terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Memórias de Adriano – Editorial | Folha de S. Paulo

Operação que matou miliciano ligado a Flávio Bolsonaro precisa ser esclarecida

Ainda não estão por inteiro esclarecidas as circunstâncias que provocaram a morte do ex-capitão da PM fluminense Adriano Nóbrega, encontrado por policiais no domingo (9), em um sítio na Bahia, depois de mais de um ano foragido.

Ele era um dos alvos da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro de 2019 pelo Ministério Público, com o objetivo de prender suspeitos de comandar milícias que atuam no Rio de Janeiro.

O ex-PM era suspeito de ser o chefe da milícia da favela de Rio das Pedras, o grupo mais antigo da cidade.

Em conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça, era chamado de “patrão”.

Adriano apresentava longo histórico em contravenções e atividades criminosas. Foi preso diversas vezes, condenado por homicídio, expulso da PM por envolvimento com o jogo do bicho.

Foi apontado como líder de um grupo de assassinos profissionais do qual faria parte o policial aposentado Ronnie Lessa, acusado no assassinato da vereadora Marielle Franco. Suspeita-se, também, que o ex-capitão fosse sócio do controle de metade das máquinas caça-níqueis da capital fluminense.

Na época em que foi lançada a Operação Intocáveis, surgiram as já notórias evidências de relações entre o miliciano e o senador Flávio Bolsonaro, quando este exercia o mandato de deputado estadual no Rio de Janeiro.

Contas controladas por Adriano, que mantinha a mulher e a mãe no gabinete do filho do presidente da República, destinaram recursos para Fabrício Queiroz, o ex-assessor tido como operador do esquema da “rachadinha” —que consiste no desvio fraudulento de recursos dos salários de servidores.

Em meio às investigações, ganharam projeção fatos sugestivos, como uma moção de louvor ao ex-capitão, apresentada por Flávio Bolsonaro à Assembleia fluminense, em outubro de 2003, seguida da concessão ao policial da Medalha Tiradentes, em junho de 2005.

Naquele mesmo ano, Adriano também mereceu um discurso em sua defesa, por parte do então deputado federal Jair Bolsonaro.

Todos esses fatos, além de outros levantados nas apurações, não deixam dúvida sobre a relevância das informações que o ex-PM poderia prestar em auxílio à elucidação de práticas ilícitas do submundo das milícias e de suas ramificações.

Não é sem motivo, portanto, que se levantem especulações sobre uma possível “queima de arquivo” na ação que levou à morte do procurado na Bahia. Pela versão oficial, o foragido resistiu à abordagem com o uso de armas de fogo e foi alvejado no confronto.

A dúvida que se ventila é se o fato de o ex-capitão estar isolado numa casa em área rural não favoreceria uma atuação mais paciente e cautelosa do cerco policial, de modo a preservar sua vida —e os relatos que poderia oferecer à Justiça. Os responsáveis pela operação têm, pois, explicações a apresentar.

9 mortos, nenhum culpado – Editorial | Folha de S. Paulo

Desfecho de inquérito sobre Paraisópolis expõe falhas do controle da polícia

Com o pedido de arquivamento do inquérito militar sobre a ação da PM em Paraisópolis, restou dissolvida a responsabilidade pela morte de nove jovens em dezembro.

Embora continue em andamento a investigação pela Polícia Civil, o desfecho pouco conclusivo dado ao caso na esfera da Corregedoria da Polícia Militar expõe as falhas das instituições incumbidas de responsabilizar agentes de segurança.

Por respeito às mortes dos jovens na desastrosa ação de 31 policiais durante um baile funk, esperava-se que as responsabilidades individuais e coletivas fossem investigadas com o esmero que a gravidade do caso requer. Essa não tem sido a regra, entretanto.

Relatório da Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, de setembro de 2019, apontou que em 2017 a Corregedoria investigou menos de 3% dos casos de operações que resultaram em morte.

