sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Afronta às instituições – Editorial | O Estado de S. Paulo

Poucas vezes se viu na história recente do País tamanho acinte às instituições, especialmente ao Congresso e ao próprio Poder Judiciário, como o que se viu com a decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo sine die a eficácia de trechos da Lei 13.964/2019, especificamente, mas não apenas, as normas relativas à implantação do juiz das garantias. É inadmissível, num Estado Democrático de Direito, que idiossincrasias de um magistrado prevaleçam sobre o Poder Legislativo e também sobre o Poder Judiciário, que deveria funcionar como um colegiado. O que se viu na quarta-feira passada foi um desabrido autoritarismo, a merecer cabal reprovação e urgente correção por parte do plenário do Supremo.

Valendo-se da condição de vice-presidente do STF, Luiz Fux, logo após ter assumido o plantão judiciário do Supremo, revogou decisão proferida pelo presidente do STF uma semana antes. Com o objetivo de dar condições ao Judiciário de se organizar adequadamente perante a nova divisão da competência funcional do magistrado nas ações penais, o ministro Dias Toffoli havia adiado a implantação do juiz das garantias por 180 dias.

Chama a atenção, em primeiro lugar, que, se a novidade já estava adiada, não havia urgência a justificar outra decisão liminar, como fez o ministro Luiz Fux. Tal modo de proceder, absolutamente desnecessário, desprestigia o STF e enfraquece sua autoridade. Em vez de razões e argumentos jurídicos, a voz do Supremo é modulada pelo capricho de seus integrantes. Transmite-se, assim, uma imagem do STF frontalmente contrária à sua missão institucional. O Supremo já não estaria a serviço da Constituição e do Estado Democrático de Direito, e sim de voluntarismos e birras de seus integrantes. Vale observar que danos dessa natureza perduram no tempo muito além da revogação da decisão arbitrária que deu origem à confusão.

As duas liminares não diferem apenas quanto aos prazos da entrada em vigor do juiz das garantias. Ainda que excepcional, o adiamento fixado por Toffoli foi uma solução para viabilizar o que o Congresso havia decidido. No caso da liminar de Fux, a suspensão da aplicação do juiz das garantias é tentativa de negar vigência ao que foi aprovado pelo Congresso. A decisão representa, assim, direta afronta ao Legislativo, o que o vice-presidente do Supremo reconhece explicitamente em seu despacho.

“A complexidade da matéria em análise reclama a reunião de melhores subsídios que indiquem, acima de qualquer dúvida razoável, os reais impactos do juízo das garantias para os diversos interesses tutelados pela Constituição Federal, incluídos o devido processo legal, a duração razoável do processo e a eficiência da justiça criminal”, lê-se na decisão de Fux. Ignorando que a matéria é discutida no Congresso há mais de uma década e que magistrados não têm competência para arbitrar sobre decisões políticas do Congresso, o ministro Luiz Fux decreta que faltam “melhores subsídios” quanto aos “reais impactos do juízo das garantias”. A prevalecer esse entendimento, a entrada em vigor das leis deverá estar sujeita ao escrutínio do ministro Fux de que o tema em questão foi suficientemente debatido pelo Congresso.

Surpreendentemente, o mesmo juiz que afirma não ter o Congresso ponderado adequadamente sobre “os reais impactos” da nova medida tem absoluta certeza de que “o juízo das garantias e sua implementação causam impacto financeiro relevante ao Poder Judiciário”. O Congresso não sabe, mas o ministro Fux sabe exatamente quais são os impactos financeiros da novidade processual.

Justiça seja feita, Luiz Fux conhece como poucos o custo financeiro de decisões sine die. As liminares do ministro estendendo o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes e promotores do País custaram aos cofres públicos mais de R$ 1 bilhão. Proferidas em setembro de 2014, elas asseguraram o pagamento do adicional por mais de quatro anos. Que a liminar desta semana não dure tanto tempo e que a lei aprovada pelo Congresso possa entrar em vigor. A despeito do empenho de alguns, aqui ainda vige um Estado Democrático de Direito.

Dar um basta – Editorial | Folha de S. Paulo

Decisões solitárias como a de Luiz Fux sobre juiz das garantias devem ser contidas

Causa perplexidade a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, proferida na quarta-feira (22), que suspendeu a implantação do juiz das garantias, figura criada pelo Congresso Nacional e sancionada em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em primeiro lugar, porque revoga a liminar dada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que uma semana atrás considerara o instrumento constitucional, mas avaliara que o Judiciário necessitava de mais tempo para efetivar a medida.

Os tribunais teriam então seis meses, e não mais apenas um, para se adaptar à nova categoria, incumbida de acompanhar a investigação, receber a denúncia e autorizar medidas como prisões preventivas, quebra de sigilos, bloqueio de bens e buscas e apreensões.

Fux, contudo, e de forma monocrática, achou por bem atropelar Toffoli, numa decisão que não só amplifica radicalmente a insegurança jurídica como aumenta o descrédito do STF ao atentar contra a liturgia de um órgão que deveria funcionar de forma colegiada.

Não surpreende assim a reação do ministro Marco Aurélio, que classificou de “descalabro” e “autofagia” a decisão do colega de Corte.

O ato de Fux, ademais, como ocorre com frequência no Supremo, interfere de forma flagrante nos domínios dos outros Poderes da República, suspendendo medida que, independentemente do mérito, cumpriu o devido rito legal.

É sem dúvida preocupante que ministros da Corte se arroguem poderes executivos, legislem ou atravanquem a tarefa de governar, sem que para tanto tenham sido eleitos e, mais grave, sem que assumam as consequências de seus atos.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se mostrou indignado com a ação de Fux, a qual tachou de desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento e com o governo.

Não bastassem as questões quanto à forma, a decisão do ministro ainda turva um debate sobre o qual há muitas dúvidas. Em sua sentença, invocou o argumento de que a implementação do juiz das garantias trará “impacto orçamentário de grande monta” aos tribunais.

Deixando-se de lado a repentina preocupação do ministro com a higidez financeira do Judiciário, cujos cofres, em razão de liminar sua em 2014, despenderam bilhões de reais com o aberrante pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes do país, o fato é que não há estudos que sustentem tal afirmação.

Encontra-se no Senado, pronto para ser votado pelo plenário, projeto de lei que restringe a atuação individual de ministros do STF contra leis e atos do poder público. Sua aprovação certamente evitará que barafundas legais como a gerada pela decisão solitária do ministro Fux voltem a ocorrer.

Aguarda-se um plano contra o coronavírus – Editorial | O Globo

Fragilidades da estrutura de vigilância sanitária preocupam no caso de uma epidemia mundial

Uma cidade chinesa de 11 milhões de habitantes, Wuhan, maior que o Rio, foi fechada, para dificultar ao máximo a circulação de um coronavírus, causador de um tipo violento de gripe e infecção respiratória que pode ser fatal. Rígidas medidas de precaução foram depois expandidas para o entorno de Wuhan, atingindo 20 milhões de pessoas.

Cenas de ficção científica sobre epidemias podem se repetir nos próximos dias e meses e não só na região central da China onde se encontra a cidade. Médicos e outros profissionais de saúde paramentados como astronautas, ruas e estradas vazias são sempre possibilidades em uma situação dessas.

A população depende, em primeiro lugar, da eficiência dos sistemas nacionais de saúde pública, sua linha de defesa mais próxima. É o que preocupa no caso do Brasil, em que uma série de doenças infectocontagiosas voltou a circular nos últimos anos, sinal de deficiências no sistema de vigilância sanitária. Este novo vírus exige das autoridades federais, estaduais e municipais um esforço articulado no planejamento e mobilização de recursos para o monitoramento nesta situação de emergência.

Houve um alerta sobre uma viajante que desembarcou em Minas vinda de Xangai. Não se confirmou. Na China, noticiava-se ontem a ocorrência de 25 mortos e 830 pessoas infectadas. Por infeliz coincidência, transcorre no país o feriado chinês do Ano Novo Lunar, quando centenas de milhões viajam.

Poucos casos de infecção já haviam sido relatados em Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Macau, Filipinas, Cingapura e Estados Unidos. Mas ainda não se tem ideia da progressão do vírus. A Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu ontem ainda não decretar situação de emergência internacional.

Em um mundo globalizado, 4,4 bilhões de passageiros viajaram no ano passado, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata).

Cada vez é maior o intercâmbio de brasileiros e chineses devido à crescente aproximação entre as duas economias: a China se tornou o primeiro parceiro comercial brasileiro. Isso gera um crescente fluxo de viajantes entre os dois países.

A integração econômica mundial fez com que as bolsas caíssem com a notícia do risco da epidemia. Entre as ações em baixa, as de fabricantes de produtos de marcas de luxo, muito consumidos na China, a partir da arrancada econômica do país.

A qualquer epidemia mundial desse tipo é lembrada a “gripe espanhola”, de 1918 e 1919. Estima-se que 500 milhões, um terço da população mundial à época, foram infectados, tendo morrido 50 milhões de pessoas. No Brasil, 35 mil, dos quais 12.700 no Rio e 6 mil em São Paulo.

Os recursos disponíveis hoje, pelo avanço da medicina e da tecnologia, são grande vantagem. Porém, os vírus se propagam mais rapidamente, e o mundo urbanizou-se bastante, o que facilita a contaminação. A experiência aconselha planejamento e prevenção.

Transferência de conta bancária pode levar à redução do spread?- Editorial | Valor Econômico

Será que a pressão exercida pela troca de bancos por milhares de correntistas ajudaria a diminuir a concentração no setor?

Um efeito colateral importante, embora ainda incipiente, da forte redução dos juros no Brasil - a taxa básica caiu de 14,25% em 2016 para os atuais 4,5% ao ano - está sendo o aumento das transferências de operações de crédito de um banco para outro. A chamada portabilidade de empréstimos é um movimento importante para a população com acesso a conta e crédito bancários pois dá aos correntistas um instrumento com algum poder de fogo na negociação com o sistema bancário.

Para os bancos, a maior concorrência entre eles também é salutar ao estimular ganhos de produtividade e busca de maior eficiência no tratamento dos clientes. Estes objetivos têm, aliás, marcado a política da atual gestão do Banco Central em várias frentes.

Dados acumulados em 12 meses da Câmara Interbancária de Pagamentos indicam que a transferência de crédito de um banco para o outro passou de R$ 8,2 bilhões em novembro de 2016 para R$ 42,3 bilhões no mesmo mês de 2019, conforme relato dos repórteres Estevão Taiar e Edna Simão, publicado pelo Valor na sua edição de 21 deste mês. A Câmara Interbancária de Pagamentos registra as operações de portabilidade e suas estatísticas estão disponíveis no site do Banco Central.

A portabilidade se expandiu de forma disseminada entre várias modalidades de crédito ao longo dos últimos meses. Um dos destaques foi no do crédito imobiliário. O volume de financiamentos habitacionais transferidos passou de R$ 8,8 milhões para R$ 1,5 bilhão entre novembro de 2016 e novembro de 2019 - alta de mais de 170 vezes em relação ao montante original.

A explicação para esse movimento é simples: o cliente espera que o banco com que ele tem contrato ofereça a menor taxa de juros do mercado. Quando pesquisa opções de crédito em outras instituições financeiras mais vantajosas para ele, pode agora transferir seu financiamento para o banco vizinho. No caso do crédito imobiliário, o interesse em buscar alternativas com custo menor é ainda maior do que em outras modalidades por se tratar de operações de longo prazo.

Mesmo com o aumento na troca de bancos, a portabilidade dos empréstimos no setor imobiliário representou apenas 0,24% do estoque em novembro (R$ 668 bilhões). A presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella, ressaltou, no entanto, que o instrumento foi criado para que o cliente possa, de forma simples e fácil, trocar de banco seja porque busca taxa de juros mais competitiva em outra instituição ou porque está insatisfeito com o serviço prestado. Especialistas consideram que essa tendência deve se manter e mesmo se aprofundar neste e nos próximos anos, em especial se as taxas de juros bancárias forem mantidas nos menores níveis registrados no país como ocorre atualmente.

Uma grande questão a ser debatida, nesse contexto, é o impacto dessa tendência nos spreads cobrados pelo setor bancário, tradicionalmente muito elevados no país, mesmo no cenário de taxa básica (a Selic) bem reduzida.

Será que a pressão exercida pela troca de bancos por milhares de correntistas ajudaria a diminuir a concentração no setor ao impulsionar o crescimento de instituições financeiras menores, cooperativas de crédito e fintechs? A dúvida é pertinente na medida em que o setor bancário em geral contesta a avaliação de que a concentração eleva spreads.

Em artigo publicado pelo Valor no dia 4 de dezembro, Tiago Cavalcanti, professor de economia da Universidade de Cambridge e da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, chega à conclusão que a concentração bancária é efetivamente relevante para explicar os spreads observados no Brasil.

Cavalcanti concorda que são diversas as razões para o elevado spread bancário brasileiro e cita livro publicado pela Febraban em que se defende a tese de que o alto spread bancário brasileiro se deve aos custos de intermediação financeira, principalmente relacionados com inadimplência e impostos.

Como contraponto, Cavalcanti informa que em artigo recente, Gustavo Joaquim (doutorando em economia pelo MIT) e Berardus van Doornik (Banco Central) vão além da comparação da situação entre países e produzem evidências claras e robustas dos efeitos de como a maior concentração bancária afeta sim o spread e a oferta de crédito no Brasil.

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