sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Valor Econômico (Editorial)*

"Bolsonaro deveria governar para a nação, não para a corporação

O Orçamento da União é finito, mas as demandas por recursos, não. Entre os dois surgem para se apropriar das verbas os lobbies, que, na atual administração, ganharam um integrante visível, o militar - encabeçado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Ao dar prioridade aos salários, aparelhamento e emprego dos militares, o dinheiro escasso tem de ser cortado de algum lugar - de hospitais, da educação etc. Para o país, não é uma política correta, austera e sequer liberal.

*Governo de Bolsonaro dá a primazia aos militares – Editorial | Valor Econômico, 6/2/2020

Merval Pereira - E a credibilidade?

- O Globo

A questão básica que está em causa hoje é a autoblindagem dos membros do Parlamento contra decisões judiciais

A crescente preponderância do Congresso no debate político está provocando uma relação conflituosa com os demais poderes. Ao mesmo tempo em que impõe sua pauta ao Executivo, ocupando espaços vazios deixados pela inépcia do governo Bolsonaro, vai também confrontando o Judiciário.

Desta vez há dois casos de suspensão e cassação de mandatos decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que não foram obedecidos pelo Legislativo.

Os deputados entenderam que afastar do mandato o deputado Wilson Santiago, como determinado pelo ministro do STF Celso de Mello, seria abrir caminho para qualquer juiz de primeira instância determinar a perda de mandato de parlamentares.

No Senado, o presidente David Alcolumbre ainda discute se a senadora Selma Arruda perderá o mandato conforme determinação do TSE, e pretende ganhar tempo levando o caso à Mesa Diretora do Senado.

Enquanto isso, tanto Wilson Santiago quanto Selma Arruda continuam atuando no Congresso, recebendo seus salários e desdenhando das decisões judiciais. Em seu relatório, o deputado Marcelo Ramos, colocado como relator em substituição a Fábio Trad (PSD-MS) para dar parecer favorável à manutenção do mandato de Wilson Santiago, disse que o “afastamento de um deputado deve ocorrer, no próprio entendimento do Supremo, em casos excepcionais e singulares”.

Mesmo com um assessor aparecendo num vídeo recebendo propina, os deputados alegam, com razão, que “prerrogativas parlamentares são essenciais em qualquer democracia”. Esquecem, porém, que as prerrogativas só têm validade se vierem acompanhadas de credibilidade, o que atitudes corporativas como essas só fazem desgastar.

Bernardo Mello Franco - Operação Resgate

- O Globo

No mesmo dia, Câmara e Senado se articularam para derrubar decisões do Supremo e do TSE. A queda de braço entre Poderes tende a desgastar o Legislativo e o Judiciário

A frase merece entrar para os almanaques da corrupção verde-amarela. Em conversa com um deputado, um empreiteiro reclama que o governo demora a liberar pagamentos por uma obra. O parlamentar rebate a queixa com uma pergunta: “Tu acha que resolve essas coisas sem dar nada a ninguém?”.

Um dos personagens do diálogo é George Barbosa, dono de construtora na Paraíba. Preso em abril de 2019, ele negociou uma delação para reduzir sua pena. Sobrou para o deputado Wilson Santiago (PTB-PB), autor da aula prática de pilhagem dos cofres públicos.

Para “resolver essas coisas”, o petebista cobrou R$ 1,2 milhão em propina, segundo denúncia do Ministério Público Federal. Em dezembro, o ministro Celso de Mello determinou seu afastamento do cargo. A Câmara derrubou a decisão na quarta-feira, e Santiago já poderá voltar ao plenário na semana que vem.

Míriam Leitão - Riscos que pesam sobre os indígenas

- O Globo

Projeto que permite exploração de terras indígenas pode ser o começo de uma nova onda de violência física e cultural contra esses povos

No mesmo dia em que anunciou o projeto de lei prevendo mineração, exploração de petróleo e hidrelétricas em terras indígenas, o presidente Bolsonaro nomeou um evangelizador para a área mais sensível da Funai: a dos índios isolados. Em seguida, disse que se um dia puder ele confinará os ambientalistas na Amazônia. Em várias ocasiões Bolsonaro já demonstrou preconceito em relação aos índios, ou visão ultrapassada sobre o assunto. É por isso que a ideia assusta ainda mais. A Constituição prevê atividade econômica em terra indígena, dependendo apenas de regulamentação. O projeto, portanto, poderia até ser considerado se não fosse o presidente quem ele é, se não tivesse as declaradas intenções que tem.

O projeto vem após uma série de ataques à Funai feitos sob o olhar condescendente do ministro da Justiça, Sergio Moro. Não se conhece uma palavra de Moro contra os excessos e abusos cometidos contra a Funai, o aparelhamento político, a ocupação de cargos por pessoas sem a qualificação técnica, a escolha de coordenadores estranhos à área. A tentativa é de fazer da Funai uma instituição oca. Se ela ainda resiste é pelos seus servidores de carreira.