Embora a atuação do órgão esteja inerentemente limitada por fazer parte da corporação, a PM de São Paulo carece até de um modelo que favoreça alguma isenção.

A experiência internacional revela pontos que poderiam ser melhorados, como a criação de um plano de carreira específico para a Corregedoria e serviços de proteção contra eventuais represálias.

Órgãos como o Ministério Público paulista, que não tem exercido o controle externo da polícia a contento, e a Ouvidoria das Polícias, cujo ouvidor foi substituído no dia de divulgação do balanço de suas ações, devem encontrar um ambiente institucional em que possam exercer tais funções. Isso tampouco tem sido a regra.

Tecnicamente, operações de controle de distúrbio —como são chamadas as ações como a de Paraisópolis— devem, pelas regras da própria polícia, priorizar rotas de fuga e não encurralamento.

Os jovens mortos em dezembro não eram da região, o que sugere que não conheciam a área para conceber formas de dispersão.

Além das responsabilidades individuais, ora arquivadas, qual a responsabilidade coletiva da corporação pelos erros nesta operação? Tal pergunta, apesar de fundamental para evitar novas mortes, tarda em ser respondida pelas autoridades policiais e pelo governador João Doria (PSDB).

Chuvas no Sudeste mostram o quanto governos estão despreparados –Editorial | O Globo

União, estados e municípios precisam se planejar para enfrentar tempestades

Governos têm se mostrado incapazes de dar respostas adequadas às tempestades, fenômeno que se torna cada vez mais frequente, como mostram os estragos no Sudeste este ano. Ontem, municípios da Grande São Paulo viveram um dia de caos. A capital, maior cidade do país, parou devido ao transbordamento de rios e córregos. Foram registrados mais de cem pontos de alagamento; vias importantes como as marginais Tietê e Pinheiros se tornaram intransitáveis, deixando motoristas ilhados — em alguns pontos, carros ficaram submersos; parte do serviço de trens chegou a ser paralisada; moradores e comerciantes tiveram casas e lojas invadidas pelas águas; repartições suspenderam atividades. Em Osasco, uma criança ficou ferida num deslizamento de terra.

Não ameniza a angústia de quem viveu esse drama a justificativa de que a tempestade de ontem em São Paulo foi a mais intensa para o mês de fevereiro em 37 anos. Excepcional, de fato. Mas episódios semelhantes no Espírito Santo, em Minas e no Rio de Janeiro deveriam ter servido de alerta. Em Belo Horizonte e outras cidades mineiras, as chuvas de janeiro mataram 57 pessoas, deixaram milhares de desabrigados ou desalojados e causaram prejuízos incalculáveis. Foram as mais devastadoras dos últimos cem anos. No Sul do Espírito Santo, dez pessoas morreram, e cidades foram arrasadas pelas enxurradas do mês passado. No Rio, a previsão de chuvas fortes para esta semana preocupa, à medida que ainda estão presentes as consequências do temporal de abril de 2019 — o maior em duas décadas —, que deixou dez mortos.

De nada adianta culpar a natureza, como é típico nessas situações. Resta aos governos — não só aos estaduais e municipais, mas também à União, já que se trata de questão de Estado — traçarem planos para atenuar o impacto desses fenômenos, de modo a evitar mortes e reduzir danos. É preciso criar estratégias de curto, médio e longo prazos. Emergencialmente, há que se ter um plano de contingência para retirar moradores de áreas de risco, levando-os para abrigos, e fechar vias sujeitas a inundações ou deslizamentos. O alagamento pode ser inexorável, mas ao menos as pessoas estarão em segurança.

Mais efetivas serão as medidas de médio e longo prazos, como obras contra cheias e de contenção de encostas, que demandam planejamento e investimentos. Fundamental também é mapear as moradias em áreas de risco, como encostas e margens de rios, e estabelecer políticas para remover esses moradores — a leniência com a ocupação irregular costuma resultar em tragédias. É certo que outras chuvas virão, e com intensidade cada vez maior. Portanto, é preciso pressa, para que as cidades estejam mais bem preparadas na próxima tempestade.

