domingo, 16 de fevereiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Planalto militar – Editorial | Folha de S. Paulo

Escolha de general para Casa Civil amplia peso excessivo das Forças no governo

Jair Bolsonaro foi um militar indisciplinado, durante anos visto dessa forma pela maioria do alto escalão do Exército, sua Força de origem.

Em meio à sua surpreendente ascensão como presidenciável, cercou-se de generais da reserva, que estabeleceram pontes com o comando ativo. Virtual eleito, a aliança já estava selada.

A resultante foi um governo com número inédito de ministros vindos da caserna —8 de 22. O primeiro ano de mandato transcorreu com numerosos entrechoques entre esta ala e a dita facção ideológica do bolsonarismo, associada aos filhos do presidente e ao escritor Olavo de Carvalho.

Aos poucos, militares que pareciam servir de contrapeso a uma gestão turbulenta se tornaram parte da confusão, retraindo-se. Alguns perderam o cargo, dos quais o mais vistoso foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que ocupava a Secretaria de Governo.

Para a vaga foi outro general, Luiz Eduardo Ramos, muito próximo de Bolsonaro. Viu crescer sua influência, enquanto fardados eram chamados para tratar de temas como os incêndios na Amazônia.

A nomeação do general Walter Braga Netto para a Casa Civil coroa essa reabilitação. Ela serve para fortalecer o núcleo do governo, e ao mesmo tempo gera incerteza sobre a capacidade de articulação política do Palácio do Planalto.

Para lá também irá um almirante, Flávio Rocha, que na Secretaria de Assuntos Estratégicos retirará poderes de um dos expoentes do bolsonarismo mais radical, o assessor Filipe Martins.

“Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar”, gabou-se o presidente, citando a área do Planalto em que despacham os titulares da Casa Civil, da Secretaria de Governo e do Gabinete de Segurança Institucional, todos generais.

Se não há óbice legal à presença de egressos das Forças Armadas em cargos públicos civis, algo aliás defensável em funções afins às suas qualificações, tal movimento, nessas proporções, não deixa de ser temerário.

Ramos, Braga Netto, Rocha e outro almirante, Bento Albuquerque, titular da pasta de Minas e Energia, são oficiais da ativa e de quatro estrelas, o topo da carreira. O chefe da Casa Civil vem do segundo posto na hierarquia do Exército.

O risco colocado, ao longo do tempo, é o de que a militarização da política enseje a politização dos militares, algo de sombria lembrança num país dado a golpes e quarteladas.

Mesmo que a situação seja provisória, com a ida futura de todos à reserva, o precedente está aberto. Por ora, a presença exagerada das Forças na administração Bolsonaro já resulta em privilégios para as carreiras e investimentos militares.

Rodoanel sem norte – Editorial | Folha de S. Paulo

Para concluir obra, governo tucano deve sanar 59 ameaças no último trecho

Mais de uma anomalia grave por quilômetro. Esse é o resultado da auditoria do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) no trecho norte do Rodoanel, que encontrou ao todo 1.291 problemas —dos insignificantes aos preocupantes— no espaço inconcluso de 44 km que deveria fechar o contorno rodoviário da Grande São Paulo.

Entre os 59 problemas sérios há pilares desaprumados, túneis com infiltração, erosão de taludes e trincas no revestimento final da pista. Para que o anel rodoviário possa ser aberto para circulação de veículos, tais falhas obrigatoriamente têm de ser reparadas, por questão de segurança dos usuários.

Tudo é superlativo nessa via que se tornou o símbolo dos sucessivos governos estaduais tucanos em São Paulo, para o bem e para o mal (mais para o mal).

Duas décadas se escoaram na obra arrastada, que teve o primeiro trecho entregue em 2002 —o oeste, com 32 km de seus 176 km para interligar dez rodovias que chegam à metrópole e desviar o tráfego de passagem, sobretudo caminhões.

A seção norte da obra é exemplo inacabado de incompetência perdulária. A construção iniciou-se em 2013 e deveria terminar em fevereiro de 2016, mas só 87,5% dos trabalhos estão concluídos.

Enterraram-se ali, até o momento, R$ 7,3 bilhões; estima-se que, entre anomalias por corrigir e o que falta construir, outros R$ 2 bilhões sejam necessários.

A construção, entretanto, encontra-se paralisada, fulminada pelos males usuais a assolar obras públicas no Brasil. O Ministério Público Federal calcula em meio bilhão de reais o prejuízo aos cofres estatais por superfaturamento e supressão de serviços das firmas empreiteiras, tendo denunciado 14 pessoas por fraudes na licitação.

