segunda-feira, 14 de julho de 2008

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


É FÁCIL ACUSAR OS ESPECULADORES
Carlos Alberto Sardenberg


O presidente Lula não foi o primeiro a culpar os especuladores financeiros internacionais pela alta do preço do petróleo.

Antes dele, e para citar apenas os mais recentes, fizeram a mesma acusação: o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o direitista italiano Silvio Berlusconi e os governos da Áustria e da Espanha (este socialista). Há tempos os xeques da Arábia Saudita, a maior produtora e exportadora mundial de petróleo, repetem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) não tem nada que ver com a escalada de preços. Só no Congresso dos EUA há mais de dez projetos que tratam desse assunto (limites à especulação financeira), também na pauta da União Européia.

A denúncia, pois, cabe em muitos figurinos políticos, à direita e à esquerda. É que se trata de um tipo de populismo: os especuladores internacionais são “suspeitos habituais”. Atacá-los talvez não dê votos, mas dá uma imagem de luta contra os poderosos.

É acusação sem custo, mas também sem efeitos. O problema é que a acusação serve para deixar de lado questões essenciais sobre as quais os governos poderiam intervir. Por exemplo: governos que subsidiam a gasolina para impedir a alta de um preço politicamente relevante, simplesmente estimulam ainda mais o consumo de um bem escasso e caro. Ou seja, dão um sinal errado.

O governo brasileiro subsidia a gasolina, assim como muitos outros.

O fato é que nenhuma especulação poderia prosperar se houvesse sobra de petróleo no mundo.


Muitos concordam que há um tanto de especulação no preço de US$ 147 o barril. Quando os preços sobem e caem, sucessivamente, em poucos dias, é óbvio que não se trata de fundamentos do mercado físico, mas de instabilidade no mercado financeiro. E de muita insegurança dos investidores. Relatórios de fundos de investimentos projetam preços do petróleo acima dos US$ 150 no curto prazo, mas em torno dos US$ 75 no médio prazo.


De todo modo, por trás de tudo há um preço elevado por causa do aumento do consumo em ritmo não acompanhado pelo aumento da produção. Um exemplo: o segundo maior produtor e exportador é a Rússia, cuja produção caiu no primeiro semestre deste ano. Outro: a China, em poucos anos, passou de exportadora à segunda maior importadora de petróleo, atrás apenas dos EUA.

Como ficamos? Há muita gente prospectando petróleo mundo afora. Não é apenas o Brasil que faz descobertas no mar profundo. Isso também ocorre nas costas do México e dos EUA, para ficar aqui por perto. Esses preços animam os produtores e viabilizam a exploração de áreas de custo elevado. Nos anos 80, o preço do óleo despencou depois do pico de 1979.

Vai aparecer mais petróleo, mas demora. A Petrobrás, por exemplo, espera começar a tirar petróleo dos novos campos, em volumes comerciais, lá pelos anos 2015/2016. Nessa ocasião, é possível que a companhia coloque no mercado internacional mais de 1 milhão de barris ao dia. E, se for assim, a perspectiva é boa, mas demora para melhorar.

Entre o céu e o inferno - Alguns analistas sustentam que os preços altíssimos de petróleo e commodities formam uma bolha, que envolveu também produtos paralelos, como aço, este subindo na onda do minério de ferro. Essa bolha estaria prestes a furar, de modo que as cotações estariam à beira de uma queda vertiginosa e instantânea.


Se você pensa como investidor na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, isso significa que as ações da Petrobrás e da Vale (e mais as das siderúrgicas) vão desabar e levar junto o Ibovespa. Logo, quem acredita nisso deve vender aquelas ações. Mas, se os preços vão permanecer elevados por um bom tempo, puxados pelo consumo, o certo é comprar as ações.


Entre o céu e o inferno, o que parece mais razoável?

O seguinte: não é uma bolha, ou, mais exatamente, não é só uma bolha nem essencialmente uma bolha. O mundo desacelera, mas não quebra. Os preços de hoje estão “puxados”, mas, provavelmente, não vão desabar. Haja esperança!

Informação privilegiada e informação de mercado - Sobre a suspeita ou os indícios de que Naji Nahas teria informação privilegiada a respeito das decisões do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA: relatório da Polícia Federal e do juiz cita conversa telefônica de Nahas com uma pessoa que estava em Nova York e diz que o Fed ia reduzir a taxa básica de juros em até 0,5 ponto porcentual, isso teria ocorrido pouco antes de 18 de setembro de 2007; nessa data, o Fed se reuniu e, de fato, reduziu a taxa de 5,25% para 4,75%;tratava-se, porém, de uma reunião regular do Fed, conforme o calendário divulgado um ano antes; nos dias anteriores à reunião, formou-se no mercado o consenso de que o Fed certamente reduziria os juros; não havia consenso exato sobre o tamanho da redução, mas se discutia abertamente entre a queda de 0,5 ponto ou 0,25 ponto porcentual;pode-se dizer que a maioria dos analistas e operadores apostava numa queda de 0,25;mas mesmo esses não descartavam a hipótese de uma redução de 0,5 ponto e muitos analistas de prestígio afirmavam que essa seria a decisão mais correta; portanto, nos meios econômicos globais, todo mundo acreditava que o Fed ia reduzir os juros em até 0,5 ponto; informação privilegiada mesmo seria sobre a reunião anterior do Fed, a de 17 de agosto de 2007, uma sexta-feira; não estava no calendário, foi convocada na véspera, os diretores do Fed se reuniram em teleconferência e decidiram por uma redução de 0,5 ponto porcentual na taxa de empréstimo aos bancos; ainda assim a surpresa foi o dia, pois muitos analistas sustentavam que o Fed precisava reduzir os juros rapidamente para combater a crise financeira, que, então, estava mostrando sua cara.


*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MOCINHOS E BANDIDOS
Fernando de Barros e Silva


SÃO PAULO - As operações da Polícia Federal ganharam corpo no governo Lula e logo se tornaram encenações midiáticas de justiçamento, uma espécie de teatro instantâneo para a TV cujo clímax reside na imagem da pessoa poderosa algemada e presa por algumas horas.

Esse ritual de humilhação e execração pública -pelo qual o acusado fica exposto como se lhe gravassem com ferro em brasa na testa LADRÃO!- tem sido a verdadeira condenação das vítimas endinheiradas da PF. Na Justiça e ao cabo, todos sabem que vão se safar.

A PF parece ter descoberto a fórmula mágica capaz de saciar o apetite das massas, fazendo do espetáculo das prisões uma compensação para a quase certeza da impunidade no final. E dá-lhe grampo! -como nunca antes neste país.

O delegado Protógenes Queiroz trouxe agora uma novidade à cultura policial da era Lula. As 245 páginas de seu inquérito são produto de uma cabeça messiânica em estado de êxtase. Além de grampear o idioma, o homem da lei se atribui a missão de salvar o país e combater obstinadamente os males do capitalismo. Protógenes é uma mistura de Eliot Ness com Sassá Mutema.

Esse contrabando místico-ideológico que contamina o inquérito serve, na prática, para justificar barbaridades, como o pedido de prisão da jornalista Andréa Michael. Lendo a peça do delegado entende-se por que sua equipe invadiu o consultório de um dentista acreditando prender um doleiro.

A inépcia, os atropelos e a megalomania da PF beneficiarão os culpados, a começar pelo "bad boy" das privatizações, o neomeliante que espelha a face delinqüente do moderno capitalismo brasileiro inaugurado com Fernando Collor.

Daniel Dantas é um vilão de novela, uma raposa de desenho animado. Todo mundo sabe que ele é o que é. Que "gênio do mal" é esse, tão transparente, tão trapalhão, sempre aprontando e sempre em apuros? Protógenes corre o risco de tê-lo transformado numa vítima de sua ambição insana de livrar o mundo de todos os seus pecados.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RESPONSABILIDADE PELO AMBIENTE
Luiz Carlos Bresser-Pereira

OS GRANDES países do mundo estão avançando muito lentamente na definição de metas de redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Na última semana, reuniram-se o G8, formado pelos países mais ricos, o G5, formado pelos principais países em desenvolvimento, e o MEM (Major Economies Meeting), que reúne os 13 países do G8 e do G5 mais a Indonésia, a Austrália e a Coréia do Sul. Os resultados foram modestos.O G8 emitiu comunicado sobre "compartilhar" com todos os países a meta de reduzir pelo menos em 50%, até 2050, as emissões dos gases que causam o aquecimento global.

Entretanto, como a meta não é vinculante, isso significa uma reafirmação da tese dos países ricos e principalmente dos Estados Unidos de que seu comprometimento no esforço para controlar o aquecimento global depende da participação dos grandes países em desenvolvimento. Foi um pequeno avanço, já que até recentemente o presidente Bush se recusava a qualquer compromisso.

Entre os países em desenvolvimento, o avanço foi a China e a Índia, afinal, manifestarem disposição de colaborar, mas o G5 voltou a afirmar que a responsabilidade fundamental pelo aquecimento global é dos países ricos, que, desde o início do século 19, acumularam poluição atmosférica, para daí concluir que não deve ficar sujeito a metas. Para os cinco países, "não se deve responsabilizar os países em desenvolvimento pelo que é clara responsabilidade dos países desenvolvidos".

Foi essa a tese inovadora do Brasil nas discussões sobre o Protocolo de Kyoto, em 1997. E foi a tese que então prevaleceu, já que os países em desenvolvimento ficaram sem metas naquele tratado. Faz sentido, entretanto, continuar a defender a mesma tese 11 anos depois da sua aprovação? Não creio que faça. Naquela época, o problema do aquecimento global não estava tão claro; não estava tão comprovado cientificamente quanto está hoje; e não estava na agenda política global com o mesmo relevo que tem hoje. Por outro lado, também não estava claro naquele momento que um grande número de países em desenvolvimento, capitaneados por dois imensos -a China e a Índia-, já estavam crescendo a taxas superiores às dos países ricos e estavam se tornando cada vez mais co-responsáveis pelo aquecimento global.

No nosso caso, não sabíamos que o Brasil, por meio da progressiva e criminosa destruição da mata amazônica, estava se transformando também em um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global. Era razoável, portanto, que usássemos o argumento histórico para não partilhar metas e responsabilidades. Hoje, isso não faz mais sentido. É legítimo afirmar que nossas metas sejam mais modestas que a dos países ricos, mas isso é tudo o que podemos, legitimamente, defender.