A escolha de Ricardo Lopes Dias para coordenador de índios isolados é um perigo não por ser pastor. O temor é que ele ponha em prática a convicção de que os índios precisam ser convertidos por missionários. Isso é a morte cultural. Os isolados são os mais frágeis sob todos os pontos de vista e há uma política consagrada de sequer forçar contato. A nomeação veio após a mudança de critérios para ocupar o cargo, em decisão do presidente da Funai, Marcelo Xavier. Antes, o cargo era exclusivo de servidores públicos efetivos. No dia 30 o critério foi alterado para que pudesse haver nomeação política.

Luciano Huck* - Mais formaturas, menos funerais

- Folha de S. Paulo

Brasil precisa de ampla coalizão para enfrentar a desigualdade

“Rezo para que minha família um dia frequente menos funerais e mais formaturas.” As palavras ditas por Douglas, um morador de São Gonçalo (RJ), me chegaram aos ouvidos com o barulho e o impacto de um tiro. O pai de Douglas morreu baleado antes que Douglas tivesse nascido; a mãe dele foi assassinada quando ele tinha 11 anos. O primo, criado como irmão, teve o mesmo destino. Como tantas crianças, ele foi forçado a sair da escola para ajudar a avó que o criou para pagar as contas da casa.

Estávamos no alto da Favela do Quarenta, parte de um complexo de favelas batizado de Coruja, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Depois de passar algumas horas com Douglas, me pareceu óbvio que ele é uma das vítimas da “loteria do CEP”. Mora em uma das cidades de maior desigualdade social, em um dos países de maior desigualdade social do mundo. Estatisticamente, serão necessárias mais nove gerações antes que alguém da vizinhança de Douglas ascenda à média da classe média.

Douglas não está sozinho. Como apresentador de TV, passei as ultimas duas décadas vendo, ouvindo e compartilhando as histórias de pessoas que vivem em favelas, em regiões remotas e em outras áreas degradadas. Como cidadão ativo e empreendedor social, estive e continuo procurando maneiras de contribuir para dar oportunidades e destravar o potencial de dezenas de milhões de brasileiros em situações de pobreza.

Desde que me entendo por gente, ouço piadas de que o Brasil é o país eternamente à espera de o futuro chegar. O maior obstáculo para esse avanço é a desigualdade, herança direta do colonialismo, da escravidão e de instituições e políticas excludentes —e legado do desdém cínico de uma elite pelos mais pobres. Embora sucessivos governos desde o restabelecimento da democracia, em 1985, tenham conseguido controlar a inflação, implantar políticas sociais e até mesmo reduzir a pobreza, a desigualdade teimosamente permanece alta. Pior: dados recentes mostram que, mesmo com a melhora da economia, a desigualdade voltou a aumentar, colocando em risco os tímidos avanços das últimas três décadas.

O principal culpado é o regime regressivo de impostos e a concessão pouco criteriosa de subsídios que beneficiam, desproporcionalmente, justamente aqueles que mais têm. No Brasil, os milionários pagamos menos imposto sobre a renda e o patrimônio do que nos países democráticos mais desenvolvidos. Enquanto isso, o modelo impõe uma carga duríssima de impostos indiretos sobre os mais pobres.

Se o Brasil quer ter chances de baixar a desigualdade, precisa também de avanços drásticos na cobertura e na qualidade do sistema público de ensino básico. Os mais ricos têm o privilégio de pagar por escolas de ponta, enquanto crianças mais pobres, como o Douglas, têm acesso a um aprendizado de menor qualidade, e frequentemente têm de abortar sua vida escolar, reféns da violência e de pressões financeiras. É o que ajuda a explicar por que ainda temos 11 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que mal sabem ler ou escrever.

Hélio Schwartsman - O ocaso de Trump?

- Folha de S. Paulo

Não estou seguro de que estejamos próximos do ocaso de figuras como Trump

A onda de populismo que assaltou o mundo representa uma mudança de paradigma na política ou é um fenômeno passageiro? Se é transitório, já está perto do fim ou ainda fica por um tempo? A eleição presidencial americana deverá nos dar pistas para responder a essas perguntas.

Penso que, em algum momento, a democracia liberal voltará a cair nas graças dos cidadãos. Meu pressuposto é o de que, no longo prazo, as soluções mais eficientes tendem a prevalecer. E, aí, não só o liberalismo democrático já nos entregou uma era de bonança sem precedentes na história como há também o fato de que as respostas dos populistas aos problemas econômicos contêm tantos erros materiais que é uma questão de tempo até que fracassem.

Não estou seguro, porém, de que já estejamos próximos do ocaso de figuras como Donald Trump. Ao contrário, nesta semana em particular, ele vive um momento de glória, a ponto de alguns analistas já darem sua reeleição como quase inevitável.

Bruno Boghossian – O troféu da Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Divergência entre PF e procuradores escancara fragilidade de acordos da Lava Jato

Em 2017, Eduardo Cunha entregou aos investigadores da Lava Jato um calhamaço que narrava suas falcatruas. Da cadeia, o ex-deputado citava nomes de 120 políticos, incluindo o então presidente Michel Temer. Os procuradores leram a papelada e decidiram que o relato não valia um acordo de colaboração.

