sábado, 8 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Dora Kramer*

Sem oposição organizada, Bolsonaro segue alheio a defeitos de sua gestão

Se oposição houvesse, organizada e produtiva, seria agora seu momento de brilhar. Como não há e os possíveis pretendentes à sucessão presidencial estão ocupados exclusivamente com as respectivas estratégias eleitorais, falta quem diga com todos os efes e erres que o barco do governo está fazendo água no tocante à administração do país.

*Dora Kramer, Jornalista. “Barcos a vagar”, Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

Merval Pereira - O guarda da esquina

- O Globo

As palavras do líder são levadas a sério pelos liderados mais afoitos ou com menos bom senso

O caso é conhecido e já entrou para a história política brasileira. Em 13 de dezembro de 1968, o governo Costa e Silva decretou o Ato Institucional 5, e na reunião ministerial, o único voto contrário foi do vice-presidente Pedro Aleixo, que alegou, premonitoriamente: “o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.

A censura a livros em Rondônia é o típico caso de o guarda da esquina sentir-se autorizado a cometer abusos de autoridade, não mais pelo AI-5, revogado ainda na ditadura militar com Geisel, mas pelo exemplo do ministro da Educação e do próprio presidente Jair Bolsonaro.

Não se pode dizer que há uma ordem direta deles para que atitudes desse tipo sejam tomadas, mas palavras do líder são levadas a sério pelos liderados mais afoitos ou com menos bom senso.

A mesma coisa aconteceu com o meio-ambiente. O ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas (INPE) Ricardo Galvão, em pleno debate sobre o aumento do desmatamento na Amazônia, disse que não tinha dúvidas de que foi a leniência do governo Bolsonaro com o desmatamento que fez com que ele crescesse no primeiro ano de governo. As críticas de Bolsonaro às ONGs que defendem a Amazônia também teriam dado respaldo aos grileiros que atuam na região.

Ascânio Seleme - Coronavírus no Planalto

- O Globo

Cresce o número de pessoas que querem distância de Bolsonaro

Jair Bolsonaro pode até agradar e ser paparicado por aquela parcela de eleitores que o apoia até mesmo quando ele ataca homossexuais e enaltece torturadores. Mas cresce de modo contínuo uma outra parte que prefere dele não se aproximar. Primeiro foram os policiais que, irritados com a reforma da Previdência, o chamaram de traidor. Depois, a turma do agronegócio começou a se afastar para não ser contaminada pela pauta contra-ambiental do presidente. Inúmeros parlamentares e governadores, que foram eleitos na sua onda, hoje não querem aparecer ao seu lado em razão de seu estado de permanente beligerância.

Na semana passada, Bolsonaro recebeu no Planalto alguns músicos sertanejos, e sua assessoria divulgou uma lista acrescida de 22 nomes que não estiveram presentes. Foi uma gritaria. Justamente os mais importantes, como Bruno e Marrone e César Menotti e Fabiano, mandaram avisar que não foram ao beija-mão. Muitos não estão mais dispostos a associar suas imagens à errática política cultural do presidente. Pode parecer bobagem, mas não é. Os sertanejos se associaram a Bolsonaro desde cedo, ainda na campanha, em razão de sua raiz no interior do país e pela proximidade com o agronegócio.

Mesmo entre os músicos dos grandes centros sem viés ideológico há um contingente de profissionais cada vez incomodado com o governo que se lixa para a cadeia produtiva da música. São milhares de pessoas que vivem, alimentam suas famílias, colocam seus filhos nas escolas, pagam impostos, contribuem com a Previdência e que têm suas pautas ignoradas pelo governo. Um grupo do Rio fracassou quando tentou organizar uma comitiva para ir a Bolsonaro fazer lobby contra a Medida Provisória que isenta hotéis de recolher direitos autorais em seus quartos.

Ancestralmente próximos do capitão, os garimpeiros também ameaçam pular fora. Dizem que estão sendo perseguidos pelo governo que lhes prometeu apoio. Nem o projeto que autoriza mineração e geração de energia em terra indígena os anima. Segundo líderes garimpeiros, em algumas reservas a mineração se dá em acordo com líderes tribais há quase meio século. O projeto apresentado na terça-feira, segundo eles, vai ser bombardeado e pode atrapalhar os garimpos que hoje funcionam com o aval e a participação de comunidades indígenas.

