terça-feira, 29 de outubro de 2019

Míriam Leitão – Argentina volta aos peronistas

- O Globo

Macri prometeu transformar a Argentina, mas fracassou. Fernández herdará um país em forte crise e terá pouco espaço para medidas populistas

Quando o presidente Maurício Macri tomou posse, em dezembro de 2015, um dólar valia 9,74 pesos. Ele deixará o governo com uma taxa próxima de 60 pesos. A moeda americana teve uma valorização de 500% nesse período. Para um país no qual o dólar sempre foi a grande referência econômica, é uma medida do fracasso. É bem verdade que parte da alta ocorreu agora, desde as primárias, indicando a volta do peronismo, quando subiu de 45 para 60. Ontem, a primeira medida do BC foi apertar mais o câmbio.

O eleitor argentino escolheu trazer os peronistas de volta, uma vez mais, mas ao mesmo tempo deu um sinal à direita de que ela pode continuar no jogo político. Na economia, o presidente eleito, Alberto Fernández, terá que imediatamente sair da ambiguidade que conseguiu manter durante a campanha. Os argentinos deram a ele a Presidência sem saber qual era seu plano econômico, nem quem ele nomearia para os cargos-chave da área. Ontem, o presidente eleito escolheu quatro pessoas para tratar da transição, nenhum deles é economista. A crise não deixará muita margem para esperar: o país está com uma inflação de mais de 50%, um acordo com o FMI em compasso de espera e falta de dólares em reservas. A forte desvalorização após as primárias certamente pressionará a inflação nesta curta transição.

Não foi a lavada que se prenunciava, após as primárias, mas o peronismo-kirchnerista teve uma vitória robusta. Ganhou não só no primeiro turno como venceu com Axel Kicillof na província de Buenos Aires, derrotando a governadora em exercício, María Eugenia Vidal, que é muito ligada a Maurício Macri. Por outro lado, o resultado das urnas reduziu a distância entre vencedor e vencido, e o Cambiemos, de Maurício Macri, terá uma bancada importante na Câmara e no Senado para fazer oposição.

José Casado - Justiça de rico e de pobre

- O Globo

São 337 mil. É gente suficiente para encher quase cinco Maracanãs em dia decisivo para o Flamengo matar a fome de 38 anos na Libertadores.

São quase todos jovens, periféricos, pobres, negros e mulatos, alguns quase brancos ou quase pretos de tão pobres, como descreve Caetano Veloso em “Haiti”.

Presos “provisórios”, para a burocracia, e já somam 41,5% do total de encarcerados (818,8 mil em agosto). São pessoas forçadas a viver dentro das 2,6 mil cadeias. Cumprem pena mesmo sem condenação.

A maioria está trancada há pelo menos quatro anos, 48 meses ou 192 semanas. Espera a assinatura de um juiz para decidir o rumo: vida em liberdade ou no exército oferecido pelo Estado brasileiro aos 80 grupos criminosos que controlam presídios.

Semana passada foram lembrados no plenário do Supremo pelo juiz Luís Roberto Barroso: “Justamente porque o sistema é muito ruim, perto de 40% dos presos do país são presos provisórios. Muitos, sobretudo os pobres, já estão presos desde antes da sentença de primeira instância.”

Ricardo Noblat - O velho truque de usar o filho como laranja nas redes sociais

- Blog do Noblat | Veja

Desrespeito às instituições
O que lhe vem à cabeça quando ouve falar de hienas? O som que emitem e que parece uma risada tétrica? A feiura e o tamanho da cabeça desproporcional ao corpo? Os dentes sempre à mostra? A ferocidade e o costume de atacar em bandos quase sempre à noite? O caráter dissimulado, traiçoeiro? O apetite por comida podre, de preferência roubada a outros animais?

Como você reagiria se fosse comparado a uma hiena? Em sua conta no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro postou um vídeo que mostra um leão cercado por hienas. O leão é ele. Cada hiena carrega um selo na cabeça: Supremo Tribunal Federal, Ordem dos Advogados do Brasil, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, PT, PSDB, PSL, TV Globo, Folha de S. Paulo, VEJA.

Atacado, exausto, o leão acaba salvo por outro que entra em cena com o nome de “Conservador e Patriota”. Os dois leões confraternizam. A imagem deles cede a vez à imagem da bandeira brasileira. E do centro da bandeira emerge uma foto do presidente Jair Bolsonaro. Diminui o fundo musical para que se ouça a voz de Bolsonaro dizendo: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

Com menos de duas horas no ar, o vídeo foi acessado na conta de Bolsonaro pelo menos 1,2 milhão de vezes. Até que foi apagado. Fontes do governo informaram que Bolsonaro mandou apagar. E insinuaram que o vídeo havia sido postado por Carlos, o Zero Três, que tem acesso às senhas do pai. Bolsonaro não manda nos filhos. Mas quer que se acredite que sabe mandar no país.
Pai e filho já se valeram do truque em outras ocasiões. Um finge que fez algo à revelia do outro. A depender da repercussão, o outro diz que mandou apagar. Por vezes, sob pressão dos ofendidos, é o pai que manda que o filho apague. Por vezes, é do filho a inciativa de apagar porque o objetivo foi alcançado. No caso do vídeo dos leões e das hienas, os objetivos foram pelo menos dois.

