terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Brasil e Irã na batalha do petróleo

- Valor Econômico

Golpe que apeou o primeiro-ministro do Irã visava reverter a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company

Nos tempos das sabedorias das redes antissociais, seria imprudente indagar dos acontecimentos no mundo do petróleo nos idos de 1953.
Meu otimismo, no entanto, imagina que seria possível confiar na memória de alguns brasileiros, aqueles que, porventura, tenham sobrevivido aos 75 anos. Esses senhores, talvez, sintam ecoar as vozes inflamadas do Repórter Esso no dia 3 de outubro de 1953.

Sempre “o primeiro a dar as últimas”, o locutor anunciava a assinatura da Lei 2004 de criação da Petrobras.

Em sua magnífica biografia de Getulio Vargas, Lira Neto conta o episódio que mereceu o ribombar das exclamações do Repórter Esso. Peço licença para usá-lo com e sem aspas. “Rodeado por todos os assessores, sentado à mesa negra de jacarandá do gabinete de despachos, molhou a pena no tinteiro e assinou a lei nº 2004, de 3 de outubro de 1953. Depois de 22 meses de tramitação na Câmara e no Senado, justamente quando o governo se via imerso em uma aguda crise política, estava criada, em caráter oficial, a maior empresa nacional de todos os tempos, a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras.”
Lira Neto prossegue em sua digressão e sustenta que a data não fora escolhida por acaso. “O simbolismo estava evidente. Getúlio fizera coincidir a sanção do projeto, aprovado em definitivo e remetido pelo Congresso no final de setembro, com o aniversário do estopim da Revolução de 1930.” Após a solenidade, o presidente falou ao microfone instalado no palácio, pronunciando um discurso que seria retransmitido para todo o país, pela Voz do Brasil.

O Correio da Manhã classificou a Petrobras como uma “aventura de nacionalistas rasteiros” que defendiam “monstruosidades como o monopólio estatal petrolífero”. “Já não dispomos de tempo para experiências que estão sempre sujeitas a fracassar”, argumentou o Correio, que comparava o Brasil a uma casa entregue ao fogo. “Que diríamos de um indivíduo que, diante de sua residência em chamas, passasse a exigir carteiras de identidade e atestados de boa conduta dos transeuntes que se prontificassem a ajudá-lo a debelar o incêndio?”, indagava

“Esse projeto não constitui apenas um entrave à solução do problema do petróleo; significa fechar as portas ao capital estrangeiro”, declarou aos Diários Associados o senador udenista (CE) Plínio Pompeu, que seguia o mesmo raciocínio e discordava do apoio de seu partido à aprovação da matéria. “[A Petrobras] é um convite para que se retirem do Brasil os que colaboram conosco. A culpa é do governo, que não teve coragem de resistir à onda comunista e nos deu esse projeto horrível que aí está”, avaliou o político. “O nacionalismo tacanho levará ao fracasso, dentro de um ano, no máximo, a exploração de petróleo no Brasil.”

Getúlio não teve vida boa. Desde a sua eleição, em 1950, até o suicídio, em 24 de agosto de 1954, enfrentou as manobras da oposição que urdia suas habituais e tediosas maquinações para “melar o jogo”, sempre, é claro, em nome da democracia. Primeiro, tentaram impedir sua posse com a tese esdrúxula e oportunista da maioria absoluta, tese não consagrada na Constituição. (Getulio obteve 48% dos votos). Depois, cuidaram de imobilizar o governo. A agressividade do establishment civil e militar - sempre turbinada pelos esgares da imprensa livre e independente - exacerbou-se no início de 1954 quando Vargas comunicou o envio da Lei de Lucros Extraordinários ao Congresso.

Outro evento petroleiro ocorreu no Irã em 19 de agosto de 1953. O Arquivo de Segurança Nacional dos Estados Unidos liberou, em 2013, documentos que registram as façanhas da CIA no Irã. “O golpe militar que derrubou Mohammed Mossadegh e o governo da Frente Nacional foi realizado sob direção da CIA como um ato de política externa norte-americana"

A CIA usava e usa criptônimos para identificar operações clandestinas, tal como o golpe que em 1953 apeou o Primeiro-Ministro iraniano Mohamed Mossadegh. Ajax foi o criptônimo atribuído à operação. Essa empreitada aliou o Xá do Irã, Rezha Palevi. Winston Churchill, Anthony Eden com o presidente Eisenhower, John Foster Dulles e a Agência Central de Inteligência dos EUA.

A ideia da Ajax veio da Inteligência Britânica depois de baldados esforços junto a Mossadegh para reverter a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company (AIOC. A motivação britânica era simplesmente recuperar a concessão de petróleo da AIOC.

No livro Patriot of Persia, Christopher Bellaigue registra o “arrependimento” americano. “Anos mais tarde, os Estados Unidos reconheceriam que, ao derrubar Mossadegh, cometeram erro terrível, pois sufocaram valores que simpatizavam com os seus. Em 2000, Madeleine Albright, secretária de Estado de Clinton, reconheceu que, em 1953, os Estados Unidos desempenharam um "papel significativo na orquestração da derrubada do popular primeiro-ministro iraniano, Muhammad Mossadegh", e que isso tinha sido claramente "um revés para o desenvolvimento político do Irã".

Bellaigue traça o perfil de Mossadegh e o retrata como o primeiro líder liberal do Oriente Médio moderno. “Era um racionalista que odiava obscurantismo e acreditava na primazia da lei. Sua compreensão da liberdade foi excepcional no Irã e em toda a região. Na verdade, o Ocidente teria gostado mais dele se ele tivesse sido menos comprometido com a liberdade.” Ele não recuaria de sua demanda por independência econômica para atender Grã-Bretanha. Ele não prenderia comunistas para agradar Washington. O plano para derrubá-lo fez um grande dano aos interesses ocidentais.

Para Bellaigue, o episódio Mossadegh foi o início de uma política dos EUA em apoio aos déspotas de má qualidade do Oriente Médio. A lógica desta política era assim: "Os orientais não podem ser entregues à independência e à liberdade; homens fortes, pró-americanos oferecem a melhor esperança de estabilidade.” Saddam Hussein era um homem forte. Hosni Mubarak também. A galeria dos déspotas é longa e bem fornida.

Essa política sofreu sua primeira derrota em 1979, quando os revolucionários islâmicos do Aiatolá Khomeini derrubaram o Xá. Khomeini revelou distância das ideias de Mossadegh "Não estamos interessados em petróleo", anunciou, logo após seu retorno triunfante do exílio. “Queremos o Islã”. Quanto à democracia de estilo ocidental, equivale a "a usurpação da autoridade de Deus para governar".Olho no lance!!!

*Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

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