Se o Brasil aceitar metas, haverá uma repercussão na sua taxa de crescimento, mas pequena. Exageram-se os custos da proteção ao ambiente e subestimam-se os benefícios. Muito mais grave é a danosa política de juros e de câmbio que o Brasil vem adotando desde 1991 com o apoio entusiástico de nossos concorrentes do Norte. É essa política econômica -e não a defesa do ambiente- que impede nosso desenvolvimento econômico e, portanto, a melhoria sustentada dos padrões de vida dos brasileiros.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

DEU NO VALOR ECONÔMICO


ESTRANGEIROS, POBRES E VALORES
Fábio Wanderley Reis


A União Européia vem de produzir duas notícias de importância. A primeira é o referendo realizado na Irlanda no dia 12 de junho, em que o país se negou a ratificar o Tratado de Lisboa, o que resulta em impedir que ele tenha efeito. A segunda é a aprovação no dia 7 de julho, em Cannes, do esboço do Pacto Europeu de Asilo e Imigração, que endurece a postura dos países do bloco perante os imigrantes e transforma em crime a imigração ilegal (apesar de terem sido suavizados certas propostas iniciais do governo francês tornando obrigatórios o aprendizado do idioma local e a adoção de "valores europeus"). Embora se trate de assuntos diversos, há conexões relevantes.

É claro que a segunda notícia tem ressonâncias muito mais dramáticas para nós, latino-americanos, dado que nossos viajantes, mesmo com os papéis em ordem, já vêm sendo com frequência recebidos como criminosos em aeroportos europeus diante da simples presunção, pelas autoridades responsáveis, de que se trata de imigrantes. Mesmo pobres, porém, os latino-americanos provêm, quando nada, de países amplamente constituídos pelo colonialismo europeu e portadores, portanto, em medida importante, de sua cultura (não obstante o empenho de certas análises em separar uma peculiar "civilização latino-americana" do "Ocidente" - análises que às vezes se mostram ambíguas quanto ao caráter "ocidental" até de Espanha e Portugal...). Mas a feição dramática dos problemas postos pela imigração se reforça pelo fato de que em muitos casos, com ligações coloniais prévias ou não, trata-se de imigrantes provenientes de culturas não só claramente diferentes das dos países receptores, mas que chegam até a hostilizá-las - e a serem percebidas como hostis pelas populações hospedeiras, o que favorece e intensifica os preconceitos e suspeitas.

As torturadas reflexões a respeito se ilustram com um pequeno volume de Giovanni Sartori, "A Sociedade Multiétnica", publicado em 2001. Sartori, postado firmemente numa tradição liberal e pluralista, enfrenta com ardor as distorções "multiculturalistas" dessa tradição. Tais distorções, que brotam nos Estados Unidos mas se fazem presentes também na Europa, representariam pontos de referência intelectuais para uma disposição empenhada no reconhecimento igualitário e na integração a todo custo das populações e etnias diversas, incluídas, naturalmente, as dos imigrantes.

Assimilação cultural e desigualdade regional

O referendo irlandês quanto ao Tratado de Lisboa (na esteira, aliás, do rechaço francês e holandês, em 2005, do Tratado Constitucional europeu) surge de imediato apenas como um tropeço adicional no esforço de fôlego e amplamente bem-sucedido de construção de uma Europa integrada. Mas a questão fundamental envolvida não deixa de ser afim aos problemas da imigração. Pois, referindo-se às relações entre as nações, de um lado, e uma comunidade multinacional, de outro, a questão é aqui também a do convívio entre culturas e identidades diversas e do equilíbrio entre identidade e diferença. E, num caso como no outro (embora, de novo, com graus diversos de dramaticidade), o tema de identidade e diferença, que as reflexões de ciência política tratam há tempos em termos de "assimilação" cultural, se combina com problemas de assimetria e estratificação. Não admira que Jürgen Habermas, em artigo há pouco reproduzido pela Folha de S.Paulo ("Europa com Medo do Povo", caderno Mais, 29 de junho), associe o resultado do referendo irlandês à necessidade de fazer política em nível europeu, de forma a recuperar a visão de uma "Europa social", dar credibilidade aos partidos socialdemocratas e evitar excluir, "de saída e por princípio, qualquer alternativa ao liberalismo de mercado".

A discussão de Sartori apresenta clara proximidade, às vezes, com as idéias de Samuel Huntington sobre a "latino-americanização" dos Estados Unidos em decorrência da onda atual de imigrantes latinos. Mas informadas discussões provocadas por Huntington mostram nada haver de peculiar, ao cabo, na onda atual com respeito às ondas anteriores de imigração irlandesa, judaica ou italiana, que resultaram em assimilação plena. Certamente os Estados Unidos como país têm se transformado com as mudanças demográficas de vários tipos. Mas os indícios são antes de fortalecimento da tradição de pluralismo democrático.

Esse é o ponto crucial. Não parece caber dúvida, na avaliação e no enfrentamento dos problemas gerais em questão, quanto ao papel orientador a esperar dos valores pluralistas e liberais de tolerância e individualismo e da neutralização da relevância de traços "adscritícios" impostos pelo nascimento, ou seja, os valores pelos quais Sartori se bate. E é difícil sustentar que a comunidade pluralista seja aberta aos que não se abram para ela.

Tudo somado, porém, a reiteração da importância dos valores pluralistas não pode levar a que se perca de vista o condicionamento material do êxito da eventual "assimilação" cultural. Afinal, há muito (muito antes de Disraeli quanto à Inglaterra) as diferenças de classe permitem que se fale de "duas nações", a dos ricos e a dos pobres, quase de todo apartadas culturalmente uma da outra. E a perspectiva que surge daí traz lições importantes para um Brasil em que integrantes destacados do Judiciário falam destemperadamente em defesa dos direitos civis de criminosos de colarinho branco e silenciam sobre a violência que a cada dia compromete radical e tragicamente os mais comezinhos direitos dos cidadãos de segunda classe. Com todo o importante papel de nossas cortes de Justiça, especialmente o STF, como revisoras e co-produtoras de políticas públicas em áreas diversas, muito de nosso futuro pode depender, como sugere estudo que Matthew M. Taylor acaba de publicar ("Judging Policy", 2008), do grau em que consigamos tornar efetivo o acesso igualitário à Justiça.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

domingo, 13 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais&portal=#

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


O MST DA ORDEM
José de Souza Martins*

O que parece confuso e anacrônico no ideário do movimento e da CPT é, na verdade, a economia moral que os rege

A reforma agrária que o MST e a Pastoral da Terra querem não é a reforma agrária que o Estado brasileiro quer e nem mesmo a reforma agrária que o presidente Lula e o PT podem e mesmo querem. Desencontros como esses, no passado recente, eram explicados, pelos mesmos protagonistas, como desencontros entre esquerda e direita. Diagnóstico fácil e superficial que embaralhava, ideologicamente, as causas dos problemas e a busca de soluções. O embaralhamento agora é maior: o MST e a CPT estão na base do apoio decisivo à ascensão política de Lula e do PT, que não obstante ainda os consideram seu partido e seu governo. Embora não o sejam e nunca tenham sido, porque filhos do contrato laboral moderno e não da posse familista e pré-moderna da terra, que são mundos opostos e inconciliáveis. MST e CPT não compreendem esse bloqueio histórico. Sua luta não é só pela terra. É, também, luta contra aquilo que consideram componentes do mesmo sistema econômico de que o latifúndio é o cerne, como a monocultura, o agronegócio, a globalização.

O que parece confuso e anacrônico no ideário do MST e da CPT constitui, na verdade, o sistema conceitual da economia moral que os rege e ordena sua crítica dos efeitos socialmente devastadores da economia moderna sobre populações que estão apenas no limiar da modernidade.

Demarcam, assim, o mundo de referência do seu clamor como território da sua legitimidade política, o que com freqüência os coloca em confronto com a legalidade e a conseqüente reação do Estado. Foi o que se viu nas últimas semanas, no Pará e no Rio Grande do Sul. No Pará, a condenação a 2 anos e 5 meses de prisão de um advogado da CPT e de um ex-coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, pela invasão do Incra de Marabá, em 1999. No Rio Grande do Sul, o pedido do Ministério Público de desocupação de fazenda invadida, acompanhado de considerações sobre o caráter supostamente subversivo do MST (e do Via Campesina) por atos de desrespeito à lei e à ordem jurídica, até com o pedido de sua extinção.

Nos dois casos, as organizações gêmeas defrontam-se com a reação do aparelho de Estado à suposta ultrapassagem da linha de contraposição do legítimo ao legal. O documento do MP, aliás, assinala que a relação entre o MST e o presidente Lula não se sobrepõe à prevalência da lei e da Constituição, na qual o Ministério Público se apóia para definir sua denúncia. O Estado se funda na lei e a ela se sujeita. O limite do MST é a lei; mas a forma de sua demanda é o que a lei não contempla. Portanto, como inovar e transformar jurídica e politicamente? Pelos partidos, diz a lei; pela transgressão da lei, dizem as organizações e movimentos populares, enfraquecidos e abandonados por seu próprio partido, o PT, que de fato os tutela, mas não os representa.

Se o MST e a CPT têm seus equívocos, têm também suas razões. Por falta de apreço pelo estudo, pela leitura séria e pela teoria, da parte de seus líderes, claudicam e até falham na compreensão do que são e fazem e no convencimento da sociedade inteira quanto aos males sociais da monocultura e aos benefícios sociais da agricultura familiar. Essa é nossa alternativa keynesiana para o desemprego rural decorrente da modernização agrícola. Seria o meio de criar, nesta era de oportunidades agrícolas, uma economia mista de agricultura familiar moderna e agronegócio, uma economia abrangente e eficiente, que criaria renda e emprego e beneficiaria a economia inteira.

Contentam-se com inchaços estatísticos relativos às invasões de terra. Ainda agora o Nera - Núcleo de Estudos da Reforma Agrária, da Unesp, alinhado com o MST e a CPT, divulga relatório em que mostra que o número de invasões de terra no Brasil, nos últimos 19 anos, que foi de 7.500, mais de uma invasão por dia, é bem maior do que essas próprias organizações têm divulgado. Durante o regime militar, o crescente registro de conflitos fundiários, pela CPT, servia para mostrar o fracasso da reforma agrária decretada e descumprida pelo próprio governo. Naquela época, cada um dos conflitos ainda era propriamente um caso específico, a maioria dos quais não dizia respeito a invasões, mas à resistência na terra de trabalho contra a concentração fundiária, a grilagem e a expulsão dos trabalhadores rurais, sobretudo na região amazônica.