Primeiro, açular os bolsonaristas para que defendam um presidente cercado de inimigos e sob ataque. Segundo, distrair a atenção do país no momento em que são revelados áudios de Fabrício Queiroz, amigo há mais de 40 anos de Bolsonaro, sócio da família no esquema das rachadinhas. Mais um áudio foi conhecido ontem. Nele, Queiroz debocha do Ministério Público Federal

Para não dar gosto a Bolsonaro e ao filho vereador, as instituições identificadas como hienas preferiram calar-se. Mas o integrante de uma delas, o ministro Celso de Mello, não se conteve e reagiu à altura. Soltou uma nota onde disse que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um Chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções”.

A irritação do ministro com o presidente da República vem num crescendo. Antes da eleição de Bolsonaro, Celso de Mello cogitou aposentar-se este ano, embora só fosse obrigado a fazê-lo no próximo ao completar 75 anos. Depois que Bolsonaro tomou posse, Celso de Melo desistiu da ideia. Resistirá no cargo até o fim. E, quando necessário, atirando.

Andrea Jubé - Pode ser a gota d’água

- Valor Econômico

Crise no PSL amplia lista de ressentidos com Bolsonaro

Na cúpula do PSL, o coração dos aliados do presidente Luciano Bivar é um pote até aqui de mágoa com o presidente Jair Bolsonaro. “Ele já passou por oito partidos, pergunte de qual deles ele cobrou transparência”, provoca um deputado bivarista sobre a exigência do principal correligionário de clareza na contabilidade partidária.

“Não acredito em convergência”, sentenciou outro bivarista, embora Bolsonaro tenha mencionado “porventura um acordo” com o PSL em declaração durante a visita aos Emirados Árabes.

Ontem a postagem de um vídeo no perfil oficial de Bolsonaro no Twitter voltou a cutucar a onça e colocar em dúvida uma chance de entendimento. O vídeo comparava o presidente a um leão cercado por hienas: uma delas seria o PSL. A postagem depois foi apagada, mas animou a deputada Joice Hasselmann, alijada por Bolsonaro da liderança do governo, a reagir com agressividade: “a burrice é ilimitada”, escreveu.

Com os processos de destituição de Eduardo Bolsonaro da presidência do diretório paulista e de expulsão de deputados bolsonaristas em tramitação na Comissão de Ética, os principais atores da briga no PSL se entricheiraram para aguardar o próximo tiro.

Robinson Borges - Por trás desse sorriso

- Valor Econômico

Sinais de desigualdade ajudam a explicar o sucesso de “Coringa”

Compreender a dimensão da desigualdade na sociedade, entender suas razões estruturais e discutir amplamente propostas para diminuí-la, longe do binarismo, é o caminho para afastar figuras insanas elevadas à categoria de heróis na vida real

“Coringa”, blockbuster que deve arrecadar US$ 1 bilhão nas bilheterias do mundo todo, tem como um de seus grandes méritos captar o espírito do tempo.

Em uma das muitas cenas incômodas do filme, uma mulher, terapeuta e negra, comunica ao protagonista, um homem branco e usuário do serviço, que os interesses de ambos estão unidos graças a uma aliança das elites, que decidiu cortar as verbas para a continuidade do trabalho.

Esse diálogo, na visão do escritor Micah Uetricht, revela que, apesar das fronteiras de gênero e de raça, os dois têm um inimigo de classe comum.

O homem branco é Arthur Fleck. Com uma risada medonha e incontrolável, ele é um comediante fracassado, que faz bicos como palhaço e apanha nas ruas de uma metrópole nojenta, corrupta e desigual. Nessa micropolítica de humilhação, a opressão se pereniza.

Sua história muda quando, vestido de palhaço, Arthur mata três jovens arrogantes e bem-sucedidos do mercado financeiro que o agrediram no metrô. O crime divide a sociedade, e Arthur, que até então vivia o abandono pela indiferença do outro, psicotiza, vira herói e assume-se como Coringa. Na sequência, uma convulsão social explode em Gotham City.

Visto como maniqueísta por uns e como uma ode à vitimização por outros, “Coringa” também foi exaltado como melhor filme no Festival de Veneza, já desponta como um dos favoritos ao Oscar e transformou-se em tema de debates nas áreas de cultura, psicanálise, sociologia, política, economia e saúde mental.

Vera Magalhães - O pito do decano em Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

O decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, divulgou nota na noite desta segunda-feira condenando a divulgação de um vídeo pelo presidente Jair Bolsonaro em que ele é comparado a um leão cercado de hienas identificadas como partidos e instituições, entre as quais o próprio STF. O vídeo posteriormente foi apagado.

“A ser verdadeira a postagem feita pelo Senhor Presidente da República em sua conta pessoal no “Twitter”, torna-se evidente que o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um Chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções, pois o vídeo que equipara, ofensivamente, o Supremo Tribunal Federal a uma “hiena” culmina, de modo absurdo e grosseiro, por falsamente identificar a Suprema Corte como um de seus opositores”, escreve Mello.

Ele diz que o comportamento, além de demonstrar completa falta de postura presidencial “também constitui a expressão odiosa (e profundamente lamentável) de quem desconhece o dogma da separação de poderes e, o que é mais grave, de quem teme um Poder Judiciário independente e consciente de que ninguém, nem mesmo o Presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.

“É imperioso que o senhor presidente da República – que não é um ‘monarca presidencial’, como se o nosso País absurdamente fosse uma selva na qual o leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados – saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a magistratura do Brasil”, conclui.

Eliane Cantanhêde - Macron, Macri...

- O Estado de S.Paulo

Depois da França, nova guerra ideológica de Bolsonaro é com a fundamental Argentina

Quem atacou primeiro, Bolsonaro ou Macron, Bolsonaro ou Alberto Fernández? Cada um tem sua versão, mas o resultado é que as relações do Brasil com a França se deterioraram e com a Argentina têm um horizonte sombrio. E para que? Quem lucra com isso?