Numa troca de mensagens obtida pelo The Intercept Brasil, um integrante da força-tarefa alertou que Cunha dera "péssimos elementos de corroboração". Outro procurador, porém, foi obrigado a reconhecer:

"Caráter genérico e falta de elementos de corroboração, a rigor, estão em outros acordos com políticos".

Embora o Ministério Público tenha feito jogo duro com alguns de seus troféus, a Lava Jato foi mais do que generosa com os delatores da operação. Ao longo dos anos, investigadores fecharam acordos que se esfarelaram durante processos judiciais.

A cisão entre procuradores e policiais federais diante da colaboração assinada por Sérgio Cabral escancara a precariedade de uma das ferramentas favoritas dos investigadores. O Ministério Público avisou que a delação era imprestável, mas a PF correu atrás do ex-governador.

Reinaldo Azevedo – Mais Brasil, menos brasileiros!

- Folha de S. Paulo

Governo acha que nosso povo, tão mal-acostumado, precisa ser menos Estado-dependente

O Congresso fez a reforma da Previdência, enfrentando todas as dificuldades impostas pelo Executivo, e o Brasil não vai crescer, por isso, 4% — lembram-se das projeções deslumbradas? Nem 3%. Com o coranavírus como coadjuvante, as previsões já se acomodam em 2%. Os juros reais a menos de 1% merecem ser chamados de “históricos”. Qual é a armadilha que nos prende ao baixo crescimento?

Há um consenso entre os que defendem o ajuste liberal da economia. Pausa ligeira: “Há algum outro, Reinaldo?” Dizem que sim, mas não é o objeto deste texto. Meu assunto é política. E esse consenso nos diz que é preciso dar continuidade às reformas. O Estado brasileiro tem de gastar menos. É preciso diminuir a fatia do Orçamento comprometida com desembolsos obrigatórios. Os estados seguem quebrados.

A nova tábua de salvação para chegar à terceira margem do rio, consta, é aprovar a PEC da Emergência Fiscal, dando ao governo a licença para cortar jornada e salários do funcionalismo. De saída, parece uma resposta óbvia, mas não é trivial. Pensamos em alguns nababos do serviço público, e a resposta parece boa e moralmente justa, mas é sabido que isso acarretará, se a medida for posta em prática, a queda na qualidade dos serviços que o Estado presta aos mais pobres.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro na carroça da roda quebrada

- Folha de S. Paulo

Investimento desacelera e cresce apenas 2,1% em 2019, estima Ipea

Os brasileiros remediados compram mais carros e casas. Tomam mais dinheiro emprestado. O consumo de varejo cresce, dentro das possibilidades da nossa pobreza e com esse emprego tão precário.

Pelo andar da carruagem, tudo parece compatível com um crescimento de pouco mais de 2% neste 2020. Medíocre, mas melhor. Mas a carruagem está com uma roda quebrada.

O investimento em construções, máquinas, equipamentos e outros bens de produção cresceu apenas 2,1% no ano passado, segundo estimativa divulgada nesta quinta-feira (6) pelo Ipea (instituto federal de pesquisa econômica). E daí?

Para que o PIB cresça pouco mais de 2% em 2020, é preciso que o investimento avance muito mais do que em 2019: uns 5%. O investimento tem perdido ritmo. Os dados oficiais da produção de bens capital já indicavam cheiro de fracasso. Vamos ter certeza disso apenas no final do mês.

Por medíocre que seja, além de limitado à parcela mais rica (ou menos pobre) da população, o consumo tropeça, mas não cai, ao menos por enquanto.

Luiz Carlos Azedo - De olho nas eleições

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A nomeação Marinho para o Desenvolvimento Regional surpreendeu os meios políticos, mas vai ao encontro dos desejos da base governista, que se queixava da atuação de Canuto à frente da pasta”

Craque da articulação política do governo na aprovação da reforma da Previdência, o ex-deputado Rogério Marinho foi nomeado, ontem, ministro de Desenvolvimento Regional, no lugar de Gustavo Canuto, que vai assumir a presidência da Dataprev, a empresa de processamento de dados do INSS. Marinho era secretário especial do Trabalho e Previdência no Ministério da Economia, estava cotado para o lugar de Onyx Lorenzoni, na Casa Civil, e agora vai ampliar o poder do ministro Paulo Guedes na gestão dos recursos federais, principalmente no Norte e no Nordeste. O adjunto Bruno Bianco assumirá o lugar de Marinho na secretaria especial.

A mudança no governo mostra a preocupação do presidente Jair Bolsonaro com as regiões Norte e Nordeste, onde tem sua menor aprovação nas pesquisas de opinião. Sinaliza também uma maior preocupação com sua articulação no Congresso, onde Marinho tem amplo trânsito e agora passará a gerenciar a distribuição de recursos federais nos estados que compõem a região. Canuto, seu antecessor, era um foco permanente de críticas dos parlamentares da base governista, que se queixavam das dificuldades para liberação de suas emendas. Num ano de eleições municipais, a mudança é estratégica para o desempenho eleitoral dos aliados de Bolsonaro.