Os garimpeiros dizem que os índios mundurucus, do Amazonas, convivem com eles há quatro décadas e participam da mineração com dragas próprias. As maiores reservas de diamante no Brasil ficam nas terras dos índios cinta largas, entre Rondônia e Mato Grosso, que as exploram. Os caiapós-xicrins, de Tocantins, estão no garimpo há 30 anos e têm aviões e maquinário próprio, além de gado e área de pastagem. Eles citam também garimpos tucanos, na fronteira com Colômbia e Venezuela, e macuxis, da reserva Raposa Serra do Sol. O que eles queriam era a regularização dessas reservas, mas a fiscalização do governo ignora os entendimentos e parte para cima deles “com virulência”, reclamam os garimpeiros.

A proposta de Bolsonaro incomoda os três lados da questão. Irrita ambientalistas, que enxergam no projeto carta branca para a degradação das reservas; aos índios, que perdem a autonomia sobre seu território; e aos garimpeiros, que temem que a chancela de Bolsonaro crie mais dificuldades do que resultados positivos. Na apresentação do projeto, Bolsonaro reconheceu que o texto vai ser objeto de ataques de ambientalistas. E disse: “Se puder, confino os ambientalistas na Amazônia”. Dá para entender por que tanta gente quer distância.

Míriam Leitão - As palavras e a falta delas

- O Globo

Este é um governo que tropeça nas próprias palavras, deixa de falar o que é essencial e confunde os adversários

O ministro Paulo Guedes passou a semana em silêncio diante do presidente Bolsonaro exibindo a sua irresponsabilidade fiscal. Bolsonaro prometeu abrir mão de R$ 27 bilhões de impostos em favor dos donos de veículos caso os estados façam o mesmo. Guedes não contraria o chefe nem quando ele ataca frontalmente seu projeto de equilíbrio fiscal e de fim de subsídios. Na manhã de ontem foi de uma extrema loquacidade sobre quase tudo. No caso da reforma administrativa, ele chamou os servidores de “parasitas”. De tarde, em nota, disse que sua fala fora tirada do contexto.

A reforma administrativa é parte do esforço de ajustar as contas do país, mas ainda não se conhece o projeto do governo federal, apesar da insistência com que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a defende. No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite acaba de aprovar, sem alarde e sem ofensas, a reforma gaúcha. Ela muda o plano do magistério que estava em vigor há 45 anos. E fez isso, porque, como explicou ontem em entrevista à CBN, só após ajustar as contas é possível reduzir impostos.

Bolsonaro falou abertamente que pode abrir mão de todos os impostos sobre combustíveis. Não chamou qualquer governador para conversar sobre o assunto, mas fez desafio público de que eles zerassem o ICMS. Se os governadores fizessem isso estariam incorrendo em crime pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O ministro Paulo Guedes permaneceu em silêncio diante dessa proposta que do ponto de vista fiscal seria acender fósforo em tanque de gasolina.

Hélio Schwartsman - Missão impossível

- Folha de S. Paulo

Salta aos olhos a obsessão do protocensor de Rondônia com Rubem Fonseca

"Conteúdos inadequados às crianças e adolescentes" é uma frase impossível. Não há como um burocrata lotado num gabinete na capital saber de antemão o que indivíduos que ele nem sequer conhece estão aptos a compreender. Conheço jovens cuja capacidade cognitiva supera a de autoridades, eleitas, nomeadas e até concursadas. E não me venham falar em entendimento médio. Na média, a humanidade tem um testículo e uma mama.

Só isso já deveria bastar para afastar definitivamente qualquer pretensão do poder público de decidir a quais obras, espetáculos e outras manifestações culturais menores de 18 anos podem ter acesso. O máximo que o Estado pode fazer é exigir, no caso de exibições públicas, que tragam uma breve descrição da natureza do conteúdo para que os pais possam decidir.

Não obstante tais truísmos, essa turma que chegou recentemente ao poder insiste em promover uma cruzada para livrar a juventude de uma imaginada influência perversa de autores perigosos. Na mais recente emanação desse delírio censório, autoridades educacionais de Rondônia tramaram para recolher das escolas 43 títulos de livros que julgaram "inadequados". Depois que a maquinação foi revelada, recuaram, não sem tentar mentir sobre o ocorrido.