Agora já não se trata apenas de uma disputa pela terra, embora a ideologia do MST e da CPT ainda seja essa. Trata-se agora de encontrar alternativa para a marginalização que alcançou essas populações e seus descendentes. A concentração fundiária dos anos 60 e 70 e a correlata modernização agrícola criaram uma imensa massa de órfãos do crescimento econômico, sem a contrapartida, como ocorrera entre os anos 30 e 50, de uma indústria dinâmica capaz de absorver os excedentes populacionais oriundos do desenraizamento rural. As lutas dos trabalhadores rurais tentam criar o que o Estado não criou nem o governo do PT está criando, apesar de seus compromissos morais e políticos com o MST e a CPT.

As estatísticas recém-divulgadas pelo Nera não confirmam a ampliação do alcance da luta pela terra. Repetidas invasões de uma mesma fazenda, ao longo do tempo, são contadas como diferentes casos, embora sejam apenas episódios de conflitividade no interior de um único e mesmo conflito. Trata-se de um indicador de intensidade e não de quantidade. Portanto, de fato, o número de invasões é inferior ao anunciado. O problema político que se põe é outro: por que a conflitividade é maior em alguns casos, como o do Pontal do Paranapanema, e menor em outros? Porque ela foi transformada numa questão política e partidária, que se sobrepõe à questão social, na busca, no passado idílico, das raízes do futuro utópico. Apenas confirma que a luta se institucionalizou, tornou-se um rito da ordem, diversamente do que acusam o MP do Rio Grande do Sul e a Justiça do Pará. O conflito, na sociedade moderna, é constitutivo da mesma modernidade de que MP e Justiça são expressões.


*José de Souza Martins é professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP

DEU EM O GLOBO

O COMISSÁRIO FONTANA E O HABEAS CORPUS
Elio Gaspari

Veio da nação petista um sinal de que há comissários incomodados com o estado de direito. Depois que o ministro Gilmar Mendes mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana, disse o seguinte:

"Eu acho que o Congresso precisa examinar essa questão do habeas corpus para evitar novos casos como o do Cacciola. Do jeito que está formulada essa norma do habeas corpus, acaba favorecendo os ricos e prejudicando os pobres."

Ignorância de primeira associada a demagogia de segunda. O doutor começou sua atividade partidária em 1984, aos 24 anos. Não conviveu com os coronéis dos inquéritos da ditadura que seqüestraram o habeas corpus dos brasileiros por 20 anos.

O instituto do habeas corpus está formulado na Constituição sem qualquer "jeito" ou "recurso não contabilizado". O texto é claro. Ele se destina a proteger o cidadão que "sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

O habeas corpus não inocenta quem dele se beneficia. Era isso que não entrava na cabeça dos generais e parece não ter entrado direito na de Fontana. Trata-se de garantir ao cidadão o direito de não ser constrangido por "ilegalidade ou abuso de poder". Em 2000, o ministro Marco Aurélio Mello soltou Salvatore Cacciola porque entendeu que ele devia responder em liberdade ao processo em que era réu. (Cinco dias depois, o STF mandou prendê-lo de novo, e ele se escafedeu.) Mello não julgou Cacciola.

No caso de Daniel Dantas, Gilmar Mendes entende que o banqueiro esteve submetido a constrangimento ilegal. Se a sua primeira decisão ficava em pé, a segunda é mais difícil de ser entendida. Admitindo-se que esteja errado, depois do recesso, o Supremo Tribunal Federal poderá revogar a medida. De qualquer forma, é o ministro Gilmar Mendes quem está no pano verde, não "essa norma do habeas corpus".

O desconforto do deputado Henrique Fontana com o habeas corpus ecoa os coronéis da anarquia militar. Cabe-lhe uma lição, deixada pelo marechal Castello Branco diante das reclamações dos companheiros que não queriam cumprir o habeas corpus que mandava libertar Miguel Arraes. Ele escreveu: "Se não soltá-lo, será muito pior do que soltá-lo". O general Costa e Silva chamou de "homúnculo" o ministro Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do STF. A mutilação do habeas corpus foi um dos itens da anarquia militar que desembocou na ditadura do Ato Institucional nº 5, em 1968.

Só em 1977 o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Raymundo Faoro, recolocou "essa norma do habeas corpus" no centro da discussão que levaria à restauração democrática. Seu trabalho foi essencialmente didático: "O habeas corpus não é só uma reclamação da sociedade civil, mas uma necessidade do próprio governo, pois a boa autoridade só pode vigiar a má autoridade pelo controle das prisões, proporcionado pelo habeas corpus."

O surto do comissário Fontana pode parecer um desabafo de cidadão contrariado. Tudo bem, mas os coronéis da ditadura também eram cidadãos e estavam claramente contrariados. Deu no que deu.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O CAPITAL INICIAL
Luiz Carlos Azedo


O governo estimulou a volta do dinheiro brasileiro que havia sido aplicado no exterior, como uma forma, inclusive, de enfrentar a crise cambial que quase levou o país à breca


Não vou me estender sobre a crise instalada no Judiciário por causa da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas. Quem pode mais, pode menos. Se depender da lei da gravidade, prevalecerá a mais alta Corte do país, apesar do esperneio de juízes federais, procuradores da República e delegados da Polícia Federal. Nesse imbróglio não pode prevalecer o “prendo e arrebento” como forma de purgar os males da sociedade, uma fórmula simpática à opinião pública farta de tanta corrupção e privilégios, mas que aponta na direção de práticas autoritárias e atitudes até fascistas. O que preocupa, nesse aspecto, é o desgaste do Poder Judiciário, que se soma ao do Congresso Nacional. O poder das duas instituições não emana da força econômica – nem da bruta –, mas do respeito das demais autoridades e da legitimidade perante a sociedade.

Acumulação

Audaciosos, o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Eike Batista cavalgam contradições do nosso capitalismo tardio, como veremos a seguir. Adam Smith chamou o fenômeno de “acumulação prévia”, um eufemismo para classificar a forma como o capitalismo surgiu no mundo. Ninguém se torna capitalista sem capital inicial acumulado. Uma forma de acumulação, na gênese capitalista, foi a expropriação da produção familiar, artesanal, camponesa e corporativa, que apartou os trabalhadores da propriedade dos meios de produção e ampliou a divisão social do trabalho. Os grandes capitalistas, porém, surgiram no mercantilismo, com a violenta exploração colonial, por meio dos saques, do tráfico negreiro, da especulação comercial e do monopólio mercantil.

O Brasil não existiria fora desse contexto. Os Estados Unidos também. Mas há um ingrediente que nos diferencia muito: aqui não havia uma ética protestante balizando as relações da sociedade, para o surgimento de um Henry Ford, na segunda Revolução Industrial, ou de um Bill Gates, na moderna sociedade da informação. O que havia era o nosso velho patrimonialismo ibérico, ainda hoje redivivo, que nos legou um capitalismo marcado pelo favorecimento do Estado ao surgimento das fortunas familiares. É difícil encontrar uma empresa tradicional no Brasil, por mais moderna que seja, que em algum momento não tenha dependido da alavancagem política dos seus negócios. Nosso modelo de substituição das importações, fomentado pelo Estado, teve por base a articulação entre capital estrangeiro, empresariado nacional e investimentos governamentais.

Estabilização

Esse tripé do nosso desenvolvimento, porém, foi para o ralo com o choque do petróleo e a terceira Revolução Industrial. Recessão, crise de financiamento do Estado e hiperinflação. Na década de 1980, o país estava em estagnação econômica e à beira do colapso financeiro. Foi nesse contexto que a remessa ilegal de recursos para o exterior por pessoas físicas e jurídicas se generalizou. Foi uma espécie de autodefesa do capitalismo brasileiro contra a ameaça de bancarrota, num momento em que o modelo autárquico de substituição de importações havia se esgotado e a abertura da economia era um imperativo da globalização.

Quando houve o Plano Real, a política de estabilização da economia não teria sucesso sem o programa de privatizações, que uma década antes havia sido preconizado por Inácio Rangel, um economista do BNDES de formação muito heterodoxa. O Estado não tinha como financiar seu próprio funcionamento, e a retomada do desenvolvimento exigia a modernização dos serviços públicos e da infra-estrutura do país, mas não havia recursos públicos para isso, como aliás ainda não há. A quebra do monopólio do petróleo e da exploração mineral e a venda de estatais, como a Vale do Rio Doce, das siderúrgicas e das teles foram uma via de saneamento das finanças públicas e de captação de investimentos privados.

Nesse contexto, o governo estimulou a volta do dinheiro brasileiro que havia sido aplicado no exterior, como uma forma inclusive de enfrentar a crise cambial que quase levou o país à breca. É nessa ambígua e sinuosa fronteira de oportunidades que o empresário Eike Batista e o banqueiro Daniel Dantas amealharam agressivamente suas fortunas, um correndo os riscos do garimpo, da mineração e do mercado petrolífero, outro repatriando capitais e transformando-os em investimentos financeiros. A acumulação inicial de capital é sempre uma aventura, nem sempre bem-sucedida.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DOIS HOMENS, UMA SENTENÇA
Eliane Cantanhêde


BRASÍLIA - Desde o regime militar não se ouvia falar tanto no "Estado democrático de Direito". Antes, clamando a sua volta. Hoje, usando seu santo nome em vão.

Ao conceder habeas corpus para o banqueiro Salvatore Cacciola, em 2000, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello disse que decidia "tecnicamente". Cacciola voou pela janela e foi curtir a vida na Itália. Se não fosse passear em Mônaco, estaria livre, leve e solto até hoje.

Agora, ao conceder habeas corpus duas vezes para o banqueiro e muitas outras coisas Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes corre o risco de o novo pássaro, mesmo sem ter a cidadania italiana, também voar. Mais vale um pássaro na gaiola do que dois voando, especialmente em direções contrárias: um voltando, outro fugindo.


Nos dois casos, Mello-Cacciola e Mendes-Dantas, suas excelências sacaram erudição e conhecimento jurídico. O problema é que o povão está cansado de lero-lero e de ver os céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais.

Daniel Dantas, Celso Pitta e Naji Nahas foram colocados atrás das grades sob euforia pública, mas três dias depois o foco já tinha se desviado deles, ou do que eles significam, para a guerra de guerrilhas entre Judiciário e Executivo, Supremo e Polícia Federal.