Rogério Marinho integrava a equipe de Guedes desde a transição do governo, sendo nomeado secretário especial do Trabalho e Previdência por sua atuação na área durante o governo de Michel Temer, pois foi o relator da reforma trabalhista na Câmara. Filiado ao PSDB, entre 2007 e 2018, foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte. O Ministério do Desenvolvimento Regional, no governo Bolsonaro, resultou da junção dos antigos ministérios da Integração Nacional e das Cidades. A mudança também tem a ver com a intenção do governo de lançar novos programas de grande impacto nos municípios, nas áreas de saneamento, mobilidade urbana e construção civil.

A nomeação de Marinho surpreendeu os meios políticos, mas vai ao encontro dos desejos da base governista, que se ressentia da atuação de Canuto. O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência, sai fortalecido com a mudança, pois foi o principal canal de reclamações dos políticos contra Canuto e participou da decisão de substituí-lo. A presença de Marinho esvazia ainda mais o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que já havia perdido o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo para o ministro da Economia, Paulo Guedes, e agora terá mais um ministro na Esplanada que dispensa sua intermediação para se relacionar com o Congresso.

Dora Kramer - Barcos a vagar

- Revista Veja

Sem oposição organizada, Bolsonaro segue alheio a defeitos de sua gestão

Se oposição houvesse, organizada e produtiva, seria agora seu momento de brilhar. Como não há e os possíveis pretendentes à sucessão presidencial estão ocupados exclusivamente com as respectivas estratégias eleitorais, falta quem diga com todos os efes e erres que o barco do governo está fazendo água no tocante à administração do país.

Não é verdade que tudo anda bem, a despeito das exorbitâncias verbais de Jair Bolsonaro. Estas e a excessiva atenção que se dá a elas servem de biombo aos defeitos de gestão e equívocos de visão que vêm se acumulando e, em muitos casos, obscurecem ações em áreas em que há boa condução.

Colecionamos prejuízos concretos à população na educação, na Previdência, na assistência social (Bolsa Família), provocados por falta de planejamento, descaso, incompetência, enfim. Há ministros investigados, ministros inúteis sem função real, ministros cujos interesses privados estão em conflito com as práticas públicas, ministros claramente sem qualificação, mas com eles não parece se incomodar o presidente da República.

Ele segue alheio à óbvia necessidade de mexer na equipe para melhorar o andamento dos trabalhos. O argumento de Bolsonaro é que não age sob pressão. Ora, pois é sob a pressão dos governados que deve atuar o governante, mas nem isso é verdade em relação ao presidente.

Jair Bolsonaro é dos que mais cedem a pressões, mas o faz do jeito e pelos motivos errados. Cede quando algo desagrada aos seguidores nas redes sociais, mas não faz concessão às evidências quando a incompetência rende malefícios à população.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é quem mais perto chega de exercer o papel que seria dos líderes de oposição, mas essa não é sua função. Ocupa o espaço deixado vago por personagens outrora ativos na política. Outro dia mesmo o fez com especial propriedade ao resumir em duas palavras o desempenho do ministro da Educação, Abraham Weintraub: “Um desastre”.

Claro que alguém que deixa acontecer o que acontece no Enem, com milhares de estudantes prejudicados por erros na correção das provas, e com as dificuldades para inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), tem um desempenho desastroso, e isso precisa ser dito e repetido, ainda que o presidente considere os prejuízos dos jovens um problema de marca menor.

A oposição poderia brilhar. Se fosse ao ponto que importa: as falhas de gestão do governo

José de Souza Martins* - Economia de favela

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Há um ativo comércio imobiliário, de aluguéis até a compra e venda de barracos. Uma inovação é a da venda da laje da casa para que o comprador construa sobre ela sua própria moradia

Os institutos Data Favela e Locomotiva divulgaram resultados da pesquisa “Economia das Favelas - Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”. Ela nos permite ver aspectos desse mundo, que a ideologia da pobreza tem considerado um outro Brasil, com os olhos e os valores do Brasil da prosperidade.

Tanto a pesquisa quanto a conceituação situam-se na motivação de gerar entre nós uma outra consciência do que a favela é. A começar da sua designação como “comunidade”. Sociologicamente, comunidade conceitua o padrão de organização social baseado na apropriação em comum e pré-capitalista das condições de existência. Mas a estrutura social das favelas é uma estrutura de classes desiguais, nada comunitária, que vai da extrema pobreza à surpreendente riqueza, o que a média não permite ver.

Os resultados da pesquisa aparentemente confirmam outros de 2013, que mostravam o crescimento da baixa classe média nesses redutos de habitações consideradas precárias e aquém do socialmente aceitável. A classe média das favelas havia pulado de 33% para 65% em dez anos. Basicamente, o que a pesquisa de agora revela é a vitalidade da sociedade de consumo nos redutos de pobreza.

O fato de os moradores serem pobres não quer dizer que sejam irrelevantes para o capitalismo. A média do rendimento por pessoa nas favelas é de R$ 714 por mês, o que é pouco e as situa na periferia da sociedade de consumo. Mas o capital não quer saber o que as pessoas consomem. Na reprodução ampliada do capital, o que interessa é o volume de dinheiro gasto pela sociedade, seja lá em que for. É isso que importa.