O presidente Jair Bolsonaro não deveria se meter nas eleições da Argentina, apoiando um candidato já então virtualmente derrotado e destratando a chapa favorita e afinal vitoriosa. Nem por isso Fernández deveria, já no primeiro instante, lançar o “Lula livre”. Uma provocação boba, além de um desrespeito ao Judiciário brasileiro. E a guerra continua.

Brasil e Argentina são parceiros inseparáveis, gostem ou não seus presidentes. Juntos, lideram o Mercosul, somam dois terços do território, da população e da economia de toda a América do Sul e, apesar de muito menor do que os gigantes China e EUA, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial brasileiro, logo atrás dos dois. Crises nesses casos cruzam fronteiras.

As ondas na América do Sul são historicamente coordenadas: o populismo a la Peron e Vargas, as ditaduras militares monitoradas por Washington no Uruguai, Paraguai, Argentina, Brasil e Chile, a redemocratização com hiperinflação de Alfonsin e Sarney, a estabilização econômica (ou “neoliberalismo), liderada pelo Brasil e disseminada por toda parte.

Pedro Fernando Nery* - Uganda, aqui

- O Estado de S.Paulo

Há no Brasil uma multidão que tem renda média próxima à daquele país africano

Uganda é um dos países mais pobres do mundo. É mais pobre que a Zâmbia, o Senegal, o Zimbábue. É tão pobre que tem cerca de metade do PIB per capita do Sudão. Ou de Bangladesh. Quase um terço daquele da República do Congo.

Muita gente mora em Uganda: entre 40 e 44 milhões, uma das maiores populações da África. Uganda é atrasada: chamou recentemente atenção da imprensa internacional quando o primeiro-ministro Ruhakana Rugunda tentou criar um imposto sobre mídias sociais, ou quando foi perguntando se pretende mesmo introduzir a pena de morte para homossexuais.

A miséria de Uganda parece distante daqui. Seu PIB per capita foi equivalente a 15% do PIB do Brasil em 2018, na estimativa do Banco Mundial (mesma proporção da projeção do governo americano para 2017).

Hélio Schwartsman - A Argentina e as leis da política

- Folha de S. Paulo

Macri foi deposto pela mesma insatisfação que o elegera

Não foi o massacre que se antecipava, mas Alberto Fernández venceu com folga a eleição presidencial argentina. Operou aí a mais previsível e implacável das leis da política: quando o eleitor está insatisfeito com a performance da economia, ele troca o governante, pouco importando se a punição é justa ou injusta, se resolve ou agrava os problemas.

Curiosamente, o atual presidente, Mauricio Macri, ascendera ao poder no rastro da destruição econômica legada pela ex-presidente Cristina Kirchner. Como não arrumou a casa em quatro anos, é agora deposto pela mesma insatisfação que o elegera.

Numa caricatura da lei do movimento pendular da política, Kirchner volta ao entorno do poder, na condição de vice-presidente. Sabendo que seu nome divide o país em duas bandas agressivamente antagônicas, ela optou por não disputar a Presidência, colocando-se como vice de Fernández. O fato de o pleito ter sido mais apertado do que se supunha mostra que seu cálculo fazia sentido.

Ranier Bragon – Absurdamente normal

- Folha de S. Paulo

Se inocentes, presidente e filhos podem provar que não praticaram mutretas; por que não o fazem?

"O pessoal quer pegar fantasma e rachadinha o tempo todo."

A reclamação de Jair Bolsonaro diz respeito aos áudios em que Fabrício Queiroz comenta com vigor juvenil a pica-cometa de posse do Ministério Público e a suspeita da existência de uma funcionária fantasma no gabinete de Carlos Bolsonaro. Sobre esse último ponto, o presidente conseguiu se contradizer na mesma frase.

"A Cileide (...) sabia que não ia continuar conosco porque, eu eleito, o Flávio eleito, o eleito viria para Brasília. Se bem que ela estava no gabinete do Carlos. Mas é mudança normal, não tem nada para espantar."

Além de Cileide, a Folha revelou outros casos. Wal na verdade vendia açaí. Nadir afirmou nunca ter trabalhado para Carlos. Nathalia, filha de Queiroz, figurava no gabinete de Jair, mas atuava como personal trainer.

Pablo Ortellado* - Luta de classes

- Folha de S. Paulo

Conservadores usam ressentimento de classe para se contrapor ao progressismo da classe média

“Luta de classes”, novo filme em cartaz nos cinemas, discute o paradoxo dos progressistas que adotam um discurso em defesa dos oprimidos que muitas vezes é rejeitado por seus supostos beneficiários.

No filme, um casal progressista —ele, um baterista de uma banda punk; ela, uma advogada bem-sucedida— se muda para a periferia de Paris e tem que lidar com o isolamento social do filho na escola pública.

Os filhos de trabalhadores e imigrantes que frequentam a escola demonstram desprezo, quando não rechaço, aos valores progressistas daquela família de formação universitária: sobre a laicidade, sobre os males do capitalismo, sobre a emancipação das mulheres e sobre o respeito à diversidade.

O paradoxo retratado no filme é real e tem sido explorado por campanhas políticas conservadoras tanto na Europa como no Brasil.

Por um lado, parece evidente que os ventos sopram a favor do progressismo. Por mais que a situação ainda seja ruim, se olharmos para as transformações no decorrer do tempo, vemos com clareza que mulheres, negros e a população LGBT conseguiram impor novos padrões de sociabilidade balizados pela igualdade e pelo respeito.