O curioso é que Marco Aurélio e Gilmar Mendes, ex e atual presidente do Supremo, são adversários viscerais há anos. Mas dão a mesma sentença e libertam personagens de currículos controversos, milionários e inimigos da opinião pública com a mesma justificativa: o fundamental é cumprir a lei. Se a lei não é boa, dizem, mude-se a lei.


Então, mude-se a lei! Porque há uma distância monumental entre as alegações jurídicas e o desejo sufocante da sociedade por justiça real, ética, igualdade.


Que vingue o Estado democrático de Direito, desde que... a lei valha para todos -os que têm banco e os que dormem embaixo do banco.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


ENTREVISTA

'ADMITAMOS: SOMOS CORRUPTOS'


O Brasil ganharia se assumisse a queda que tem para a transgressão e os ilícitos, afirma Bolívar


Pedro Doria


A história de Daniel Dantas se confunde com a do Brasil nos últimos 15 anos. Aluno dileto do economista Mário Henrique Simonsen, foi cogitado para o Ministério da Fazenda no governo Fernando Collor e teve atuação de destaque na venda de estatais. É também uma história passada na iniciativa privada, sempre sinuosamente entrelaçada com a política e o governo. Primeiro, pelas mãos de Antonio Carlos Magalhães, conterrâneo e protetor político. Então, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, nas estreitas relações com economistas ligados ao Plano Real, como Pérsio Arida e Elena Landau. Agora, no governo Lula, com petistas como Luiz Eduardo Greenhalgh e José Dirceu.


Dantas dominou manchetes e conflitos acionários, cultivou inimigos poderosos na iniciativa privada e no Planalto. Preso pela Polícia Federal, provocou uma briga jamais vista, com procuradores e juízes federais se levantando contra o Supremo Tribunal Federal. É uma história que insinua profundos veios de corrupção nas entranhas do Estado. “O Brasil é essencialmente corrupto e precisamos encarar isso”, diz o cientista político Bolívar Lamounier, autor, com outros estudiosos, de Cultura das Transgressões no Brasil (Ed. Saraiva). “Vivemos há cem anos a ilusão de que com o crescimento econômico e a melhoria educacional tudo vai melhorar. O País está mais rico e, ao que tudo indica, mais corrupto. Existem avanços. O Ministério Público, a Polícia Federal, a própria Justiça. Mas, na avaliação do professor, temos uma política pior.


Daniel Dantas tem demonstrado habilidade de criar uma teia de sustentação em todos os governos. O que isso diz a respeito do Brasil?

É o chamado capitalismo político. Ele faz crescer sua fortuna pelos contatos políticos e o recebimento de informação privilegiada. O Brasil tem uma formação patrimonialista, ou seja, o Estado é o verdadeiro detentor da riqueza. Seu poder é avassalador. O emaranhado jurídico é tal que se tornou impossível manter uma empresa sempre em ordem. Daí a capacidade de pressão do governo ser devastadora. A influência do Estado em setores por natureza oligopólicos como telecomunicações, energia ou aviação é ainda maior. Desse jeito, um sujeito que tenha capacitação técnica e audácia, como Daniel Dantas, precisa de contatos políticos para se sustentar empresarialmente. É evidente que o caso dele, que dizem ter recorrido até a empresas de espionagem, é extremado. Mas todo grande empresário brasileiro precisa de uma relação simbiótica com o governo. Porque a mão do governo está presente em tudo.


Essa é a origem da corrupção no Brasil?

O problema da corrupção é muito mais profundo. Hoje estamos muito desarmados intelectualmente para compreender suas origens. O que nos sobra são dois consensos. O primeiro é de que a corrupção é generalizada na sociedade e todos discordamos do comportamento de todo mundo. O segundo é que a impunidade é ampla. Há uma total incapacidade de aplicar as leis. Se fôssemos punir, segundo o que manda a lei, toda a corrupção que há no País teríamos que pôr na cadeia metade da população. O que está acontecendo, agora, é uma tentativa de sair dessa síndrome da impunidade. Por isso um juiz federal manda prender, no Supremo mandam soltar, o juiz pede novamente a prisão. Mas daí pode haver um excesso do juiz federal, uma arbitrariedade, criando um clima de insegurança jurídica.

Por que não debelamos a corrupção?

Porque a enxergamos por uma ótica otimista. Atribuímos tudo ao passado: à colonização, aos portugueses, à formação do País. É uma análise evolucionista. Temos a impressão de que vamos em direção a algo melhor. O que atrapalharia seriam os grilhões do passado. Isso não é necessariamente verdade. Essa leitura esconde outra premissa, o conceito do bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau. O homem é bom, mas a sociedade o corrompe. No Brasil, a elite é ruim, mas o povo é essencialmente bom. Essa impressão é profundamente superficial. O Brasil é essencialmente corrupto. A verdade é a seguinte: nada indica que estamos a caminho de um mundo melhor. Corrupção e clientelismo não estão dando sinais de terem diminuído. Acho que estão aumentando. Quando o governo diz que temos mais informação sobre corrupção e só por isso ela aparece mais, isso soa como uma afirmação tão válida quanto qualquer outra. Só poderia aceitá-la se o governo tivesse uma lista com todos os corruptos e quanto desviaram ao longo dos tempos. No Brasil, a transgressão é generalizada e ocorre sempre por motivos econômicos. Há casos passionais, mas esses existem em qualquer sociedade e são a exceção. Estelionato, assalto, corrupção, o crime brasileiro tem causas econômicas.

Quais as causas da corrupção brasileira?

São três. A primeira é o crescimento econômico. Lá nos anos 50, desenvolvimentistas, acreditávamos que o enriquecimento do País levaria a uma população mais bem educada e enfim teríamos um Estado impessoal no qual todos que quebrassem a lei seriam punidos. O Brasil enriqueceu e nada disso aconteceu. Sempre que há um momento de crescimento econômico e modernização, surgem novas oportunidades de corrupção. É assim em todo lugar, não só nas nações pobres. Na França ou nos EUA, também. É quando aparece o conluio de grupos para fraudar licitações promovidas pelo Estado, por exemplo. Porque são oportunidades óbvias, envolvendo grandes quantias. Mesmo nas nações mais liberais, quando a economia cresce o Estado contrata muitos serviços envolvendo valores altos. Quando um país passa por uma grande transformação econômica, como é nosso caso, a tendência aumenta. No caso das privatizações, por exemplo, grandes somas passaram de uma mão para a outra e a corrupção foi inevitável, por mais que existissem controles. Na Rússia foi muito pior. O Japão tem uma corrupção monstro até hoje. A Coréia do Sul, também. São governos que concentram muito poder. A China se tornou capitalista faz quanto tempo? Vinte anos. E já ostenta um número grande de bilionários. Mesmo considerando o ritmo de crescimento chinês, essa riqueza veio como? Não pelo mérito.


E a segunda causa?

Mobilidade social. Nosso País tem 200 milhões de pessoas, metade delas muito carentes, a outra metade louca para melhorar de vida. Há muita mobilidade social. Quem diz que, no Brasil, o pobre nasce e morre pobre está no mundo da lua. Qualquer pequeno movimento da economia provoca mudanças imediatas, toda oportunidade aqui é aproveitada, pois o mercado é imenso e tem carências enormes. Nos últimos meses, por exemplo, quando o crédito para automóvel se estendeu, todo mundo comprou imediatamente sem se preocupar com quantas prestações ia pagar ou com o trânsito ruim. Automóvel facilita a vida e é um símbolo de status. O brasileiro tem uma vontade incrível de melhorar de vida, de ter melhor situação que a que seu pai teve. Junte as duas questões, oportunidades de corrupção e a vontade de melhorar de vida, e una isso à terceira causa: as normas brasileiras são frouxas.

É nossa herança portuguesa?


As normas morais, no Brasil, sempre foram fraquíssimas. Comparado à Europa, tivemos, por exemplo, uma Igreja muito fraca. O Direito, até há muito pouco tempo, não chegava a boa parte do País. As normas sociais são débeis e o Estado é incapaz de aplicá-las. A origem disso é o de menos. Nosso problema não é o passado, é o presente. Voltemos a Rousseau. Há algumas décadas, a Igreja no Brasil era fraca, mas muito reacionária. Defendia a propriedade, o latifúndio. Hoje, a Igreja é outra, acredita em Rousseau. Essa visão de que o povo é essencialmente bom, mas corrompido pelo ambiente, se espalhou por todos os setores da sociedade. É uma mentalidade que impede a aplicação da lei. Só a defesa do altruísmo é legítima. Um grupo que defenda seus interesses é considerado imoral. A palavra “interesse” soa suja, sugere um indivíduo calculista. Acreditamos em Papai Noel. Cremos que as pessoas são boas por princípio. Nos EUA, a cabeça deles não é Rousseau. É Thomas Hobbes. Para eles, as pessoas são más. É preciso vigiar o comportamento a toda hora. É preciso cumprir a lei, porque se não cumprir, a transgressão será generalizada. Polícia não tem que achar que as pessoas são boas ou são más. Tem é que olhar transgressão. A política tem que lidar com a probabilidade de certos comportamentos ocorrerem e se prevenir. Achamos que tudo que deu errado no Brasil tem uma origem social em algum ponto do latifúndio, da família patriarcal ou do que quer que seja. É ingenuidade. Nós somos uma sociedade de 200 milhões de pessoas, completamente urbana e pobre. É um País diferente.

Gilberto Freyre está obsoleto?

Completamente. No tempo dele, acreditava-se naquela idéia de que geração de riqueza levava a um mundo mais perfeito. Vinte anos atrás havia uma discussão entre a esquerda e o malufismo, em São Paulo, se a polícia devia atuar preventiva ou repressivamente. Que discussão é essa? A polícia tem que atuar, só isso. Tínhamos que estar muito mais preparados em termos jurídicos e policiais para atuar quando há transgressão. Não se combatem valores culturais ou a propensão a certos comportamentos. Você combate infrações graves da norma legal. Nós não entendemos a gravidade da situação que o Brasil enfrenta. O nível de corrupção pode aumentar. Veja o exemplo paralelo, a violência urbana. Muitos teóricos falam como se fosse uma coisa de momento que, mais à frente, vai desaparecer. Mas como vai desaparecer? O país é urbano, tem periferias imensas, o tráfico de drogas atua em larga escala, não há nenhuma medida para combater o mercado da droga, que é o consumidor, ou a entrada da droga, nas fronteiras. A violência não vai desaparecer espontaneamente. O Brasil não enfrenta a transgressão.


