domingo, 12 de janeiro de 2020

Opinião do dia: Yascha Mounk* - cidadãos esperançosos

É crucial que os políticos da oposição evitem a armadilha de deixar o Bolsonaro determinar a agenda política, concentrando-se exclusivamente em suas falhas pessoais e políticas. Em vez de denunciar as palavras afrontosas que estão sempre saindo dos lábios dos populistas, eles deveriam tentar uma estratégia própria. Pois somente quando os cidadãos se sentem mais esperançosos do que fatalista – apenas quando recuperam a confiança de que políticos mais moderados lutarão e trabalharão por eles – eles mudam seu voto. Para resgatar o país, os defensores da democracia liberal precisam provar para seus concidadãos não só que Bolsonaro é ruim para a nação, como também que eles podem fazer um trabalho melhor."

*Yascha Mounk, cientista político alemão, professor da Universidade Johns Hopkins. “O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, prefácio à edição brasileira, p. 13. Companhia das Letras, 2019.

Merval Pereira - Uma autocrítica necessária

- O Globo

Em e-book, ex-senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque diz que, ao sucumbir à corrupção, esquerda entregou à direita o discurso de honestidade que o povo desejava ver defendido

O ex-senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque sempre foi “um estranho no ninho” da política brasileira, sem se ligar a grupos sectários, nem ter medo de fazer críticas corporativas quando considerava necessário. Foi governador de Brasília e saiu do PT depois de ter sido demitido do ministério da Educação por telefone, foi para o PDT e hoje está no Cidadania, antigo PPS.

Sempre na esquerda, nunca cedeu ao populismo nem ao radicalismo político. Por isso, é capaz de fazer uma autocrítica tão necessária à esquerda brasileira. É o que faz no e-book “Por que falhamos”, desenvolvido a partir de um convite da Universidade de Oxford para que fizesse uma análise das razões que levaram Bolsonaro à presidência da República. A versão em inglês sairá em fevereiro com o título “How the left elected the right in Brazil” (“Como a esquerda elegeu a direita no Brasil”)

Para começar, ele dá razão ao ministro Paulo Guedes, colocando na mesma definição de democratas-progressistas os presidentes que governaram o país nos últimos 26 anos. “Apesar de partidos, ideologias e comportamentos diferentes, Itamar, Cardoso, Lula, Dilma e Temer vêm do mesmo grupo que lutou contra a ditadura e defendeu posições progressistas, em graus diferentes, na economia, na sociedade e nos costumes”.

Míriam Leitão - O jornalismo muda e permanece

- O Globo

Para desgosto do presidente, o jornalismo que incomoda, insiste, esclarece e investiga permanece forte e mudando sempre

Não sei se ele tentou fazer uma brincadeira. Talvez não, porque o humor e a ironia não são seus pontos fortes e são recursos de linguagem que exigem bastante do cérebro. Seu histórico é mesmo de agressões. O presidente Jair Bolsonaro disse que os jornalistas são animais em extinção que deveriam ser entregues ao Ibama. Suas ofensas frequentes aos repórteres na porta do Palácio da Alvorada podem ser definidas como assédio. Como fazem os valentões, ele sempre se cerca da sua claque, aposta na impunidade e dispara seus mísseis cheios de machismo, homofobia, mentiras e desprezo por valores democráticos.

Ele gostaria de ser um exterminador da imprensa. Principalmente daquela que incomoda, que insiste, que esclarece, que investiga. Bolsonaro preferia que o país tivesse apenas os seres amestrados que se definem como jornalistas mas são escolhidos por ele pela certeza de que nunca vão incomodá-lo ou surpreendê-lo. Serão dóceis depositários de falas suas. Esses sim se extinguirão quando ele deixar o poder, ou então vão atracar-se como cracas ao novo poder que se formar.

O jornalismo continuará sendo indispensável e continuará a existir. O papel institucional do bom jornalismo é requisito básico para o funcionamento das instituições democráticas. O presidente confunde seus desejos com prognósticos, quando ameaça de extinção um ou outro órgão de imprensa, ou então quando imagina o fim de toda uma categoria.

Bernardo Mello Franco - Dois papas e um frade

- O Globo

Leonardo Boff elogia “Dois Papas”, que encena a transição de Bento XVI para Francisco: “Eles são profundamente humanos, por isso têm sombras e luzes”

Desde a Idade Média, não acontecia nada parecido. Em fevereiro de 2013, Bento XVI reuniu os cardeais e renunciou ao trono de São Pedro. A Igreja Católica ficou à deriva, em meio a acusações de pedofilia e corrupção. Trinta dias depois, Francisco foi eleito para iniciar uma transformação no Vaticano. O momento histórico é retratado no filme “Dois Papas”, cotado para a disputa do Oscar.