O impacto positivo da queda dos juros da dívida interna – Editorial | O Globo

É substancial a redução de gastos com os cortes na Selic, mas nada será preservado sem mais reformas

As dívidas interna e externa frequentam os pesadelos de governantes brasileiros desde sempre. Uma economia com desbalanceamentos estruturais, pouco integrada ao mundo, com industrialização tardia e incompleta, não teria mesmo facilidade em manter em dia seus compromissos com o exterior, pagos em moeda forte, e também padeceria do peso crescente dos gastos públicos, inflados nos ciclos de populismo.

Mas encontra-se numa fase singular. Sua base moderna de produção agropecuária e uma eficiente estrutura de exportação de minérios aproveitaram a decolagem econômica da China, que passou a importar volumes crescentes de alimentos e matérias-primas em geral. Assim, o país acumulou reservas que passaram a poder pagar sua dívida com o exterior, algo de notável ineditismo.

Restou a questão da dívida interna, bastante inflada pelos erros do ciclo Lula/Dilma, tanto que a relação dívida/PIB, que estava em 51,5% em dezembro de 2013, encerrou o ano passado em 75,8%, devido às barbeiragens heterodoxas do segundo governo Lula, aprofundadas por sua sucessora.

A queda dos juros internos iniciada ainda no governo Temer, e que prossegue com Bolsonaro, é um fator adicional neste cenário, que serve de poderosa ajuda na redução da pressão da dívida pública sobre as finanças do Estado.

Como mostra o jornal “O Estado de S.Paulo” de ontem, a taxa de juros que incidiu sobre a dívida bruta em 2019 encerrou o ano em 7,8% e havia sido de 8,3% no exercício anterior.

A taxa básica de juros (Selic) incide sobre boa parte da dívida, daí a sua redução constante ter gerado no ano passado uma economia de R$ 68,9 bilhões para o Tesouro. Praticamente o mesmo que foi arrecadado em novembro no leilão de dois dos quatro blocos licitados do pré-sal, para exploração de petróleo.

A Selic chegou a 4,25%, em níveis jamais atingidos pela taxa desde sua criação em 1999. Mantido tudo como está e confirmadas as melhores previsões, a redução da conta de juros da dívida pública poderá ser este ano de R$ 120 bilhões. Soma impensável não faz muito tempo.

Mas não se pode esperar que os cortes na Selic substituam o dever de casa que Executivo e Legislativo precisam fazer para garantir a estabilidade da economia.

Os juros são apenas um dos fatores de aceleração ou atenuação das despesas públicas. Há outros, que, se não forem contidos, continuarão a desestabilizar as finanças governamentais.

Não se pode deixar de lado o fato de que apenas a reforma da Previdência e o teto constitucional dos gastos não conseguem dar o lastro fiscal para a economia voltar a crescer sem sustos. Portanto, a queda dos juros serve para criar um providencial espaço de tempo para serem aprovadas outras mudanças estruturais — PEC da Emergência, reformas administrativa, tributária. Sem elas, continua-se no ciclo da mediocridade econômica.

Contendo o dragão da dívida pública – Editorial | O Estado de S. Paulo

Domado o dragão da inflação, falta domar o dragão da dívida pública, passo indispensável para o Brasil recobrar o selo de bom pagador, perdido em 2015. As perspectivas são animadoras. O País economizou R$ 68,9 bilhões no ano passado, na rolagem da dívida, graças à redução da taxa básica de juros, a Selic. O alívio poderá superar R$ 120 bilhões neste ano e atingir R$ 417,6 bilhões entre 2020 e 2022, segundo o Ministério da Economia. Mas o endividamento só será controlado efetivamente se o governo avançar na pauta de reformas e no conserto das contas oficiais. Esse trabalho apenas começou.

