sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Nelson Motta - O som do Rio

- O Globo

O erro é querer avaliar o funk carioca com critérios estritamente musicais

Quem diria, o funk carioca comemora 30 anos e se espalha pelo mundo levando alegria e dança às pistas, às festas e às ruas. É uma vitória e tanto. Sair das favelas e das periferias, enfrentar o preconceito musical e social e a violência policial, os narizes torcidos e os ouvidos surdos dos que se creem detentores do monopólio da “boa música”, seja lá o que isso ainda possa significar.

“É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado” não é só um grande verso da nossa música popular mas a completa tradução da força e do poder do funk carioca. É uma música que não passa pela razão, vai direto aos sentidos, ao corpo, às pernas, e, sim, à bunda. E por que não? Não é o que fazem o samba? A salsa? O rock? Quem dança seus males espanta.

O erro é querer avaliar o funk carioca baseado em critérios estritamente musicais. Assim como julgavam o rock pobre em comparação com o jazz, e o pessoal da música clássica achava pobre a popular. No terceiro milênio as músicas se misturam como as culturas numa grande polifonia global.

Não se preocupem: a “boa música” não vai acabar, pelo contrário, está imortalizada com a digitalização e acessível a todos. O problema é que tanta boa música, sem aspas, já foi feita, de todos os gêneros e estilos, que fica cada vez mais difícil fazer melhor. Então, o jeito é fazer diferente.

É difícil, mas a tecnologia ajuda muito a criar novos ritmos e batidas, novos timbres e novos arranjos. Assim foi, e é, com o funk.

Hoje o funk se misturou ao pop brasileiro como café com leite, está presente até na MPB e no axé. O samba-funk, desde Tim Maia e Jorge Benjor, está entre as grandes contribuições brasileiras à alegria do mundo. Funk-se quem puder.

Ao longo de 60 anos de vida musical assisti às mais ferozes reações a todos os novos gêneros, desde a bossa nova e a jovem guarda, ao rock Brasil, ao samba-reggae, pejorativamente apelidado axé, e agora ao funk. E a mesma acusação, ser pobre e não ser brasileiro. Os cães ladram e a caravana dança.

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