A trama contrapõe o carrancudo Joseph Ratzinger ao bonachão Jorge Mario Bergoglio. Os diálogos são fictícios, mas resumem as diferenças entre o alemão e o argentino. A opinião é do teólogo Leonardo Boff, que conviveu de perto com os dois papas. “O filme não é um documentário, mas representa bem o que ambos pensam. Quem conhece teologia é capaz de identificar muitas coisas que eles escreveram e disseram publicamente”, elogia o ex-frade.

Para Boff, “Dois Papas” traduz ao grande público as diferenças entre duas concepções opostas da Igreja: a de Bento XVI, baseada na tradição e na hierarquia, e a de Francisco, mais aberta à evolução da sociedade. “Ratzinger não conseguia aceitar a diversidade. Bergoglio vê a Igreja como um hospital de campanha, aberto a todo mundo: pobres, refugiados, periféricos”, teoriza.

O teólogo define o período atual como uma “primavera” do catolicismo. “Francisco deslocou o eixo das instituições para o povo. É um papa que vê a desigualdade como problema a ser enfrentado e se coloca ao lado dos vencidos. O padrinho dessa visão não é Marx, é o Jesus histórico”, sustenta.

Dorrit Harazim - O bunker do Rio Tigre

- O Globo

Embaixada dos EUA em Bagdá é um mastodonte, que ocupa uma área maior que a do Vaticano

No meio do caminho entre os Estados Unidos e o Irã tem mais do que uma pedra. Tem um país inteiro, o Iraque, à deriva entre esses dois graúdos senhores de sua autonomia. Não é de hoje que as fronteiras, identidade, paz ou governo iraquianos são movediços. O que muda são os protagonistas. “Ó povo de Bagdá, lembre-se que ao longo de 26 gerações vocês sofrem sob tiranos estrangeiros dedicados a insuflar árabes contra árabes e se beneficiar dessas dissensões”, proclamara já em 1917 o comandante em chefe das tropas britânicas, coronel Stanley Maude, ao capturar a capital Bagdá dos turcos e alemães, em nome dos aliados na Primeira Guerra Mundial.

Nada de que os próprios iraquianos precisassem ser lembrados, é claro. Tampouco agora precisam ser lembrados da fragilidade de sua soberania, quando foguetes iranianos atacam bases americanas no Iraque, e os EUA usam seu espaço aéreo para matar o general mais poderoso do Irã. Ainda na sexta-feira, o primeiro-ministro interino Adel Abdul-Mahdi reiterou cauteloso pedido a Washington visando a estabelecer algum mecanismo para a efetiva retirada das tropas americanas de seu solo. Como esta questão tem potencial para alterar todo o tabuleiro geopolítico da região, nada de imediato é esperado, sobretudo em tempos de alta tensão.

Em algum momento da história, porém, um último militar dos Estados Unidos haverá de embrulhar a bandeira e deixar a terra invadida e ocupada em 2003. E ficará em solo iraquiano um mausoléu do governo George W. Bush tão ilustrativo dessa era quanto o delirante palácio presidencial de Saddam Hussein, cujas entranhas de luxo e barbárie foram expostas à curiosidade mundial após a deposição do dono. Trata-se da Embaixada dos Estados Unidos em Bagdá.

Quem a definiu em termos absolutos foi o britânico Martin Kemp, professor emérito de História da Arte na Universidade de Oxford. “A embaixada não deve ser olhada como ‘arquitetura’. Ela é um insulto a uma cidade de grande histórico cultural visual. Suas paredes são pontuadas por olhos sem alma. Seus ouvidos são surdos para o mundo. Trata-se de um monstro”, resumiu em artigo para o “New York Times” pouco após a inauguração do complexo, em 2009.

Elio Gaspari - Nikola.Tesla@edu para Bolsonaro@gov

- Folha de S. Paulo / Folha de S. Paulo

Se o senhor estimular a pesquisa de brasileiros, coisas boas acontecerão

Senhor presidente,
Talvez o senhor me conheça por causa do nome do carro elétrico. O dono dessa fábrica resolveu me homenagear, pois essa foi uma das muitas ideias que eu tive entre o final do século 19 e o início do 20. Meu nome é Nikola Tesla, e dei ao mundo coisas como o motor elétrico e as atuais redes de distribuição de energia. Previ que a humanidade poderia se comunicar instantaneamente, com objetos sem fio que caberiam no bolso, mas as pessoas já tinham me rebaixado da condição de gênio à de cientista louco e, mais tarde, apenas louco.