Ricos não iam para a cadeia antes.

É verdade. Antes havia uma diferença de classes muito grande,. Você prendia o pobre, mas não o rico. Não estou negando que a Polícia Federal esteja mais eficiente. A mudança começa com a Constituição de 1988. Antes dela, os procuradores eram subordinados aos juízes. Ela deu autonomia ao Ministério Público e uma geração nova de procuradores veio com vontade de investigar. Por sua vez, isso fez com que muitos juízes também se mexessem. O fim da ditadura despertou, dentro da Polícia Federal, um debate. Estavam acostumados a agir sob os generais, o que a democracia representaria para eles? Demoraram uma década até encontrar um rumo. Ajudados pelo Ministério Público, que começou a investigar problemas em tudo quanto é área, ela encontrou sua vocação. Não foi só isso que mudou. Inflação corrói a sociedade, força todos ao comportamento criminoso. No início dos anos 90, ninguém comprava um imóvel, em São Paulo, sem uma mala cheia de dólares. Isso criou um câmbio negro e um mercado de ilícitos do qual todos participavam. Não há mais aquela inflação. A perna que não andou, nesse processo, foi a da CPI. Ela acaba se politizando tanto que fica inócua na maioria das vezes. O caso do mensalão é uma exceção. Levou 40 nomes para o Supremo.


Qual o problema do Congresso?

Câmara e Senado estão numa mediocridade como nunca vi. Vivemos uma entressafra de líderes políticos. No tempo da Constituinte você, sem dificuldades, punha no papel 20 nomes de imensa importância no cenário político nacional. Hoje, não dá. Não há incentivo para ser político. Vão chamar você de ladrão, sua família vai ficar chateada. O indivíduo que tem uma boa formação ganhará o triplo em outra profissão e terá fim de semana. Quando o crédito do político cai para quase zero, nasce um círculo vicioso. Ou você atrai corruptos ou gente despreparada. O Executivo não tem projeto. E os partidos não têm projeto. O resultado é que, sem ter o que fazer, deputados e senadores partem para a investigação. O Executivo reage com acordos políticos. A política no Brasil se resume a isso. Só.

Antes da ditadura, partidos como UDN e PTB de fato representavam setores da sociedade. O senhor não acha que hoje isso deixou de acontecer?


A UDN era o partido da classe média urbana, aquela gente que ganhava a vida duramente e não esperava uma aposentadoria generosa. Ainda existe essa classe média urbana, muito maior hoje. É um contingente de pessoas que paga o serviço duas vezes: o imposto para a educação e a educação na escola particular. Era um partido liberal. O DEM, hoje, não é um partido liberal. Por isso mudou de nome. Um partido liberal, no Brasil, teria que vir de São Paulo ou das grandes capitais. Não é o caso. O PSDB. O que é? É o partido da reforma feita no governo Fernando Henrique. Mas não descobriu uma agenda própria depois disso. E o PT? Alguns dizem que é representativo. Não sei de quê. Qual a doutrina econômica do PT? Vimos que não tinha. O partido chegou ao poder e desdisse tudo. Não tinha projeto. E desconfia do capitalismo. Tem uma cabeça nacionalista dos anos 50, com preconceito contra o setor privado. Não é à toa que a doutora Dilma é o braço forte do governo. Os partidos, no Brasil, foram dissolvidos em 30, em 37 e em 64. Os militares acreditavam que as origens da corrupção estava neles. Dissolveram e tentaram impor um sistema bipartidário como o britânico. Quando a democracia voltou, o País era completamente diferente e os partidos de antes não queriam dizer mais nada. Ficou um vácuo. Em 1989, quando tivemos a primeira eleição presidencial, houve 22 candidatos. Eram 21 partidos de oposição. E nenhum dos partidos grandes se saiu bem. É sinal de que não representavam mais os anseios da população.

Qual a responsabilidade da ditadura pela atual corrupção?

Quando os militares instauraram o regime, diziam “nós vamos combater a corrupção”. Além de se intrometerem no sistema partidário que tinha seu valor, criaram um governo dez vezes mais concentrado. Na pressa de desenvolver o País, contrataram obras públicas faraônicas. Transformaram o País apoiados num crescimento de 8% a 10% ao ano. Posso bem imaginar quanto de superfaturamento houve naqueles 21 anos.

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


NÃO É NA DINAMARCA, É AQUI
Alberto Dines


Agora é Eike Batista, o Midas que transforma em grandes negócios tudo o que toca. Nos últimos dias a cena esteve ocupada pela telenovela de fraudes e trambiques protagonizada por Daniel Dantas que já se arrasta há mais de uma década. Junto com ele a Polícia Federal prendeu o especulador Naji Nahas (que quebrou a Bolsa de Valores do Rio no fim dos anos 80) e levou junto o ex-prefeito Celso Pitta, filhote de Paulo Maluf, o mesmo que anda às voltas com a Justiça desde que experimentou os prazeres do poder.

O Estado brasileiro precisa de uma colonoscopia urgente para avaliar o calamitoso estado dos seus intestinos. Precisa de alguém apto a fazer a anamnese (histórico clínico) minimamente confiável. Acontece que o governo – administrador e defensor do Estado – é uma entidade inconfiável porque além de paciente é também agente. Enfermo e enfermidade: sente dores, sintomas, mas não tem condições de tratá-los.

A sucessão de conflitos e contenciosos que estouram a cada doze horas originam-se na própria incapacidade do Executivo de sobrepor-se aos litigantes simplesmente porque ele também litiga nos desvãos. É parte, portanto suspeito.

A pressa da Polícia Federal em colocar o "gênio" Daniel Dantas no xilindró tem a ver com a consumação dos acordos destinados a criar a super-tele, a operadora de telefonia resultante da fusão OI-Brt (Brasil Telecom), incentivada e empurrada pelo governo. Ou um segmento dele.

Diante de um Congresso esvaziado, uma oposição convertida em federação de candidaturas, um ministro da Justiça atropelado pelos fatos e um chefe de Estado empoleirado nos palanques, a crise ganha dimensões preocupantes porque ultrapassa a questão da "espetacularização das ações policiais".

Estamos diante de uma grave crise institucional e, como se não bastasse, com características surpreendentes, pois não se trata de poderes que colidem, mas de confrontos corporativos intestinos que extravasam, se contagiam e contaminam todo o ambiente.

Há pelo menos duas alas na Polícia Federal, uma delas muito aguerrida, acelerando o bulldozer e aliada ao Ministério Público. Um juiz de primeira instância próximo deste segmento se rebela abertamente contra decisão do presidente da suprema corte e, além disso, autoriza o "monitoramento" do seu gabinete.

Neste dramático pandemônio, lobistas e advogados agem nos corredores palacianos cuidando nas altas esferas dos interesses de clientes nem sempre coincidentes com os interesses do governo e do Estado. Chocante e doloroso, o caso do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, campeão na luta dos direitos humanos, ex-deputado do PT e membro do seu Diretório Nacional que procura o chefe-de-gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, para livrar Daniel Dantas das pressões de um delegado "meio descontrolado" (Protógenes Queiroz, o encarregado da Operação Satiagraha que provocou o furacão jurídico-policial).

E como chegam à sociedade tais aberrações? Por vazamentos, dicas, meias informações e contra-informações sopradas para a imprensa pelas diferentes facções. O vazio de poder é físico e metafísico. Faltam referências, contestações, murros na mesa e, principalmente presenças. Autoridades evaporaram e a autoridade desapareceu.

O narrador viajou para os antípodas e como os fatos são confusos, sobraram delirantes versões. E os cheiros.

» Alberto Dines é jornalista.

sábado, 12 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDÉIAS & LIVROS


SOCIEDADES EMBANANADAS
Leandro Konder


Pode não ser um termo muito científico, mas, para simplificar as idéias que vou expor, posso dizer que estamos vivendo numa sociedade embananada.

Não me refiro aqui à sociedade brasileira em sua singularidade, mas penso no modelo que nos está sendo imposto pelos países tidos como bem sucedidos.

Começando pelo problema das lideranças mundiais. Quais os nomes que marcaram as campanhas eleitorais nas últimas décadas? Lula, Collor, Fernando Henrique, Margaret Thatcher, Sarkozy, Boris Ieltsin, Bush, Vladimir Putin, Berlusconi. Não se pode dizer que a lista seja predominantemente animadora.

Uma pergunta se impõe: a chamada sociedade de massas de consumo dirigido tende a provocar uma mediocrização das lideranças? E uma relativização cínica dos valores éticos?

As coisas são interligadas. Tropeçamos, então, numa outra questão: podemos lutar por uma transformação econômica, política e cultural realmente significativa da nossa sociedade, forçando as desigualdades antidemocráticas a recuar e eventualmente até mesmo a desaparecer?

A direita está voltando a falar clara e francamente, dizendo que a pregação democrática da igualdade é demagógica. Essa sinceridade facilita o diálogo. Mas, ao traduzir os princípios teóricos em iniciativas práticas, os indivíduos mandam os escrúpulos às favas e repetem velhos macetes autoritários.

A sociedade de massas de consumo dirigido é a mediadora de uma aliança entre os produtores e difusores de produtos culturais, de um lado e, de outro, as forças que controlam o Estado. Tudo se organiza em função do mercado; tudo tende a se transformar em mercadoria.

O pensamento conceitual não tem como resistir e dá sinais de se engessar, de se petrificar. Cresce, inevitavelmente, o interesse pelas chamadas ciências paranormais.

Na França, terra da racionalidade iluminista, uma pesquisa revelou que 42% dos cidadãos franceses acreditam em telepatia; 36% acreditam em astrologia; e 33% acreditam em extraterrestres.

É evidente que seria absurdo combater essas crenças. Em geral, elas recuperam formas muito antigas de sabedoria marginalizada, que, no entanto, não perderam toda a sua riqueza significativa.

Os teóricos mais amplamente admirados, nas condições atuais, não são filósofos e não se propõem a fazer história. São escritores, cujas imagens críticas, sugestivas, relançam aspirações de algumas culturas da antiguidade.

Como integrar sujeitos individuais autônomos a uma comunidade forte? Como fortalecer na consciência das pessoas a capacidade de elas superarem sua finitude e aprenderem a viver com sabedoria a hora da morte?