Mas, a despeito das mudanças, os conservadores conseguiram engajar grupos sociais mais refratários numa resistência ativa que pode, senão ameaçar, pelo menos travar a continuidade desses avanços.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Bolsonaro planeja um golpe de Estado?

- Folha de S. Paulo

Discurso do presidente e de seu núcleo ideológico encoraja delírios

Não há dúvida sobre a posição de Jair Bolsonaro sobre o golpe militar brasileiro e a ditadura que se lhe seguiu: aprovação entusiástica. Não faltam declarações antigas suas dizendo que o erro da ditadura foi ter matado pouco.

Mais recentemente, repetiu o elogio ao golpe militar em sua fala à ONU: “A história nos mostra que, já nos anos 1960, agentes cubanos foram enviados a diversos países para colaborar com a implementação de ditaduras. Há poucas décadas tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados! Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade”.

A retórica presidencial e de seu núcleo mais ideológico é uníssona em promover o estado de espírito exaltado que pode servir de preparo a um golpe. Os protestos no Chile e no Equador servem para insuflar seu discurso da ameaça comunista.

Seguindo a teoria da conspiração de Olavo de Carvalho (guru de pessoas importantes do governo, inclusive seu filho Eduardo), atribui-se ao todo-poderoso Foro de São Paulo qualquer movimentação à esquerda que ocorra no continente.

Toffoli quer 'antídoto’ para combater prescrição de pena

Em texto enviado ao Congresso, presidente do STF propõe congelar prazo quando condenado em 2ª instância recorre a Cortes superiores

Rafael Moraes Moura | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Na iminência de o Supremo Tribunal Federal (STF) revisar a atual jurisprudência da Corte e derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, encaminhou nesta segunda-feira, 28, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição de casos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF. O julgamento sobre a execução antecipada de pena foi marcado para ser retomado na quinta-feira da próxima semana, 7.

O objetivo da proposta de Toffoli é de interromper o prazo de prescrição após condenação em segunda instância, enquanto ainda tramitam recursos em tribunais superiores. Dessa forma, o prazo da prescrição seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrem com recursos em instâncias superiores para reverter a decisão da Justiça.

Caso seja aprovada pelos parlamentares, a proposta de Toffoli reduziria uma das principais críticas à derrubada da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância: a da morosidade da Justiça acabar levando à prescrição de casos que se arrastam indefinidamente devido aos sucessivos recursos apresentados pelas defesas dos réus, que adiam por meses e até anos uma decisão definitiva da Justiça.

Segundo integrantes da Corte ouvidos pelo Estado, já há precedentes na Primeira Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a Segunda Turma costuma se posicionar no sentido contrário, o que facilita a prescrição.

“Senhor presidente, cumprimentando-o, e com respeito à independência das Casas Legislativas, encaminho a Vossa Excelência – sem prejuízo de outro entendimento ou proposição – sugestão de alteração legislativa no Código Penal, no sentido de impedir o transcurso do prazo prescricional no caso de interposição de recurso especial ou extraordinário”, escreveu Toffoli, em ofício encaminhado aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

“Com a alteração legislativa sugerida, evitar-se-á eventual extinção da punibilidade por prescrição o no âmbito dos tribunais superiores”, ressaltou Toffoli.

Voto de Toffoli deve definir julgamento da 2ª instância
A prisão após condenação em segunda instância é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato no combate à impunidade. Ainda faltam votar quatro ministros no julgamento que o Supremo vai retomar dia 7 de novembro: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Toffoli, que, por ser presidente, será o último a se manifestar o caso.

‘Atrevimento parece não encontrar limites’, diz Celso de Mello sobre vídeo de Bolsonaro

Decano do STF critica publicação na página oficial do presidente, que o mostra como leão encurralado por hienas


Rafael Moraes Moura | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse em nota nesta segunda-feira, 28, que “o atrevimento presidencial parece não encontrar limites”, ao comentar um vídeo publicado nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro que mostra o ex-deputado federal do PSL como um leão encurralado por hienas. Na lista das hienas que atacam o leão Bolsonaro, estão o STF, a Organização das Nações Unidas (ONU), o seu partido PSL e siglas de oposição – entre as quais o PT e o PC do B –, além da imprensa.

“É imperioso que o senhor Presidente da República – que não é um ‘monarca presidencial’, como se o nosso País absurdamente fosse uma selva na qual o Leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados – saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a magistratura do Brasil”, disse o decano, em nota.

O vídeo foi postado nas redes sociais de Bolsonaro e apagado depois. No filme, o rei da selva se alia a outro leão, chamado “conservador patriota”, parte para o contra-ataque e vence seus inimigos. “Vamos apoiar o nosso presidente até o fim. E não atacá-lo. Já tem a oposição para fazer isso!”, dizem os letreiros sobrepostos às imagens da fuga.

“O atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções, pois o vídeo que equipara, ofensivamente, o Supremo Tribunal Federal a uma ‘hiena’ culmina, de modo absurdo e grosseiro, por falsamente identificar a Suprema Corte como um de seus opositores”, afirmou Celso de Mello.

‘Leão’ em vídeo, Bolsonaro derrota ‘inimigos’

Montagem com o presidente como rei da selva sendo atacado por hienas com nomes de STF, ONU e partidos é apagado após repercussão negativa

Mateus Vargas | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Um leão encurralado e prestes a ser atacado por hienas. Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro apareceu nesta segunda-feira, 28, em um vídeo postado em suas redes sociais, compartilhado por ele e apagado aproximadamente duas horas depois, após muita polêmica. Na lista das hienas que correm saltitantes na savana, atrás do leão Bolsonaro, estão o Supremo Tribunal Federal (STF), a Organização das Nações Unidas (ONU), o seu partido PSL e siglas de oposição – entre as quais o PT e o PC do B –, além da imprensa.