Outro dia o senhor disse o seguinte: "Em fevereiro vou estar nos Estados Unidos, vou lá visitar empresários, que são militares... Vão me apresentar transmissão de energia elétrica sem meios físicos. Se for real, de acordo com a distância, que maravilha! Vamos resolver o problema de energia elétrica de Roraima passando por cima da floresta".

Cuidado, presidente. O problema está no "de acordo com a distância", e foi nele que eu me danei. Transmitir eletricidade sem fios é coisa real, eu consegui, em maio de 1891. Em Nova York, acendi lâmpadas a meio metro de distância da fonte geradora.

Quem conversa muito comigo sobre esse assunto é um brasileiro que se chama Pedro de Alcântara. (Ele não gosta de ser chamado de imperador.) O Pedro foi uma das primeiras pessoas a usar o telefone e tem enorme curiosidade científica. Quando conversamos sobre sua fala, ele desaconselhou que lhe escrevesse, repetindo a frase que disse ao ser embarcado para o exílio: "Os senhores são uns doidos".

Luiz Carlos Azedo - O Ano do Rato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O povo sentiu na carne, literalmente, a alta dos preços, mas também em outros itens da alimentação, nos aluguéis, nos transportes, nos planos de saúde e na educação”

No milenar calendário chinês, estamos no limiar do Ano do Rato, que começa em 25 de janeiro e segue até 11 de fevereiro de 2021, sob influência do metal. Segundo os astrólogos, isso deve motivar o empreendedorismo, facilitar os pequenos negócios, os investimentos, as aplicações e as aquisições e promete um período de descobertas, agitação, busca por conhecimento, uso da inteligência e abertura de novos caminhos, boas estratégias e soluções práticas. Quando as pessoas recorrem ao horóscopo chinês ou a qualquer outro recurso metafísico para prever o próprio futuro, estão administrando as suas expectativas, o que levou os economistas a estudá-las no comportamento da economia.

Um desses economistas foi o norte-americano John Muth, que estudou engenharia industrial na Universidade de Washington de Saint Louis e economia matemática na Carnegie Tech de Pittisburg, na qual foi aluno de quatro prêmios Nobel: Franco Modigliani, John Nash, Herb Simon e Robert Lucas. Muth foi o primeiro a desenvolver uma teoria sobre expectativas racionais. Sua tese se baseia na ideia de que as pessoas são racionais e fazem previsões usando todas as informações possíveis, não somente o horóscopo ou o passado. Com isso criam expectativas racionais sobre o futuro e ajustam seu comportamento, o que faz muitas vezes as políticas de governo se tornarem ineficazes, porque preveem os efeitos das suas tentativas de estimular a economia e avaliam se estão funcionando ou não.

Muth desenvolveu sua teoria no começo dos anos 1960, quando as políticas keynesianas esgotavam suas possibilidades nos Estados Unidos. Os governos promoviam “choques econômicos” e aumentavam os gastos para ampliar a demanda. Presumia-se que os salários aumentariam em decorrência dos incentivos à economia, mas o aumento da demanda também implica aumento de preços, o que acaba anulando o aumento dos salários. Num primeiro momento, as pessoas não se apercebem disso e têm expectativas positivas; quando descobrem a perda salarial, porém, o desânimo volta e o nível de emprego regride ao que era antes. Isso se chama “expectativa adaptativa”.

A teoria das “expectativas racionais” de John Muth partiu da premissa de que o povo não é burro e não se deixa enganar por muito tempo. Não tenta adivinhar os preços futuros com base nos anteriores apenas, prevê os preços com base nas demais informações disponíveis. Sabe que não pode considerar apenas o passado, porque isso pode custar mais caro. No Brasil, até a implantação do Plano Real, que fez uma transição programada de moeda sem gerar falsas expectativas, muitos “choques econômicos” fracassaram porque as pessoas sabiam das limitações dos pacotes criados para estimular a economia. As pessoas aprenderam que um nível de emprego mais alto não se sustenta quando a inflação sobe, ainda mais num cenário de hiperinflação como nas décadas de 1980 e 1990. E que não adianta caçar o boi no pasto para a carne ficar mais barata, como se tentou no Plano Cruzado

Vera Magalhães - Censura está na moda

- O Estado de S.Paulo

Veto ao Porta dos Fundos só foi possível porque há no País um ambiente leniente com o arbítrio

E logo na segunda semana da nova década, o Brasil voltou algumas para trás. Nos vimos de novo diante de uma discussão que parecia saída dos porões da ditadura nos anos 1970, quando burocratas decidiam que novelas, peças teatrais ou músicas poderiam ser veiculadas de acordo com circunstâncias políticas, religiosas ou morais.