Cláudio Gonçalves Couto* - O bolsonarismo autofágico

- Valor Econômico

Desconfiado de tudo e todos, exceto da família, Bolsonaro faz de aliados, inimigos, devorando-os; mas eles podem voltar

Na mitologia grega, Urano, deus supremo surgido após o caos, uniu-se a Gaia para gerar uma descendência. Porém, temeroso da traição dos filhos, os Titãs, enterrou-os no ventre da esposa. “Aqui mando eu e ninguém mais!”, dizia. Gaia, farta da tirania, propôs a um dos filhos, Cronos, que depusesse Urano e governasse o universo. Munido da foice dada pela mãe, Cronos castrou o progenitor e imperou sobre seu sangue.

Cronos, como o pai, bradava: “Aqui mando eu e ninguém mais!”. Sabendo que teria filhos, virtuais traidores, ordenou à mãe, Reia, que lhos entregasse para os devorar, um a um. Desse fado se salvou apenas Zeus, que a mãe ardilosamente substituiu por uma pedra, engolida sem que o genitor notasse. Mais tarde, também Zeus se voltou contra o pai, fê-lo regurgitar os irmãos e, ao lado deles, expulsou Cronos - que retornaria para a fatídica guerra dos Titãs, quando foi derrotado pelos deuses do Olimpo e enviado novamente às profundezas - desta feita não por seu pai, mas por seu filho.

A paranoia conspiratória desgraçou deuses, suscitando ressentimento e vingança. Cronos acreditou escapar do destino infligido ao pai, devorando os filhos. Não contava, porém, com o embuste da esposa, que lhe custou a derrota. Não é mesmo possível controlar tudo; mais sábio é não cevar inimigos, mormente dentre os tão próximos.

O Brasil também tem seu mito. Como deuses gregos, Bolsonaro alimenta paranoias conspiratórias sobre traições, sendo levado a devorar não os filhos (ao menos por ora), mas todo e qualquer aliado visto como ameaça. O problema das paranoias é que sugerem perigos até quando não existem, gestando inimigos onde havia amigos, atraindo mágoa e desforra. Assim, geram profecias autocumpridas, em que o oponente imaginário é transformado em antagonista real por ações que a imaginação provoca.

Claudia Safatle* - As bases da reforma administrativa

- Valor Econômico

Regime Jurídico Único deixa de ser a porta exclusiva de entrada no funcionalismo

Na proposta de reforma administrativa que chegará ao Congresso neste mês, o governo vai criar novas possibilidades de contratação de servidores além do Regime Jurídico Único (RJU), cuja marca é a estabilidade para todo o funcionalismo. Hoje o funcionário que passa no concurso é contratado pelo RJU e a grande maioria ganha o direito à estabilidade tão logo toma posse do cargo, mesmo estando previsto um estágio probatório de três anos.

Na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que institui a reforma, serão abertas novas formas de vínculos e a estabilidade será exclusiva das carreiras típicas de Estado (a exemplo de auditores fiscais e diplomatas, dentre outras). Mesmo para estes, entretanto, haverá um estágio que antecederá a estabilidade, de provavelmente dez anos, prazo para o funcionário provar que se enquadra na função designada e tem vocação para o serviço público.

Além de prever formas diversas de contratos temporários, o setor público poderá, com a reforma, contratar por prazo indeterminado e sem estabilidade, mais aos moldes da CLT. O que o Executivo pretende é ter maneiras alternativas de contratação de servidores que não obriguem o setor público a firmar um vínculo funcional permanente por várias décadas para lidar com problemas de curta duração.

O ministro Paulo Guedes está empenhado na reforma e confiante no apoio de Bolsonaro. O secretário Paulo Uebel foi encarregado, por Bolsonaro, a apresentar as bases da proposta para todos os 22 ministros de Estado do governo, ouvir sugestões e deixar claro que a PEC só servirá para os novos concursados. Ele já conversou com 17.

Armando Castelar Pinheiro* - Incertezas, conhecidas e desconhecidas

- Valor Econômico

Com o coronavírus saindo de cena, entram as incertezas sobre a eleição americana e a trajetória do câmbio no Brasil

É comum, na análise de risco, diferenciar a incerteza conhecida da desconhecida. A primeira diz respeito a variáveis que se conhecem, mas cuja trajetória futura é incerta. No segundo caso, nem mesmo a variável de interesse é conhecida. Um choque com incerteza conhecida ocorre quando a variável em questão atinge um valor antes considerado improvável. Já na desconhecida, esse se dá quando entra em cena uma variável que não estava no radar.

Janeiro passado foi intenso nessa segunda categoria de choque. Logo na volta do réveillon, ocorreu o ataque que matou o general Qassem Soleimani, líder militar iraniano. Nos dias seguintes, o preço do petróleo (Brent) subiu 4,8% e as bolsas caíram em toda parte.

A queda, porém, durou pouco, pois se percebeu que o evento não teria maiores repercussões. Logo voltou o otimismo que prevalecia na virada do ano, com a aposta na recuperação da economia, por conta da trégua comercial entre EUA e China. De fato, em 15 de janeiro os dois países celebraram a “fase 1” de um acordo que impediu uma escalada tarifária.