No filme, o rei da selva alia-se a outro leão, chamado “conservador patriota”, parte para o contra-ataque e vence seus inimigos. No meio da briga selvagem, chega a dar sinais de derrota, mas resiste e até abocanha o adversário “Lei Rouanet”.

Com forte rugido, a dupla bota as hienas para correr. “Vamos apoiar o nosso presidente até o fim. E não atacá-lo. Já tem a oposição para fazer isso!”, dizem os letreiros sobrepostos às imagens da fuga.

Os leões celebram a vitória esfregando as jubas. A montagem se encerra com a transição de imagens da bandeira do Brasil para a de Bolsonaro de braços abertos. A trilha sonora épica dá espaço a uma gravação do presidente repetindo o seu lema de campanha: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Feita sobre um vídeo real de uma disputa de leões e hienas, a montagem foi apagada do perfil do presidente depois de forte repercussão negativa.

A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) informou que não participou da postagem e não comentará a publicação. Bolsonaro está em Riad, na Arábia Saudita, onde cumpre agenda de viagens pela Ásia e Oriente Médio.

“Carluxo”
Nos bastidores, a autoria do polêmico vídeo foi atribuída ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho “zero dois” do presidente, que gerencia as publicações do perfil do presidente nas redes sociais. Na prática, a repercussão pôs “Conservador patritota” e “Carluxo” – apelido de Carlos -- entre os assuntos mais comentados no Twitter.

Eleições locais na Colômbia são golpe para governo conservador

Candidata homossexual é eleita primeira mulher prefeita de Bogotá

- O Globo

As eleições locais realizadas ontem na Colômbia são consideradas um marco nas duas principais cidades do país, Bogotá e Medellín. Com 35,23%, Claudia López, candidata da Aliança Verde, torna-se a primeira mulher eleita prefeita na capital. Ela, que em meados da década passada denunciou o conluio entre política, tráfico de drogas e paramilitares, e provavelmente foi a representante pública que mais defendeu a luta contra a corrupção nos últimos anos, venceu Carlos Fernando Galán, filho do candidato presidencial morto em 1989, com 32,47%. ex-senadora,

de origem popular, lésbica, forte defensora do processo de paz com a extinta guerrilha das Farc, López ocupará o segundo lugar em relevância política em um país conservador e principalmente católico. Em seu primeiro pronunciamento como prefeita eleita, prometeu “unir Bogotá”.

—Vamos fazer um governo para todos, não apenas para aqueles que confiaram em nós — disse López, que falou sobre educação, transporte, mudança e igualdade. — Bogotá votou para derrotar o machismo e a homofobia. Não duvide: mudança e igualdade são imparáveis.

O beijo entre a prefeita eleita e sua mulher, Angélica Lozano, no salão onde o partido acompanhava os resultados, foi muito compartilhado nas redes sociais, no domingo, e ontem despertou críticas e elogios. “Um beijo, que pode ser um ato tão cotidiano, foi tomado como agressivo por certos setores ultraconservadores”, observou a revista colombiana Semana.

Direita sai em vantagem para 2º turno no Uruguai

No poder desde 2005, Frente Ampla perdeu eleitores em relação ao primeiro turno da última eleição, em 2014

- O Globo

O candidato à Presidência do Uruguai pela Frente Ampla, coalizão de esquerda que governa o país desde 2005, enfrentará no segundo turno, em 24 de novembro, o desafio de reconquistar pelo menos parte dos eleitores que apoiaram candidatos de direita na eleição do último domingo.

Ex-prefeito de Montevidéu, Daniel Martínez teve 39,2% dos votos, contra 28,6% de Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional ou Blanco, de centro-direita. Lacalle Pou, contudo, já recebeu o apoio de Ernesto Talvi, do liberal Partido Colorado, que teve 12,3% dos votos, e de Guido Manini Rios, do direitista Cabildo Aberto, que teve 10,9%. Juntas, as três forças superararam a situação.

Segundo Mariana Pomies, diretora do instituto de pesquisas Cifra, para vencer Martínez terá que recuperar grande parte dos quase 9% dose leitores que apoiaram a Frente Ampla no primeiro turno das eleições de 2014, mas votaram na oposição desta vez.

— Sua estratégia será conquistar eleitores que não pertencem ao Partido Nacional e que não estão em sintonia ou não têm afinidade ideológica com Lacalle Pou — disse Pomies à Bloomberg.

Congresso cobra diálogo de Bolsonaro com o presidente eleito argentino Alberto Fernández

Para parlamentares, é preciso agir com responsabilidade para preservar as relações com a Argentina

Eliane Oliveira | O Globo

BRASÍLIA - Parlamentares de diferentes partidos que integram as comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado e da Câmara cobraram uma postura menos agressiva do governo brasileiro em relação ao presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández . De forma geral, a avaliação de governistas e opositores é que atitude hostil e inédita do presidente Jair Bolsonaro de não querer cumprimentar o candidato vencedor das eleições de domingo no país vizinho não pode se sobrepor ao diálogo entre os dois maiores sócios do Mercosul.

— Sem noção! Eleições em países vizinhos não nos dizem respeito. Temos um fluxo importante de comércio com a Argentina nas manufaturas e isso pode nos atrapalhar muito. Temos que unir forças para brigar contra o desemprego e a fome que assola os brasileiros — disse a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), ex-ministra da Agricultura no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (GO), ponderou ter sido "desnecessário" o gesto de Fernández de ter defendido a libertação do ex-presidente Lula, mas lembrou que a Argentina é o terceiro maior comprador de produtos brasileiros, especialmente de bens industrializados. Defendeu responsabilidade, "para não gerar prejuízo às nações".