Mais esse retrocesso não é algo fortuito, ou descontextualizado. Ele se insere no espírito do tempo do bolsonarismo, em que a ascensão de uma elite que teima em bater no peito para se dizer conservadora, quando é apenas reacionária e preconceituosa, permite a pessoas como o desembargador Benedicto Abicair, que já trazia esses fantasmas em sua alma antes da nova era, colocá-los para fora em forma de decisão judicial, uma vez que agora há “mercado” para isso.

É a tal “normalização” de uma série de condutas que a polidez civilizacional mantinha enrustidas até pouco tempo. Eu odeio esta palavra e acho que ela virou um daqueles curingas que a esquerda saca da manga toda vez que não consegue fazer uma autocrítica quanto aos próprios vícios, que permitiram que essa direita reacionária saísse da toca e galgasse o poder.

Eliane Catanhêde - Um choque no INSS

- O Estado de S.Paulo

Faltou ação contra velhos erros e planejamento para enfrentar as novas condições

Além da necessária reforma da Previdência, com mudanças de regras para pensões e aposentadorias, o governo deveria ter tomado um outro cuidado: um choque de eficiência no INSS. O problema é estrutural e conjuntural e, como sempre, faltou ação para corrigir erros antigos e planejamento para enfrentar condições novas.

Tenha ou não “culpa” pela atual crise no atendimento, a reforma da Previdência joga luzes no velho problema do tratamento a idosos, viúvas, mães, doentes e acidentados que buscam não favores, mas seus direitos. E a situação, que já era ruim, se tornou cruel.

De um lado do balcão, funcionários entediados, mal treinados, mal remunerados e em más condições de trabalho, grande parte sem a noção de sua função de servir ao público que paga não só impostos como os seus salários. Do outro lado, pessoas velhas, cansadas, doentes, que esperam horas, semanas, meses, para receber seus benefícios.

A isso some-se a questão conjuntural: o governo criou o INSS Digital, que facilitou os pedidos de aposentadoria às vésperas de uma reforma da Previdência que todos sabiam que viria e muitos temiam. Houve uma avalanche de pedidos ao mesmo tempo, e não foram só do distintíssimo público, mas dos próprios funcionários.

Pedro S. Malan * - ‘Presidencialização’ da política?

- O Estado de S.Paulo

O papel de lideranças políticas responsáveis é reduzir – não aumentar – os graus de incerteza...

“Poderão as democracias sobreviver quando são as crenças pessoais e não os fatos que sustentam nossa visão de mundo? Esta é a pergunta que deverá marcar não apenas 2020, mas os anos seguintes.” Ela foi feita neste jornal (27/12) por Pedro Doria e é especialmente relevante no Brasil de hoje, marcado por uma certa presidencialização da política.

Não se trata, está claro, de peculiaridade de nosso país. Em seu último número de 2019, a revista The Economist comenta (pág. 125) o resultado de amplo mapeamento feito pela empresa Chartbeat, que mede audiências para jornalismo online. O universo inclui 5 mil sites e 4 milhões de artigos, divididos em 34 tópicos (pessoas e temas). Assim como no ano anterior, em 2018 o presidente Donald Trump dominou as atenções: foram 112 milhões de horas diárias na leitura de peças jornalísticas, em média mais de 300 mil horas por dia e picos de mais de 600 mil ou 700 mil. Nenhuma outra palavra ou tema rivalizou ao longo do ano, em termos de interesse sustentado, com Trump. Pudera, em apenas um dia de dezembro o presidente dos EUA emitiu nada menos que 123 tuítes. (O evento recordista, mas apenas por um dia, foi o incêndio na Catedral de Notre-Dame, em Paris.)

Trata-se da presidencialização da política, versão EUA. O presidente é fonte inesgotável de notícias e de sua multiplicação através das redes sociais – por seguidores, pelos que discordam, por robôs de ambos os lados. O que importa é estar em evidência e ocupar sempre espaços na mídia, a favor ou contra; é manter permanentemente mobilizado o eleitorado.

