quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Crise no INSS reflete letargia da máquina pública – Editorial | O Globo

A grande falha foi não se ter um plano para atender o público, e ainda havendo redução de pessoal

Era aparente a calmaria no início do ano para o governo. Um gigantesco engarrafamento de quase 2 milhões de pedidos de benefícios crescia nos guichês virtuais do INSS e iria abrir a agenda de problemas para o Planalto resolver em 2020. Anteontem, anunciou-se a convocação remunerada de 7 mil militares da reserva para reforçar os quadros de funcionários do Instituto, a fim de apressar o atendimento aos segurados.

Uma tarefa grandiosa, pois, como revelou terça-feira o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, a cada mês 990 mil novos pedidos de aposentadorias e de outros benefícios chegam ao INSS.

Havia pelo menos dois fortes motivos para o crescimento da pressão sobre os balcões do INSS. Um atua de forma permanente. Trata-se do envelhecimento crescente da população, que aumenta vegetativamente o número de aspirantes à aposentadoria. Outro, a perspectiva concreta de uma reforma na Previdência — tentada em 2016 no governo Michel Temer e anunciada por Bolsonaro. Começou cedo, portanto, a corrida à aposentadoria, para se escapar do risco de qualquer nova regra restritiva.

Tudo muito óbvio, mas o governo parece ter sido apanhado de surpresa. E não trabalhou como deveria, tampouco o INSS.

Por isso, o Ministério da Economia, a Secretaria Especial da Previdência e o Planalto estão sendo obrigados a correr para compensar um prejuízo. O que talvez não seja possível. Ao menos que se consiga estancar o crescimento da enorme fila de espera.

Esta lerdeza da máquina burocrática serve de grande exemplo em tempo real da paralisia atávica das estruturas governamentais, salvo exceções.

A corrida à aposentadoria também ocorre entre funcionários do INSS, onde há grande parcela de servidores em condições de se retirar do serviço público. No início do mês, segundo o GLOBO, havia 31.572 servidores do Instituto em condições de pedir aposentadoria, ou mais de um terço do quadro (34%). Apenas nos primeiros cinco dias úteis do ano, 676 funcionários se aposentaram. No Rio, os que podem sair do serviço ativo passam dos 55%.

O fato também não era desconhecido do governo. Tanto que o Ministério da Economia conta com esta retirada de servidores para reduzir o quadro do funcionalismo ativo, sem contratar novos servidores.

Sistemas automatizados passariam a fazer as tarefas dos servidores aposentados. Mas não se tem notícia de qualquer projeto sério e avançado neste sentido.

Esta crise no INSS não só chama a atenção para a proverbial inércia da burocracia pública, mas também ressalta a importância da própria reforma administrativa pretendida pelo Ministério da Economia. Sem uma gestão do funcionalismo feita em bases profissionais, técnicas, problemas como este voltarão a ocorrer.

Problema da água no Rio é mais um exemplo de ineficiência da Cedae

Privatização da companhia que atende à Região Metropolitana não pode mais ser adiada

Há mais de dez dias moradores da Região Metropolitana do Rio enfrentam problemas com a qualidade da água fornecida pela Cedae. O que deveria ser incolor, inodoro e insípido, como se aprende na escola, tem chegado às torneiras das casas com aspecto turvo, mau cheiro e gosto ruim. O fenômeno já atinge 69 bairros da capital e seis municípios da Baixada Fluminense.

Ontem, quase duas semanas depois de surgirem os primeiros relatos sobre alterações num serviço essencial para os fluminenses, o presidente da companhia, Hélio Cabral, falou pela primeira vez sobre o assunto, durante entrevista coletiva. Pediu desculpas à população pelos transtornos, bebeu água da Cedae na frente dos repórteres, para mostrar que não há risco para a saúde, e disse que a situação será normalizada “muito em breve”, sem, no entanto, fixar prazo para uma solução.

Desde 7 de janeiro, a Cedae tem reiterado que o problema é causado pela presença da geosmina — substância orgânica produzida por algas — nos mananciais. Fenômeno natural, que não traria risco à saúde, segundo a companhia. Acontece que a geosmina pode explicar o mau cheiro e o gosto ruim na água, mas não a turbidez, como a própria empresa reconhece.