— Posso não ter gostado do resultado da eleição, e de fato não gostei. Contudo, os dois presidentes saberão se respeitar. Os dois países estão numa situação bastante complicada e ninguém vai querer atrapalhar a vida um do outro — disse Olímpio.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro está se comportando como "um menino mimado e irresponsável", ao pôr em risco as relações entre o Brasil e a Argentina. Já o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Marcos de Val (Podemos-ES), acredita que a situação ficará mais difícil a partir de agora.

— Até porque ganhou a eleição um governo de esquerda, em que a vice-presidente eleita (Cristina Kirchner) é acusada de corrupção. Mas o Mercosul é muito importante — disse De Val.

O deputado Carlos Zaratini (PT-SP) criticou o que chamou de intromissão de Bolsonaro em assuntos internos. Ele acredita que, por trás desse ato hostil, está a intenção de retirar o Brasil do Mercosul e abrir o mercado brasileiro para os Estados Unidos e outras potências.

Chile muda ministros, mas atos continuam

No momento em que Piñera anunciava gabinete, manifestantes saíram às ruas e novamente entraram em confronto com a polícia

- O Estado de S. Paulo

SANTIAGO - Novos protestos contra o presidente do Chile, Sebastián Piñera, foram reprimidos ontem pela polícia nas cidades de Santiago, Valparaíso e Concepción. Segundo o diário La Tercera, manifestantes na capital tentaram marchar rumo ao Palácio La Moneda, sede da presidência, mas foram contidos pela polícia. São os primeiros confrontos desde que Piñera retirou, no domingo, o estado de emergência que vigorava havia dez dias.

Os incidentes começaram no momento em que o presidente anunciava um novo gabinete, uma das medidas adotadas pelo presidente para tentar acalmar os protestos contra seu governo, que na sexta-feira reuniram mais de 1,2 milhão de pessoas nas ruas de Santiago.

Ontem, os manifestantes colocaram fogo em barricadas diante da Biblioteca Nacional. Várias estações de metrô não funcionaram. A polícia respondeu com bombas de gás lacrimogêneo e jatos de água. Em meio ao caos, um importante centro comercial pegou fogo entre as ruas Santa Rosa e Alameda, onde há um hotel, vários consultórios e lojas.

Os protestos começaram contra o aumento da tarifa de metrô em Santiago, mas o descontentamento com o alto custo de vida e o modelo de serviços básicos voltados para o setor privado também mobilizaram os manifestantes. Ao menos 20 pessoas morreram desde o início dos protestos, que deixaram centenas de feridos e milhares de detidos.

Bolsonaro lamenta eleição de Fernández e diz que não vai cumprimentar argentino

Para brasileiro, se peronista afetar acordo do Mercosul com UE, solução pode ser afastar Argentina do bloco

Ana Estela de Sousa Pinto | Folha de S. Paulo

ABU DHABI - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse nesta segunda (28) que não vai cumprimentar o peronista Alberto Fernández, eleito presidente da Argentina em 1º turno neste domingo.

Com 96,22% das urnas apuradas, o opositor havia conquistado 48,03% dos votos contra 40,44% do atual presidente, Maurício Macri.

Fernandéz encabeçou a chapa que tem como candidata a vice a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner.

"Não pretendo parabenizá-lo. Agora não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual a posição real dele na política. Porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo, e vamos ver qual linha que ele vai adotar."

A declaração foi feita na partida dos Emirados Árabes Unidos, onde o presidente esteve desde sábado (26).

Bolsonaro disse lamentar o resultado das eleições. "Lamento. Não tenho bola de cristal, mas acho que a Argentina escolheu mal. O primeiro ato do Fernández foi já Lula Livre, dizendo que ele está preso injustamente. Já disse a que veio."

Também não há, no momento, expectativa de manifestação do Itamaraty, segundo Bolsonaro.

Ele disse que vai esperar os resultados finais das eleições e conversar com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para decidir o que fazer.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A ilusão da bonança – Editorial | O Estado de S. Paulo

O País só começou a retomar o caminho do crescimento porque fez a opção pela austeridade e pelas reformas. E esse ajuste ainda é muito tímido

O boletim Focus divulgado ontem pelo Banco Central (BC) mostra que o mercado está um pouco mais otimista em relação ao crescimento da economia. Elaborada pelo BC a partir de estimativas de bancos e consultorias, a projeção da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano passou de 0,88% para 0,91%. Há um mês, a expectativa era de um crescimento de 0,87%.

Essa mudança de humor foi captada em reportagem recente do Estado, na qual economistas de bancos informaram que estavam revendo para cima suas estimativas para o PIB deste ano. O Itaú, por exemplo, passou a esperar um crescimento de 1%, ante 0,8% na previsão anterior. Foi a primeira vez em três anos que o banco reviu para cima uma estimativa do PIB. Já o Safra, que projetava uma alta de 0,8%, passou a esperar 0,9%. “Pode parecer pouco, mas é uma diferença significativa. No fim de julho, esperávamos 0,8%, mas achávamos que podia ser até 0,5%. Agora, temos 0,9%, mas pode ser mais”, disse o economista-chefe do Safra, Carlos Kawall.

O mercado parece acreditar que a ligeira recuperação detectada em diversos indicadores começa a ganhar impulso. Houve aumento da abertura de vagas formais no mercado de trabalho, que apresenta saldo positivo há seis meses, e também expansão de 14% na concessão de crédito para pessoa física, com impacto particularmente importante na construção civil.