Julianna Sofia - Um estranho no ninho

- Folha de S. Paulo

Novo ministro do Minha Casa Minha Vida taxou seguro-desemprego e endureceu regras de aposentadorias

Na gênese da demissão de Gustavo Canuto do comando do Ministério do Desenvolvimento Regional, diferenças irreconciliáveis. Técnico metódico, alheio ao tempo da política, o quinto ministro exonerado por Jair Bolsonaro não só falava dialeto diferente dos ocupantes do Congresso como divergia entre quatro paredes dos gabinetes ministeriais do ideário ultraliberal da equipe de Paulo Guedes (Economia).

Sua instabilidade no cargo começou ao sentar na cadeira. A pasta, que sucedeu o antigo Ministério das Cidades, é cobiçada historicamente pela classe política por seu volume de recursos e capilaridade. É lá que sempre se praticou o toma lá, dá cá das emendas parlamentares com verbas para cisternas, saneamento, habitação e transporte urbano.

Alvaro Costa e Silva - Água de beber, camará

- Folha de S. Paulo

O amigo do amigo do governador na crise hídrica do Rio

Acredite: ainda há botequins pés-sujos na zona sul. Com televisão pregada no alto, para o futebol. Às vezes para as notícias, que na cidade hoje se resumem a um único assunto: água. Ou a das chuvas, cujas forças de destruição já espantavam o padre Anchieta em 1570, ou aquela outra, "água de beber, camará", de que fala a canção de Tom e Vinicius.

Nunca antes uma reportagem sobre uma agência reguladora —a Agenersa, que tem como uma de suas atribuições fiscalizar a Cedae— despertara tanto a atenção dos bebuns. Nela escancarava-se a total incapacidade de um engenheiro indicado pelo governador Wilson Witzel para ser conselheiro da agência.

Ao participar de audiência na Alerj, Bernardo Sarreta deixou claro que não tem ideia alguma de como funciona a regulação do setor. Jamais havia visitado a estação de tratamento do rio Guandu, que desde o início de janeiro distribui água com cheiro forte, gosto de terra e aspecto barrento (a venda da mineral já aumentou 150%). Em mais um desdobramento da crise hídrica que atinge nove milhões de pessoas, o fornecimento foi cortado durante 15 horas pela presença de detergente na área de captação.

Demétrio Magnoli* - Leprosos

- Folha de S. Paulo

Banimento de chineses não deriva do saber científico, funciona como 'normalização' da xenofobia

A China isolou uma dúzia de metrópoles, 30 ou 40 milhões de habitantes, da província de Hubei. As “medidas extraordinárias diante de um desafio extraordinário”, na descrição elogiosa da Organização Mundial da Saúde (OMS), seriam política e legalmente impossíveis em nações democráticas.

Os EUA proibiram a entrada de estrangeiros que passaram recentemente pela China —e receberam (justas) críticas do regime chinês e da OMS.

Um vírus novo, misterioso, ameaçador entrou na circulação sanguínea de uma tirania totalitária e de um governo xenófobo. A pandemia do arbítrio representa ameaça maior que o agente biológico da doença.

Conceitualmente, o gesto americano não se distingue da “medida extraordinária” chinesa. Se Xi Jinping colocou em quarentena uma província inteira, por que Donald Trump não teria razão ao impor quarentena a um país inteiro? A OMS, que cumpre funções úteis, é um órgão político. Sua glorificação do confinamento compulsório em massa reflete o objetivo de, finalmente, ser admitida como parceira do regime chinês.

Até o momento, o coronavírus provocou menos de mil óbitos, quase todos na China. Segundo estimativas do Centro de Controle de Doenças dos EUA, 8.400 americanos morreram de influenza sazonal só na metade inicial deste inverno. A taxa de letalidade da epidemia de Sars (2002-2003) foi de 9,6%.

