sábado, 11 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

O presidente e o Congresso – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Legislativo, símbolo por excelência, num Estado Democrático de Direito, da representação da vontade popular, não esteve em grande sintonia com a pauta e as vontades do presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato. Segundo levantamento do Estado/Broadcast, o Congresso alterou em 2019 quase 30% dos vetos presidenciais apostos em projetos de leis aprovados pelo Legislativo. Trata-se de taxa recorde de resistência ao chefe do Executivo.

O presidente Jair Bolsonaro apôs vetos em 59 projetos de lei. Em 17 deles houve alterações. O Congresso derrubou o veto integral de 6 projetos e restaurou parcialmente vetos feitos em outros 11 textos legais.

Em números absolutos, Bolsonaro já superou, apenas em 2019, a quantidade total de vetos alterados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (3 alterações em 302 vetos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 alterações em 357 vetos) e Dilma Rousseff (7 alterações em 265 vetos).

O presidente Bolsonaro também perdeu em números absolutos na comparação com o primeiro ano de governo de Michel Temer, bem como no porcentual de alterações durante todo o período de Temer na Presidência da República: taxa de alteração de vetos de 28,81% contra 16,4%.

Tal porcentual recorde revela o descuido do presidente Bolsonaro em seu relacionamento com o Congresso. Não apenas não trabalhou para incluir partidos na base de apoio ao governo, como se desentendeu com a própria legenda pela qual foi eleito. Além disso, parlamentares acusaram mais de uma vez o Palácio do Planalto de vetar pontos negociados com a liderança do governo. Havia, portanto, motivos de sobra para o Legislativo derrubar o veto presidencial.

Mas a resistência do Congresso não foi mera questão de revide aos métodos do governo. Houve situações de clara discordância com a pauta do Executivo. Isso ficou evidente, por exemplo, com as propostas do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A despeito da reiterada intenção do governo federal, o Congresso rejeitou a ampliação dos casos de excludente de ilicitude para beneficiar policiais que atuam com excesso de violência. A medida arbitrária não era um anseio da população e tampouco do Congresso, vindo apenas atender a um interesse corporativo dos agentes de segurança. Deputados e senadores rejeitaram tal licenciosidade.

Segundo levantamento feito pelo Estado, a rejeição dos parlamentares a alguns dos projetos do ministro Sérgio Moro em votações nominais chegou a 80%. Por exemplo, o governo perdeu nas votações sobre a manutenção do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça, no pedido de tramitação em regime de urgência do projeto sobre abuso de autoridade – o governo era contrário à urgência – e na criação do juiz das garantias.

O segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro é uma oportunidade para um maior e melhor alinhamento com o Congresso. Sendo um Estado Democrático de Direito, onde os Poderes não são absolutos, o exercício do cargo de presidente da República exige necessariamente negociação e articulação com o Legislativo. Desprezar esse aspecto do cargo é um atalho para a ineficiência e a inação. Exemplo disso são as várias medidas provisórias editadas pelo presidente Bolsonaro que o Congresso rejeitou ou deixou caducar.

Perante essa resistência do Legislativo, é uma desculpa inaceitável dizer que o presidente Bolsonaro tentou fazer o certo, mas o Congresso não deixou. Tal versão não corresponde aos fatos. Em primeiro lugar porque, se Jair Bolsonaro não se dispôs a negociar seriamente em alguns casos, em outros ele nem mesmo tentou. Foi apenas um jogo de cena para a plateia. Mas a segunda razão é ainda mais forte. Nos casos de resistência do Congresso aos planos de Bolsonaro, na imensa maioria das vezes quem estava certo era o Legislativo, que, sem se deixar levar por populismos e corporativismos poucos afeitos ao interesse público, soube dar respostas mais responsáveis e mais equilibradas. O presidente Jair Bolsonaro tem muito a aprender com a atuação do Legislativo de 2019 que, entre outros méritos, aprovou, sem dispor do apoio incondicional do Palácio do Planalto, uma dificílima reforma da Previdência.

Crítica infundada à universidade- Editorial | O Estado de S. Paulo

As autoridades educacionais do governo Bolsonaro insistem em acusar as universidades públicas do País de ineficiência em matéria de formação acadêmica e pesquisa, por terem se convertido em “locais de balbúrdia e doutrinação”. Mas tais críticas têm sido desmentidas pelos números.

