terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Thaís Oyama* O risco de querer ser amado

- O Globo

Bolsonaro passou a pedir e receber informes diários da repercussão nas redes tanto de seus posts quanto de suas ações de governo

No começo de 2017, quando boa parte do Congresso e da imprensa tratava Jair Bolsonaro como um excelentíssimo zé-ninguém, o então deputado do baixo clero era recebido nos aeroportos do país por multidões que o carregavam nos ombros e o chamavam de “mito”. Eram cenas intrigantes por mais de um motivo. Muitos dos que as testemunharam se perguntavam, por exemplo, por que razão os fãs do ex-capitão assobiavam, uivavam e tocavam corneta a cada vez que ele, do alto de palanques improvisados no capô de picape, colocava um par de óculos escuros no rosto. Era uma referência ao meme que circulava na internet em que óculos pixelados apareciam sobre a imagem do pré-candidato à Presidência da República sempre que ele “mitava”. Ou seja, quando dizia algo, em geral engraçado ou provocativo, que extasiava seus seguidores. O meme dos óculos era só um dos itens do repertório do bolsonarismo nascente, que começava a transbordar para as ruas naqueles meses que antecederam às eleições de 2018 depois de inundar o universo paralelo das redes sociais — o habitat original de Jair Messias Bolsonaro.

Em 2019 — eleito, empossado e tendo de substituir a retórica de campanha por ações — o ex-deputado socorreu-se junto aos militares que subiram a rampa com ele e passaram a ser vistos como o lastro de credibilidade institucional do novo governo, além de tutores informais do presidente estreante. Bolsonaro pisava no tapete vermelho do poder com a humildade de um capitão entre os generais. Em junho, a situação mudou. Os militares concluíram que seus conselhos de pouco valiam diante do voluntarismo e da influência do entorno familiar do presidente. A demissão do ministro Carlos Alberto Santos Cruz, um general que foi para a guerra, provocou um abalo tectônico e jamais superado na relação entre Bolsonaro e os fardados.

A partir daí, o presidente voltou às origens. Cercou-se da “turminha das redes sociais” e passou a dar ouvidos a “um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos”, nas palavras do general de quatro estrelas Maynard Santa Rosa, que se demitiu em novembro do governo, entre outros motivos, por não ter acesso ao chefe. Bolsonaro passou a pedir e a receber informes diários da repercussão nas redes tanto de seus posts quando de suas ações de governo. A internet tornou-se a bússola do presidente. Mais que isso, revelou-se seu calcanhar de aquiles. Em janeiro, diante das críticas pesadas que recebeu de seguidores no Twitter e no Facebook quando estava prestes a sancionar o “fundão eleitoral” de 2 bilhões de reais, o ex-capitão gravou uma live em que pedia a apoiadores que pensassem melhor antes de chamá-lo de traidor. O adjetivo tinha lhe doído nos ouvidos.

No mesmo período, a grita na internet levou Bolsonaro a recuar de duas decisões: a de recriar o Ministério da Segurança Pública, que esvaziaria os poderes do ministro da Justiça, Sergio Moro, e a de manter no governo o coruscante secretário Vicente Santini, que havia sido demitido por ter usado um avião da FAB para viajar pelo mundo. Mais recentemente, Bolsonaro passou a usar as redes para polir sua imagem também à custa de assuntos atinentes ao até agora sacrossanto território do ministro da Economia, Paulo Guedes. No fim do ano passado, foi ao Twitter criticar a “taxação do sol”, falácia criada para encobrir o subsídio a um setor já bem pronto para andar sozinho, e há poucos dias usou o mesmo aplicativo para culpar governadores pelo preço dos combustíveis. Bolsonaro quer e persegue a aprovação da turma que o apoia desde que era o patinho feio da política.

Mas a internet nunca foi o território da reflexão. Nos parcos caracteres do Twitter e na cacofonia do Facebook, tudo é certeza, e há sempre uma solução simplória para um problema complexo. Antes de ceder ao alarido das redes em troca de likes, Bolsonaro deveria recorrer ao seu vasto repertório de metáforas sentimentais e lembrar que o amor é lindo, mas também é cego. Governar é mais difícil que “mitar”.

*Thaís Oyama é jornalista

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