No plano das aspirações, nós não avançamos muito, em comparação com os gregos, os egípcios, os chineses, os antigos judeus. A capacidade de acreditar profundamente em algumas coisas, ao contrário do que se pensa, não é histérica, não gera nenhum fanatismo. Para se desenvolver, contudo, é preciso nos desembananarmos.

O embananamento não é, com certeza, uma categoria científica ou filosófica. Quando examinamos, porém, o que está acontecendo com os Estados modernos, verificamos que, apesar das diferenças de problemas que eles enfrentam, esses Estados não têm contribuído suficientemente para uma sociedade justa. Os de cima anunciam vigorosas reformas, porém fracassam. E a violência aumenta.

Os Estados Unidos não correspondem exatamente ao que Thomas Jefferson pensava que viria depois dele. A relação entre liberais e democratas, na França, não conseguiu combinar na ação as idéias de Voltaire e Rousseau. A experiência da Rússia, depois de decretar o arquivamento do legado de Lênin, tenta superar sua crise ressuscitando (em vão) os discursos patrióticos de orgulho pelo passado glorioso.

Todos os eventuais governantes fazem o elogio das instituições em que trabalham, mas reclamam delas. Declaram seu respeito pelo quadro institucional vigente, mas não deixam de traí-lo. Dão ao povo o exemplo de violência retoricamente negada e, no entanto, praticada na clandestinidade.

Os anarquistas, acostumados às derrotas políticas na luta contra o Estado, estão rindo à toa.

DEU NO JORNAL DO BRASIL


O VOTO COM RAIVA
Villas-Bôas Corrêa

A campanha para eleições municipais de prefeitos e vereadores começou morna em quase todos os Estados, mas com índices expressivos da preferência por candidatos de perfil popular.

Salta aos olhos que o eleitor está cada vez mais desligado da atividade política, que se desenvolve longe do seu interesse. Uma grossa camada escura de decepções forra a cuca do dono do título eleitoral, esquecido na gaveta e utilizado para cumprir a obrigação que azeda uma fatia do domingo.

Pois está na hora de uma revisão crítica, de mudar de atitude e de tática e partir para uma reação que não exige mais do que uma sumária avaliação das causas da abulia. E, com um mínimo de informação pelos jornais, revistas, emissoras de rádio e de redes de TV virar pelo avesso o sofisticado alheamento pela raiva santa. Está na hora de votar despejando todo lixo que entope as coronárias e pode provocar um enfarte.

Não é tão difícil selecionar entre as centenas de espertalhões e velhacos que pedem o seu voto, a meia dúzia com ficha limpa e uma biografia de resistência ao descalabro moral que respinga nos três poderes.

Vamos a alguns exemplos, catados entre os mais recentes, sem que deva ser esquecida a safra de escândalos de um dos piores congressos da história deste país. Do mensalão, que ora reaparece com novos e picantes detalhes, ao caixa dois para o financiamento de campanhas. Da compra de ambulâncias superfaturadas; dos cartões corporativos utilizados pela turma de cima para compras de bijuterias, pagamento de refeições com vinhos caros, aluguel de automóveis de luxo com motorista.

Se o sangue começa a ferver nas veias, vamos adiante. Os abusos no Executivo e no Judiciário reclamam corretivo. A gastança de bilhões no desperdício com o inchaço da burocracia, escorre do Palácio do Planalto para o obeso ministério com mais de três dezenas de ministros e secretários. A toga não fica atrás com o luxo dos seus palácios, os altos vencimentos dos graúdos e as regalias dos privilegiados.

Mas é no Legislativo que o escândalo campeia com a desfaçatez de uma prática consagrada.

No espaço de uma geração, as câmaras de exemplar modéstia, com meia dúzia de servidores e os vereadores eleitos entre os líderes naturais da cidade para prestar um dever da cidadania, sem ganhar um centavo, passaram a disputar o campeonato dos abusos e irregularidades.

No excelente levantamento dos pesquisadores do site Transparência Brasil, publicado na edição do JB do dia 9, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que já foi conhecida como Gaiola de Ouro, credencia-se a disputar o campeonato dos absurdos. Cada um dos 51 vereadores custa aos cofres da prefeitura, R$ 5,9 milhões em cada mandato, mais de R$ 900 mil do que o colega de São Paulo e o dobro da de Belo Horizonte. É longa a lista de irregularidades: 20 assessores para cada vereador, com suspeita de que os salários, que chegam a R$ 70 mil mensais, são rateados com o representante do povo carioca.

O Senado e a Câmara dos Deputados estão rateando vagas com titulares eleitos sem um único voto. O senador carrega na garupa o suplente, que ou é um parente próximo ou o financiador da campanha. Eleito, divide o exercício do mandato com o parceiro.

E na Câmara, com a convocação de suplentes já chegamos ao requinte de deputados eleitos sem voto.

Desde a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, que as dificuldades para acomodação em um canteiro de obras, desapertou com a solução das mordomias, que virou uma praga, a erva-daninha que se infiltra pelas brechas dos três poderes.

Nos tempos modestos do Senado no Monroe e da Câmara dos Deputados no Palácio Tiradentes, os senadores e deputados moravam no Rio com a família. Como todo mundo, menos em Brasília. A descoberta da mina de ouro das regalias, vantagens, mutretas mudou hábitos e costumes para a extravagância de milionários.

Às custas da Viúva, o parlamentar passa fins de semana na sua base eleitoral, com passagens pagas e R$ 15 mil da verba indenizatória para despesas. Gabinetes privativos, com servidores e verba para contratar assessores.

Paro aqui, no fim do espaço. Voltarei muitas vezes ao assunto até convencer o eleitor a votar com a raiva santa da indignação.

DEU EM O GLOBO


O EFEITO PF
Zuenir Ventura


Mesmo considerando os questionamentos que estão sendo feitos, insinuando excessos por um lado e favorecimentos por outro, há mais o que elogiar do que criticar na operação Satiagraha (quanto à operação Toque de Midas, não sei). De maneira geral, a Polícia Federal tem acertado mais do que errado. Em primeiro lugar, que outra instituição conseguiu no país a mesma credibilidade? Certamente não a PM, a Polícia Civil ou o Judiciário. Que força policial passa quatro anos investigando um caso? Não sei se há muitos servidores públicos em qualquer lugar do mundo capazes de recusar uma propina de US$1 milhão, como fez o delegado Victor Hugo, que teria de viver incontáveis vidas para ganhar o equivalente ao que lhe foi oferecido.

Mais preocupados com os efeitos colaterais do que com os principais, alguns denunciam os abusos formais e um certo exibicionismo da corporação, e isso deve ser combatido mesmo. Mas quem dera que esses fossem, por exemplo, os excessos das polícias militares. Um erro não justifica o outro, mas expor o ex-prefeito Celso Pitta de pijama na hora de ser preso ou algemar o banqueiro Daniel Dantas é evidentemente menos grave do que matar uma criança de três anos no Rio ou executar dois jovens rendidos em São Paulo, para citar apenas dois episódios recentes.

A PF está "espetacularizando" as operações, levando a mídia para acompanhar as prisões, acusam outros, e curiosamente escolhem para dizer isso em frente às câmeras, protagonizando entrevistas espetaculares. A chamada "sociedade de espetáculo" é o lugar ideal também para a suprema espetacularização de egos. Como diria Lula, nunca na nossa história juízes se manifestaram fora dos autos tanto quanto nestes últimos tempos. Presos algemados é uma prática antiga no Brasil. A novidade são os protestos e a indignação contra as imagens de agora (consta que até o presidente se irritou com elas). O que choca e causa indignação em autoridades do Judiciário e do Legislativo não são provavelmente as algemas, mas o seu uso indevido em pessoas de colarinho branco. Não combina. No Brasil, elas foram feitas para gente de pescoço preto. Democratizar o seu uso sem levar em conta a divisão de classes é uma subversão.

À PF o país vai ficar devendo também uma reação edificante da Justiça, conhecida pela morosidade de seus procedimentos. A celeridade com que o presidente do STF trabalhou esta semana, avançando pela noite para conceder um polêmico habeas corpus, foi extraordinária. Só não deve ter surpreendido o beneficiado, o banqueiro Daniel Dantas. Este nunca pareceu temer o que se passaria nessa alta instância. Medo mesmo, ele confessou à repórter Consuelo Dieguez, da revista "Piauí", só da Polícia Federal. Por essa afirmação e pelo gesto de recusa do delegado Vítor Hugo, a PF já mereceria respeito e admiração.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


GATILHOS EM LIBERDADE
Ruy Castro


RIO DE JANEIRO - Há duas semanas, na França, durante uma exibição militar pública num regimento de pára-quedistas da Infantaria em Carcasson, no sudoeste do país, um soldado carregou sua metralhadora com balas de verdade, em vez de munição apropriada. Disparou como era exigido e feriu 17 espectadores, entre os quais crianças, colegas de farda e seus parentes, alguns com gravidade.

O soldado foi preso no ato. O presidente Nicolas Sarkozy nem piscou: no mesmo dia, tomou um avião e voou para o local, para mostrar por que foi eleito. E, no dia seguinte, o chefe do Estado-Maior do Exército -um cargo quase de ministro, com pelo menos dez figurões na cadeia de comando entre ele e o soldado- demitiu-se. Se um soldado era capaz de tamanha negligência, a culpa era de todos que tinham permitido sua presença ali.

No Rio, domingo passado, um menino de três anos foi fuzilado dentro de um carro na Tijuca por dois policiais militares, na presença da mãe e do irmão menor, sob a suspeita de que o carro contivesse criminosos. O menino morreu. Os policiais serão presos, demitidos e talvez condenados por homicídio doloso, para servir de exemplo. Nenhuma autoridade superior se demitiu.

O carro estava parado e ninguém dentro dele reagiu quando o tiroteio começou. Mesmo assim, este continuou e houve tempo para impor 17 perfurações no carro. Há uma cultura entre nossos policiais de que o negócio é atirar primeiro e perguntar depois. Se esses gatilhos em liberdade forem a regra, alguém de cima precisa assumir a responsabilidade.

E, se não forem, é porque o comando não existe e qualquer soldado dispara contra quem e quanto quiser. Também neste caso, antes de exemplar os pés-de-chinelo, seus comandantes deveriam aparecer e assumir, no caso, sua irresponsabilidade.
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DEU NA FOLHA DE S. PAULO


ESPETÁCULO SEM PEDAGOGIA
Clóvis Rossi


OSAKA - Se já é difícil acompanhar, no Brasil, o prende-solta-prende de Daniel Dantas e demais famosos atingidos pela Operação Satiagraha, imagine do outro lado do mundo, com 12 horas de diferença horária (12 horas a mais aqui).