Até a Lava Jato conspirou contra a conclusão do Rodoanel. Construtoras apanhadas no escândalo abandonaram os canteiros restantes, alegadamente por dificuldade financeira, e em 2018 o então governador Márcio França (PSB) rompeu contratos de 3 dos 6 lotes; João Doria (PSDB) cancelou os outros 3 no ano passado.

A não ser que se reeleja em 2022, Doria também terá dificuldade para concluir esse monumento à má gestão e à corrupção.

Quando o Rodoanel ficar pronto, as avenidas marginais de São Paulo poderão livrar-se de até 40% do transporte de carga que as congestiona. Ressabiado, porém, o contribuinte paulista ainda vê com desconfiança a chance de enfim ver desfeita a gigantesca anomalia.

A reaproximação Brasil-Argentina – Editorial | O Estado de S. Paulo

Trocar desaforos está longe de ser o caminho para as duas maiores economias sul-americanas, sócias no Mercosul, vizinhas e parceiras em dois acordos de comércio recém-concluídos, um com a União Europeia (UE), outro com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Depois de meses de provocações, os presidentes Jair Bolsonaro e Alberto Fernández parecem haver entendido, enfim, aquela obviedade e decidido voltar à sensatez. O encontro marcado para o começo de março em Montevidéu, na posse do novo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, poderá ser o começo de uma colaboração benéfica para os dois países, para o bloco e também para a região.

Em visita a Brasília, o ministro argentino de Relações Exteriores, Felipe Solá, trouxe um discurso diferente daquele consagrado pelo kirchnerismo. “O Mercosul”, disse ele, “deve ser renovado, olhar para o mundo. Apoiamos acordos do Mercosul com diferentes regiões.” Se as ações confirmarem as palavras, o bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai poderá retomar a vocação original, substituída pelo terceiro-mundismo anacrônico da aliança entre o petismo e o kirchnerismo.

Mas a prioridade argentina, neste momento, é sair de uma das crises mais longas e mais fundas de sua história econômica, e para isso a colaboração brasileira poderá ser importante. Em Brasília, o ministro Solá pediu apoio nas negociações para renovar o acordo de seu país com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O presidente Bolsonaro prometeu ajudar. Não foi o primeiro a estender a mão. Em Washington, o presidente Donald Trump já havia prometido ao embaixador Jorge Arguello apoiar o esforço de renegociação da dívida externa. Ao contrário do brasileiro, o Tesouro argentino deve muito a estrangeiros.

Para ganhar algum fôlego, o governo de Alberto Fernández precisará renegociar o acordo com o FMI, comprometendo-se com um duro programa de ajuste em troca de mais dinheiro e de mais tempo para pagar. A nova diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, já indicou a disposição de conversar e de estender o apoio.

Com base no acordo anterior, o Fundo já liberou cerca de US$ 44 bilhões dos US$ 50 bilhões negociados. Não há muita escolha para a nova diretora. Um novo acerto será necessário até para a recuperação do valor já desembolsado.

“Não vamos dar calote”, disse em Brasília o chanceler Felipe Solá, ao pedir ajuda nas discussões com o FMI. A frase pode parecer excessiva, mas é um bom indício da ansiedade dos novos governantes argentinos diante do tamanho da crise. A promessa de evitar o calote parece indicar a percepção de um beco sem saída: será inútil menosprezar os compromissos externos e tentar uma retomada do crescimento sem levar em conta as condições externas e, de modo especial, os problemas de financiamento.

Se aceitar os compromissos indispensáveis, deve ter concluído a equipe de governo, o sacrifício será compensado por alguma prosperidade nos anos seguintes. Não há, até pelas condições da economia global, como apostar num início de recuperação em 2020 sem o apoio e a tolerância do FMI e dos credores de fora.

Para o Brasil, o caminho mais sensato é apoiar qualquer programa exequível adotado pelo governo argentino. Em condições normais, a Argentina é o terceiro maior mercado para as exportações brasileiras. Mais que isso, é um dos principais destinos da produção industrial do Brasil. O mercado argentino deve continuar fraco em 2020, mas voltará a ser muito importante, em breve, se houver sucesso nos ajustes.

A discrição mantida até agora pela vice-presidente Cristina Kirchner tem sido bem recebida no mercado. O silêncio contém uma mensagem apaziguadora: ninguém deve ficar inquieto, porque o governo promete ser ajuizado. Essa foi a mensagem de Lula, antes da eleição de 2002 e durante a maior parte do primeiro mandato. Confirmada essa interpretação, haverá boas condições para a cooperação, se o governo brasileiro mantiver o juízo e souber aproveitá-las.

