domingo, 12 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

O policial ciclotímico – Editorial | Folha de S. Paulo

Política errática de Trump para o Irã é garantia de continuidade da crise

Barack Obama elegeu-se em 2008, entre outras coisas, devido ao fastio do público americano com os atoleiros da dita guerra ao terror: o conflito no Afeganistão e no Iraque, decorrentes do 11 de Setembro.

No caso iraquiano, a retirada de 2011 foi celebrada como vitória, mas trazia em seu ventre o preâmbulo da ascensão do inominável Estado Islâmico e a renovada influência do Irã sobre o vizinho.

A busca por menor engajamento, em especial no Oriente Médio, teve outros efeitos, como o caos na Síria e a volta da Rússia à região.

O sucessor de Obama, Donald Trump, assumiu em 2017 prometendo deixar de lado as “guerras inúteis”. Sua imprevisibilidade se viu quando atacou alvos do governo sírio sem que a tática se encaixasse em alguma estratégia visível.

Ao fim de 2018, abandonou os antigos aliados curdos à sorte e permitiu que Rússia, Turquia e Irã assumissem o espólio sírio.

Como Obama, Trump afirmava querer deixar o Oriente Médio, só para ser convocado pela realidade. Em 2018, abandonou o falho acordo que visa barrar a construção da bomba atômica iraniana.

Se então pendeu para o belicismo, recuou depois com a demissão do assessor de Segurança Nacional que pregava a guerra ao país persa.

Em 2019, protestos surgiram contra o Irã, em casa e em vizinhos sob sua influência, como o Iraque.O regime reagiu contra interesses dos EUA. Petroleiros aliados foram apreendidos e uma refinaria saudita foi atacada por parceiros do Irã, só para lembrar o efeito global de escaramuças na região.

A escalada chegou ao sítio da embaixada americana em Bagdá, que fez Washington endurecer e matar o arquiteto das ações externas de Teerã, general Qassim Suleimani.

A retaliação iraniana, com o inédito ataque a posições dos EUA no Iraque, foi comedida para dar tanto ao presidente quanto ao líder Ali Khamenei a faixa da vitória. Assim foi, ainda que haja resistências a Trump como o veto a novas aventuras militares aprovado pela Câmara, que deve cair no Senado.

O americano anunciou mais sanções econômicas contra o Irã. É uma tática gasta, que visa resistir até a eleição de novembro. Novos embates virão sobre o programa nuclear de Teerã e com eventuais ações para vingar Suleimani.

“Grandes impérios não são mantidos pela timidez”, ensinou o historiador romano Tácito. Por gravidade de seu peso militar e econômico, espera-se dos EUA responsabilidade no papel de único país capaz de intervir em qualquer crise.

Se assevera poder com brutalidade ou age como policial indolente, Trump não serve bem aos interesses de seu país —e, por extensão, aos de um mundo que acompanha em sobressalto suas ações.

Abstinência religiosa – Editorial | Folha de S. Paulo

Programa para incentivar adiamento da vida sexual não combina com Estado laico

Dentro dos limites legais, todo cidadão é plenamente livre para se submeter às prescrições morais e doutrinárias das religiões que por ventura tenha optado por seguir. Em tais práticas, não cabe ao Estado opinar ou interferir.

Tampouco deve-se esperar da autoridade governamental, em contexto republicano e democrático, que embase políticas estatais em princípios doutrinários desprovidos de sustentação objetiva.

O anúncio de que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos estuda criar um programa público para incentivar jovens a adiar o início da vida sexual aproxima-se perigosamente do entrelaçamento entre religião e Estado, união a ser evitada em sociedades regidas por poderes laicos.

Não há dúvida de que a gravidez precoce é um problema sério no Brasil, onde as taxas em algumas regiões são comparáveis às de países africanos —e representam, em média, mais do que o dobro das verificadas na Europa. Muitos desses casos acarretam dramas psicológicos e sociais, em especial entre os setores mais vulneráveis.

O Estado não deve manter-se passivo diante desse quadro, mas tampouco, em nome de crenças e interesses políticos, enveredar por caminhos que não têm amparo em estudos científicos. Pesquisas realizadas nos EUA já demonstraram os impactos negativos da abstinência sexual como política pública.

Naquele país, a ideia da privação é alardeada por movimentos tradicionalistas cristãos, que pregam a virgindade antes do matrimônio e rejeitam métodos anticoncepcionais, como o uso de preservativos ou pílulas do dia seguinte. Tais correntes se fortaleceram com a onda conservadora que impulsionou a eleição de Donald Trump.