E, embora a Cedae tenha divulgado laudos atestando que a água atende aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde, a população não parece convencida. Tanto que tem esvaziado as prateleiras de água mineral nos supermercados, onde o produto já está em falta. Distribuidoras têm registrado aumento de até 30% nas vendas.

O problema na água que abastece cerca de 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana é mais um capítulo na história de ineficiências da Cedae. Essa falta de compromisso com o Rio e outras cidades do estado fica patente nos números do ranking do saneamento feito pelo Instituto Trata Brasil. A capital caiu do 39º lugar, em 2018, para 51º no ano passado, ficando atrás de Curitiba, São Paulo, Goiânia, Palmas, João Pessoa, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Boa Vista e Salvador. Embora o atendimento de água se aproxime da universalização (99,1%), o de esgoto tratado é de apenas 46%. Não surpreende que a cidade fluminense mais bem colocada na lista seja Niterói (10ª), onde o serviço é privado.

De fato, está na hora de privatizar a Cedae — já há uma modelagem sendo feita no BNDES — , como prevê o Regime de Recuperação Fiscal a que o Rio aderiu em 2017. Para isso, é preciso vencer a força das corporações, que trabalham para que fique tudo como está. Mas é tarefa inadiável. A segunda metrópole do país não pode ficar refém da inépcia da Cedae. É possível que a atual crise acabe “em breve”, como promete a estatal, mas outras geosminas virão.

Nova realidade – Editorial | Folha de S. Paulo

Com aumento de idosos, país precisa de políticas para empregar os mais velhos

A população brasileira vive um processo acelerado de envelhecimento e projeções do IBGE apontam para um salto na quantidade de pessoas com 65 anos ou mais de 9,8% neste ano para 20% em 2046. Em 2060, cerca de um quarto do total entrará nessa faixa etária.

Apesar do prognóstico, o Brasil carece de um debate mais maduro sobre políticas que possam garantir um envelhecimento digno a todos. Aqui, não se trata de falta de leis, pois desde 2003 os que têm 60 anos ou mais contam com uma série de direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso.

Entre eles, há gratuidade no transporte público, vagas exclusivas, meia-entrada em atividades culturais, acesso a remédios e pensão alimentícia a quem não consegue prover o seu sustento.

Embora necessárias, essas políticas assistenciais podem não ser suficientes diante dos desafios de empregabilidade que os idosos agora têm após a aprovação da reforma da Previdência. Para se aposentar, as mulheres deverão trabalhar até os 62 anos; os homens, até os 65.

Muitas vezes ignorado no debate sobre discriminação, o preconceito etário é uma realidade dura para muitos idosos à procura de emprego, além de configurar crime punível com seis meses a um ano de reclusão pelo Estatuto do Idoso.

A criminalização, porém, não dá conta de combater os vieses etários no setor privado, pois é intrínseco do preconceito encontrar formas sutis de praticar a discriminação, o que dificulta atestar na prática casos em que há violação da lei.

Combater isso requer, entre outras medidas, melhorar processos seletivos para valorizar a experiência adquirida pelos mais velhos e desenvolver habilidades desse público para encontrar vagas.

A perpetuação do preconceito contra pessoas idosas também não deixa de ser danosa para a economia, já que priva o mercado de profissionais bastante capacitados.

Atentas a esse fato, as universidades brasileiras já aumentaram, entre 2010 e 2017, o total de professores com 50 anos ou mais de 33,7% para 37,9% nos cursos de graduação e pós-graduação.

Em um mercado de trabalho cujo futuro prevê a extinção de carreiras tradicionais, cabe ao poder público pensar políticas de capacitação para a população idosa, mas sem deixar de cuidar daqueles em situação de vulnerabilidade —em 2018, segundo dados oficiais, houve aumento de 13% nos casos de violência contra idosos no país.

Sem medidas para o crescente índice de abandono e de maus-tratos contra a população mais velha e políticas para melhorar sua empregabilidade daqui em diante, muitos dos direitos dos idosos podem acabar limitados apenas à letra da lei nas próximas décadas.