O ganho foi especialmente sensível em 2019, quando a economia de juros foi maior que o investimento realizado pelo governo federal, de R$ 56,6 bilhões. Mas o trabalho começou em 2016, quando o presidente Michel Temer tomou as primeiras providências para o País sair do atoleiro e vencer a desordem econômica.

As medidas iniciais incluíram o projeto de criação de um teto de gastos, convertido em regra constitucional, e um sério combate à inflação. Então com novo presidente, Ilan Goldfajn, o Banco Central (BC) conteve o surto inflacionário com forte aperto monetário, revertido em poucos meses. Com preços mais comportados e mercado mais confiante, no fim de outubro daquele ano foi iniciado o corte de juros.

Trocado o governo, os novos dirigentes do BC, sob a chefia de Roberto Campos Neto, voltaram a reduzir a taxa básica, derrubada no segundo semestre do ano passado para 4,50% ao ano. O avanço na política iniciada no período de Ilan Goldfajn permitiu rebaixar mais uma vez o custo da dívida pública.

A preservação dessa política dependeu, naturalmente, de algumas condições. A inflação continuou moderada em 2018 e em 2019, apesar de um repique no começo e outro no fim do ano passado. A maior parte dos preços evoluiu em ritmo seguro, as expectativas de mercado se mantiveram favoráveis e o ano terminou bem. Os dados de janeiro comprovaram a tendência de acomodação. A inflação mensal, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), recuou de 1,15% em dezembro para 0,21% em janeiro. De um mês para outro a taxa acumulada em 12 meses passou de 4,31% para 4,19%. As projeções do mercado apontam 3,25% para 2020, 3,75% para 2021 e 3,50% para cada um dos dois anos seguintes.

Mesmo com os preços em ritmo ainda moderado, as projeções do mercado apontam juros básicos mais altos a partir de 2021. Mas o cenário inclui melhora progressiva das contas públicas. O saldo primário, calculado sem os juros pagos pelo governo, deverá tornar-se positivo em 2023. A partir daí o controle do endividamento será mais efetivo, porque o governo disporá de dinheiro para liquidar parte dos compromissos vencidos.

O cenário é muito melhor do que há seis meses, disse ao Estadão/Broadcast o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Pelos novos cálculos, será necessário um superávit primário entre 1% e 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para pôr a dívida em trajetória de queda. Antes se falava de algo na faixa de 3% a 4%. Mas é preciso, advertiu o secretário, evitar ilusões perigosas. Apesar da melhora das contas, o Orçamento continua sem espaço para gastos acima do teto constitucional.

Nas atuais projeções, a alta dos juros básicos prevista para 2021 é compensada pela melhora do resultado primário, num quadro de inflação ainda contida. As pressões internas serão moderadas – isto é pressuposto – por uma redução ainda lenta do desemprego. O quadro externo, outro fator implícito, deverá continuar favorável, com juros muito baixos nos maiores mercados financeiros e sem mudanças desastrosas nos fluxos de capitais. Um aperto sensível nas políticas monetárias dos Estados Unidos e da União Europeia poderá afetar perigosamente as condições do jogo, forçando um aperto na política brasileira de juros. É preciso levar em conta esse risco e apressar a execução da política.

A democracia em recessão – Editorial | O Estado de S. Paulo

O mais recente Índice de Democracia elaborado pela Economist Intelligence Unit, braço de pesquisas do grupo que edita a revista britânica The Economist, mostra que a democracia experimentou, de modo geral, um retrocesso no mundo em 2019, depois da ligeira recuperação verificada desde 2011, na sequência da grave crise econômica e social pós-colapso financeiro global de 2008. De acordo com a publicação, o desempenho negativo da América Latina foi o principal motivo da “recessão democrática”, expressão cunhada pelo cientista político norte-americano Larry Diamond e apropriado pela Economist para qualificar a ascensão do autoritarismo nos países em desenvolvimento.