No Brasil, onde há tendência análoga, um desses grupos, simpático ao plano da ministra Damares Alves, é o Eu Escolhi Esperar, que se designa uma “campanha cristã”. Segundo o movimento, a meta é ressaltar “a importância de viver uma vida em santidade e pureza baseada nas escrituras sagradas”.

É óbvio que se os jovens deixarem de ter relações sexuais até o casamento não haverá gravidez precoce. Há, porém, muitas outras maneiras de se evitar isso.

Como esta Folha tem defendido, cabe ao poder público promover campanhas de esclarecimento e facilitar o acesso a meios contraceptivos. A opção pela abstinência é direito de cada um —mas não comportamento a ser prescrito a todos.


A imprudência de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro vem mostrando uma perigosa tolerância com pleitos de aumentos salariais de servidores públicos. Além do deletério efeito fiscal, essas medidas presidenciais atiçam mais pressões de outras categorias. Com quase 12 milhões de desempregados e numa situação de frágil e lenta retomada econômica, a última coisa de que o País precisa agora é aumentar salário de funcionário público.

Na primeira semana do ano, o presidente Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 918/2020 que reestrutura cargos de chefia da Polícia Federal. Com um impacto anual de R$ 7,8 milhões, a medida representa um aumento de vencimentos para delegados que ocupam cargos de chefia. A MP 918/2020 transforma cargos comissionados em funções de confiança, gerando mais postos de liderança na corporação, além de estabelecer a criação de mais de 450 funções gratificadas. Com as alterações, delegados que ganham hoje gratificações de R$ 300 poderão receber até R$ 1,6 mil adicionais.

Essa peculiar ordem de prioridade do presidente Jair Bolsonaro – a primeira medida provisória de 2020 concede aumento a membros de uma categoria profissional cujo salário inicial é superior a R$ 22 mil – representa um grave risco para as finanças públicas. Sem nenhum critério técnico a fundamentar a medida, o aumento foi resultado de mera pressão corporativista.

Em outubro do ano passado, o governo federal havia dado aumento para determinados agentes da Polícia Rodoviária Federal. Isso levou delegados da Polícia Federal a pleitear semelhante mimo. Em vez de atuar responsavelmente em nome do interesse público, o presidente Bolsonaro preferiu abafar a insatisfação dos delegados federais, dando-lhes um agrado com dinheiro público. O problema é que esse tipo de concessão não abafa nenhuma insatisfação, mas estimula a que outras categorias se sintam insatisfeitas e pressionem o governo por novos aumentos.

A outra medida imprudente do presidente Bolsonaro foi a promessa de dar reajuste de 8% a 25% nos vencimentos das Polícias Civil e Militar do Distrito Federal (DF). Os salários dessas categorias são pagos pela União. Na véspera do Natal, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), anunciou que o presidente Bolsonaro assinaria uma medida provisória dando o aumento, que teria um custo anual de R$ 505 milhões. Alertado pela equipe econômica de que o reajuste poderia violar as leis orçamentárias e a Constituição, Jair Bolsonaro recuou da medida.

Depois, ele explicou que, para não ser punido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), só poderia dar um aumento de 1,5% para as Polícias Civil e Militar do Distrito Federal, valor que, segundo ele, seria considerado um “acinte”. No entanto, em vez de simplesmente não dar o reajuste, Bolsonaro encontrou um jeito de atender ao pleito dos agentes de segurança do DF. A solução encontrada será enviar ao Congresso dois projetos de lei. Um para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias e outro para conceder propriamente o aumento.

Ainda que não descumpra a legislação orçamentária, a solução do governo federal representa um acréscimo de despesas. Além disso, ela evidencia o quanto o presidente Jair Bolsonaro é submisso a esse tipo de pressão política. Como noticiou o Estado, diante do aceno presidencial aos agentes de segurança do DF, sindicatos e associações de classes do funcionalismo público já articulam mobilizações contra o congelamento de salários. No Orçamento de 2020, apenas os militares foram contemplados com reajustes salariais.

