por muitos porque, por incrível que pareça, depois de todos os progressos alcançados pela física ainda não está claro o que se entende por matéria, já que a maior parte do universo é formada por “matéria escura” que não conseguimos detectar.

Há poucas dúvidas também de que este não seja o caso no que se refere à identificação das causas e da cura de doenças como malária ou câncer. Entender completamente como funciona o código genético e como modificá-lo parece ser a nova fronteira, o que pode até nos ensinar o próprio processo de criação da vida.

As ideias sobre o fim da História, da inovação e até da física têm, contudo, um traço em comum: elas se baseiam em descrições que são feitas com base em realizações de grandes personagens. A produção de bombas atômicas, que foi conseguida num tempo recorde de dez anos após a descoberta da fissão nuclear, em 1935, sob a direção do físico americano Oppenheimer, é um bom exemplo.

No caso da História, elas giram em torno de Alexandre, o Grande, no século 3.º antes de Cristo, Júlio César, Napoleão Bonaparte, Lenin, Hitler e Stalin. No caso da inovação, Watt, Darwin, Faraday, Ford, Gates. E no caso da física, Newton, Einstein, Planck e Heisenberg, entre outros.

Essa, a nosso ver, é uma maneira incorreta de analisar a evolução em todas as áreas: os grandes líderes, as grandes invenções e as grandes descobertas científicas não ocorrem apenas em ações dramáticas, como as realizadas por Alexandre, o Grande, que destruiu o exército dos persas numa batalha, ou quando Einstein propôs a Teoria da Relatividade. Em geral, elas são apenas o ato final de esforços que foram feitos ao longo de muitos anos por muitas pessoas (generais no caso das guerras, tecnólogos no caso da inovação, pesquisadores na área de ciências) que vão construindo exércitos, desenvolvendo máquinas ou formulando teorias e realizando experiências que eventualmente têm consequências extraordinárias.

É por essa razão que não há um fim da história da inovação e da ciência. Essa história poderá ser mais monótona, sem emoções como as provocadas pelo assassinato de César ou a tomada da Bastilha pelo povo de Paris na Revolução Francesa, em 1789. Ela se tornará talvez mais monótona, mas nem por isso menos interessante, como é a vida de todos nós.

*Professor emérito e ex-Reitor da Universidade de São Paulo

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