Hora do pesadelo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O carnaval de rua veio para ficar. O número de blocos autorizados pela Prefeitura de São Paulo a desfilar entre os dias 15 de fevereiro e 1.º de março chegou a 644, 180 a mais do que no ano passado. Haverá 678 desfiles em cerca de 400 pontos da cidade. São dados que mostram a potência econômica e turística desse evento para a cidade. Dessa forma, cabe às autoridades competentes cuidar para que um acontecimento dessa magnitude transcorra da maneira mais tranquila possível, não apenas para os milhares de participantes, mas também para os que, malgrado não queiram participar da festa, são obrigados a conviver com seus efeitos mais danosos – sejam as interdições que obrigam moradores a alterar drasticamente sua rotina de deslocamentos, seja a incivilidade de muitos dos foliões.

O potencial econômico dos desfiles carnavalescos ajuda a explicar o exponencial crescimento dos blocos e a atração de cada vez mais turistas. Esse gigantismo pode representar ganhos para a cidade, mas é um enorme desafio para a Prefeitura. A julgar pela experiência dos anos anteriores, o ambiente para os foliões tem sido em geral satisfatório. O problema é que a Prefeitura tem sido incapaz de oferecer o mesmo tratamento àqueles – grande maioria – que não estarão nos desfiles. Para estes, o carnaval é a hora do pesadelo, que vem se tornando mais tétrico a cada ano que passa.

Mais blocos e mais desfiles pela cidade significam mais sujeira, mais barulho, mais ruas fechadas. Paulistanos se tornam reféns dentro de suas próprias casas, tendo de suportar, dia e – principalmente – noite, a algazarra de foliões que estendem a festa até altas horas, fazendo seu carnaval particular em local público.

Tem limitado alcance a ordem da Prefeitura de fechar bares na região da Vila Madalena e do Largo da Batata até as 22 horas durante o carnaval, na presunção de que os foliões, resignados, tomarão o caminho de casa. Muitos deles trazem sua própria cerveja, em geladeiras de isopor, ou então adquirem bebidas de vendedores ambulantes ilegais, e fazem a festa com caixas de som próprias, que infernizam os paulistanos que só querem e precisam dormir.

Não há possibilidade de diálogo com quem é tão incapaz de viver em sociedade – ninguém que more perto das regiões que recebem os desfiles será imprudente a ponto de ousar argumentar com esses tipos, que em grupo e sob o efeito de álcool tendem a ser indiferentes aos apelos e podem reagir com violência. “Não adianta fechar os bares, porque o quadrilátero vai ficar lotado do mesmo jeito”, afirmou o presidente da Sociedade Amigos de Vila Madalena, Cassio Calazans. Nesse caso, só cabe aplicar o rigor das diversas leis que punem a perturbação do sossego.

Ao mesmo tempo que aceita e estimula a expansão do carnaval de rua na cidade, a Prefeitura tem demonstrado escassa capacidade para coibir o comportamento selvagem dos que abusam do direito de se divertir na festa. Mas as vítimas desse descaso começam a reagir.

Um abaixo-assinado de moradores da Vila Leopoldina levou a Prefeitura a desistir de incluir a Avenida Gastão Vidigal, a principal do bairro, no circuito dos blocos. Os moradores disseram que “a região não é servida por metrô e a extensão da avenida não comporta grandes multidões”. Além disso, “a estrutura de forças de segurança local não comporta eventos dessa magnitude” e “haverá multidões apertadas no calor”, com “barulho, sujeira, urina e vandalismo”, sem falar no cerceamento do direito de ir e vir e do prejuízo ao comércio – que inclui a Ceagesp.

A Prefeitura aparentemente aceitou parte dos argumentos, ao dizer que cancelou o desfile na Avenida Gastão Vidigal “por motivo de organização e otimização dos espaços públicos”. A vitória dos moradores da Vila Leopoldina é um alento para os paulistanos que se sentem destituídos de sua condição de cidadãos durante o carnaval – período no qual, para muitos, a lei e as regras de civilidade deixam de valer.

A velha arrogância petista – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, o PT se engajou em um processo de radicalização política que o relegou a um nicho sectário. Isso em nada contribuiu para o arejamento de um dos maiores partidos do País e, em boa medida, tampouco para o saneamento do debate público nacional, obnubilado por uma polarização paralisante da qual o PT é hoje um dos mais entusiasmados patrocinadores.