O presidente Jair Bolsonaro precisa urgentemente mudar de atitude. Não é nenhum acinte não dar aumento salarial para funcionário público. Acinte – verdadeira provocação aos brasileiros – seria o presidente da República ignorar a enorme quantidade de atuais desempregados e subempregados e estimular novas pressões salariais de funcionários públicos. Não cabe frouxidão, tanto na implantação das reformas como na resistência às corporações do funcionalismo, sempre atentas a não desperdiçar nenhuma oportunidade para abocanhar novos adicionais e novos reajustes.

Cenários para o mercado global – Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma década após a grande crise do sistema financeiro, o crescimento mundial está no seu ritmo mais lento. Em 2019, enquanto as tensões comerciais e geopolíticas cresciam, a confiança do empresariado para comprometimentos de longo prazo diminuía. No primeiro semestre de 2019, o volume mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos encolheu 20%. É improvável que o mercado mundial retorne ao estado de meados da década, e a atual turbulência pode ser o início de uma mudança na ordem global de investimentos e comércio. O caráter e a extensão desta mudança serão uma das prioridades, se não a maior, no próximo Fórum Econômico Mundial. Em vista disso, o seu Conselho para o Futuro Global sobre o Comércio e o Investimento tem avaliado potenciais cenários.

Em artigo sobre o Investimento Internacional na era da Competição Geopolítica, Mudança Tecnológica e Confronto Comercial, o Conselho analisa cinco forças que vêm alterando o investimento internacional: 1) o crescimento das tensões comerciais; 2) as salvaguardas de segurança nacional; 3) a economia digital; 4) desenvolvimentos em tratados de investimentos bilaterais e acordos de livre comércio; e 5) pressões crescentes por condutas responsáveis nos negócios. Entre riscos e oportunidades, o Conselho projeta três cenários, que podem coexistir em diferentes graus.

No primeiro, a resiliência à instabilidade atual levaria a um reconhecimento mútuo dos benefícios de regras estáveis para a cooperação econômica, mesmo em meio à crescente rivalidade tecnológica e geopolítica. Nesse caso, os governos precisarão chegar a um novo quadro legal de facilitação de investimentos, por uma instituição multilateral, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), ou por arranjos regionais e plurilaterais.

Num segundo cenário, EUA e China chegariam a uma trégua sem atingir um entendimento comum sobre como modernizar as regras de investimento e comércio. A maioria dos países buscará estabelecer rotas para uma cooperação limitada entre as duas superpotências, contendo o impacto da rivalidade geopolítica num regime de coexistência instável.

No último cenário, a guerra comercial se tornará semipermanente, levando à fragmentação nas principais economias. A segurança nacional será um elemento primordial, com sucessivas quebras de vínculos, primeiro nos setores de tecnologia e infraestrutura, e finalmente por toda a economia do conhecimento, o dínamo da Quarta Revolução Industrial.

“As consequências desta fragmentação econômica não deveriam ser subestimadas”, diz o Conselho no estudo Um Chamado para Evitar a Fragmentação Econômica. “A combinação de tarifas protecionistas, barreiras unilaterais contra fluxos de pessoas, bens, serviços e capital, retórica nacionalista intensificada, crescente politização dos acordos de comércio e investimento e coalizões rivais pode colocar o mundo em um caminho de maior risco, incerteza, declínio econômico e conflito geopolítico cujo impacto será sentido por gerações.”

A tessitura de uma rede regulatória estável e inclusiva exigirá um concerto entre lideranças políticas, empresariais e civis. Há sinais de que a fragmentação do mercado global pode ser detida – e são exemplos disso o pré-acordo firmado entre a União Europeia e o Mercosul, a Área Continental de Livre Comércio da África e a Parceria Transpacífica. São pactos em que os membros buscam uma integração mais profunda, sem substituir as regras da OMC, mas complementando-as. Investir nesta complementaridade é essencial para revitalizar o multilateralismo da OMC, que vive sua maior crise desde a sua fundação. A evolução do impasse que levou à interrupção do funcionamento de sua Corte de Apelação, principal mecanismo para evitar que divergências degringolem em guerras comerciais, indicará a direção que o mercado internacional tomará na atual bifurcação: a de uma rede revigorada e aberta de regras internacionais ou a do isolamento nacionalista.

Privatizações em São Paulo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O leilão promovido pelo Estado de São Paulo para a concessão do lote rodoviário Piracicaba-Panorama, que rendeu R$ 1,1 bilhão aos cofres paulistas, pode ser considerado um sinal verde não só ao ambicioso plano de desestatização do governo, mas também, por extensão, a todos os demais programas similares em andamento no País.

