domingo, 26 de janeiro de 2020

Vera Magalhães - Currículo x vassalagem

- O Estado de S.Paulo

Moro e Guedes têm biografia anterior a Bolsonaro; outros ministros, não

A semana que passou serviu para comprovar algumas características da Presidência de Jair Bolsonaro que já ficaram óbvias em seu primeiro ano de mandato e que terão profundas consequências para o saldo final deste período, numa perspectiva histórica.

Bolsonaro não quer auxiliares, mas súditos com lealdade cega e irrestrita. A paranoia com possíveis traições é total, e levada ao paroxismo quando envolve ameaças (reais ou virtuais) à sua reeleição em 2022.

E alguns ministros terão sempre de analisar se vale a pena submeterem sua biografia a esse jugo, uma vez que têm uma história anterior ao bolsonarismo, diferentemente de outros. Mas isso também faz com que Bolsonaro não consiga apenas descartá-los ao primeiro sinal de “deslealdade”, como fez com Gustavo Bebianno e Santos Cruz. O que torna o jogo mais complexo e imprevisível.

Sérgio Moro passou a semana na frigideira presidencial, na qual já esteve em diversas ocasiões em 2019. Foi parar lá a despeito de ter declarado lealdade publicamente a Bolsonaro em rede nacional no Roda Viva, mas porque o presidente não o achou suficientemente enfático, viu alguns contrapontos indesejáveis entre a própria conduta e as ideias do ministro da Justiça e, principalmente, porque sentiu que Moro está mais político, mais solto e mais popular do que nunca.

Eliane Cantanhêde - Inimigos por toda parte

- O Estado de S.Paulo

Moro, Mourão, Doria, Witzel e Huck, sempre na mira de Bolsonaro

Pode espantar os bolsonaristas e preocupar o núcleo militar do governo, mas não há surpresa nos ataques e ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao ministro Sérgio Moro, como não há certezas sobre o que vai acontecer com a pasta da Justiça. O Ministério da Segurança Pública será recriado? E o futuro da Polícia Federal e da sua direção-geral? No primeiro escalão e no próprio gabinete de Moro, a resposta é direta: “Tudo é imprevisível”.

É assim porque o presidente da República é imprevisível. Pode até momentaneamente voltar atrás, mas no Alvorada, no Planalto, no avião presidencial, ele certamente fica ruminando sobre como baixar a crista desse tal de Moro e como botar alguém “de confiança” no lugar do delegado Maurício Valeixo na poderosa (e, para alguns, ameaçadora) PF. Afinal, “quem manda sou eu”.

Assim como tem fixação em enfraquecer Moro, Bolsonaro já partiu para cima dos governadores do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria, do apresentador Luciano Huck e até do vice-presidente Hamilton Mourão, general de quatro estrelas. O que há em comum entre eles? São os nomes que se colocam, ou são colocados, como opções do centro à direita para a Presidência. Ou seja: adversários potenciais de Bolsonaro. No mundo dele, inimigos.

Moro já levou para casa a desfeita com Ilona Szabó, a cara de tacho enquanto Bolsonaro espanava para o lado o pacote anticrime, o não veto ao juiz de garantias. Só não voltou para casa em 2019 porque, finalmente, ganhou uma: manter Valeixo na PF. E ganhou porque os generais do governo entendem e tentam convencer Bolsonaro da importância política, simbólica e objetiva de Moro. Mexer com ele é rachar drasticamente a base bolsonarista.

Bolívar Lamounier* - Elegia para um monstro insepulto

- O Estado de S.Paulo

Fazemos de tudo para evitar o conceito de patrimonialismo, mas é disso que se trata

Ideologias morrem, mas nem todas são sepultadas. E as insepultas são as mais perigosas.

No Brasil, faz tempo que o “nacional-desenvolvimentismo” está morto, mas, até agora, são poucos os que se preocupam em proporcionar-lhe o merecido sepultamento. A maioria, parece, prefere esperar uma improvável ressurreição.

“Nacional-desenvolvimentismo”, como sabemos, é o modo mais sonoro que encontramos para designar um modelo de crescimento baseado em ampla intervenção estatal. Uma aversão a tudo o que saiba a liberalismo ou economia de mercado e, correlativamente, uma quase santificação do Estado. Uma crença virtualmente indestrutível em que os burocratas planaltinos farão o que precisar ser feito com uma diligência a que empresários privados não podem aspirar.