O Brasil, por exemplo, saiu de um índice geral de 7,38 pontos (de 0 a 10) em 2006, primeiro ano da pesquisa, para 6,86 pontos no mais recente levantamento. O País aparece em 10.º lugar na América Latina e em 52.º entre todos os 165 países pesquisados. Como comparação, o Uruguai, o país mais democrático da América Latina, é o 15.º no ranking global.

É evidente que o Brasil nem de longe está entre os piores casos do continente, considerando a situação de Nicarágua (122.º na lista mundial), Venezuela (140.º) e Cuba (143.º), entre outros regimes classificados na pesquisa como “autoritários” – nos quais a liberdade política e de expressão é fortemente restrita ou praticamente inexistente e as instituições democráticas são de fachada – ou “híbridos” –, países em que as eleições são irregulares, o Judiciário não é independente, a corrupção campeia e o governo intimida oposição e imprensa.

Mas a situação brasileira requer atenção, segundo se depreende da pesquisa. O Brasil foi classificado entre as democracias “falhas”, países em que há eleições livres e justas e as liberdades civis são razoavelmente respeitadas, mas há problemas de governança e baixos índices de participação política, resultando numa “cultura política subdesenvolvida”.

É nesse aspecto, o da cultura política, que a democracia brasileira é mais “falha” – ficou com nota 5. Segundo a definição dos pesquisadores, uma boa cultura política significa conviver civilizadamente com grupos políticos antagônicos e aceitar a derrota eleitoral como parte do jogo democrático. Significa também não ser passivo ou apático diante do poder. Uma sociedade dócil “não é consistente com a democracia”, diz a pesquisa.

O “funcionamento do governo” também vai mal no Brasil, com nota 5,36. No item “participação política”, o desempenho é um pouco melhor (6,11), mas está longe de ser satisfatório. Por outro lado, o item “processo eleitoral e pluralismo” alcançou quase a nota máxima, ficando com 9,58, enquanto as “liberdades civis” tiveram nota 8,24, números que colocariam o Brasil entre as “democracias plenas” – que, na pesquisa, são apenas 22 países, englobando 5,7% da população mundial.

O fato é que menos da metade dos países pesquisados (45,5%) pode ser considerada democracia, seja “plena” ou “falha”. Em outras palavras, a democracia ainda é minoritária no mundo e, em muitos casos, encontra-se sob ameaça.

Os pesquisadores sublinharam que, mesmo nos países desenvolvidos, quase todos classificados como democracias “plenas”, há uma “profunda decepção popular com o funcionamento da democracia e dos sistemas de representação política”. Esse sentimento se baseia na percepção de que cada vez mais predominam decisões adotadas pela elite política e técnica do país, com escassa ou nenhuma participação democrática, e que instituições cujos membros não foram eleitos vêm ganhando muito poder para interferir no funcionamento e nas relações da sociedade.

Embora o trabalho da Economist Intelligence Unit admita que “não há consenso sobre como medir democracia”, o que é óbvio, os pesquisadores acertam ao considerar que “a democracia pode ser vista como um conjunto de práticas e princípios que institucionalizam e, portanto, protegem a liberdade, o que “pressupõe igualdade perante a lei, respeito ao devido processo legal e pluralismo político”. Se algumas dessas características estiver ausente ou sob risco de deterioração, a democracia está “falha”.

O Censo Escolar do Inep – Editorial | O Estado de S. Paulo

Promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e divulgado em 30 de dezembro do ano passado, o Censo Escolar de 2019 apresenta os números mais atualizados sobre os gargalos do ensino básico brasileiro, deixando claro que o País vem perdendo a corrida educacional.

Segundo o Censo, 40% dos professores do ensino médio – o mais problemático de todos – não têm formação adequada na disciplina que ensinam em sala de aula. Ou seja, lecionam um conteúdo em que não são especializados. São docentes que não possuem licenciatura ou que fizeram a graduação em outras áreas do conhecimento. Muitas vezes, são professores de matemática ensinando física ou historiadores lecionando filosofia.