Adriana Fernandes* - É fake

- O Estado de S.Paulo

Governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões; em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

A noção de contas equilibrada foi atualizada pelo governo Jair Bolsonaro. Na publicidade de 400 dias da atual gestão, divulgada nas redes sociais, a mensagem transmitida foi a seguinte: “contas equilibradas, inflação controlada e mais poder de compra para os trabalhadores impactam positivamente na economia”.

Nada mais fake news. O governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões. São “bilhões” e não “milhões”.

Em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

O ano de 2019 marcou o sexto ano de déficit consecutivo de contas do governo federal. Não são rombos pequenos. Ele caiu, é verdade. Mas é alto e tem impedido o governo de avançar em investimentos – que estão em patamares ridículos há anos.

Entrevista / André Lara Resende - As armadilhas do dogmatismo

André Lara Resende reúne, em livro, ensaios que criticam a visão dominante da teoria econômica: "Estávamos errados"

Por Diego Viana e Robinson Borges | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - Desde 2017, os artigos do economista André Lara Resende publicados no Valor têm sido alvo de controvérsias. Suas críticas à política de juros e à teoria macroeconômica que embasam decisões e análises no Brasil geram reações em outros economistas, provocando debates duradouros. Suas opiniões sobre a natureza da moeda e o peso da dívida pública vão na contramão das teorias mais tradicionais.

Em “Consenso e Contrassenso: Por uma Economia Não Dogmática”, livro lançado hoje pela Portfolio-Penguin, o economista retoma os artigos publicados no ano passado e vai além. Relembra a própria trajetória como pesquisador e investidor, sua participação na elaboração dos planos Cruzado e Real e na negociação da dívida externa. O título do livro é extraído do primeiro artigo publicado no ano passado, que tratava das transformações na macroeconomia desde a crise de 2008. Com seu subtítulo, “Déficit, Dívida e Previdência”, o ensaio anunciava que as relações entre o endividamento público e a evolução do déficit fiscal não ocorrem do modo como se costumava pensar.

Coautor dos artigos que introduziram a noção de inflação inercial e contribuíram para formular o Plano Real, o economista é crítico da política de juros implementada no país desde 1994. A Selic alta não contribuiu para segurar a inflação e ainda teve impacto na dívida pública e no baixo crescimento. Assim, a recente redução dos juros pelo Banco Central é vista como uma correção de rumos, embora tardia.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Lara Resende ao Valor:

Valor: No ano passado, seus artigos geraram uma cascata de respostas e réplicas. Como o senhor avalia o debate suscitado, em termos de qualidade e pertinência?

André Lara Resende: Interpreto isso como sinal de que tocaram num ponto nevrálgico. Como digo na introdução de meu novo livro, depois de dois anos de profunda recessão, 2015 e 2016, a economia brasileira continua estagnada. Enquanto a renda da China é hoje 18 vezes o que era há 40 anos, a brasileira não chega ao dobro do que era em 1979. A distância entre o Brasil e os países avançados não se reduziu. Pelo contrário, aumentou. Não foi possível superar o fosso que separa o Brasil rico e moderno do Brasil onde impera a miséria e a desesperança. Sem inflação e sem dívida externa, o país está paralisado, preso a uma armadilha ideológica imposta pelos cânones de uma teoria macroeconômica anacrônica.

Valor: Um dos pontos controversos de seus ensaios é a afirmação de que a restrição financeira do Estado é política e não econômica. Qual é o peso político-ideológico nessa questão?

Lara Resende: A questão de que um Estado emissor de moeda fiduciária não tem restrição financeira é de lógica. E não é novidade. Está em [John Maynard] Keynes. Enquanto a moeda era lastreada, metálica, obrigava o Estado a ter certa restrição. E toda vez que o Estado precisava, por questões de força maior - quase sempre em caso de guerra ou depois no caso de crises bancárias -, modificava a quantidade de lastro da moeda para emitir mais. Nos últimos anos, especialmente após a crise de 2008, houve uma obsessão com a ideia do equilíbrio orçamentário. Mas sempre foi política. Nos EUA, por exemplo, por anos o Partido Republicano foi obcecado com o desequilíbrio do orçamento fiscal. Enquanto o Partido Democrata foi mais tolerante. O que é impressionante é o dogmatismo com que a passou a ser defendida.

Valor: Como o senhor analisa essa questão?