Consumo, um foco de ânimo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Turbinado pela Black Friday, o comércio varejista vendeu 0,6% mais em novembro e acumulou 3,3% de avanço em sete meses seguidos de expansão. Os novos números melhoram um cenário marcado por forte recuo da indústria e pela estagnação dos serviços em novembro. As vendas de lojas, farmácias e supermercados confirmaram de novo a reanimação do consumo. Essa é uma condição essencial para a continuidade e a aceleração da retomada econômica em 2020. O Ministério da Economia elevou de 2,32% para 2,4% sua estimativa de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. No ano passado, a expansão deve ter ficado em 1,12%, segundo a avaliação provisória da equipe econômica.

A animação dos consumidores em novembro é atribuível às promoções do varejo, inspiradas no modelo da Black Friday, e à liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Mais dinheiro do FGTS está sendo liberado neste ano. Os juros básicos, de 4,5%, permanecem no mais baixo nível da série histórica e isso também favorece as vendas de uma parte do comércio.

Mas a reativação do consumo, embora persistente, continua moderada. Apesar dos números positivos de 2019, o volume vendido pelo comércio varejista ainda ficou, em novembro, 3,7% abaixo do pico registrado em outubro de 2014, quando o País começava a cair na recessão. Mas há um detalhe positivo em relação a esse dado: essa é a menor distância em relação ao pico desde o início da recuperação econômica, há três anos.

Em novembro, o comércio varejista vendeu 2,9% mais que no mesmo mês do ano anterior. A comparação do período de janeiro a novembro com o de um ano antes também é positiva e mostra um ganho de 1,7%. Em 12 meses houve expansão de 1,6%. Houve perda de ritmo, porque no período encerrado em outubro o avanço acumulado havia sido de 1,8%. Além disso, as vendas do varejo ampliado – com inclusão de veículos, seus componentes e materiais de construção – diminuíram 0,5% de outubro para novembro, mas ainda acumularam ganhos de 3,8% no ano e de 3,6% em 12 meses. O recuo mensal decorreu da redução de vendas de automóveis.

A perda de vigor do setor automobilístico afetou outros segmentos industriais e prejudicou no fim do ano o desempenho geral da indústria, já insatisfatório em vários meses de 2018 e na maior parte de 2019. O pior dado de novembro foi a queda de 1,2% da produção industrial, depois de três meses de resultados positivos. Dezesseis das 26 categorias avaliadas na pesquisa tiveram produção menor que no mês anterior. O volume produzido em 12 meses foi 1,3% menor que o do período anterior. Além disso, em novembro a atividade industrial diminuiu em 11 dos locais pesquisados, incluídos os grandes núcleos da indústria no Sudeste e no Sul.

Não haverá efetiva e duradoura retomada do crescimento econômico sem a recuperação da indústria, especialmente da indústria de transformação, em crise há quase dez anos. Será necessário muito investimento em modernização e em capacidade produtiva, mas a curto prazo é preciso reduzir a ampla ociosidade das máquinas e equipamentos. Isso dependerá, em parte, de uma recuperação mais firme e mais intensa do consumo, ainda limitada por vários fatores, incluído o desemprego superior a 11% da força de trabalho.

A limitação do poder de consumo refletiu-se em novembro na estagnação da demanda de serviços. A produção de serviços diminuiu 0,1% de outubro para novembro e se manteve 9,8% abaixo do pico alcançado em novembro de 2014.

A redução de 1,5% nos serviços prestados às famílias ilustra as dificuldades ainda vividas pela maior parte dos brasileiros. A inflação das famílias de baixa renda, mais acentuada nos meses finais de 2019, agravou essas dificuldades e as tornou mais penosas.

Como pouco se fez pela redução do desemprego em 2019, as condições do mercado de trabalho ainda afetam a economia. Apesar de tudo, a retomada deve continuar

Produção agrícola promete um novo recorde neste ano – Editorial | Valor Econômico

Os números mostram também que a torcida para a melhora da economia brasileira neste ano pode contar com o suporte da agropecuária

O Brasil caminha para marcar mais um recorde na produção agrícola, indicam as previsões mais recentes. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou na semana passada a estimativa de que a safra 2019/20 de grãos vai atingir 248 milhões de toneladas, projetando crescimento de 2,5% em relação à anterior, acima do que havia previsto em dezembro. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também elevou os números anteriores e agora prevê aumento de 0,7% da safra, para 243,2 milhões de toneladas.