Foi também em meados de janeiro, porém, que o mundo despertou para o coronavírus, que tinha surgido no início de dezembro em Wuhan, China, mas cuja disseminação fora, até então, pequena. Na segunda metade de janeiro, o número de pessoas infectadas e de pessoas mortas pelo vírus aumentou exponencialmente e o medo se espalhou pelos mercados. Nessas duas semanas, o S&P 500 caiu 3,1%; o STOXX 600 (Europa) 3,3% e o Ibovespa 4%. As commodities também sofreram: o CRB caiu 1,7%, com o (petróleo) Brent e o cobre recuando 14% e o minério de ferro 9% (e despencando na segunda passada).

As bolsas e as commodities caíram por dois motivos principais. Primeiro, pois aumentou a aversão a ativos de risco, como bem capturado pela valorização de ativos considerados seguros, como os títulos públicos americanos, o ouro e o yen, a moeda do Japão.

Segundo, e mais importante, pela perspectiva de que a queda de confiança e as medidas de combate ao vírus derrubassem o crescimento econômico global. Milhares de voos foram cancelados na, de e para a China; restaurantes, cinemas, parques de diversão e shopping centers chineses ficaram vazios; e as receitas de outros países com turistas chineses despencaram. E países que têm a China como principal destino de suas exportações, como o Brasil e outros países sul-americanos, são naturalmente sensíveis ao que acontece por lá.

Obviamente, essa não é uma perspectiva positiva para o Brasil, que já vai ser negativamente impactado pelo acordo comercial entre China e EUA. Especialmente quando se considera que em 2019 nossas exportações já tinham caído e o movimento de câmbio contratado foi bem negativo, a ponto de o Banco Central decidir vender reservas, o que segurou a taxa de câmbio, que ainda assim se desvalorizou 4% frente ao dólar. Janeiro, de fato, teve outra vez um saldo líquido negativo no movimento de câmbio contratado e uma desvalorização de 5,9% do real.

Elizabeth Drew* - Democracia americana em risco

- Valor Econômico

Agora, restam dúvidas reais se a cláusula do impeachment, válvula de proteção contra os que abusam do poder, pode funcionar quando há um presidente forte e beligerante. A democracia americana está mais ameaçada do que nunca na história moderna

O fatídico conflito sobre a deposição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, do cargo revelou a alarmante fragilidade da Constituição na qual os americanos se apoiam há mais de 200 anos para manter seu sistema democrático. Nada desde a Guerra Civil americana representou um teste tão grande para sua viabilidade. E a lição amedrontadora é que um presidente determinado, que tenha forte controle sobre seu partido e despreze o Estado de direito, pode livrar-se dos freios e controles da Constituição.

Os idealizadores da Constituição dos EUA foram brilhantes, mas podiam imaginar o futuro apenas até certo ponto. Eles previram que alguém desonesto ou pior poderia ocupar a presidência e, embora tivessem antecipado “facções”, não queriam nem previram que haveria partidos políticos, muito menos que esses partidos seriam instrumentos do poder de um presidente. Na realidade, até Trump, os EUA nunca tiveram um presidente que exercesse um controle tão forte sobre seu partido. Agora que o país se depara com isso, as provisões para remover o presidente - por meio do impeachment na Câmara dos Deputados e da condenação por dois terços do Senado - foram neutralizadas.

Dois fatores explicam o controle de Trump sobre os membros republicanos do Congresso, muitos dos quais são mais inteligentes do que ele, não gostam dele e até o desprezam ou o consideram incapaz para o cargo: sua esperteza feroz e sua capacidade de amedrontar potenciais oponentes, seja soltando a coleira de sua base hipnotizada sobre republicanos dissidentes ou apoiando desafiantes desses dissidentes nas eleições primárias seguintes.

O primeiro dos dois artigos do processo de impeachment aberto em dezembro pela Câmara dos Deputados, controlada pelos democratas, era de abuso de poder. A Câmara acusou Trump de reter quase US$ 400 milhões em assistência militar à Ucrânia, aprovada pelo Congresso, até que o presidente eleito, Volodymyr Zelensky, anunciasse uma investigação sobre Joe Biden, que na época surgia como grande adversário de Trump para as eleições de novembro, e sobre o filho de Biden, Hunter, por supostos conflitos de interesse. A resistência total e sem precedentes de Trump a cooperar com os democratas na Câmara nas investigações do processo de impeachment, ao recusar-se a fornecer testemunhas ou documentos, resultaram em um segundo artigo para o impeachment, de obstrução ao Congresso.

Monica de Bolle* - A rasgada

- Revista Época

Escrevo este artigo influenciada pelo que tenho visto acontecer com mulheres que têm voz no Brasil

A foto já é icônica. Na frente, um Trump sisudo, tendo acabado de proferir no Congresso o último discurso sobre o estado da União do atual mandato — quiçá o último como presidente, caso não se reeleja. Atrás, o vice aprumado com ares de bom moço, sorridente e sem graça em igual medida. Ao lado dele, a líder da Câmara.

