sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Um pleito multipolar

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Nada indica que a polarização decorrente da disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e seus opositores em nível nacional será o fio condutor das eleições municipais”

A Polícia Civil do Rio de Janeiro solicitou à Interpol a prisão do único suspeito do atentado contra a produtora do programa Porta dos Fundos identificado até agora: Eduardo Fauzi, que está em Moscou, na Rússia, onde tem uma namorada. Segundo imagens divulgadas pela TV Globo, ontem, na tarde de 29 de dezembro, ele embarcou para Paris, onde fez escala. Imagens mostraram sua chegada ao Aeroporto Internacional Tom Jobim e o momento em que passou pelo aparelho de Raio X do embarque.

Fauzi é um homem violento, com registros policiais e processos por ameaça, agressão contra mulher, lesão corporal e formação de quadrilha. Em 2013, em frente às câmeras, deu um soco no então secretário municipal de Ordem Pública, Alex Costa, quando era entrevistado por repórteres. Fauzi reagiu à fiscalização da prefeitura no estacionamento irregular no qual trabalhava. Na ocasião, foi preso por lesão corporal, mas respondia ao processo em liberdade. Um cartaz do Disque Denúncia fluminense oferece uma recompensa de R$ 2 mil por informações que levem à prisão dele. Filiado ao PSL desde 3 de outubro de 2001, será expulso da legenda por ter participado do atentado, segundo o deputado Luciano Bivar, que a preside.

O atentado à produtora do Porta dos Fundos, às vésperas do Natal, é um novo degrau da escalada de radicalização política no país. O grupo tem sido criticado nas redes sociais por causa de um especial de Natal exibido pela Netflix, no qual os humoristas sugerem que Jesus teria tido uma experiência homossexual após passar 40 dias no deserto. Antes de viajar, Fauzi postou um vídeo, com sete minutos de duração, em que chama os integrantes do grupo Porta dos Fundos de criminosos, marginais e bandidos.

No domingo anterior ao Natal, havia ocorrido outro episódio preocupante: um homem de 89 anos disparou contra um vizinho em um prédio no centro de São Paulo. Segundo testemunhas, Adel Abdo discutiu com a vítima, Rafael Dias, um dia antes. “Na noite do sábado, a gente fez uma festa no condomínio. Um morador começou a reclamar do som alto, porém a gente estava dentro das regras, de som até as 22h. Ele começou a nos ameaçar. Disse: ‘seu bando de viado, desliga isso, vou descer aí e atirar em vocês’”, relatou Anderson Oliveira, namorado de Rafael.

As eleições
O conservadorismo oficial em relação aos costumes, na contramão das mudanças, parece ter despertado os demônios da homofobia e outras manifestações do gênero, como o racismo e a xenofobia. Como em outras situações, indivíduos reacionários e truculentos se acham no direito de recorrer à força para impor seus padrões de comportamento a quem age ou mesmo pensa de forma diferente. Tais episódios sinalizam um ano eleitoral pautado pela violência política e ideológica.


Ocorre que as eleições municipais, historicamente, são multipolares. São decididas em razão das questões locais, mesmo em grandes cidades, que podem até catapultar um candidato a presidente da República, como São Paulo. Nada indica que a polarização decorrente da disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e seus opositores em nível nacional será o fio condutor das eleições municipais, mesmo que o partido recém-criado por Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil, consiga seu registro e lance candidatos.

A diferença mais marcante do pleito deste ano será o fim das coligações proporcionais, o que levará à proliferação de candidatos a prefeito e, principalmente, a vereador. A agenda da disputa pode até ser contaminada pelas polêmicas criadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, mas o que predominará é a discussão sobre os problemas locais e a avaliação do desempenho de seus prefeitos. Segurança, mobilidade urbana, saúde, educação, desenvolvimento econômico, esses são os temas da política municipal. O ponto de convergência com a política nacional é a crise ética, que continua sendo um divisor de águas nas eleições. Mesmo assim, teremos um pleito multipolar.

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