Rolf Kuntz - Menos textos, solução de Bolsonaro para o Brasil

- O Estado de S.Paulo

Fugindo da modéstia, o presidente citou um livro como exemplo, a cartilha ‘Caminho Suave’

Responsável pela educação de 01, 02 e 03, cavalheiros conhecidos pela cultura, pelo domínio da língua e pela riqueza intelectual, o presidente Jair Bolsonaro promete entregar em 2021 novos livros didáticos, mais adequados à formação de jovens produtivos e moralmente sadios. Os brasileiros têm sólidos motivos, portanto, para otimismo em relação a este ano, ao ano seguinte e, de modo mais amplo, ao futuro do País, se as novas diretrizes forem preservadas. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, certamente contribuirá para o sucesso da revolução educacional. Horizontes serão ampliados e os brasileiros, seguindo o exemplo do ministro, poderão escrever “imprecionante” e “paralização”, livrando-se da mediocridade das normas ortográficas.

O educador Bolsonaro anunciou no dia 3 de janeiro, na saída do Palácio da Alvorada, o compromisso de renovação dos livros didáticos. “Os livros hoje em dia, como regra, é um montão, um amontoado... Muita coisa escrita, tem que suavizar tudo aquilo”, explicou o presidente, segundo a transcrição publicada pela imprensa. Mais dedicado à oralidade do que à escrita, ele compõe, no entanto, um par muito harmonioso com o ministro da Educação. “Falando em suavização”, continuou o presidente, “estou vendo uma cabeça branca ali, estudei na cartilha Caminho Suave. Você não esquece. Não esse lixo que, como regra, está por aí. Essa ideologia de Paulo Freire.”

A preocupação com os grandes desafios brasileiros e com a insegurança global pode ter induzido a alguma confusão. Embora Paulo Freire seja considerado patrono da educação brasileira, suas ideias estão longe de ser dominantes. As escolas se distinguem também pelos métodos e estilos. Além disso, Paulo Freire notabilizou-se principalmente pela aplicação de suas ideias à educação de adultos. Ele recomendava levar em conta a experiência do grupo, suas condições de vida, suas preocupações e seu vocabulário. Bolsonaro, tanto quanto se sabe, nunca foi aluno de um desses cursos. Nenhuma pessoa bem formada a partir da leitura de uma boa cartilha precisaria disso.

Janio de Freitas - Uma espécie de extinção

- Folha de S. Paulo

Impor a subserviência ou o silêncio do jornalismo é parte essencial do plano de Bolsonaro

A satisfação de Jair Bolsonaro com a ideia de que "jornalistas são uma espécie em extinção" não é egoísta. Acaricia certo sentimento de incontáveis ressentidos. E, ao menos no que me toca, é comprovável até em dose dupla: tanto no jornal, onde as seis colunas por semana hoje ficam nesta única (e olhe lá), como na encaminhada extinção, mais tradicional, do meu prazo de validade geral.

A ideia de Bolsonaro, dessa vez exposta com mais ênfase, volta com o mesmo problema. Ei-la: "Vocês são uma espécie em extinção. Acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama. Vocês são uma raça em extinção". A formulação continua vaga, de imprecisão que chega a parecer deliberada.

"Vocês são uma raça em extinção" é uma dedução, sugerida pelas previsões alucinantes do futuro cibernético? Ou é constatação, facilitada pelo embate entre imprensa, internet, TV e que tais, com as visíveis crises de identidade e os desmaios financeiros? Ou é ameaça, ampliação dos ataques à Folha e seus anunciantes, à Globo e seu próximo vencimento da concessão?

Bruno Boghossian – Mentiras sob medida

- Folha de S. Paulo

Com lorotas fajutas, presidente trata seguidores como se fossem ingênuos ou idiotas

A turma do governo se emplumou na virada do ano para fazer uma comparação que parecia impressionante. Auxiliares de Jair Bolsonaro divulgaram que o custo das viagens do presidente em seu primeiro ano havia sido de R$ 8 milhões, ao passo que Dilma Rousseff havia gastado R$ 483 milhões em 2014.

A intenção era louvar o chefe e sua capacidade de gestão, em contraste com a gastança desenfreada dos “esquerdopatas”. A ministra Damares Alves escreveu: “Vamos deixar o povo julgar”. Mas era tudo mentira.

Os governistas emparelharam coisas totalmente diferentes. A cifra de Dilma englobava os gastos com passagens de todos os servidores do governo, enquanto o número de Bolsonaro levava em conta só as viagens do presidente. No ano passado, na verdade, o valor total destinado a passagens foi de R$ 421 milhões, segundo o Portal da Transparência.

Vinicius Torres Freire – Bife e feijão caros, PIB magro

- Folha de S. Paulo

Gente do mercado faz bullying contra quem observa os poréns

Ainda não há inflação, no sentido de alta persistente ou generalizada de preços, apesar do salto do IPCA no fim de 2019. Mas os preços da vaca, do frango, do feijão ou do ovo assustam o brasileiro comum, o habitante deste país em que a renda média do trabalho é de uns R$ 2.000, sempre convém lembrar.