Poesia | Graziela Melo - Saudades

Saudades
dos pássaros
é que vou
sentir,

quando
deste mundo
solitária
me for!!!

Das flores,
dos amigos,
até mesmo
das dores,

das emoções
mais sutis!!!

Parada,
pálida
e fria,

inerte,
sem
qualquer
ação,

debaixo
daqueles
palmos
de terra,

estarei
distante
das maldades,
da guerra,
dos homens
sem compaixão!!!

Enquanto
se desmancha
meu corpo,
no frio,
na escuridão!!!

Música | Getúlio Cavalcanti - Cinco anos de ilusões

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Marcus André Melo* - Prosperidade e protestos

- Folha de S. Paulo

A desigualdade que importa é a percebida, não a real

Alexis de Tocqueville (1805-1859), em análise da Revolução Francesa, argumentou contraintuitivamente que, "à medida que a situação econômica melhorava, os franceses achavam sua posição cada vez mais insuportável". E completava: "Os espíritos parecem mais inseguros e inquietos; o descontentamento público aumenta; o ódio contra todas as antigas instituições cresce".

Sua análise não se restringe às condições materiais da população. No capítulo sugestivamente intitulado "Como sublevaram o povo ao querer aliviá-lo", sustentou que o descontentamento aumentava quando se tinha mais liberdade, e não o contrário: "O mal que se aguentava com paciência como sendo inevitável parece insuportável logo que se concebe a ideia de livrar-se dele".

Tocqueville foca os incentivos e vieses cognitivos e põe a análise marxista de revoltas e revoluções de ponta-cabeça: "Não é sempre indo de mal a pior que se cai numa revolução... O regime que a revolução derruba é sempre melhor que aquele que o antecedeu imediatamente". E explica por que gradualismo deflagra abruptamente protestos: "Acontece, na maioria das vezes, que um povo que aguentou, sem se queixar e como se não as sentisse, as leis mais opressivas resolve repeli-las com violência logo que seu peso diminui".

Celso Rocha de Barros* - A revolta chilena

- Folha de S. Paulo

É hora de perguntar se a desigualdade não é um limite para políticas pró-mercado

A onda de protestos no Chile foi uma surpresa. O país teve um desempenho econômico muito melhor do que o do resto do continente nas últimas décadas. É o país latino-americano com o sistema político mais parecido com o de democracias maduras. A disputa política chilena se dá entre um partido de centro-esquerda e um de centro-direita que disputam o centro.

Mas talvez o exemplo do Chile seja importante justamente porque ele ia bem, comparado aos outros países latino-americanos. Em outros lugares há complicadores locais muito graves, como as acusações de fraude eleitoral na Bolívia ou os escândalos da Odebrecht no Peru. Mas se até no Chile a crise chegou, talvez haja algo de errado com o modelo latino-americano.

O debate sobre "o que é específico no modelo latino-americano" é muito curto. Procure os rankings internacionais de qualquer coisa —riqueza, educação, saúde, meio ambiente etc.— e é muito claro em que a América Latina é muito diferente do mundo: somos a região mais desigual do planeta.

Veja o caso do Chile. Segundo o economista sérvio Branko Milanovic, um dos grandes especialistas mundiais em desigualdade, os 5% mais ricos do Chile têm renda semelhante aos 5% mais ricos da Alemanha, enquanto os 5% mais pobres têm a renda dos 5% mais pobres da Mongólia.

Danielle Brant – Um líder que corre

- Folha de S. Paulo

Eduardo Bolsonaro vira chacota por fugir da imprensa pelos corredores da Câmara

Terças-feiras costumam ser corridas na Câmara. É o dia em que os deputados iniciam de fato sua semana e concentram seus esforços de articulação para aprovar projetos que consideram importantes.

A terça-feira passada teve um ingrediente peculiar: foi a primeira em tempos em que um líder de partido correu pelos corredores da Câmara.

O líder, no caso, era recém-empossado: trata-se de Eduardo, o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro, o mesmo que protagonizou o dramalhão com reviravoltas que virou a disputa pelo comando do PSL na Câmara.

Já o motivo da corrida é questionável: o sprint não foi para aprovar um projeto ou para chegar a tempo a uma comissão, e sim para fugir da imprensa. Tudo registrado em vídeo.

Vinicius Mota – O julgamento que nunca termina

- Folha de S. Paulo

Desapreço pela estabilidade das regras do jogo no STF sugere novas reviravoltas

Rosa Weber tornou-se o modelo a que todo magistrado deveria aspirar. Só fala nos autos, respeita e aplica a jurisprudência assentada, mesmo contra a sua convicção, e não alimenta guerras de vaidades no supremo tribunal dos narcisos.

Foi divertido ver quem a criticou por negar o habeas corpus do ex-presidente Lula, em abril de 2018, agora soltar fogos pelo seu voto nas ações diretas de constitucionalidade que pleiteiam o cumprimento da pena de prisão só após o fim dos recursos.

Rosa foi exemplo de coerência no supremo tribunal dos inconstantes. Disse em 2018 que aquela ação de habeas corpus não era própria para rever a orientação de fundo do STF.

Ali só cabia aplicar a jurisprudência vigente, que validava a prisão após condenação em segundo grau, sob pena de colocar em risco a estabilidade e a credibilidade das orientações proferidas pelo próprio Supremo para as instâncias inferiores.

Já nesta quinta (24), quando se questionava a constitucionalidade abstrata de um dispositivo do Código de Processo Penal, então estava dada a ocasião para reavaliar a jurisprudência ela mesma. Rosa Weber, votando de acordo com seu entendimento da Carta, rechaçou a possibilidade de execução da pena antes do chamado trânsito em julgado.