Em maio, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o Plano Estadual de Desestatização. Ao todo, são mais de 220 projetos passíveis de desestatização, 23 deles já foram aprovados pelo Conselho Gestor de PPPs e Concessões e serão capitaneados pelo secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, que tem como meta arrecadar R$ 23 bilhões até 2022 – isso sem contar a eventual capitalização ou privatização da Sabesp, que poderá render, respectivamente, R$ 5 bilhões ou R$ 20 bilhões. O orçamento proposto pelo governo para 2020 prevê uma receita de R$ 239,1 bilhões – 3,4% maior do que em 2019. Pelo menos R$ 2 bilhões viriam das concessões e privatizações.

O modelo de concessão da rodovia Piracicaba-Panorama, o maior do País, será aplicado em outros quatro lotes de estradas e eventualmente a toda a malha, e pode ser adaptado a outros setores. Na área ferroviária, o governo pretende lançar no primeiro semestre o Trem Intercidades, conectando a capital a Campinas. No metrô, a operação da Linha 15 - Prata foi concedida em março, e o mesmo deve ser feito paulatinamente nos quase 80 km de linhas. Idem para os 139 km da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. E há ativos como aeroportos, portos, malha hidroviária, parques e mesmo presídios a serem transferidos à gestão privada.

Por óbvio, o sucesso destas concessões depende de bons contratos e de boa fiscalização para garantir que os serviços serão prestados de maneira adequada e cobrados de maneira justa à população. Mas nos 20 anos de experiência paulista, desde que foram concedidas as primeiras rodovias, o saldo foi amplamente positivo.

Segundo Henrique Meirelles, o valor arrecadado será investido em infraestrutura e em setores essenciais, como segurança, saúde, educação, além da modernização do Estado. Mais do que fonte de capital, as parcerias com o setor privado podem ser o início de grandes renovações. As instalações da Ceagesp – maior centro de abastecimento de hortifrúti do País – serão transferidas para a região do Rodoanel, e no local planeja-se a criação de um polo de startups (o “Vale do Silício paulista”) por meio de comodato com o setor privado.

O leilão da Piracicaba-Panorama também foi sintomaticamente auspicioso por ter sido vencido por um consórcio integrado por um fundo soberano de Cingapura. É um sinal de que há espaço para atrair não só investidores locais, mas internacionais. O governador João Doria aposta especialmente no capital chinês, em particular para a área de transporte, tanto que o governo abriu um escritório comercial em Xangai.

Em contraposição ao furor desenvolvimentista com forte participação estatal que caracterizou a segunda metade do século passado, o País precisa passar por uma onda desestatizante para revigorar a sua máquina pública. Em primeiro lugar, por uma razão estrutural: o Estado, para fazer melhor aquilo que só ele pode fazer – garantir a ordem social e a estabilidade econômica, além de assistir os mais desvalidos –, deve deixar que a concorrência privada faça aquilo que ela sabe fazer melhor – produzir e vender bens de mercado, com mais eficiência e menores preços. Em segundo lugar, por uma necessidade conjuntural: as finanças dos municípios, estados e União estão totalmente desequilibradas. A venda de ativos, embora não seja solução para disfunções nos gastos públicos que só podem ser retificadas por reformas como a tributária, a administrativa e a federativa, não deixa de trazer algum alívio.

São Paulo, como polo industrial e financeiro, tem um papel decisivo para a reativação da economia. Se der o bom exemplo nas privatizações, pode ser também o catalisador de um processo regenerador da coisa pública brasileira.

Cenário de conflito expõe fragilidades econômicas do país – Editorial | O Globo

Vulnerabilidade requer preparação de um plano de contingência para enfrentar a crise no Oriente Médio

Seria sensato e prudente o governo Jair Bolsonaro se preparar com um plano de contingência econômica para um cenário de conflito no Oriente Médio. Não se podem prever os acontecimentos, mas nunca antes neste século as probabilidades de guerra estiveram tão altas.

Donald Trump terminou a semana com uma vitória pontual, relevante para a campanha de reeleição. Está claro, porém, que o Irã não capitulou, e segue em relações fluidas com a China e a Rússia, os grandes adversários dos EUA nesse jogo de poder.