Segundo levantamento do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre parcerias entre universidades públicas e empresas privadas para o desenvolvimento de tecnologia e inovação no Brasil, o número de artigos científicos realizados em coautoria por pesquisadores acadêmicos e pesquisadores das indústrias teve uma taxa média de crescimento de 14% ao ano, entre 1980 e 2018. Foram 1,5 mil artigos publicados em 2018, ante pouco mais de 10 em 1980.

“É comum ouvirmos as pessoas falarem que é muito complicado fazer contratos de colaboração ou que a universidade pública não quer interagir. Mas isso não é mais assim. Há desconhecimento por parte do governo e também dentro da própria academia, influenciado por impressões pessoais que vêm dos anos 1970”, lembra Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Segundo ele, o desenvolvimento de tecnologia e inovação no Brasil tem esbarrado em dois problemas. O primeiro é o excesso de deferência a países como Estados Unidos, China e Coreia do Sul por aqueles que, como os atuais dirigentes do Ministério da Educação, criticam a falta de produtividade das universidades brasileiras sem levar em conta as estatísticas. Por isso, tanto os argumentos como as alternativas propostas por esses críticos são feitas “no escuro”, diz Brito Cruz. O segundo problema é a falta de diagnóstico preciso da área, permitindo que as políticas de desenvolvimento tecnológico tenham linha de continuidade ao longo do tempo, independentemente das trocas de governo.

Para Brito Cruz, se por um lado a produção conjunta de conhecimento em tecnologia e inovação por empresas e universidades vem crescendo, por outro é preciso que seja desconcentrada. Entre 2009 e 2018, 72% do total de artigos científicos resultantes dessa parceria foram produzidos por dez universidades, das quais se destaca a USP - isoladamente, ela produziu 2,7 mil artigos no período, mais do que o dobro da segunda colocada, a UFRJ. Do lado das empresas, sobressaem-se a Petrobrás, a Vale, a IBM, a Embraer, a Novartis e a Pfizer. Graças à indústria farmacêutica, as ciências da saúde foram responsáveis por quase 30% dos artigos entre 2015 e 2017.

Por isso, em vez de fazer acusações infundadas às universidades, o governo deveria investir na melhoria de qualidade da pesquisa na maioria das instituições de ensino superior, por um lado, e estimular mais parcerias com o setor produtivo, por outro lado. “E isso exige ser visto no mundo, frequentar conferências internacionais na presença de outros centros e empresas”, diz Cruz.

Seus argumentos coincidem com o que tem sido recomendado por entidades internacionais. Na mesma linha do que ele recomenda, o diretor-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, Francis Gurry, propõe ao Brasil uma mobilização nacional pela tecnologia e pela inovação, sob o risco de o País perder mercado numa economia global cada vez mais digitalizada e concorrencial. Segundo ele, 60% da inovação mundial vem de 30 grandes “hubs” situados em poucos países - nenhum deles da América Latina. Enfrentar o desafio na área de tecnologia e inovação pressupõe equipes mais numerosas de pesquisadores e isso exige políticas de formação, educação e qualificação, afirma.

Infelizmente, o governo brasileiro parece não ter consciência da importância desse desafio. Enquanto o presidente da República e o ministro da Educação continuarem mais preocupados em fazer críticas infundadas do que em formular e implementar políticas consistentes, o Brasil ficará atrasado na corrida mundial pelo desenvolvimento de tecnologia e inovação.

O susto da inflação – Editorial | O Estado de S. Paulo

O pior passou, o churrasco está menos caro e os preços se acomodam, mas o susto de 2019 será registrado como mais um destaque na história da inflação. Com alta de 4,31%, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador oficial, superou a meta fixada para o ano, de 4,25%. Não foi um desastre, até porque ficou intacto o limite de tolerância, de 5,75%. Mas ficam pelo menos duas lições. Primeira: preços podem sempre surpreender, como nos dois meses finais de 2019. Até outubro ou novembro, poucos apostariam num estouro do chamado centro da meta. Segunda: se ainda se praticasse a indexação ampla e rotineira, como nos tempos da orgia inflacionária, 2020 começaria em condições muito preocupantes. Seria complicado desfazer o impacto de um desajuste – ocasional, é bom acentuar – originado no mercado das carnes. Preços indexados funcionam como cremalheira. A subida é segura e um sistema de travas dificulta o recuo.

Os novos dados do IPCA foram divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A variação do IPCA em dezembro, 1,15%, superou a mediana das expectativas (1,08%) coletadas no mercado pelo Broadcast, serviço da Agência Estado.