O pilar mais importante da crença nacional-estatizante é a rapidez do crescimento econômico. Uma engrenagem de poder concentrada, unitária, gerida por tecnocratas altruístas e esclarecidos nos livraria (livrará) do subdesenvolvimento num ritmo muito superior ao de qualquer modelo privado de organização econômica.

Justiça seja feita, essa suposição era razoável enquanto estávamos falando da chamada “fase fácil da industrialização”. Nos primórdios, o crescimento é movido muito mais pela incorporação de mão de obra (problema que a migração do campo para as cidades resolveu facilmente), num nível técnico extremamente baixo, do que por investimentos de maior porte, pelo avanço tecnológico e pelo aumento da produtividade, o que pressupõe uma acentuada elevação do nível médio de educação na sociedade.

Vinicius Torres Freire - Direita se dá até o luxo de brigar

- Folha de S. Paulo

Sem oposição, direitistas e Bolsonaro ignoram crise social e discutem 2022

O bolsonarismo tentou fritar Sérgio Moro. No fim das contas, parece que Jair Bolsonaro corre o risco de acabar frito por Moro. A paranoia do presidente com frequência antecipa discussões e ações relativas à distante eleição de 2022, como ocorreu na semana que passou: bateu em Moro, mas levou.

Viu-se que o ministro tem apoio bastante para fazer com que Bolsonaro guarde a pistola no saco. Afinal, Moro e seu partido lavajatista podem rachar a direita mais extrema e, no limite, complicar a reeleição. Sabe-se lá se o ministro da Justiça tem fumaças de candidato, mas o mero risco de que se lance pode reorganizar os times do jogo de 2022, que começa a ser jogado, como se o país não estivesse ainda em ruínas.

Luciano Huck, como se viu, fez o primeiro pré-lançamento de sua candidatura, em Davos, para plateia de coluna social, “poucos e bons”. Discute-se como Rodrigo Maia pode se encaixar em um projeto 2022. Etc.

Claro que esse assunto rende porque é flor do recesso, porque o ano político não começou propriamente. Mas não só por isso: é porque não há quase qualquer outra política. A crise social e os vexames do governo Bolsonaro não estão em pauta em parte porque a oposição está morta, catatônica ou com Lula livre na praia. Filas do INSS, vexames no Enem, ministros enrolados, salário mínimo sem aumento, emprego precário, nada disso se torna assunto político de dimensão relevante nem campanha de desgaste do presidente. Ao contrário.

Janio de Freitas* – Com o sorriso da noivinha

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro desta vez teria razão se criticasse a imprensa, que forçou com frequência os fatos e seu sentido

O primeiro lance inteligente de Jair Bolsonaro contra a imprensa crítica: as Redações estão encantadas com o convite à “namoradinha do Brasil” para ministrar cultura ao país. Estamos empanturrados de sorrisos em fotos, vídeos e ao vivo, embora não cheguemos a saber do que tanto ri e sorri a agora “noivinha de Bolsonaro”. E muito menos nos foi dado saber, dos ocupados lábios e nos ocupados espaços de fotos e vídeos, o que Regina Duarte entende por cultura e o que pretende oferecer-lhe.

De muitos pontos de vista, o secundário sobrepujou mesmo o relevante nas numerosas saliências dos últimos dias. Vista sem sensacionalismo, por exemplo, a tal investida de Bolsonaro contra Sergio Moro se torna só uma provável manobra de um grupelho interessado na recriação do Ministério da Segurança (inútil enquanto existiu com Temer). Bolsonaro desta vez teria razão se criticasse a imprensa, que forçou com frequência os fatos e seu sentido.

Bolsonaro não disse que pensava em restaurar o Ministério da Segurança, esvaziando a área de Moro. Falou em “estudo” a ser feito, “inclusive com Moro”, por “sugestão da maioria dos secretários de segurança”. Uma declaração muito mais próxima de agrado aos secretários que de provocação a Moro. Pouco depois do encontro com os secretários, Bolsonaro chamou o ministro, sendo admissível que o prevenisse do assunto.