Escrevo à noite (aqui), mas de manhã (aí) e, portanto, há um dia inteiro para que o banqueiro e seus companheiros sejam soltos ou presos, dependendo da situação em que amanheceram aí.


Essa diferença horária torna até engraçada a chiadeira de leitores que ora atacam a Justiça, ora a Polícia Federal, quando uma prende e a outra solta Dantas (ou vice-versa), porque, quando é minha hora de ler a chiadeira, ela já foi atropelada pela prisão ou pela liberação do indigitado. À chamada "espetacularização" das ações da Polícia Federal corresponde a, digamos, "aceleração" da Justiça, ainda mais que Dantas não tem direito a foro especial que lhe permitiria recorrer diretamente ao Supremo.


Bem feitas as contas, tudo no Brasil tende ao espetáculo, o que não é necessariamente ruim. Ruim mesmo é o fato de que o espetáculo termina nele mesmo, sem produzir efeitos pedagógicos.


No caso específico de Daniel Dantas, por exemplo, passou completamente batido o fato de que ele foi beneficiado por uma flagrante ilegalidade autorizada -e até estimulada pelo governo federal. Refiro-me à venda da BrT (Brasil Telecom) para a Oi (antiga Telemar).


Foi feita contra a lei, mas na certeza de que a lei seria modificada.Dantas, diz a Folha, receberá mais de US$ 1 bilhão pelo negócio ilegal. Dessa bolada, já faturou R$ 139 milhões, devidamente transferidos (também ilegalmente) para o exterior.


Para o meu gosto, "espetáculo" mesmo seria, primeiro, o governo ser o principal guardião da lei, vetando e não estimulando negócios ilegais; segundo, pegar o dinheiro de volta. É mais pedagógico.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU NO JORNAL DO BRASIL


UM ESPAÇO VAZIO NAS RUAS
Villas-Bôas Corrêa

A melhor notícia dos últimos tempos, na contramão do povo encolhido e calejado pelo seriado de escândalos que pipocam nos três poderes, foi publicada na página A11 da edição de ontem do JB, enfeitado pelo título chamativo de Movimento Novo prega a renovação da Câmara do Rio.

Logo na abertura, as informações básicas: na marola de indignação com a matéria deste jornal sobre o alto custo dos vereadores cariocas, confrontado com a lista esquálida dos benefícios, foi lançado pelos líderes do Boicote ao IPTU, o movimento com o título chamativo de Vote Novo, que conta com a adesão de lideranças de seis bairros: Ipanema, Leblon, Leme, Humaitá, Copacabana e Méier.

É ainda pouco e nem poderia ser diferente. Mas a gritante oportunidade de cutucar a consciência da população para a crise ética que envolve no mesmo pacote, em níveis diferenciados, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, talvez embale no despertar da sonolência da cumplicidade omissa e saia para a rua, ocupe as praças públicas, arme barracas à frente do Congresso, das assembléias legislativas e das câmaras municipais – que são ou devem ser as casas do povo.

Em 60 anos de militância como repórter político não tenho lembrança de nada igual ou parecido. Não se apele para as comparações com os apagões da ditadura paisana do Estado Novo de Getúlio Vargas ou a fardada do rodízio dos cinco generais-presidente.

Mas para catar semelhanças e diferenças, pode-se comparar a apatia de agora com a brava mobilização dos estudantes que foram à luta nos idos de 60, com todos o risco da brutal repressão. Os caras-pintadas lideraram a passeata dos 100 mil, em 26 de julho de 1968, no governo do general-presidente Costa e Silva, na maior manifestação popular realizada no Rio e que ainda hoje é relembrada. A reação endureceu na violência e nas torturas até o espasmo do AI-5.

Agora, o quadro é inteiramente diferente. Não há sinais de vida nas águas paradas. Não podemos perder a oportunidade de uma cobrança do povo. E a hora de ir para a rua é exatamente agora, não amanhã ou depois.

Se o movimento Voto Novo não for adiante, seremos mais uma vez enganados pelo blá-blá-blá das promessas, das propostas mirabolantes que rolam das tribunas parlamentares com plenários vazios para a massificação nos programas milionários no soporífero horário de propaganda eleitoral.

A anunciada tentativa de mobilização do eleitor para valorizar o seu voto, como pano de chão para limpar a sujeira, necessita ser complementada pelo alerta para a tolice do voto em branco, que não é protesto, é a rendição do frouxo. Se o eleitor não sacar a arma do voto, está ajudando ao inimigo.

E as reivindicações básicas são de uma clareza de manhã de sol. O Congresso transformou-se no sepulcro das mordomias, das vantagens, das mutretas, das semanas de três dias úteis, da verba indenizatória para ressarcir despesas nos fins de semanas, dos gabinetes individuais entulhados de assessores, dos escândalos e das CPIs. Não satisfeitos, querem mais. Se a patuscada do bolsa defunto para as despesas como enterro de parlamentares não vingou, o baixo clero não se deu por vencido e promete novidades para depois da eleição.

A faxina do voto pode começar com a suspeição dos atuais parlamentares. Na eleição de outubro, de vereadores e prefeitos, o eleitor deve priorizar a renovação para injetar sangue novo no enfermo. E, com muito cuidado, selecionar as exceções para não cometer a injustiça de misturar o joio abundante com alguns grãos de trigo verde.

DEU EM O GLOBO


COM VIÉS DE ALTA
Miriam Leitão


A inflação entra no segundo semestre do ano já muito perto do teto da meta, os especialistas avisam que este é um período difícil, porque é a entressafra de vários alimentos e há ainda uma fila de tarifas esperando correção. O ministro Miguel Jorge, que entrevistei, comemorou os fortes investimentos no país. O Brasil vive este momento: a boa notícia dos investimentos; as sombras da inflação no horizonte.


O ministro Miguel Jorge, em entrevista que me concedeu na Globonews, disse que, depois de anos com os estados brigando para ser a sede de uma refinaria da Petrobras, agora há quatro sendo instaladas no país. Depois de anos sem um novo alto-forno, a siderurgia brasileira está com vários projetos sendo iniciados. Tudo isso, claro, aumenta a demanda agregada. É boa notícia, mas a política antiinflacionária tem que ser mais cuidadosa.
Quando sair o IPCA de julho, o Brasil estará acima da meta, juntando-se a todos os outros países que adotam metas de inflação e que, este ano, já estouraram o limite. Uma grande parte disso é a inflação de alimentos, que respondeu por mais da metade da alta de junho.

Sobre o comportamento dos preços dos alimentos no segundo semestre, os especialistas com quem conversamos acham o seguinte: o feijão tem alguma chance de cair de preço. A segunda safra do ano foi ruim, mas a terceira, em outubro, pode vir melhor e ajudar. Essa queda seria um alívio; nos últimos 12 meses, segundo apurado pela RC Consultores, ele subiu 134%; enquanto o arroz, seu companheiro, teve alta de 75%. O tomate também encareceu muito, 123%; a diferença dele é que, por ser hortifrúti, tem uma volatilidade muito maior, e a cesta de produtos sempre permite que se escolha outros alimentos. O açúcar e o café ficaram mais comportados.

O feijão não é exatamente um tradable. Ainda que seja plantado em larga escala, o plantio e o consumo são nacionais. O que houve com ele não foi pressão externa, mas o fato de que, nos últimos anos, aumentou a demanda (com o aumento da renda) e a oferta não acompanhou. O problema é que não se tem de onde importar quando o feijão fica escasso aqui.

- No caso do arroz, até tem mais países produzindo no mundo, mas eles também não têm para exportar - conta Fabio Silveira, da RC Consultores. Este ano, o comércio internacional de arroz, que não passa de 7% de tudo o que é produzido, foi restrito ainda mais pela proibição de exportação adotada por alguns produtores.

Fabio acredita num terceiro trimestre de relativa estabilização dos grãos, mas com alta das carnes, que estarão na entressafra até outubro. No quarto trimestre, se os preços internacionais ficarem estáveis, pode começar a ocorrer uma queda no preço interno dos alimentos.

- Não vejo nova pressão forte altista mundial, a não ser que o mercado enlouqueça e todo mundo decida fugir para os ativos ligados a commodities - comenta.
Nos últimos dias, a soja está em alta em Chicago.

O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, não acredita em queda dos preços de alimentos a curto prazo. Acha que, no caso do feijão, o mais provável é que ele não suba tanto, se for boa a última safra. No ano passado, foi exatamente nessa safra que as coisas desandaram, por excesso de chuva. O arroz não deve subir muito mais. As carnes é que estão pedindo atenção, pois elas têm subido tanto na safra quanto na entressafra (pelo índice da RC, em 12 meses, o boi subiu 53%; o frango, 21%; e os suínos, 84%). Ontem, no IPCA, foram o item que mais contribuiu para o resultado.

Sergio Vale, da MB Associados, diz que, depois de alguns saltos no preço, o mercado futuro de carnes até se acomodou um pouco, abaixo de R$95. Ele acha que poderá haver pressão na entressafra, ainda não incorporada nos futuros. O risco é de que, no segundo semestre, o "boi seja o que o arroz e o feijão foram nos últimos meses".

Para o professor Luiz Roberto, o IPA agrícola, que saiu na quarta-feira, preocupa; a alta dos alimentos continua muito forte no atacado:
- Se tivesse que fazer uma projeção para o segundo semestre, diria que é de incerteza, com viés de alta.
A previsão dele para 2008 é de um IPCA em 6,5% - no teto da meta. Fabio Silveira está com 6,3%. O IPCA de ontem veio 0,74%; isso fez o índice em 12 meses pular para 6,06%. Se for 0,7% no próximo mês, o país já vai ultrapassar o limite da meta.

- O problema é que, no segundo semestre, ainda terá muito preço administrado, como as tarifas de ônibus, que provavelmente terão aumentos após as eleições. Os serviços vão continuar pressionados e, quanto aos alimentos, ainda não se tem muita clareza, ainda que haja chances de que se acomodem um pouco - analisa o professor.