Na Região Sul, a segunda mais desenvolvida do País, 70,6% dos professores de ensino médio têm bacharelado e licenciatura nas áreas que lecionam. Mas na região apontada pelo Censo Escolar como a mais crítica, a Centro-Oeste, apenas 50,7% dos professores de ensino médio e 50,2% do ensino fundamental II têm a formação apropriada nas disciplinas sob sua responsabilidade. Na Região Nordeste, o índice é de 53,9%. Nesta região, 8,9% dos docentes não têm nem graduação nem licenciatura na disciplina que ensinam. No ensino fundamental I, a situação é ainda mais preocupante, uma vez que 26,9% dos docentes não fizeram curso superior.

Esse é um dos fatores responsáveis pela má qualidade do ensino básico, que tem sido atestada pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, em inglês) e por mecanismos de avaliação nacionais, revelando que um número expressivo de alunos acaba se formando sem conseguir fazer uma redação, ler e compreender um texto simples e ir além das quatro operações aritméticas.

Na realidade, é um círculo vicioso. Muitos estudantes podem ser curiosos e ter a disposição de aprender mais. No entanto, mesmo que tenham boa vontade, professores improvisados, sem formação adequada na área em que atuam, carecem de segurança sobre o que deve ser ensinado. E isso os leva a improvisar, de modo que o conhecimento transmitido tende a ser superficial, comprometendo desse modo a formação dos alunos.

Romper esse círculo vicioso é o grande desafio das autoridades educacionais e as estratégias, como afirmam os especialistas em ensino básico, são conhecidas. Além de exigir melhoria das condições de trabalho, elas pressupõem a valorização da carreira docente, para torná-la mais atrativa, evitando o que os pedagogos chamam de “jornada dupla ou tripla” – ou seja, a necessidade dos professores de lecionar em pelo menos duas ou três escolas, por necessidade financeira, assumindo tarefas para as quais não estão gabaritados.

Obviamente, quanto maior é a carga de trabalho, menos tempo e condições têm esses professores para se aprimorar em programas de educação continuada.

Medido pelo Inep, o indicador de esforço docente revela que 43% dos professores de ensino médio no Brasil têm de 50 a 400 alunos, trabalham em dois turnos, em duas escolas e em duas etapas de ensino diferentes. Em colégios municipais do Estado do Pará, na Região Norte, 36,8% dos docentes do ensino médio têm mais de 400 alunos e trabalham de manhã, à tarde e à noite em duas ou três escolas.

Avaliações de qualidade e censos quantitativos são fontes fundamentais de informações para nortear a formulação de políticas públicas responsáveis e consequentes. Elas permitem a elaboração de diagnósticos precisos, orientam a busca de soluções e balizam as negociações que têm de ser feitas entre gestores públicos e os setores interessados. Por isso, é incompreensível que, desde sua posse, o governo Bolsonaro tenha desprezado as mais importantes e conceituadas fontes de informação da máquina estatal, limitando-se a tomar decisões apenas com base em ideologias e enviesamentos religiosos. Se o Censo Escolar de 2019 apontou um cenário sombrio, o de 2020 infelizmente pode ser pior.

Fase principal do ativismo monetário ficou para trás – Editorial | Valor Econômico

Ao chegar a um recorde de baixa, e retirar o país do ranking dos campeões mundiais de juros, não há muito mais que ele possa fazer diretamente

O Banco Central passou quase toda a segunda metade da década reduzindo a taxa básica de juros. O Comitê de Política Monetária indicou que o ciclo de distensão monetária pode ter chegado ao fim, mas não fechou as portas a cortes residuais. A direção da política agora seguirá o compasso da recuperação da economia, que tem desencorajado projeções otimistas. Além disso, o BC tem procurado encorajar a concorrência bancária, de forma a conseguir maior proximidade entre a Selic real hoje exígua (perto de 1%) e os juros cobrados de consumidores e empresas, um múltiplo generoso dela.