Ter o ex-deputado Alberto Fraga à frente do Ministério da Segurança, com um diretor a seu serviço na PF, seria o ideal para Bolsonaro, que não corre o risco de instruções ou pedidos a Moro capazes de complicá-lo no futuro. Mas, se Moro quer mesmo candidatar-se à Presidência, terá de deixar o governo, filiar-se a um partido e fazer oposição ao concorrente Bolsonaro. A mania noticiosa de que Moro é provocado para demitir-se ignora que isso seria apenas, da parte de Bolsonaro, precipitar as atitudes hostis do futuro adversário.

Bruno Boghossian - Quem liga para a democracia?

- Folha de S. Paulo

Muitos grupos aceitam a erosão desses princípios em troca de benefícios

Os húngaros estavam aborrecidos quando decidiram levar Viktor Orbán de volta ao cargo de primeiro-ministro, em 2010. Uma pesquisa do ano anterior mostrava que só 1% da população dizia estar muito satisfeita com a democracia do país, enquanto os insatisfeitos eram 76%.

O político de extrema direita explorou essa desilusão como terreno fértil para implantar um programa que concentrou poderes em suas mãos. Ele cerceou o Judiciário, impôs controle sobre a imprensa e usou o governo para perseguir adversários.

A escalada autoritária ocorreu à luz do dia, mascarada sob o populismo e o nacionalismo. Reeleito duas vezes, Orbán hoje comanda um regime autocrático. Boa parte da população não liga: a última pesquisa Eurobarômetro mostra que 58% dos húngaros estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a democracia no país.

Hélio Schwartsman - A arma fatal

- Folha de S. Paulo

Livro mostra como ideias de economistas foram implantadas e produziram consequências

Começo com uma piada. Dois dignitários assistem a uma parada militar, na qual desfilam soldados, tanques e mísseis. No final, aparece um caminhão com alguns civis maltrapilhos sobre ele. "Quem são?", pergunta a primeira autoridade. "Economistas", responde a segunda. E completa: "Você não acreditaria no estrago que eles podem causar".

Os mais novos talvez não acreditem, mas, até o início dos anos 50, havia poucos economistas trabalhando para governos e eles quase nunca eram ouvidos pelos dirigentes. Estavam lá para fazer contas. É principalmente a partir de 1969 que passam a desempenhar papel central na definição de gastos públicos, impostos e desregulamentação, levando à globalização, que coleciona alguns sucessos e um bom número de fracassos.

"The Economists' Hour" (a hora dos economistas), de Binyamin Applebaum, conta essa história (e também a piada). O livro mostra como as ideias de gente como John Maynard Keynes, Milton Friedman, Alan Greenspan, Martin Anderson, Paul Volcker, George Shultz e Robert Mundell, entre outros, chegaram aos ouvidos do poder, foram implantadas e produziram consequências.

Elio Gaspari - Rebecca e Vitor, dois jovens do século XXI

- O Globo / Folha de S. Paulo

Graças às redes sociais, e só a elas, Rebecca e Vitor conseguiram ser ouvidos

Rebecca Ferreira, de 18 anos, quer ser jornalista, e Vitor Brumano, de 19, quer ser engenheiro. Durante alguns dias tenebrosos, a incompetência dos educatecas que comandaram o Enem triturou seu sonhos de estudantes. Graças às redes sociais, e só a elas, conseguiram ser ouvidos pelos maganos do Ministério da Educassão. Numa época em que se discutem as “fake news”, eles mostraram que as “real news” existem e são capazes de dobrar os poderosos.

Vitor surpreendeu-se ao ver que suas notas do Enem não faziam sentido. Rebecca foi informada que havia sido eliminada porque seu celular tocou durante a prova. Ambos reclamaram e não havia quem os ouvisse.

Uma das fontes de inspiração do escritor George Orwell para o seu “1984” foi a experiência que teve num colégio inglês. Lá ele percebeu que “era possível cometer um pecado sem saber que o cometera, sem querer cometê-lo, mas sendo incapaz de evitá-lo”.

O celular de Rebecca não havia tocado durante o exame. Tanto era assim que ela concluiu a prova e foi para casa esperar a nota.

Vitor procurou os canais competentes e, quando teve resposta, como veio apenas um blablabá, foi às redes. Rebecca enviou dezenas de mensagens ao Inep e sua família procurou um advogado. A jovem recorreu ao Twitter:

“O Sisu começa amanhã e estou desesperada. Por favor me ajudem.” Horas depois, publicou um vídeo no Instagram. Segundo o repórter Rodrigo de Souza, em 24 horas o tuíte teve 30 mil compartilhamentos e o vídeo, 28 mil.