Lara Resende: Como menciono num dos artigos do livro, chegou-se a afirmar a ideia de austeridade expansionista, o que é uma contradição em termos. Ao contrair o gasto fiscal, você faria a economia se expandir. Depois da irresponsabilidade com que os gastos fiscais foram feitos na gestão do PT, especialmente no [governo] Dilma e no segundo mandato do Lula, houve uma espécie de estresse pós-traumático. Qualquer coisa que se fale sobre aumentar gastos públicos é percebida como se fosse estapafúrdia. Na verdade, ter certa disciplina fiscal é sempre desejável. Em todos meus artigos sempre digo isso. Existe uma restrição efetiva, que é a capacidade instalada da economia e do emprego. Se começar a pressionar os limites, começa a pôr pressão, [provoca] desequilíbrio externo. Cria redução de superávit no balanço de pagamentos, balança comercial e, eventualmente, começa a ter pressões inflacionárias. Existem restrições? Existem, mas não é uma questão financeira, sempre e a qualquer custo, do equilíbrio fiscal e financeiro.

Marcus Pestana - Para além dos fundamentos econômicos

A grande angústia nacional continua sendo a baixo ritmo do crescimento econômico e suas repercussões no nível de emprego e renda da população. Ainda são mais de 12 milhões de desempregados, é grande o número de postos de trabalho informal e um terço dos trabalhadores recebe apenas um salário mínimo. As projeções para o crescimento em 2020 situam-se na faixa de 2,0 a 2,5%. O Brasil precisaria e pode crescer de forma sustentada a taxas superiores a 4% ao ano.

Sempre associamos crescimento econômico aos fundamentos econômicos. A situação no câmbio é confortável. Temos volumosas reservas, o câmbio flutuante garante o equilíbrio, com intervenções pontuais do Banco Central, o Balanço de Pagamentos tem o déficit em transações correntes compensado pela entrada de capitais externos e pelo resultado da balança comercial.

No plano da estabilidade da moeda e da taxa de juros há bons sinais. O Plano Real se mostrou resiliente diante dos múltiplos desafios desde 1994 e a inflação continua sobre controle. As taxas básicas de juros são as menores da história da SELIC, embora na ponta precisássemos dinamizar a competição para azeitar o crédito a custos compatíveis. Mas o mercado de capitais e as operações de captação de empresas brasileiras sinalizam uma mudança estrutural no financiamento do desenvolvimento.

Celebridades nacionais e internacionais assinam manifesto anti-censura do governo Bolsonaro

O documento também critica o uso do canal oficial do governo para se opor ao documentário de Petra Costa indicado ao Oscar

- O Globo

Celebridades de todo mundo divulgaram nesta sexta-feira um documento que se opõe as ações de cerceamento relacionadas às áreas da cultura, educação e à imprensa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O manifesto, divulgado na íntegra pelo jornal "El País", conta com cerca de 1.900 assinaturas e convoca órgãos de Direitos Humanos e a imprensa internacional a manter um olhar atento ao que se passa no Brasil e a dizer não à "escalada autoritária".

Entre os principais nomes, estão os compositores brasileiros Caetano Veloso e Chico Buarque, o músico britânico Sting, o ator americano Willem Dafoe, o escritor português Valter Hugo Mãe e a autora brasileira Conceição Evaristo, além do linguista Noam Chomky, dos historiadores Lilia Schwarcz e Boris Fausto, do ex-deputado Jean Wyllys e do ex-jogador de futebol Juninho Pernambucano.

O documento relembra momentos que tiveram grande repercussão no primeiro ano de Bolsonaro na presidência, que vão desde o pedido do governo para que as crianças filmassem os professores em sala de aula até o discurso do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim citando o ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels.

"A partir de um programa moralista e ideológico fechado e compactuado, essa administração busca mudar o conteúdo dos livros escolares, dos filmes nacionais, restringir o acesso a bolsas de estudo e de pesquisa, intimidar o corpo docente, os jornalistas e os cientistas", diz a carta.