Ao chegar a um recorde de baixa, e retirar o país do ranking dos campeões mundiais de juros, não há muito mais que ele possa fazer diretamente.

Há incógnitas novas no horizonte da política monetária. É certo que o novo ambiente criado, de encolhimento da participação dos bancos oficiais (somavam mais de 50% da oferta de crédito), fim dos subsídios fartos do maior fornecedor de empréstimos de longo prazo (BNDES) e a Selic em 4,25% aumentam a potência da política monetária. A velocidade e magnitude com que isso ocorrerá, no entanto, não são conhecidas - na verdade, é algo inédito na história recente do país.

Até aonde o Copom enxerga, vê um equilíbrio de expectativas. A meta de 2021, de 3,75%, que entra agora na mira do BC, mostra pouco espaço para mais cortes. As projeções apontam para 3,8%, com o câmbio atual (perto do de equilíbrio), com um juro um pouco maior - apenas em 2021. Os núcleos de inflação abandonaram o terreno qualificado de confortável e estão agora no considerado adequado.

Para os juros caminharem na direção contrária, de alta, falta um bom caminho. A ociosidade da economia continua grande e foi mais uma vez corroborada pelo desempenho decepcionante da indústria em dezembro, fechando o ano em queda. O comportamento dos serviços deixou a desejar e houve alguma revisão para baixo nas expectativas de crescimento.

A inflação, que deu pinotes a partir da gripe suína na China, voltou a cair e surpreendeu em janeiro, com 0,21%, a menor marca desde o Plano Real. A desvalorização cambial, que prossegue e é relevante, não foi até agora capaz de sensibilizar os preços domésticos. Pode haver mais surpresas neste front com a epidemia de coronavírus na China, e a desaceleração adicional da economia global. O preço das commodities recuaram significativamente, e, embora a demanda por alimentos não deva ter retração relevante na China, a composição da oferta pode mudar, em detrimento das exportações - o Brasil depende muito da evolução da economia chinesa (petróleo, soja e do minério de ferro consumidos lá somam mais de dois terços do total da vendas desses produtos pelo país).

Não se descarta uma onda deflacionária, mais uma vinda da China. Em conjunto com efeitos da crise sanitária, como a redução do saldo comercial e menor impulso das exportações na alavancagem da economia doméstica, a inflação pode cair para longe da meta. Nesse caso, nova redução dos juros pode se tornar viável e, como o BC já mostrou até aqui, ele não hesitaria em aproveitar a brecha.

Há poucos fatores jogando a favor do aquecimento da economia, que esquentasse também os índices de inflação, mas eles existem. A redução dos juros desencorajou investimentos de ampla parcela de aplicadores, a grande maioria concentrada nos fundos de investimentos que tem como parâmetro de rendimentos o CDI, isto é, Selic. A poupança teve saques recordes em dezembro, os fundos DI perderam recursos e uma parte do dinheiro flui para as ações. É possível, e no passado foi assim, que os recursos se destinem para os ativos reais, em primeiro lugar imóveis, cujo mercado ensaia forte recuperação. Essa onda tende a se espraiar para o consumo de bens duráveis e toda a economia.

O impulso dependerá da reação da folha de salários, que segue o ritmo modorrento da recuperação da indústria e dos serviços. Sem redução rápida do desemprego - não prevista - o consumo das famílias não dará saltos. A reação dos investimentos não será forte.

O BC resolveu interromper o ciclo de distensão até que fique claro para qual lado a economia se moverá. É razoável entrever que a inflação caia mais, a economia continue andando devagar e os juros se mantenham estimulativos - talvez com empurrão pequeno extra a partir de meados do ano. O fato é que, como o BC apontou, a fase principal do ativismo monetário já ficou para trás.

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