Trajando o branco das sufragistas, batom vermelho na expressão marota ou quase blasé, flagrada pela câmera em pleno ato de rasgar. Rasgar ao meio, rasgar cada papel e colocá-lo de lado numa pilha de farrapos. Nos farrapos, as palavras do presidente. Na rasgada, um ato repleto de símbolos. Na rasgada, a política em sua plenitude. Tão plena que suscitou, como todo ato político de envergadura e força, rechaços e elogios viscerais. O ódio se espalhou nas redes. A admiração, também.

A rasgada imortal de Nancy Pelosi é quebra de decoro. “Mas que absurdo!”, bradaram os defensores do decoro, e sobretudo os opositores de sua quebra por uma mulher. Mulher poderosa no sentido mais puro da palavra, mulher com voz no sentido mais literal — Pelosi é a “Speaker of the House”, aquela que fala por uma das instituições do Legislativo. No Twitter, subiram a hashtag #pettypelosi, mulher mesquinha essa Pelosi. Como ousa? Fiquei imaginando como seria chamada uma Pelosi no Brasil, com pegada de rasgada. Uma menina querendo agradar à mamãe na interpretação psicanalítica? Penso que não — Pelosi é avó. Uma idosa que mia e choraminga o tempo todo? Tampouco. Pelosi não abriu a boca.

Ela rasgou sem dó, sem dar importância ao que diriam homens e mulheres, mas principalmente os homens. Ela rasgou com a mais escancarada indiferença ao bom moço postado a seu lado e ao estridente astro de reality show, cabelo engomado, a sua frente. Tenham ou não gostado do filme, levou o Oscar. A noite se resumiu à rasgada e de tudo que foi dito o que sobrou foi tão simplesmente e tão completamente a rasgada.

Fernando Gabeira* - Um pouco além do coronavírus

- O Estado de S.Paulo

Um empurrão no saneamento pode ser o começo da adaptação aos novos tempos

O coronavírus ainda é dominante no noticiário internacional. Agora não apenas pelas mortes e transtornos, mas também pelo impacto econômico. Empresas brasileiras que exportam para a China, por exemplo, tiveram redução brutal no seu valor. É algo que pode ser recuperado adiante, mas de qualquer forma a inevitável queda do ritmo chinês tem consequências planetárias.

De modo geral, o mundo não está ainda preparado para uma pandemia. Quem afirma isso é Bill Gates, um homem muito rico que usa bem tempo e dinheiro para se informar. Gates mencionou a hipótese de uma pandemia com potencial de matar 30 milhões. Esses números são discutíveis. Mas ele previu que algo poderia surgir dos úmidos mercados chineses onde se vendem e comem os mais estranhos animais. O raciocínio de Gates aponta para um erro de análise. Enquanto se gastam trilhões em defesa e preparação para as guerras, deixa-se de lado algo que pode ser decisivo para evitar mortes em grande escala, incluído o investimento em vacinas.

Se menciono Bill Gates, é porque cheguei à conclusão de que suas ideias são muito inspiradoras para os políticos brasileiros. Ele foi capaz de focar no saneamento básico e compreender que esse tema envolve não só a vida de milhares de crianças, como também a saúde e a disposição dos povos. Em defesa dos políticos brasileiros é possível dizer que Gates, com sua fortuna imensa, pode focar num tema dessa natureza e até aumentar seu prestígio internacional, cooperando com governos, ONGs e todos os que de alguma forma se interessam pelo saneamento básico.

Governos têm de lidar com um espectro muito amplo de problemas. Isso não diminui o acerto de Gates ao definir prioridades. São duas coisas distintas: ampliar o saneamento no mundo e prepará-lo para enfrentar pandemias.

Eliane Cantanhêde - Bolsonarices

- O Estado de S.Paulo

O governo age bem no coronavírus, presidente ataca Meio Ambiente e diz bobagens

Num dia, o presidente Jair Bolsonaro irritou todos os governadores do País ao lançar o desafio de zerar os impostos sobre combustíveis. No dia seguinte, o mesmo presidente Jair Bolsonaro começou a driblar os governadores do Nordeste ao nomear para o Ministério do Desenvolvimento Regional o economista e ex-deputado Rogério Marinho, político e técnico.

Neto de Djalma Marinho, influente político da Arena e do PDS, partidos de apoio ao regime militar, Rogério Marinho reúne várias qualidades simultaneamente: respeito do presidente, ampla interlocução no Congresso, simpatia da mídia e confiança do mundo empresarial, depois de virar o principal negociador da reforma da Previdência.

Seu outro grande trunfo é ser do Rio Grande do Norte, num momento em que Bolsonaro quebra a cabeça para furar o bloqueio dos governadores da região – reduto do PT e seus aliados – e penetrar no grande e promissor eleitorado nordestino. De olho, claro, nas eleições municipais e, principalmente, nas presidenciais de 2020.

Enquanto abre alas no Nordeste, Bolsonaro lançou o tal desafio para todos os governadores: se eles zerarem o ICMS sobre combustíveis, o governo federal zera PIS, Cofins e Cide sobre o produto. Os governadores de São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Rio e Espírito Santo fizeram fila para reagir, mas quem resumiu tudo muito bem foi o paulista João Doria.