A reclamação de Vitor Brumano foi um dos fatores que levou o ministro da Educassão, Abraham Weintraub, a admitir que o seu Enem, o “melhor de todos os tempos”, estava bichado. A mobilização conseguida por Rebecca levou o presidente do Inep a reconhecer o erro. Ainda bem, pois a mãe de outra Rebeca, cujo celular tocara e tivera que abandonar a prova, já fornecera à jovem uma declaração autenticada, informando o que aconteceu.

Luiz Carlos Azedo - Criacionismo no poder

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Diante da revolução tecnológica global, a subordinação da ciência à religião e da razão à fé não tem a menor chance de dar certo. É um tiro no próprio pé. ‘Eppur si muove!’

Houve vários momentos históricos de resultados desastrosos em consequência de políticas que, por razões religiosas e/ou dogmáticas, trataram a ciência com censura ou indução ideológicas. Por exemplo, a perseguição do Colégio de Roma aos monges matemáticos italianos, porque consideravam uma heresia o cálculo infinitesimal, que foi fundamental para o desenvolvimento da Ciência e a Revolução Industrial na Inglaterra. O mesmo aconteceu com a medicina europeia na Idade Média, com a perseguição aos médicos seculares e o desprezo pelas culturas judaica e islâmica por parte da Inquisição espanhola.

O fundamentalismo ideológico pode ser um desastre para o desenvolvimento, como na agricultura soviética, em razão das teorias genéticas de Trofim Lizenko. Ainda mais num momento em que o mundo passa por aceleradas transformações, em razão de novas descobertas da ciência e da permanente inovação tecnológica, em todas as áreas de atividades produtivas, que são impactadas pelos novos conhecimentos. No Brasil, que já enfrenta um retardo científico e tecnológico considerável, pelos mais diversos motivos, esse risco aumenta porque o governo Bolsonaro promoveu a algumas posições estratégicas de mando pessoas obscurantistas e reacionárias, algumas das quais se ufanam do seu próprio “analfabetismo científico”, a ponto defender a tese estapafúrdia de que a Terra é plana.

O falecido astrofísico norte-americano Carl Sagan dizia que a ignorância em ciência e matemática nos dias atuais é muito mais danosa do que em qualquer outra época. Essa é a raiz, por exemplo, da negação de fatos cientificamente comprovados, como o aquecimento global, a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo e o desflorestamento da Amazônia, temas que estiveram no centro dos debates do recém-realizado Fórum Econômico Mundial, em Davos.

A nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto, reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, para presidir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), é mais uma decisão do presidente Bolsonaro na linha de subordinação das políticas públicas do governo federal ao crivo ideológico-religioso, embora o Estado brasileiro seja laico, segundo a Constituição de 1988. A Capes é o principal órgão responsável por conceder bolsas de pós-graduação e fomentar pesquisas; boa parte do conhecimento científico produzido no país deve-se a isso.

Benedito pavimentou sua ascensão ao cargo com declarações e frases de efeito que agradaram ao presidente da República, principalmente, sua enérgica intervenção no congresso da instituição, em novembro passado, na qual defendeu “um contraponto à teoria da evolução”. Na ocasião, propôs que se discutisse o criacionismo a partir da educação básica, com “argumentos científicos”, o chamado “design inteligente”. O ensino do criacionismo em instituições oficiais, porém, é contestado no mundo inteiro. A discussão proposta pelo presidente da Capes, na verdade, é uma cortina de fumaça para o profundo golpe sofrido pela pesquisa científica no Brasil: o MEC cortou pela metade o orçamento do órgão, reduzindo-o de R$ 4,25 bilhões, em 2019, para R$ 2,2 bilhões, em 2020. Além disso, a Capes teve R$ 300 milhões contingenciados no ano passado, deixando de oferecer 2,7 mil bolsas.

Míriam Leitão - Um governo que apequena o Brasil

- O Globo

O Brasil, com sua vasta diversidade humana e sua enorme biodiversidade, fica menor nas frases preconceituosas e nos erros do atual governo

O governo cria suas próprias crises e é autofágico. Não haveria problema com esta inclinação de se consumir, exceto pelo fato de que isso atinge o próprio país. Nos últimos dias, ele criou problemas em dose excessiva até para os seus padrões. O presidente anunciou que poderia criar o Ministério da Segurança e 24 horas depois disse que isso tem chance zero. O ministro Paulo Guedes falou em criar o “imposto do pecado” e o presidente desmentiu. Mas isto é o governo andando em círculos e se consumindo em seus improvisos e brigas de facções. O que realmente importa é o que atinge o Brasil.