A disparada final dos preços ocorreu no mercado de carnes, com o aumento das vendas ao mercado chinês, afetado pela peste suína. Criadores e exportadores foram beneficiados e a balança comercial melhorou, mas sobrou uma conta mais pesada para o consumidor nacional. Da carne de boi para outras proteínas o contágio foi rápido e facilitado pela maior demanda típica de fim de ano.

Com alta de 6,37%, os preços do grupo Alimentação e Bebidas foram o principal componente do cenário final da inflação em 2019. Seu impacto, de 1,57 ponto porcentual no conjunto, explica pouco mais de um terço da alta geral de 4,31%.

Durante a maior parte do ano a inflação havia sido puxada pelos preços dependentes direta ou indiretamente da ação oficial, como as tarifas de energia elétrica e do transporte público. O aumento do consumo, ainda contido pelo desemprego, pela renda limitada e pela insegurança das famílias, pouco havia pressionado os preços do varejo. Nos meses finais de 2019, as vendas ao mercado chinês convulsionaram esse quadro.

Como sempre, a aceleração dos preços atormentou principalmente os consumidores de renda mais baixa. O IPCA é baseado no orçamento médio das famílias com renda mensal de até 40 salários mínimos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) tem como referência o poder de compra das famílias com ganho mensal de 1 a 5 mínimos.

No ano, esse indicador subiu 4,48%, superando o IPCA (4,31%). O grupo mais pobre foi especialmente prejudicado. Sua inflação foi mais alta e, além disso, o custo dos alimentos (com elevação de 6,84%) tem peso maior na composição de seus gastos. Isso torna particularmente difícil e penoso o remanejamento de gastos.

Passado o impacto inicial, os preços começaram a acomodar-se. A tendência é mostrada no Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na semana encerrada em 7 de janeiro, esse indicador subiu 0,57%. No pior momento, na semana terminada em 15 de dezembro, havia aumentado 0,87%. A partir daí, foi perdendo impulso.

A tendência de recuo da inflação havia sido apontada pelo Banco Central (BC). Novas pressões inflacionárias, por enquanto fora do radar, poderão justificar um aumento de juros básicos nos próximos meses, mas até agora as expectativas são de estabilidade: até o fim de 2020 a taxa básica, a Selic, permanecerá em 4,50%, segundo avaliação do mercado. Também de acordo com o mercado, o IPCA deverá subir 3,60% neste ano, voltando a situar-se abaixo da meta (4%).

Se o crescimento da economia ganhar impulso e propiciar um aumento significativo do emprego, a demanda poderá pressionar mais fortemente os preços. Será uma boa notícia. O BC terá como conter a inflação, se for o caso, mas a inflação associada à prosperidade é ainda um risco distante.

Selvageria no Ceará – Editorial | Folha de S. Paulo

Estado deve combater mortes de meninas por grupos criminosos

O cotidiano dos jovens nas periferias brasileiras com frequência é marcado pela pobreza acrescida de violência e barbárie inimagináveis, para além das deficiências de educação, saúde e transporte que também marcam suas vidas.

As jovens de bairros pobres do Ceará têm sido vítimas nos últimos anos de assassinatos cruéis —por vezes precedidos de tortura— nas mãos de membros de facções que atuam no estado, como mostrou reportagem da Folha.

O fenômeno tomou tal proporção que influencia as estatísticas: em Fortaleza, as mortes de meninas de 10 a 19 anos subiram 90% entre 2017 e 2018, enquanto entre os garotos de mesma idade o total de óbitos caiu 35%.

Os homicídios como um todo caíram no Ceará em 2018, tendência que se manteve em 2019, de acordo com estatísticas parciais. Mesmo assim, o estado é um dos mais violentos do país: teve 52,8 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2018, a quinta maior taxa do país e bem acima da média nacional, que foi de 27,5 mortes por 100 mil habitantes naquele ano.

A violência no estado é explicada por fatores como o crescimento e a disputa entre facções —que geraram uma crise na segurança no início do ano passado, com ataques a equipamentos públicos que necessitaram a intervenção da Força Nacional— e o fato de o Ceará ser ponto de passagem de drogas distribuídas nas regiões Norte e Nordeste, por ter boa rede de estradas.

O estado também fica abaixo da média na eficiência dos gastos com segurança. Segundo o REE-F (Ranking de Eficiência dos Estados - Folha), sua nota nesse quesito é 0,380, bem aquém do 0,616 da média nacional —o que significa pouco resultado para o dinheiro gasto em ações de combate à violência.