A prisão do ex-presidente Lula da Silva, em 2018, serviu para agravar esse quadro, tornando o PT cativo de um discurso monocórdio – o surrado “Lula livre” – que, se cala fundo nos corações dos convertidos, é inócuo para o resgate da representatividade que o partido teve em setores mais amplos da sociedade.

Falta um bom tempo até que sejam superados os efeitos nocivos dessa opção petista pela política do rancor, da revanche, em vez da autocrítica diante de evidências tão cabais dos malfeitos cometidos por seus próceres, sejam os de natureza política, sejam os criminais. A boa notícia, no entanto, é que, mais dia, menos dia, a superação virá, mesmo sem o ato de contrição do PT, cada vez mais improvável. Quem perde é o partido.

No dia 7 passado, o PT reuniu sua Comissão Executiva Nacional no Rio de Janeiro a fim de traçar a estratégia do partido para as eleições municipais deste ano. Pelo que se pode ler na Resolução aprovada no encontro, intitulada Derrotar Bolsonaro e seu governo, defender o povo, a democracia e a soberania, com liberdade plena para Lula, o partido parece satisfeito com a nova – e restrita – dimensão a que foi relegado, dobrando a aposta na radicalização. Além disso, o PT revela um profundo alheamento da realidade, atribuindo a si mesmo um grau de relevância política bem maior do que aquele que tem hoje.

“Nas situações em que o PT não encabeça a chapa e o candidato seja de um partido que não integre o espectro citado (PCdoB, PSOL, PDT, PSB, Rede, PCO e UP), somente serão permitidas alianças táticas e pontuais se autorizadas pelo Diretório Estadual, desde que candidato tenha compromisso expresso com a oposição a Bolsonaro e suas políticas e não tenha práticas de hostilidade ao PT e aos presidentes Lula e Dilma.

O PT Nacional decide que não ocorram alianças com os partidos que sustentam o projeto ultraneoliberal (sic) – DEM, PSDB – e veta qualquer aliança com aqueles que representam o extremismo de direita em nosso País”, diz a Resolução.

Entre os opositores do PT não há um que rivalize com a arrogância do próprio partido para mantê-lo alijado das discussões sérias que levem o Brasil a sair da crise em que se encontra. O partido se manifesta como se desconhecesse o grau de toxicidade que a sigla passou a representar. Em outras palavras: hoje, as demais legendas é que devem avaliar a conveniência eleitoral de se associar ao PT, não o contrário. Ao menos não enquanto o partido insistir em sua opção pelo radicalismo negacionista.

A Resolução divulgada pelo partido retrata o oposto dos debates havidos na reunião no Rio, que, segundo apurou o Estado, concluíram pela aprovação de alianças até mesmo com partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, desde que autorizadas “pontualmente” pelos diretórios estaduais. A ação teria o objetivo de tirar o PT da condição menor em que se encontra. Não há uma capital de Estado sequer governada por petistas.

Cogitar coligações pontuais com partidos como DEM e PSDB se coadunava com recentes declarações do chefão petista. Segundo Lula da Silva, o PT deveria “ampliar o diálogo com a sociedade”, eufemismo para aquelas coligações pragmáticas. Mas prevaleceu a velha arrogância petista, seja no ataque à “mídia”, que, segundo a presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), “só quer criar confusão” ao revelar as tratativas para as coligações, seja na insistência em uma polarização que é responsável direta pelo amesquinhamento do debate político no País.

A letargia que deságua em tragédias – Editorial | O Globo

Impacto de tempestades é potencializado por falta de investimentos e ações contra cheias

Para se protegerem da enxurrada de críticas e cobranças que desabam sobre seus ombros junto com as chuvas de verão, governos costumam apelar para a força da natureza. Não raramente, as primeiras explicações para justificar tragédias, por vezes evitáveis, dizem respeito à intensidade desses fenômenos. Como se o despreparo das cidades parecesse desculpável diante de tempestades arrasadoras.

Não há dúvida de que esses eventos extremos, devastadores, estão cada vez mais frequentes — especialistas dizem que eles são “o novo normal”. Mas, exatamente por isso, municípios, estados e União precisam se precaver. O que significa se planejar e investir em obras e ações contra chuvas, de modo a evitar mortes e reduzir os impactos inexoráveis das tempestades. Mas, de modo geral, não é o que se tem visto.