A cúpula financeira se reuniu em Davos, durante a semana, e deu um recado claro de que o rumo mudou e que o dinheiro irá para investimentos e países que tenham compromissos com o combate às causas da mudança climática. O Brasil foi para a reunião despreparado, o ministro da Economia fez um improviso infeliz e o presidente, na sexta, aqui no Brasil, deu uma declaração sobre os indígenas brasileiros que revela preconceito.

O Brasil errou muito, ao longo da sua história, na relação com os povos originais desta terra. Durante a ditadura, o governo seguiu a orientação de que era preciso “integrar”, forçar o contato, transformá-los em soldados, em moradores de áreas próximas às cidades. Foram muitos os absurdos e todos eles provocaram mortes e destruição cultural de várias etnias. Ao fim do regime militar, o país enfim formulou uma política indigenista de respeito às profundas diferenças entre os diversos povos, seja em estágio de contato com os não indígenas, seja em ritos de suas culturas. Estabeleceu que jamais forçaria o contato com os que se isolassem, a não ser que fosse para protegê-los, e intensificou o esforço de demarcação. Ficou escrito na Constituição que a terra é da União, mas nela os índios vivem. Os povos indígenas que estão na Amazônia são parte da estrutura de proteção das florestas, como se pode ver pelas imagens de satélites e se pode conferir em visitas às aldeias.

Merval Pereira - Açaí e a bioeconomia

- O Globo

Existem várias propostas de políticas sustentáveis, que preservem a floresta e gerem riqueza para a Amazônia

Tão importante quanto o combate à criminalidade ligada ao desmatamento na Amazônia é a avaliação que se pode fazer hoje de seus resultados econômicos e socioambientais, na análise do especialista em meio-ambiente Ricardo Abramovay, professor da USP. Existem várias propostas de políticas sustentáveis, que preservem a floresta e gerem riqueza para a população da região. Muitas estão no Congresso, outras em trabalhos acadêmicos.

O Instituto Escolhas, que desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente, e tem em seu Conselho, entre outros, o próprio Abramovay e a ex-ministra do Meio-Ambiente Isabella Teixeira, lançou o estudo sobre Bioeconomia e Zona Franca de Manaus.

A proposta é um modelo de desenvolvimento econômico que integre a atual vocação da Zona Franca de Manaus (AM) e seu parque industrial à inovação tecnológica e ao uso sustentável da biodiversidade amazônica.

Em vez de subsidiar a produção industrial, como faz atualmente, o governo poderia estimular investimentos em novos negócios, sobretudo naqueles voltados ao aproveitamento sustentável da biodiversidade local – a bioeconomia.

Com pouco mais de R$ 7,15 bilhões investidos em infraestrutura física ao longo de dez anos – ou seja, menos de um terço do incentivo fiscal anual dado à ZFM –, a criação de empregos diretos e indiretos pode chegar a 218 mil vagas.

Bernardo Mello Franco - Mas será o Benedito?

- O Globo

O governo entregou a Capes a um defensor do criacionismo. Depois de amargar o corte de bolsas de estudo, a fundação terá um chefe em conflito com Darwin

A marcha do atraso ganhou outro reforço de peso. Na sexta-feira, o governo nomeou o novo presidente da Capes. O escolhido é o professor Benedito Guimarães Aguiar Neto, que defende o ensino do criacionismo como “contraponto” à teoria da evolução.

Ligada ao Ministério da Educação, a Capes concede bolsas de pesquisa, avalia os cursos de pós-graduação e incentiva a formação de professores do ensino básico. Criada para preparar o futuro, terá um chefe em conflito com Charles Darwin, que explicou a origem das espécies há 160 anos.

Evangélico, o professor Benedito se diz adepto da teoria do design inteligente. Trata-se de uma roupagem contemporânea da crença de que Eva foi criada a partir da costela de Adão.