Sobram advertências sobre o rumo da crise. “O campo de batalha com o Irã será em toda a região e possivelmente o mundo”, tem repetido o republicano Richard Haass, presidente do Conselho de Relações Exteriores, organização civil novaiorquina com tradição de influência na política externa americana. Haass foi assistente especial do ex-presidente George W. Bush, dirigiu as seções de planejamento político do Departamento de Estado e de Assuntos do Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional.

A democrata Susan Rice, prestigiada assessora de Segurança Nacional do ex-presidente Barack Obama e ex-embaixadora na ONU, também tem sido incisiva: “A economia global está ameaçada, já que a infraestrutura de energia e o transporte pelo Golfo correm perigo de ataque.”

Os fatos estão aí, e cabe ao governo a prevenção para mitigar danos. A ideia de um “colchão” para a eventualidade de forte subida dos preços do petróleo é razoável. No entanto, é insuficiente dadas as vulnerabilidades da economia brasileira, em ciclo de baixa produtividade e em recuperação após longo período depressivo.

Um reflexo da fragilidade se vê no comércio exterior. O superávit do ano passado foi de US$ 46,6 bilhões —19,6% mais baixo que o de 2018. O declínio deve continuar neste ano com um saldo até 30% menor, na projeção do Banco Central. O fenômeno é “estrutural”, reconhece o Ministério da Economia.

Entre as causas está o contraste entre o dinamismo do agronegócio, agora ameaçado pelas incertezas da disputa EUA-China, e a decadência da indústria, sobretudo a de bens de alta tecnologia. Os dez produtos mais exportados pelo Brasil em 2019 foram commodities, sete com origem no campo. Depois, aparecem semimanufaturados de ferro e aço. O mercado de bens mais sofisticados está reduzido à Argentina, em risco de colapso econômico.

O cenário no Oriente Médio pode ter efeitos corrosivos sobre o comércio brasileiro, caso o Planalto não evite delírios na política externa, em busca de reconhecimento da Casa Branca ao seu alinhamento automático e incondicional a Trump. Isso porque foi do Oriente Médio que o Brasil extraiu mais de 20% do superávit comercial do ano passado.

A vulnerabilidade do país impõe ao governo a preparação de um plano de contingência para crise, com bom senso e muito pragmatismo.

Abertura do mercado de compras governamentais é passo liberalizante – Editorial | O Globo

Permitir fornecedores de fora em licitações do setor público significa aperfeiçoar a empresa brasileira

Na longa trajetória de país fechado — praticamente em quase todos os seus 519 anos de existência —, o Brasil edificou uma cultura autárquica, fonte de inspiração de incontáveis políticas, normas, leis para erguer barreiras ao exterior. Reserva para negócios da metrópole, Lisboa, o Brasil abriu seus portos a “nações amigas” — por pressão da Inglaterra— , mas os manteve quase sempre fechados à competição de fora na República.

É tão forte a tendência ao enclausuramento — verificada inclusive na América Latina — que a indução ao crescimento interno por meio de barreiras às importações costuma ser defendida à esquerda e à direita. Esta visão foi seguida na ditadura militar e tem defensores no PT.

Entre os diversos mecanismos protecionistas desenvolvidos para ajudar a produção nacional está a primazia ao empresário brasileiro nas compras governamentais.

Um grande mercado: segundo o Ministério da Economia, em 2017 o conjunto de União, estados e municípios adquiriu em bens e serviços R$ 78 bilhões.

Um Estado de enormes proporções como o brasileiro, além das estatais, pode incentivar ou desestimular setores numa penada de alguma autoridade. Basta abrir, fechar ou tornar mais seletiva uma política de compras. O espaço para a corrupção também é avantajado.

O direcionamento das chamadas compras governamentais é um item de peso nas negociações comerciais. A boa notícia é que o Brasil, nestes novos ares liberalizantes, deve anunciar neste primeiro semestre a adesão a um acordo feito dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo qual os signatários concordam em abrir a empresas de fora concorrências para se tornarem fornecedoras de seus governos.

São 48 países, entre eles os da União Europeia (UE), Japão e Estados Unidos. Juntos geram um mercado que todo ano coloca em licitações internacionais compras num total de US$ 1,7 trilhão.

Os governos brasileiro e dos parceiros do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai) incluíram esta abertura no tratado comercial assinado com a UE e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), constituída por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.

Quebra-se um tabu protecionista brasileiro. A expectativa é que a esta medida se sucedam outras. A exposição do empresário nacional à competição externa — a que ele resiste com vigor — é vital para que o país enfim dê um salto de estágio de desenvolvimento.

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