Uma combinação de clima favorável, disponibilidade de crédito, aumento da área plantada e da produtividade sustentam o novo recorde. De acordo com os dados da Conab, a área plantada total estimada aumentou 1,5%, para 64,2 milhões de hectares, e a produtividade média, calculada em 3.864 quilos por hectare, avançou 1% na mesma base de comparação.

Os registros recordes serão puxados pela soja, desta vez, e não pelo milho como foi no ano passado. A colheita da soja desta safra começou nos últimos dias em Mato Grosso, principal produtor do país, com algum atraso (Valor 13/10). A falta de chuva retardou o plantio em várias regiões, mas a comercialização está adiantada. O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) notou que já há negociação até da próxima safra, estimulada pela elevação dos preços na bolsa de Chicago, pela boa relação de troca com fertilizantes e pelo comportamento do câmbio. O bom desempenho da produção em Mato Grosso vai neutralizar os resultados do Rio Grande do Sul, que serão prejudicados pelas chuvas irregulares no período de plantio.

A soja responde por nada menos que 1,1 milhão do aumento de aproximadamente 1,4 milhão de toneladas previsto pela Conab no volume total da safra deste ano. A colheita da oleaginosa alcançará o recorde de 122,2 milhões de toneladas, um aumento de 6,3% em relação à safra 2018/19. Os números do IBGE não são muito diferentes: estima uma colheita de soja em 122,4 milhões de toneladas, com aumento de 7,8% acima do registrado no ano passado.

Avaliações do setor privado são ainda mais otimistas. A Agroconsult fala em uma colheita de soja de 124,3 milhões de toneladas, impulsionada pelo aumento de 2,2% da área plantada -36,7 milhões de hectares. Há quem veja nisso reflexo do comportamento do mercado em 2019, quando os chineses ampliaram as compras do Brasil, resultado do atrito comercial com os EUA, outro grande produtor de grãos. Agora que os dois gigantes parecem se encaminhar para normalizar as relações, resta saber os reflexos na produção brasileira. A intenção dos produtores brasileiros é liderar a exportação de soja.

Já a produção de milho deve ser menos exuberante, mesmo sobre uma base de comparação elevada. Somando a primeira, segunda e terceira safras, a Conab prevê 98,7 milhões de toneladas de milho produzidos, 0,3% acima do projetado em dezembro, mas 1,3% menor que o da safra anterior. O resultado será prejudicado porque a segunda safra tende a sofrer redução de 3,1%, para 70,9 milhões de toneladas, em consequência do clima.

Em relação aos demais principais produtos agrícolas, poucas foram as mudanças nas previsões. A Conab ajustou a projeção para o algodão para 2,8 milhões de toneladas, um aumento de 1,1% em relação à temporada passada. No caso do arroz, a colheita foi ajustada para 10,6 milhões de toneladas, 1% mais que em 2018/19; no feijão, o volume total das três safras do ano foi mantido em 3 milhões de toneladas. Já no caso do trigo, do qual o Brasil é um dos grandes importadores, a Conab reduziu levemente a estimativa para a colheita.

Estudo do Bradesco mostra o Brasil como responsável por mais de um terço da produção mundial de soja, à frente dos Estados Unidos, responsável por quase 30%. O Brasil exporta pouco mais da metade da produção da oleaginosa e quase 20% do algodão, enquanto a China concentra 57% das importações globais da primeira e 24% do segundo. Das exportações brasileiras de soja, 75% vão para a China e 10% para a Europa. Os números expõem bem como o Brasil é afetado pelo clima das relações entre os Estados Unidos e a China.

De toda forma, os números mostram também que a torcida para a melhora da economia brasileira neste ano pode contar com o suporte da agropecuária, que tem um peso de 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB), quase o mesmo dos 5,4% da construção civil. O PIB da agropecuária deve crescer ao redor de 2% neste ano, acima do esperado para 2019.

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