A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) voltou para perto de uns 8% ao ano, nível em que passa a incomodar o brasileiro médio de modo notável, com algum efeito político, a julgar por pesquisas de opinião. Não há inflação, pois, mas a vida é dura.

A produção da indústria decresceu 1,3% nos 12 meses contados até novembro, dado mais recente, divulgado na semana que passou. É um decréscimo regular desde meados de 2019, apesar das palmas para uma suposta recuperação industrial, festinha que se via fazia uns meses entre gente da finança e seus porta-vozes.

Os indícios do crescimento no fim do ano passado são de convalescença, de lenta recuperação. Como já se escreveu aqui tantas vezes, as condições para alguma recuperação são agora as melhores desde 2014. No entanto, trata-se de coisa ainda pouca, e falta muito o que fazer para que a economia se torne mais resistente a recaídas. Gente do mercado financeiro está fazendo uma algazarra juvenil e “bullying” contra quem observa os poréns.

A indústria continua mal pelos mesmos motivos desde janeiro do ano passado. O grosso da recaída na recessão industrial se deve:

Para furar ‘bolha’ da esquerda, Dino vai do MST a Huck

Governador do Maranhão, do PCdoB, atua para tirar esquerda do isolamento; ação é vista com desconfiança em seu campo político

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo

Nos primeiros dias de 2020, dois fatos lançaram o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), ao centro do debate político nacional. O primeiro foi a notícia de um encontro com o apresentador de TV e empresário Luciano Huck, apontado como possível candidato a presidente, que levou a especulações sobre uma chapa Huck/Dino em 2022. O segundo foi a reação do PT, por meio de um de seus vice-presidentes, o deputado Paulo Teixeira (SP), que usou as redes sociais para dizer que, “com Lula ou Haddad, Dino estará na nossa chapa presidencial”.

Dias antes, o próprio Lula havia elogiado Dino durante uma feijoada na casa do ex-prefeito Fernando Haddad. Para o ex-presidente, o governador é, atualmente, um dos únicos líderes da esquerda que consegue falar para “fora da bolha”.

Tirar a esquerda do isolamento em que se meteu nos últimos anos tem sido o principal objetivo de Dino no plano nacional. Desde que tomou posse, em 2015, o governador mantém uma coligação de 16 partidos que vai do PCdoB ao DEM, incluiu líderes evangélicos no governo e construiu boas relações com setores distintos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Federação das Indústrias do Maranhão.

Além disso, aprovou em velocidade recorde a reforma da previdência estadual, participou da criação de três consórcios regionais de governadores e abriu diálogo com nomes tão díspares como Lula e o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidenciável do PSOL em 2018, Guilherme Boulos, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em junho do ano passado, fez uma visita ao arquirrival, o ex-presidente José Sarney (MDB).

“Flávio Dino é um interlocutor político nacional. A agenda com o Huck não foi um ponto fora da curva. Não tem fato novo nisso”, disse o deputado federal Márcio Jerry, presidente do PCdoB maranhense, integrante da direção nacional do partido e homem forte do primeiro governo Dino.

O encontro ocorreu na casa do apresentador um dia depois de Dino participar de um seminário na Casa das Garças, ‘think tank’ que tem entre seus associados expoentes do liberalismo como o ex-ministro Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e o presidente do Novo, João Amoêdo, a convite do ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, um dos articuladores do projeto político de Huck. Antes, os dois haviam conversado pelo menos meia dúzia de vezes por telefone. Não se falou em composição de chapa.

Entrevista | Flávio Dino, governador do Maranhão: 'O centro é essencial para a esquerda em 2020'

Membro do PCdoB acredita que polarização entre bolsonarismo e lulismo seguirá 'bastante viva' nas eleições deste

Rayanderson Guerra | O Globo

RIO - Filiado ao PCdoB e reeleito com uma aliança de 16 partidos, o governador do Maranhão, Flávio Dino, defende uma frente ampla para superar a polarização nas eleições municipais deste ano — ele projeta que a divisão entre o bolsarismo e o lulismo ficará "bastante viva" durante a disputa pela preferência dos brasileiros.

Em entrevista ao GLOBO, Dino também afirmou que ainda "há inúmeros caminhos a serem percorridos" até as próximas eleições presidenciais, em 2022, e explicou seu encontro com o apresentador Luciano Huck (a reunião gerou reação em setores da esquerda): "O fato de ele não integrar a esquerda não significa que não devemos dialogar".