As mortes das adolescentes cearenses são frequentemente “decretadas” por redes sociais, em grupos em que suas fotos são divulgadas com instruções codificadas para que sejam capturadas e mortas.

Por vezes, são expostas também fotos de seus corpos após os assassinatos, em uma clara mensagem das facções de que o terror por elas impunemente imposto à população não conhece limites.

A linguagem usada nessas postagens deixa claro que as garotas não são só vítimas colaterais das disputas entre agremiações criminosas. Sobram comentários misóginos, deixando transparecer que as facções também se arvoram a policiar o comportamento das meninas.

O governo de Camilo Santana (PT) não pode se contentar apenas com a queda nos índices gerais de homicídios, devendo com urgência tomar medidas específicas contra a selvageria a que essas jovens, já tão vulneráveis, estão sendo submetidas.

Coalizão espanhola – Editorial | Folha de S. Paulo

Acomodar questão da Catalunha será crucial para sucesso de novo governo

Rompendo um impasse político que já durava quase um ano e duas eleições, a Espanha enfim logrou, na última semana, formar um governo. Na terça-feira (7), o líder do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), Pedro Sánchez, foi ungido pelo Parlamento o novo primeiro-ministro, posição que vinha exercendo de maneira interina.

Para atingir esse resultado, os socialistas precisaram do apoio do Podemos, agremiação cevada nos grandes protestos de 2011 contra medidas de austeridade econômica. Juntas, as siglas formarão o primeiro governo de coalizão da Espanha desde a volta da democracia, na década de 1970 —e um dos poucos de esquerda da Europa.

Tal novidade reflete um panorama político cada vez mais volátil e fragmentado, que tornou quase impossível para alguma agremiação emergir de um pleito como clara vencedora, como era contumaz até 2015, quando implodiu o sistema bipartidário espanhol.

Até então, os tradicionais PSOE e Partido Popular se alternavam no poder, governando ora com maioria absoluta, ora fechando acordos pontuais com agremiações menores para aprovar sua legislação.

Hoje, a política espanhola tornou-se uma disputa de cinco partidos, e nenhum deles conquistou um triunfo inequívoco nas quatro eleições dos últimos quatro anos.

O processo até o resultado foi longo. Após vencer a eleição de novembro com um resultado abaixo do obtido em abril, e sob risco de forçar um novo pleito, os socialistas concordaram em formar um governo com o Podemos, algo que havia falhado sete meses antes.

Após esse acordo, foram semanas de negociação para que Sánchez obtivesse apoio suficiente de siglas menores, em particular de deputados catalães. A votação foi apertadíssima: 167 votos a favor e 165 contra, além de 18 abstenções.

Trata-se, assim, de um governo frágil desde o nascimento e, ademais, assombrado pela crise territorial da Catalunha. Para que os separatistas se abstivessem no Parlamento, o líder do PSOE prometeu nova rodada de negociações com os políticos que governam a região desde 2015, provocando críticas das forças de direita, que o acusam de abrir o caminho para a dissolução da Espanha.

Será a habilidade de Sánchez para equacionar os interesses conflitantes em torno da sensível questão da Catalunha que determinará, provavelmente, a sobrevivência da coalizão esquerdista.

Juiz de garantias esbarra na vida real – Editorial | O Globo

A articulação política contra a Lava-Jato não pensou em como executar na prática a ideia

A sanção presidencial do pacote anticrime mantendo a criação do juiz de garantias, feita por emenda no Congresso, criou mais uma rusga entre Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que havia pedido este veto. A instituição de um magistrado para acompanhar o inquérito, que será julgado por outro juiz, se inclui entre iniciativas surgidas no Legislativo como uma espécie de troco à Lava-Jato, força-tarefa na qual atuou Moro.

Mais do que isso, trata-se de evitar que se repita a eficácia com que promotores, Polícia Federal e Justiça desmantelaram um enraizado e poderoso esquema de corrupção instalado na Petrobras, com a implicação de vários políticos. Seria uma reação de autodefesa de parte do Legislativo. Os favoráveis à criação desta nova figura — existente em vários países — consideram que a duplicidade de magistrados aumentará a qualidade do trabalho jurisdicional.

Moro marcou sua posição perante Bolsonaro, evitou um choque frontal, mas a discussão continuará. É certo que não será simples a aplicação da ideia da criação do novo juiz. Os legisladores estavam muito otimistas, tanto que estabeleceram a data de 23 de janeiro para começar a vigorar o dispositivo de mais este juiz. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, à frente do Conselho Nacional de Justiça, deve propor um prazo maior. Toffoli é um dos que apoiam a criação da dupla magistratura.