O manifesto ainda cita a nomeação de Petra Costa ao Oscar pelo documentário "Democracia em vertigem" e as críticas que o governo fez ao filme usando a conta oficial do Twitter da Secretaria de Comunicação. "Por outro lado, enquanto os longa-metragens 'Bacurau', 'A Vida Invisível" e 'Babenco' receberam reconhecimento internacional nos festivais de Cannes e de Veneza, respectivamente, Bolsonaro declarou que faz tempo que não se produz bons filmes no Brasil", lembra o documento. Os cineastas Petra Costa e Karim Aïnouz também estão entre os nomes que assinam a carta.

Confira o manifesto na íntegra:
As instituições democráticas brasileiras têm sofrido um verdadeiro ataque desde o começo da gestão de Jair Bolsonaro. Desde 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro assume o poder como presidente do Brasil, assistimos a uma escalada autoritária, refletida em uma sistemática tentativa de controle e cerceamento de várias instituições culturais, científicas e educacionais brasileiras e aos órgãos da imprensa.

Os exemplos são muitos.

Guedes diz que funcionalismo público é 'parasita' e está matando o 'hospedeiro'

Ministro defendeu reforma administrativa e reclamou de reajuste automático em salário de servidor, sendo aplaudido em palestra na FGV; associação de servidores estuda recorrer à Justiça contra o 'assédio institucional'

Denise Luna e Fernanda Nunes | O Estado de S.Paulo

RIO - O governo brasileiro está quebrado porque gasta 90% da sua receita com o funcionalismo, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, que classificou os funcionários públicos como "parasita". Para ele, é urgente a aprovação da reforma administrativa ainda este ano, para que o dinheiro deixe de ser carimbado e chegue onde realmente faz falta.

"O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo. O hospedeiro está morrendo. O cara (funcionário público) virou um parasita e o dinheiro não está chegando no povo", disse Guedes na manhã desta sexta-feira, 7, sendo muito aplaudido durante palestra no seminário Pacto Federativo, promovido pela Fundação Getulio Vargas.

Segundo ele, os funcionários públicos querem aumento automático enquanto "80% da população brasileira é a favor inclusive de demissão do funcionário publico, estão muito na frente da gente", completou.

Continuando a defesa da reforma administrativa, que ainda encontra resistência no Congresso Nacional, Guedes deu como exemplo os Estados Unidos, que ficam "quatro, cinco anos sem ajustar o salário do funcionalismo" e, quando concedem o aumento, têm reconhecimento público. "Aqui o cara é obrigado a dar e ainda leva xingamento", afirmou.

De acordo com Guedes, a reforma administrativa deve chegar ao Congresso na próxima semana e vai resolver o problema do dinheiro carimbado no Brasil.

'Assédio institucional'
O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, disse que o sindicato estuda recorrer à Justiça contra o "assédio institucional". "Empresa nenhuma vai bem se o dirigente agride constantemente seus empregados", afirmou.
"Somos 12 milhões de servidores públicos que servimos à população nas áreas que mais carecem. Não admitidos que alguém que ocupa temporariamente o cargo agrida um conjunto de trabalhadores", disse.

Distanciado do governo, Doria pede ‘tratamento republicano’

Rompido com Bolsonaro, tucano foi desautorizado por ministro sobre obra em SP

Silvia Amorim | O Globo

As palavras do presidente Jair Bolsonaro, que disse anteontem não querer ouvir falar no nome de João Doria (PSDB), deixaram explícito o rompimento político do Planalto com o governador de São Paulo. Não é somente com Bolsonaro, porém, que as relações do paulista esfriaram no governo federal. O tucano andou levando rasteiras recentemente até de ministros com quem ele mantinha proximidade. A última delas foi registrada na semana passada. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, desautorizou Doria em público sobre um projeto para a Baixada Santista, litoral paulista, que o tucano promete desde que tomou posse — a construção de uma ponte para interligar os municípios de Santos e Guarujá.

Em visita à região, o ministro disse no último dia 29 que o governo federal não concorda com o projeto, porque ele prejudicaria a futura expansão do Porto de Santos. O minstro defende a construção de um túnel no local. A manifestação de Tarcísio Freitas aconteceu dois dias depois de Doria ter visitado a região e reafirmado a promessa de construção da ponte. Em 2019, o governador levou a proposta ao governo Bolsonaro. A estrutura passaria pela região sob gestão do Porto de Santos e precisaria de autorização federal, o que, segundo o ministro, não virá. Uma solução definitiva para a circulação de veículos e moradores é uma reivindicação antiga dos dois municípios. A travessia é feita hoje por balsa e a espera pelo transporte pode chegar a quatro horas.