Com a inflação quase furando a meta, choques externos e crise de alimentos, este é um momento decisivo: se forem religados os mecanismos de indexação de salários, se os serviços conseguirem emplacar os reajustes que estão tentando, o país pode reavivar velhos fantasmas. Cena da vida real: o barbeiro do ministro Miguel Jorge reajustou o preço em 20%; e, neste caso, a demanda é inelástica, o ministro tem que cortar os cabelos de três em três semanas.

O ministro está entusiasmado, com razão, com os investimentos em andamento em vários setores e estados, pelo país afora. Para evitar que a boa notícia seja o combustível para a alta da inflação, é preciso que o governo contenha seus gastos.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


DEMARCAÇÃO DE TERRITÓRIO
Maria Cristina Fernandes


As chances de um encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a cúpula do PSDB, a pretexto de uma proposta de consenso de reforma política, já estavam detonadas antes mesmo de surgirem as algemas de Daniel Dantas. PT e PSDB não chegarão a qualquer conclusão se o banqueiro do Opportunity teve atuação mais vistosa na privatização da telefonia ou no mensalão às vésperas de uma eleição municipal. É com as urnas de outubro abertas que os dois partidos medirão forças para 2010. Não se deve esperar que se produzam acordos políticos nessas circunstâncias.

Lula chegou a falar sobre o pretendido encontro com o governador de Minas, Aécio Neves, e a mencionar a intenção de convidar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem se reencontrara, dias antes, no velório de Ruth Cardoso.

Lula deixou em Minas a impressão de que não havia escolhido o melhor momento para fazer a proposta. Com uma pauta excessivamente aberta e sem que os partidos sequer tenham consenso interno sobre os temas da reforma, não tardaria quem visse no encontro o pacto entre um presidente que prepara seu retorno e dois presidenciáveis tucanos em revezamento pelo poder. E que tudo se resumiria ao fim da reeleição.

O ícone desta aproximação entre os dois partidos é a disputa na capital mineira. A inaudita disposição do presidente da República de subir neste palanque, revelada em sua passagem por Itajubá, dias atrás - "Vou participar pouco das eleições municipais, mas Belo Horizonte é uma das cidades que eu quero ir" - teve, no entanto, efeitos opostos sobre os dois principais artífices da aliança local, Aécio e o prefeito Fernando Pimentel (PT).

Entre os tucanos mineiros, a impressão é de que Lula foi até além do que se esperava na declaração de seu entusiasmo por uma coligação que, apesar de não ser oficialmente integrada pelo PSDB, tem, no Palácio da Liberdade, seu principal bunker. "A participação do governador Aécio é importante porque , certamente, vai ajudar a gente a eleger o candidato", disse, Lula, em Itajubá, já senhor da situação.

Assim como Lula, Aécio também tem uma intensa agenda de viagens para participar de eventos de campanhas municipais. Estreará em Curitiba, onde o PSDB tem o seu mais franco favorito nas capitais, o prefeito Beto Richa. No Rio, já mobilizou economistas da Casa das Garças, muitos dos quais ocuparam cargos de primeiro escalão no governo FHC, para ajudar o candidato do PV, Fernando Gabeira na elaboração de seu programa de governo. No início desta semana, recebeu um coordenador da campanha de Geraldo Alckmin, em São Paulo, para discutir os rumos da campanha. Apostou que o governador de São Paulo, José Serra, será levado a subir no palanque de Alckmin pela polarização que a imagem de Marta Suplicy colada a de Lula produzirá em São Paulo.

Se a desenvoltura de Lula no palanque belorizontino incomoda o PSDB mineiro, é, por outro lado, um desagravo ao prefeito Fernando Pimentel, que enfrentou todo o primeiro escalão mineiro do governo federal para manter a aliança com Aécio.

O encontro de Itajubá aconteceu um mês depois daquele que reuniu, no Palácio do Planalto, Lula, Pimentel, o vice-presidente José Alencar, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, e três ministros mineiros, Hélio Costa (Comunicações), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Luiz Dulci (Secretaria-Geral). Naquele encontro, motivado em grande parte pelo desvelo de Lula com Alencar, Pimentel ouviu a queixa generalizada de que o acordo havia sido costurado com Aécio à revelia de toda a base mineira do presidente. E a insistência para que se trocasse o candidato da aliança.

Conjuntura eleitoral desfavorece acordos

Ao final da reunião, o prefeito dirigiu-se a Lula e perguntou: "Então é isso que o sr. quer, presidente?". E ouviu dele: "É isso que eles querem". Pimentel voltou para BH e não moveu uma palha, mas o bombardeio continuou pelos jornais.

O acordo acabou saindo e, em Itajubá, Lula passou um pito nos mineiros da Esplanada: "Eu confesso que depois do PT de Minas aprovar - municipal, estadual - e depois da convenção aprovar, eu acho que a direção nacional do partido poderia tranquilamente apenas ter confirmado tudo o que aconteceu. Se tivesse que fazer uma repreensão ao Pimentel, que a fizesse em segredo, porque o jogo estava sendo feito à luz do dia, todo mundo sabia o que estava acontecendo em Minas Gerais".

A guerra dos petistas de Minas acabou conflagrando a pré-disputa pelo governo do Estado em 2010, que, apenas na base lulista, tem Pimentel, Hélio Costa e Patrus como candidatos. Dos três, o ministro das Comunicações é o que mais tem-se movimentado para montar sua base de prefeitos nessa campanha.

No campo petista, a aposta do grupo de Pimentel é que a disputa pelo comando do PT, em 2009, acabe minguando o poder de seus adversários locais no partido. Por esse raciocínio, o PT estaria dividido hoje entre aqueles que querem entregar a Lula o comando de sua sucessão, grupo em que estaria o prefeito de Belo Horizonte, e aqueles que vêem necessidade de o partido ter voz mais ativa no processo.

Na última eleição do PT, os grupos que não são automaticamente alinhados ao presidente avançaram numa conjuntura marcada pelo dossiê contra Serra, cuja produção envolveu próximos a Lula, carinhosamente chamados por ele de aloprados.

A expectativa dos grupos mais lulistas é de retomada majoritária do partido em 2009. Pelo tempo que separa a operação Satiagraha da sucessão petista é difícil imaginar relação de causa e feito, mas não terá sido a primeira vez que a Polícia Federal afeta uma disputa interna no partido. A diferença é que, na primeira vez, no caso do dossiê, o ministro da Justiça, a quem a PF deveria estar subordinada, não era filiado ao PT.

Com as cartas embaralhadas no petismo, cresce a chance de Lula, pela primeira vez, tirar da cartola o presidente que conduzirá o partido na escolha de seu sucessor. E a partir daí demarcar a distância que o separa do PSDB.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O HOMEM QUE RACHA O PODER
Eliane Cantanhêde


BRASÍLIA - As pessoas comuns parecem unânimes contra Daniel Dantas, mas os poderes, os poderosos e os que se julgam poderosos se mostram furiosamente divididos em função dele e de sua prisão.

No governo, José Dirceu era pró-Daniel Dantas, e o também ministro Luiz Gushiken, anti. E ambos eram do Conselho Político de Lula. Durma-se com um barulho desses. Desde então, a divisão pró e anti-Dantas avançou pelo PT, chegou aos Poderes -e alimenta e é alimentada por blogs ditos independentes.

Comenta-se que há jornalistas se matando, uns a favor, outros contra o megabanqueiro baiano-carioca e tucano-petista. Diante das prisões dele, de sua irmã e de toda a cúpula do Opportunity, ao lado do ex-prefeito Celso Pitta e do eterno megainvestidor Naji Nahas (diz-me com quem andas...), as divisões explodem.

A Polícia Federal e a Procuradoria decidem contra Daniel Dantas, e o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a favor, vociferando contra a "espetacularização" da prisões. Dantas acabou dividindo a própria Justiça, que evoluiu num balé prende-e-solta. Num dia, manda prender. No seguinte, manda soltar. No terceiro dia, prende de novo. E o que foi mais espetacular: a prisão de Dantas ou a decisão de Mendes de soltá-lo?

Enquanto isso, no Senado, Heráclito Fortes e Tasso Jereissati abrem o vozeirão para recriminar a prisão, e Pedro Simon faz caras, bocas e principalmente gestos em apoio à ação da PF.

O próprio PT dividiu-se entre os com e os sem-jantares com Daniel Dantas. Uns não param de se justificar, os outros ficaram subitamente sem voz. Perdida como cego no tiroteio de ministros, delegados, juízes, blogueiros, tucanos e petistas, a senadora Ideli Salvatti teve um lampejo acaciano.

Sabe por que Daniel Dantas divide o poder, os poderosos e os que se julgam poderosos? Porque é "o maior corruptor da história". Simples assim.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


QUANTO VALE UM BARRIL?
Clóvis Rossi

OSAKA - Diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser "inconcebível" que o preço do petróleo ande aí pelas alturas de US$ 140 o barril.


Sempre haverá quem ache que o presidente teve uma recaída e incorporou o caboclo sindicalista azedo e resmungão de tempos que não voltam mais.


Nada disso. Basta ler o que escreveu ontem Junichi Abe, redator-sênior do jornal "Yomiuri Shimbun", que não é órgão oficial de algum partido comunista: "A indústria do petróleo acredita que o preço do petróleo tecnicamente deveria estar entre US$ 70 e US$ 80 por barril, segundo cálculos baseados nos custos de produção e gerenciamento. A indústria acredita que fundos especulativos são responsáveis pelo fato de as forças de mercado terem puxado o petróleo muito além desse nível".


Muito bem. Se o presidente George Walker Bush acha mesmo que a culpa pela disparada de preços dos alimentos é do petróleo caro, se o petróleo está caro, ao menos em parte, pela especulação nos mercados futuros, o lógico seria tentar pôr algum tipo de limite à especulação, certo? Certo apenas para a sabedoria convencional. Para Bush, é errado mexer com as tais forças de mercado. De fato, não é uma ação fácil nem indolor, como diz Anatole Kaletsky, colunista do britânico "The Times": "A questão já não é se os preços do petróleo devem ser deixados a cargo do mercado, mas se intervenções políticas que atropelem as forças de mercado melhorarão ou piorarão a situação".


É uma dúvida relevante, para a qual a resposta só virá na eventualidade de ocorrerem as "intervenções políticas". Por ora, o que se sabe é que a alta combinada do petróleo e dos alimentos levou mais 100 milhões de pessoas à fome, nos cálculos de Robert Zoellick, o presidente do Banco Mundial, que está longe de ser um fanático do intervencionismo estatal.