As dificuldades práticas para a criação da figura de um juiz que acompanha o recolhimento de provas e de tomadas de depoimentos, por exemplo, para que um segundo dê o veredicto supostamente com maior isenção, surgem em análises técnicas do assunto. Nota redigida por câmaras especializadas da Procuradoria-Geral da República, e enviada ao procurador Augusto Aras, propõe que o juiz de garantias só valha para os novos processos. Não atue em Varas especializadas, como as que julgam crimes contra a mulher (Lei Maria da Penha), nem em tribunais colegiados que venham a ser criados para tratar de crimes de milícias e grupos paramilitares. Tampouco nas Cortes superiores: STJ e STF, em que não faria sentido mesmo, até pela falta de ministros.

A escassez de juízes para a duplicação do trabalho não foi considerada por defensores da mudança. O exemplo citado como solução do problema, o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) da Justiça paulista, teve de se circunscrever à capital por falta de gente. Não há mágica possível, e um dos Poderes Judiciários mais caros do mundo (1,2% do PIB, contra 0,14% nos EUA) terá de ficar ainda mais caro.

A situação da Justiça de São Paulo, o estado mais rico da Federação, dá ideia do que será necessário investir, numa fase de grave crise fiscal, para se cumprir o que estabelece a emenda feita no Congresso ao pacote anticrime: das 320 comarcas, 40 contam com apenas um juiz. A internet ajudaria, não houvesse o empecilho de parte dos processos não estar digitalizada. Imagine-se no resto do país.

Por curiosidade, outra reação defensiva de políticos contra um combate mais efetivo à corrupção, a Lei do Abuso de Autoridade, já causa irritação nas polícias porque, entre outros efeitos colaterais, reduz a eficácia do enfrentamento de crimes graves: a proibição da divulgação de imagens dos detidos, por exemplo, tem impedido que acusados de estupro sejam reconhecidos pelo maior número possível de vítimas.

O juiz de garantias e esta lei têm preocupações benignas, porém tramitaram no Congresso com objetivos menos nobres. Daí a falta de cuidados na sua aprovação.

Sem legitimidade, Maduro recorre aos ‘exercícios’ militares nas cidades – Editorial | O Globo

Mobilização de milícias chavistas e tropas em Caracas e outros grandes centros expõe debilidade do regime

Nicolás Maduro anuncia para a próxima quarta-feira a mobilização de milícias chavistas e tropas militares nas ruas de Caracas e de outras quatro grandes cidades venezuelanas (Maracay, Valencia, Barquisimeto e Maracaibo).

É nova evidência da debilidade do regime ditatorial. Caso se sentisse seguro na presidência, Maduro não precisaria de dispendiosos desfiles de soldados armados em “exercícios de defesa” contra o seu povo. Maduro comanda uma catástrofe humanitária: de janeiro a dezembro de 2019, aumentou de 3 milhões para 4,7 milhões o número de venezuelanos que se refugiaram nos países vizinhos.

A repressão se intensifica num regime responsável pelo assassinato de mais de 6,8 mil pessoas, segundo a ONU. Na maioria, eram opositores da cleptocracia liderada por Maduro e foram submetidos a execuções sumárias, de acordo com relatório do Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas.

Nos intervalos, o ditador discursa contra o “imperialismo”. Nesta semana, Maduro enviou seu ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, e o general Remigio Ceballos Ichaso, comandante operacional das Forças Armadas, a uma homenagem a Qassem Soleimani, responsável por inúmeros de atos de terrorismo e abatido com um míssil americanoem Bagdá.

A hiperinflação retrata a degradação econômica. A escassez de capital e a fuga de mão de obra qualificada derrubaram a produção de petróleo ao menor nível dos últimos 75 anos. Ano passado a Venezuela produziu 1,1 milhão de barris/dia, 32% a menos que em 2018. O resultado prático tem sido um crescimento avassalador da economia informal.

Sem legitimidade, o regime recorre à força. Cercou o parlamento, em nova tentativa de neutralizar a liderança de Juan Guaidó. Só conseguiu ficar ainda mais isolado. Por sorte, Maduro tem uma oposição frágil na unidade institucional — outro aspecto dramático dessa tragédia vivida pelos 32 milhões de venezuelanos.

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