Leia a entrevista completa abaixo:

• Como será a atuação dos partidos de esquerda e do PCdoB nas eleições municipais deste ano?

A eleição de 2020 será um teste para todos os partidos porque será a primeira eleição na História sem coligações para vereadores. Claro que para os partidos que têm desempenhos eleitorais menores, o desafio é ainda maior. Nós estamos investindo em chapas próprias. De um modo geral, especialmente no Maranhão, eu vou participar e vou apoiar os candidatos do partido e das legendas aliadas, que no nosso estado são 16 (entre elas DEM, PT, PP, PR, Solidariedade e PRB). Nacionalmente, de acordo com as alianças que o PCdoB fizer, estou à disposição.

• Como não repetir o fracasso de 2018 nas urnas?

É fundamental que tenhamos espírito de humildade e de diálogo. Muita abertura para promover uniões entre o campo da esquerda, o campo progressista, e também alcançando forças políticas que estão externas ao nosso campo, como os setores liberais, chamados de partidos de centro. A meu ver, eles são essenciais para que a gente possa ter vitórias eleitorais importantes em 2020.

• O antipetismo pode atrapalhar uma frente ampla?

As alianças partidárias e políticas são fundamentais porque são expressões de segmentos da sociedade. Quando você rejeita ou hostiliza partidos ou lideranças está, na verdade, hostilizando segmentos sociais que são representados por esses partidos. É evidente que você não pode perder identidade. Tem que ter identidade e lucidez programática. Com base numa identidade definida, quem quiser apoiar esse programa, no nosso caso, voltado ao combate de desigualdade, distribuição de renda e defesa dos direitos dos mais pobres, pode somar. Não vamos inverter uma situação de perda de espaço e transformar isso em um ciclo de novas vitórias se tivermos um sentimento isolacionista.

• Como superar esse sentimento?

O ano de 2018, de fato, foi um momento muito difícil para o nosso campo político porque viemos de uma sequência de derrotas, sobretudo após a votação do impeachment da presidente Dilma (Rousseff). Houve uma sequência de dificuldades agudas, que já se manifestaram nas eleições de 2016, quando perdemos prefeituras importantes, a exemplo de São Paulo. O pior momento foi 2018. Minha expectativa neste ano é de recuperação. Nossos resultados eleitorais serão melhores do que o que tivemos na eleição municipal anterior. O desgaste do próprio governo Bolsonaro contribui para isso. Estamos chegando ao quinto ano que estamos fora do governo, desde o impeachment, e vemos que persistem problemas gravíssimos econômicos e sociais, a exemplo do desemprego.

Murillo de Aragão - As eleições municipais e 2022

- Revista Veja

O debate sucessório ainda é prematuro, mas não sai da pauta

Existe uma ansiedade no ar sobre a questão sucessória de 2022. Como se ainda não houvesse três anos pela frente e a agenda em torno do assunto já estivesse posta. Como se o futuro já estivesse escrito, com as reformas avançando, a economia crescendo e o presidente Jair Bolsonaro, dentro do seu estilo, continuando a antagonizar. E por que o debate sucessório está sendo prematuramente trazido ao palco?

Além da questão da agenda dada, existe no ar certo enfado com a “não política” de Bolsonaro. A classe política ainda está se desmamando do presidencialismo de coalizão e o novo modelo até agora não produziu resultados retumbantes. No fundo, existem dúvidas sobre se Bolsonaro será verdadeiramente competitivo em 2022 para tentar a reeleição. Sendo assim, antecipar os movimentos pode parecer inteligente.

No caminho de todos os potenciais candidatos existem as eleições municipais de outubro, que ocuparão um espaço importante na agenda política deste ano. Apesar de as eleições municipais terem como foco questões locais, as disputas nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, ganharão repercussão nacional, podendo fortalecer ou enfraquecer alguns dos protagonistas mencionados.

Entrevista | Rubens Ricupero: ‘Bolsonaro contraria interesses brasileiros’

Para ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, nova condução da diplomacia com alinhamento aos EUA pode prejudicar exportações do Brasil

Cássia Almeida | O Globo

RIO - O ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) Rubens Ricupero afirma que a mudança na postura diplomática brasileira, de apoio aos Estados Unidos após a escalada de tensões com o Irã, trará consequências negativas para o comércio exterior brasileiro. Em entrevista por e-mail ao GLOBO, o diplomata de carreira lembra que Donald Trump tem ameaçado exportações do Brasil enquanto o Irã é grande cliente do nosso agronegócio. E alerta que o Brasil voltou a ficar vulnerável nas contas externas, o que já causou crises cambiais no passado, limitando o crescimento.