MPF vai investigar pedido para recolher livros de Machado de Assis e Nelson Rodrigues em Rondônia

Secretaria de Educação justificou que obras contêm 'conteúdo inadequado às crianças e adolescentes'; após repercussão negativa, governo voltou atrás

Leandro Prazeres | O Globo

BRASÍLIA - O Ministério Público Federal de Rondônia abriu uma investigação, nesta sexta-feira, para apurar a ordem da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) para recolher 43 livros das escolas públicas, entre eles obras de Nelson Rodrigues, Machado de Assis e Rubem Alves sob a alegação de que contêm "conteúdo inadequado às crianças e adolescentes". Após repercussão negativa, a secretaria voltou atrás.

Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Raphael Luis Pereira Bevilaqua, os atos administrativos devem ser "devidamente motivados". No despacho, ele diz que "a postura adotada (ou tentada) pela SEDUC fere, de morte, diversos princípios constitucionais, sendo, portanto, ilegal".

A lista de livros tem títulos como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis; "A vida como ela é" e "Beijo no asfalto", de Nelson Rodrigues; "Contos de terror, de mistério e de morte", de Edgar Allan Poe; "O castelo", de Franz Kafka; "Macunaíma", de Mario de Andrade, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, além de livros de Carlos Heitor Cony e 19 trabalhos de Rubem Fonseca.

“É um gesto deplorável”, diz Academia Brasileira de Letras sobre censura em Rondônia

- Redação | O Globo

A ordem para censurar e recolher livros de autores consagrados, determinada pela Secretaria de Educação de Rondônia (Seduc), foi durante criticada nesta sexta-feira (7) pela Academia Brasileira de Letras (ABL), que emitiu nota para condenar o que considerou como “gesto deplorável que desrespeita a Constituição Federal.

Governo não nega existência de lista de livros que seriam censurados em Rondônia
Segundo documentos divulgados em redes sociais, houve a determinação do secretário Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, para recolhimento imediato de várias obras, entre elas Memórias Póstumas de Brás Cubas, Macunaíma, Agosto e Os Sertões, que já foram exigidos no Enem e vestibulares. Após a divulgação, Suamy alegou que sua pasta recebeu denúncias, montou comissão de investigação e uma servidora antecipou-se às decisões, que não foram tomadas.

Veja a nota da ABL
A Academia Brasileira de Letras vem manifestar publicamente seu repúdio à censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão. A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura.

É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a ação consciente da cidadania e das autoridades constituídas.

O que a mídia pensa – Editoriais

Zelar pela retomada – Editorial | Folha de S. Paulo

Diante de sinais de fragilidade na economia, BC acerta em reduzir juros de novo

Apesar de resultados favoráveis ao final de 2019 e da perspectiva em geral positiva para este ano, permanecem sinais de fragilidade na economia. Em particular, a persistente letargia da indústria e das exportações sugere que a esperada aceleração do crescimento ainda se encontra sujeita a percalços.

A produção industrial encolheu 1,1% em 2019, interrompendo a tímida trajetória de expansão dos dois anos anteriores. A tragédia de Brumadinho contribuiu para tanto ao derrubar o setor extrativo em 10%, mas o resultado geral é ruim mesmo descontando tal efeito.

Setores fundamentais como metalurgia, automóveis e máquinas estão estagnados ou em queda.

Há uma coletânea de fatores que podem explicar o fenômeno, alguns de curto prazo e outros de natureza estrutural. A profunda recessão argentina, por exemplo, subtraiu 35% das exportações brasileiras para o pais vizinho, concentradas em manufaturados.

Entretanto o problema parece mais profundo. Em outras retomadas, a indústria sempre reagiu. Em que pese a baixa competitividade, a desvalorização cambial dos últimos anos deveria ter aberto algum espaço para a produção crescer, ao menos substituindo importações. Nem isso está ocorrendo.

Música | Batutas de S. José - Evocação nº 2 (Nelson Ferreira)

Poesia | Carlos Pena Filho - Chopp

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.

Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,