No Espírito Santo, as chuvas de janeiro causaram dez mortes e arrasaram municípios no sul do estado. Em Minas, pelo menos 60 pessoas morreram em consequência da tempestade do mês passado, as mais intensas dos últimos cem anos. Em São Paulo, o aguaceiro da última segunda-feira, o mais forte em 37 anos, deixou pelo menos seis mortos, destruiu estradas e causou prejuízos incalculáveis a moradores e comerciantes. O Rio, cenário de tragédias históricas, ainda sofre os efeitos dos temporais de fevereiro e abril de 2019, que mataram 17.

Há muitos fatores que contribuem para agravar as consequências das chuvas. Nas últimas décadas, acentuou-se o processo de urbanização. As cidades incharam, quase sempre de forma desordenada, caótica mesmo. Ampliou-se a impermeabilização do solo, o que dificulta o escoamento das águas. Projetos equivocados esconderam ou desviaram rios e córregos. Sistemas deficientes de coleta de lixo, somados à falta de conscientização das populações, têm levado ao entupimento de bueiros e ao estrangulamento dos cursos d’água.

A leniência dos governos com a ocupação irregular de encostas e margens de rios — por negligência ou objetivos eleitoreiros — também costuma resultar em tragédias. Uma pesquisa do IBGE em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), de 2018, revelou que mais de 8 milhões de pessoas em todo o país vivem em áreas sujeitas a deslizamentos ou enchentes.

A despeito da gravidade do quadro, prefeitos e governadores têm reduzido investimentos em obras contra cheias, fundamentais para salvar vidas e atenuar danos. Limitações fiscais, que de fato existem, não podem servir de pretexto para a letargia. Por isso mesmo, gestores precisam traçar prioridades. As tormentas letais deste início de ano têm sido exemplares para mostrar que o problema não pode ser tratado de forma tão amadorística por União, estados e municípios. É essencial um plano de ação que não fique limitado a governos. Afinal, trata-se de uma questão de Estado. E não há mais tempo a perder. Deve-se começar á já, de modo a preparar as cidades para os próximos verões.

Alguns governadores dissimulam a sua responsabilidade na segurança- Editorial | O Globo

Não há razão para se impedir permanência de líderes de facções na Penitenciária de Brasília

Na semana passada, o governo do Distrito Federal recorreu ao Supremo para impedir a permanência de líderes de facções criminosas na Penitenciária Federal de Brasília. O rodízio de presos no sistema de presídios federais ocorre há 13 anos sem registros de fugas e rebeliões. O isolamento de líderes, por sinal, tem sido importante fator de redução da violência.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, apresentou uma insólita justificativa para o apelo ao tribunal: “Não quero ninguém vinculado à organização criminosa circulando aqui. Brasília não é local para abrigar presos dessa natureza, temos autoridades e 180 organizações internacionais na capital”.

Ibaneis governa uma cidade com quase três milhões de habitantes, líder em renda per capita no país (R$ R$ 79 mil, segundo dados do governo local). Uma das peculiaridades da capital federal é o privilégio constitucional de ter o financiamento de metade das suas despesas sob responsabilidade do governo federal.

Num país com a terceira maior população carcerária do mundo, vítima de um processo de rápida expansão do crime organizado, seria razoável manter a expectativa de cooperação federativa.

Nesse contexto, beira o absurdo o argumento do governador, ao alegar que a permanência de chefes de facções criminosas no presídio federal incomoda a elite política e burocrática concentrada na cidade. Seria mais um episódio do folclore político nacional, se fosse um acontecimento isolado.

Ocorre que essa iniciativa do governo do Distrito Federal, apoiada pela seção local da Ordem dos Advogados, surgiu na sequência de uma manobra de um grupo de governadores, com aval do Palácio do Planalto, para redividir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Se bem-sucedido, é provável que o movimento resultasse na demissão do ministro Sergio Moro — até porque 80% do orçamento ministerial têm origem na função Segurança Pública. Notável, no episódio, foi a ativa participação de um ex-deputado federal do MDB do Distrito Federal, aliado de Rocha e do presidente Jair Bolsonaro.

Não há razão objetiva para se impedir a permanência, temporária ou não, de líderes de facções criminosas na Penitenciária Federal de Brasília. Da mesma forma, não foram apresentados argumentos sólidos para justificar a redivisão do ministério.

O processo de Ibaneis no STF e a recente manobra frustrada contra Moro, porém, demonstram como alguns governantes insistem em tentar dissimular sua responsabilidade na crise da segurança que afeta a vida de boa parte da população.

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