• Quais os impactos do conflito para a economia mundial?

Há basicamente dois cenários possíveis. O primeiro é que o conflito seja contido no nível atual, dado pela resposta limitada do Irã e a reação comedida de Trump (Donald Trump, presidente dos Estados Unidos). Os partidários do presidente americano alegam que o Irã, debilitado pela ação cumulativa das sanções econômicas e pelos recentes protestos internos, não terá condições de ir além de uma reação fraca e simbólica como o ataque sem vítimas às bases dos EUA no Iraque. De acordo com essa visão, passado algum tempo, o Irã será obrigado a se sentar à mesa de negociação, o que levaria cedo ou tarde, à sua capitulação. Nesse caso, os impactos negativos sobre a economia mundial seriam de pouca monta e de curta duração. O cenário oposto é o dos que pensam que o governo iraniano apenas dissimula o jogo, limitando-se, num primeiro momento, a uma reação débil a um golpe que não esperava, enquanto prepara com vagar alguma represália de envergadura, que poderia visara personalidades do governo americano ou ações no território dos EUA. Se isso for verdade, haveria uma aparência de normalidade por um tempo mais ou menos longo até que a situação se deteriore novamente. De todo modo, enquanto não se registrar uma verdadeira distensão na relação EUA-Irã, a incerteza prevalecerá e com ela suas consequências de desestímulo à retomada da economia mundial.

• O comércio mundial tende a diminuir e o protecionismo se espalhar?

Independentemente do que ocorra no conflito com o Irã, o comércio internacional já acusou, por outras razões, declínio sensível em 2019, conforme atestado pela Organização Mundial de Comércio. Em outubro, a OMC calculou que o comércio no ano passado se expandiria apenas 1,2% (em contraste com a estimativa de 2,6% feita em abril de 2019). Para 2020, a OMC reduziu a previsão de crescimento para 2,7% (abaixo dos 3% originalmente esperados). O motivo fundamental para a baixa nas estimativas deriva das tensões desencadeadas, sobretudo, pelo conflito Trump-China e suas consequências na Ásia e outras regiões. Espera-se até meados de janeiro a assinatura da primeira etapa do acordo entre EUA e China para resolver o contencioso entre os dois países. Dependendo da confirmação do acordo, de sua consolidação e de sua eventual expansão a etapas novas, o comércio mundial poderia ou não ganhar algum fôlego. Uma nota de necessária cautela é o efeito que terá sobre o comportamento de Trump a proximidade das eleições nos EUA. Essa proximidade o levará a moderar seu discurso e ação protecionista em relação não só à China, mas também à União Europeia, ao Japão, ao México, ao Canadá, a outros parceiros? Ou, ao contrário, tentará expandir as exportações americanas a fim de reduzir o déficit comercial, como já conseguiu no fim de 2019? Dada a imprevisibilidade do personagem, é arriscado formular previsões sobre a possibilidade e intensidade de uma recuperação do comércio internacional em 2020.

O que a mídia pensa – Editoriais

O policial ciclotímico – Editorial | Folha de S. Paulo

Política errática de Trump para o Irã é garantia de continuidade da crise

Barack Obama elegeu-se em 2008, entre outras coisas, devido ao fastio do público americano com os atoleiros da dita guerra ao terror: o conflito no Afeganistão e no Iraque, decorrentes do 11 de Setembro.

No caso iraquiano, a retirada de 2011 foi celebrada como vitória, mas trazia em seu ventre o preâmbulo da ascensão do inominável Estado Islâmico e a renovada influência do Irã sobre o vizinho.

A busca por menor engajamento, em especial no Oriente Médio, teve outros efeitos, como o caos na Síria e a volta da Rússia à região.

O sucessor de Obama, Donald Trump, assumiu em 2017 prometendo deixar de lado as “guerras inúteis”. Sua imprevisibilidade se viu quando atacou alvos do governo sírio sem que a tática se encaixasse em alguma estratégia visível.

Ao fim de 2018, abandonou os antigos aliados curdos à sorte e permitiu que Rússia, Turquia e Irã assumissem o espólio sírio.

Como Obama, Trump afirmava querer deixar o Oriente Médio, só para ser convocado pela realidade. Em 2018, abandonou o falho acordo que visa barrar a construção da bomba atômica iraniana.

Se então pendeu para o belicismo, recuou depois com a demissão do assessor de Segurança Nacional que pregava a guerra ao país persa.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Amor, o dono do meu caminho

Poesia | Fernando Pessoa - Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um faso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.