Rogério L. Furquim Werneck* - Na mão do Congresso

- O Estado de S.Paulo / O Globo

A escala de prioridades do presidente da Câmara não espelha as urgências do ministro da Economia

Foi dada a largada para a maratona de aprovações de medidas econômicas que, em meio a muitas dificuldades, o governo terá de extrair do Congresso nos próximos meses, antes da mobilização dos parlamentares com as eleições municipais.

A articulação do Planalto com o Congresso continua imprudentemente precária. Tendo o ministro Onyx Lorenzoni caído em irremediável desgraça, a interface do Palácio com o Legislativo ficou a cargo do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. E nem o general Luiz Eduardo Ramos, comandante militar do Leste até julho do ano passado, nem o major da PM do Distrito Federal Jorge Oliveira, alçado há poucos meses ao cargo graças à sua relação com a família Bolsonaro, parecem ter perfil adequado para dar conta da densa e complexa agenda de articulação com o Congresso que se vislumbra em 2020.

O presidente continua convicto de que não precisa de uma base parlamentar confiável. Desde que o País passou a ter eleições presidenciais diretas, há três décadas, nunca houve tanta desconexão entre a participação dos partidos no Ministério e o tamanho de suas bancadas na Câmara (Estado, 2/2).

Neste quadro, as apostas no avanço da agenda do governo no Congresso baseiam-se, hoje, na esperança de que as deficiências da interface do Planalto com o Poder Legislativo possam ser supridas por uma articulação direta do Ministério da Economia com o Congresso, fundada nas boas relações do ministro Paulo Guedes com os presidentes da Câmara e do Senado.

Adriana Fernandes - Guerra de Bolsonaro com governadores é populismo tributário

- O Estado de S.Paulo

Presidente responde à pressão de seguidores nas redes sociais prometendo zerar tributos federais sobre combustíveis se Estados fizerem o mesmo com o ICMS

O presidente Jair Bolsonaro avançou em caminho perigoso ao prometer zerar os tributos federais cobrados sobre os combustíveis, caso os Estados façam o mesmo com o ICMS.

O movimento do presidente responde à pressão dos seus seguidores nas redes sociais que se queixam do preço dos combustíveis. É difícil imaginar de onde o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai cortar as despesas ou aumentar a alíquota de outros tributos para compensar a perda de arrecadação se tiver que abrir mão dos impostos sobre diesel e gasolina.

O desafio de Bolsonaro também é uma estratégia política de desgastar os governadores que não são aliados em ano de eleições municipais. A mira é extensa, mas foca os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio, Wilson Witzel (PSC).

Dois dias antes, 23 governadores assinarem uma carta em protesto à proposta do presidente de encaminhar um projeto ao Congresso para alterar a forma de cobrança do ICMS que incide sobre a gasolina e o diesel.

Esse tributo é de responsabilidade exclusiva dos Estados. O que irritou os governadores, que cobraram do governo a redução os seus tributos. Os tributos federais (PIS/Cofins e Cide) têm impacto de cerca de 15% no preço final do combustível ao consumidor e garantiram uma arrecadação de R$ 27,4 bilhões em 2019.

O presidente estica a corda com os governadores, mas o custo desse embate – seja ele financeiro ou político - cairá diretamente no colo do ministro da Economia. Em ano de reforma tributária, a guerra do presidente com os Estados é péssimo caminho.

O que a mídia pensa – Editoriais

Radicalização enfraquece a democracia americana – Editorial | Valor Econômico

A negação do impedimento deu a Trump um perdão antecipado para novas burlas à Constituição

O presidente Donald Trump livrou-se do processo de impeachment com o apoio fiel do Partido Republicano, que detém maioria no Senado, que o julgava. Como o afastamento do homem mais poderoso do mundo é acima de tudo um julgamento político, Trump escapou deste destino com facilidade - e é isso que afeta perigosamente os pilares do sistema democrático americano.

Quando Trump venceu as eleições em 2016 no colégio eleitoral (perdeu por mais de 3 milhões de votos para a democrata Hillary Clinton nas urnas), com um discurso populista e belicoso, surgiu a dúvida se o sistema de pesos e contrapesos da democracia americana suportaria previsíveis e enormes pressões contrárias. A Câmara dos Deputados, sob maioria democrata, impediu desmandos de Trump e a Suprema Corte alguns outros - como o infame muro na fronteira mexicana e a proibição do ingresso nos EUA de cidadãos de uma lista de países muçulmanos. Mas a negação do impedimento, dadas as circunstâncias do processo e os fatos apresentados, deram a Trump um perdão antecipado para novas burlas à Constituição.

O tradicional e longevo mecanismo para retirar um escroque da Presidência falhou diante da radicalização dos dois partidos no Congresso. Os republicanos já vinham em uma escalada direitista, ao estabelecerem oposição uniforme e sistemática a todos os projetos do governo democrata de Barack Obama em seus dois mandatos. A ala mais conservadora deu o tom das teses da legenda, com o Tea Party à frente da catequização. Criou-se espaço para um bufão ambicioso e sem escrúpulos, como Donald Trump.

Música | Estácio de Sá 2020

Poesia | Manuel Bandeira - Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada