segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Sergio Lamucci - A produtividade continua a decepcionar

- Valor Econômico

Agropecuária é o único setor a mostrar ganhos de eficiência

A retomada cíclica da economia brasileira ganha força, e um crescimento na casa de 2,5% em 2020 parece plausível. Com o impulso dos juros baixos, da melhora do mercado de trabalho e do aumento do crédito, a atividade deve avançar a um ritmo mais firme, com perspectivas favoráveis para o consumo das famílias e, em menor medida, para o investimento.

Do lado da produtividade, porém, as notícias continuam desanimadoras, um sinal preocupante para a capacidade de o país crescer a taxas mais elevadas no longo prazo. Números do Instituto de Economia Brasileira da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostram queda da produtividade do trabalho nos três primeiros trimestres de 2019, com desempenho muito ruim da indústria e dos serviços - a exceção é a agropecuária, o segmento que tem grandes ganhos de eficiência, mas uma participação pequena no PIB.

Na Carta do Ibre deste mês, o diretor do instituto, Luiz Guilherme Schymura, nota que o comportamento setorial mostra um padrão “parecido no curto e no longo prazo”. Em 2019, a produtividade do trabalho na indústria e nos serviços caiu nos três primeiros trimestres na comparação com os mesmos períodos do ano anterior, enquanto a da agropecuária subiu no primeiro e no terceiro, quando teve um salto de 4,6%. No intervalo de julho a setembro, a da indústria caiu 0,7% e a dos serviços, 1,3%. Entre 1995 e 2018, o resultado da indústria é muito decepcionante: uma queda de 5%. Nesses 23 anos, a de serviços avançou raquíticos 6%. A da agropecuária aumentou 358%.

Depois da saída de uma recessão cavalar, que fez o PIB encolher 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016, era de se esperar uma recuperação com avanço da produtividade. Em geral, há enorme ociosidade nas empresas, muitas das quais reduziram custos para enfrentar o período de vacas magras. Não é, porém, o que tem ocorrido. A produtividade do trabalho agregada aumentou 1,2% em 2017, ficou quase estagnada em 2018, ao subir 0,1%, e deve ter caído 0,7% em 2019, segundo as projeções do Ibre/FGV.

“A razão pela qual a produtividade está recuando é simples: o nível de emprego, sempre medido pelas horas trabalhadas, está crescendo mais do que o PIB”, diz Schymura. “O valor agregado na economia - variável próxima do PIB, mas que exclui impostos e subsídios - cresceu em 2017, 2018 e 2019 a taxas muito parecidas, de respectivamente 1,3%, 1,3% e 1,2% (números quase idênticos aos do próprio PIB). Mas o total de horas trabalhadas na economia teve um crescimento ascendente, de 0,1%, 1,3% e 1,9%, respectivamente, naqueles três anos”. Isso quer dizer que “a produtividade cresceu em 2017 (produziu-se mais com praticamente a mesma quantidade de trabalho), ficou estável em 2018 (trabalho e valor agregado avançaram juntos) e caiu em 2019, com a expansão do fator trabalho superando a do valor agregado por 0,7 ponto porcentual”, escreve Schymura. Os números de 2019 são projeções.

Citando o economista Fernando Veloso, responsável pelo Observatório da Produtividade do Ibre/FGV ao lado de Silvia Matos, Schymura diz que a geração de empregos está próxima do que se registrava no período anterior à recessão de 2014 a 2016. O ponto é que as horas trabalhadas a mais não têm se convertido em aumento significativo da produção. Isso ocorre porque os empregos criados “situam-se, em média, em setores e atividades muito pouco produtivos”. Segundo Schymura, a baixa produtividade se deve ao fato de que grande parte deles está no setor informal, em média quatro vezes menos produtivos que os do segmento formal.

Nas contas do Ibre/FGV, o aumento da informalidade contribuiu com mais da metade do recuo de 4,3% da produtividade do trabalho no Brasil desde o fim de 2014. “Esse impacto foi especialmente expressivo em segmentos intensivos em mão de obra e com a característica de alta informalidade, como construção e transportes” aponta ele.

É possível que o avanço do emprego informal e a queda da produtividade sejam transitórios, associados às características da retomada do mercado de trabalho, avalia Veloso. Nessa hipótese, depois da recessão, a criação de vagas começa por vínculos informais e é seguida pela aceleração das contratações formais, à medida que a economia ganha força - as vagas com carteira assinada inclusive têm crescido mais nos últimos meses.

Veloso, porém, mostra algum ceticismo em relação a essa possibilidade. Ele menciona um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontando que elevações do desemprego em geral ocorrem simultaneamente ao aumento da informalidade, em especial do trabalho por conta própria. A alta da desocupação e da informalidade entre 2014 e 2016 corresponde ao padrão esperado, segundo ele. No entanto, a informalidade continuou a crescer em 2018 e 2019, num momento em que a taxa de desemprego já tinha começado a recuar.

Para ele, esse padrão discrepante do crescimento da informalidade com queda de desemprego acende um “sinal amarelo”, indicando a possibilidade de o fenômeno ter uma característica mais duradoura. Não há uma explicação cabal para isso, diz Veloso. O estudo do Ipea sugere um traço mais estrutural, ligado à terceirização e à chamada “economia dos aplicativos”, como Uber, iFood e Rappi.

Veloso vê outro fator importante afetando negativamente a produtividade - a incerteza elevada. O Indicador de Incerteza da Economia (IEE-Br) da FGV, por exemplo, encerrou 2019 em 112,4 pontos, um número ainda alto, acima do nível neutro de 100 pontos. Num cenário incerto, empresários tendem a adiar investimentos e contratações formais.

A aprovação da reforma da Previdência e a recuperação da atividade contribuem para reduzir a incerteza, por melhorar a percepção sobre as contas públicas e sobre a demanda futura. Isso deve dar mais confiança aos empresários para investir e contratar mais trabalhadores com carteira assinada, o que deve ter um impacto positivo sobre a produtividade.

A tarefa de tornar a economia mais produtiva, no entanto, passa por um conjunto enorme de medidas, como reforma tributária, abertura comercial, avanços na educação e investimentos em infraestrutura. Sem isso, a produtividade continuará fraca e o país, depois de crescer por alguns poucos anos em cima da ociosidade existente, terá dificuldades para avançar a taxas mais expressivas.

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