“Não vejo problema em discutir essas ideias em aulas de religião ou filosofia. O que não faz sentido é misturar uma crença religiosa com o ensino de ciências”, afirma Sandro de Souza, professor do Instituto do Cérebro da UFRN. “Temos que respeitar a fé, mas não podemos aceitar a negação da ciência. Isso é quase tão absurdo quanto acreditar que a Terra é plana”, acrescenta o biólogo, que tem doutorado na USP e pós-doutorado em Harvard.

Dorrit Harazim - Ícone acidental

- O Globo

Pesquisa indica que 21% dos americanos são contrários ao aborto em qualquer circunstância

A fictícia “Jane Roe” teria abominado ver Donald Trump no palanque da ebuliente Marcha pela Vida, edição 2020, que inundou o National Mall em Washington na tarde de sexta-feira. Aliás, “Jane Roe” jamais teria se juntado àquela turma. Trump é o primeiro presidente dos Estados Unidos a participar em pessoa do encontro anual de cidadãos antiaborto. Nas três edições anteriores, ele havia enviado seu apoio através de mensagem de vídeo. Mas 2020 é ano eleitoral.

Já Norma McCorvey talvez aplaudisse com ardor o presidente. Ela é a mulher de carne e osso que, sob o pseudônimo “Jane Roe”, produziu uma das decisões jurídicas mais cruciais da história do país — o voto de 1973 da Suprema Corte a favor do direito ao aborto. Se ainda fosse viva (morreu em 2017, aos 70 anos), ela talvez até integrasse a comissão de frente da marcha.

O que sucedeu, já que se trata da mesma pessoa? Nada. Foi apenas a vida que não seguiu o roteiro idealizado.

“Jane Roe” tinha 22 anos em 1970 quando deu entrada num tribunal de Dallas com um pedido de permissão para abortar. Sem recursos para viajar até um dos seis estados que à época permitiam o procedimento, ela teve a defesa acolhida por duas advogadas que a ajudaram a manter o anonimato. O promotor do caso, representando o Estado do Texas, chamava-se Henry Wade — daí o nome da causa. Ela foi longa, lenta, mobilizou a nação com apelações, recursos e muito ativismo. Quando o processo conseguiu chegar às mãos dos juízes da Suprema Corte em Washington, já era cause célèbre. E a decisão aprovada por 7 votos a 2, em pleno governo Richard Nixon, foi retumbante.

Toda mulher, e não apenas a autora da ação judicial, passava a ter direito ao aborto “livre da interferência do Estado”, escreveu o juiz relator do caso, Harry A. Blackmun. Em seu entendimento, a maioria das leis antiaborto nos EUA violava o direito constitucional à privacidade garantido na 14ª Emenda da Constituição. E assim sendo, decidiu que “o direito à privacidade é amplo o suficiente para abrigar a decisão de uma mulher sobre interromper ou não uma gravidez”.

O que a mídia pensa – Editoriais

Delações em xeque – Editorial | Folha de Paulo

Nova lei impõe disciplina a acordos, mas tem lacunas que caberá ao STF examinar

Acordos de colaboração premiada se revelaram instrumentos valiosos para o combate ao crime nos últimos anos no Brasil, induzindo políticos e empresários corruptos a cooperar com a Justiça em troca de punição mais branda.

Em casos complexos como os investigados na Operação Lava Jato, eles permitiram avançar mais rapidamente do que teria sido possível se não houvesse meios de recompensar criminosos dispostos a confessar seus delitos e esclarecê-los.

Mas o uso intensivo das delações também submeteu o ordenamento jurídico a grande estresse, obrigando os tribunais a buscar soluções para dificuldades não previstas pelos legisladores quando instituíram a novidade, em 2013.

A nova lei anticrime publicada no fim do ano passado, em vigor desde quinta-feira (23), preencheu algumas dessas lacunas, impondo uma maior disciplina às negociações com colaboradores.

Há mudanças muito bem-vindas. A partir de agora, reuniões com candidatos a delator e seus advogados serão gravadas, e todos os procedimentos para celebrar acordos passarão por formalização.

Só poderão ser oferecidos aos delatores benefícios previstos em lei. Vários colaboradores da Lava Jato cumprem suas penas em casa hoje graças a regimes especiais bastante generosos inventados pelo Ministério Público e que acabaram chancelados nos tribunais.

Música | Trem das Onze -Toquinho Zimbo Trio Orquestra Arte Viva (Adoniran Barbosa)

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Consolo na Praia

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizaram.
Mas, e o humor?