Ricardo Noblat - A regra vale para todos ou então para ninguém

- Blog do Noblat | Veja

Por que uns podem e outros não?

Curioso!

Bolsonaristas, mas não só, cobraram tanto do The Intercept que revelasse suas fontes de informação sobre as conversas dos procuradores da Lava Jato.

Por que não cobram da Folha de S. Paulo e do jornal Globo que também revelem as fontes lhes deram os áudios de Queiroz? Nesse caso, dá-se como compreensível que os jornais não revelam.

Não são obrigados a fazê-lo. A lei não exige isso deles. De resto, se revelassem, dificilmente teriam acesso a informações sigilosas que só são repassadas à imprensa mediante o compromisso do sigilo.

As mesmas regras servem para que sites jornalísticos preservem a identidade de suas fontes de informação. Então por que se cobra do The Intercept o que não se cobra da imprensa tradicional?

Com a palavra, bolsonaristas e aliados deles, assumidos ou disfarçados. O ex-juiz Sérgio Moro, que acusou o The Intercept de sensacionalismo, poderia dizer o que pensa a esse respeito.

A exemplo de Moro, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que não teve acesso aos áudios de Queiroz e que não pode confirmar a autenticidade do material.

O pavor que Queiroz infunde aos Bolsonaros

Fernando Gabeira - Uma vez, o Flamengo

- O Globo

Ficou faltando o Brasil. Não se sabe ainda quando vai parar de jogar para o lado, perder seus preconceitos, unir talentos

Raramente escrevo sobre esporte. Lembro-me de ter escrito um artigo comparando o Flamengo e o Brasil.

Dizia na época que ambos eram meio caóticos e não cumpriam a promessa de grandeza, apesar de todo o potencial.

Pois bem, o Flamengo deu a volta por cima. O ensinamento dessa virada não deveria, creio eu, limitar-se a um aprendizado apenas no futebol.

O Flamengo começou por ajustar suas finanças, o que lhe deu condições de montar uma infra melhor e investir em grandes nomes.

A chegada do técnico Jorge Jesus foi resultado dessa capacidade de investir. Sua filosofia de trabalho acabou dando um sentido maior a todo o esforço.

O futebol brasileiro parecia entediante perto do europeu, jogado com intensidade do princípio ao fim da partida.

Jesus quer que o time siga atacando até o final, independentemente de estar vencendo com folga. Não era essa a atitude frequente. De um modo geral, os times faziam um, dois gols e tentavam administrar o resultado, ganhando tempo. Com isso, o espetáculo acabava antes do fim regulamentar.

Ana Maria Machado - Acuados e censurados

- O Globo

Estamos reféns deste pântano político e moral do Brasil de hoje

Estamos acuados pela assustadora dimensão do problema ambiental que nos agride de forma crescente, na sucessão de rompimento de barragens, incêndios nas matas e vazamento de óleo no mar. E mais o desastre da educação precária e do saneamento inexistente para mais de metade da população deste triste país.

No meio disso, ainda temos a volta da censura vinda de grupos sem qualquer intimidade com a fruição da arte, a quem tem sido negadas as oportunidades de ir a teatro, museus ou exposições, de saborear música boa, de se deliciar com livros e filmes que vão além da linguagem rasteira de slogans e palavras de ordem. Então, têm medo do mal que receiam se esconder em obras que acham estranhas, cujo sentido não dá para reduzir apenas a uma mensagem ou determinação a ser obedecida. Esse pavor absurdo os faz buscar a proteção de um pensamento único, em que tudo vem já pronto e mastigado, sem precisar passar pelo risco de uma reflexão própria.

Cacá Diegues - As praias a perigo

- O Globo

Há 58 dias, o óleo toma a costa do Nordeste, e o governo insinua lorotas e fofocas de conspirações

O Brasil se encontra radicalmente dividido entre duas grandes formas antagônicas de pensar o país. De um lado, pseudo-conservadores que pretendem restaurar aqui um passado que nunca tivemos. De outro, pseudo-revolucionários projetam nosso futuro para amanhã de manhã. De preferência, bem cedinho. Nada disso foi possível em nenhuma nação do mundo, de qualquer hemisfério.

O caso do óleo nas praias do Nordeste nos coloca diante dessa polarização das duas alienações da realidade. Já se falou muito, de um lado, de inimigos externos que teriam provocado o desastre. Do outro, condena-se as autoridades incapazes de tomar providências. As duas reações são apenas culpabilizadoras e irresponsáveis quanto às consequências do acidente. Repetidas pelos alto-falantes da mídia e das redes sociais, elas eludem o mais importante.

No dia 4 de setembro, chegaram as primeiras manchas de óleo, trazidas pelas ondas ao litoral de Pernambuco. Elas não causaram estrago paulatino, e sim uma destruição imediata de todo o litoral nordestino e do que ele representa para aquela população. Não só o envenenamento do que se tira do mar e das areias, o alimento regular e diário, além do turismo que despenca. Mas também o significado natural e simbólico daquelas praias para a população local. As praias do Nordeste não são apenas um orgulho do Nordeste; elas são uma reserva de energia para os sonhos dos nordestinos. A população local as usa com proveito físico, e ainda como símbolo poderoso de seu valor.

Bruno Carazza* - A hora do sim é um descuido do não

- Valor Econômico

Pequenos enganos e boas intenções custam caro ao país

Já era noite no seu gabinete no Palácio do Planalto. Distraído com uma sequência de audiências protocolares e despachos burocráticos, o presidente finalmente se deu conta de que naquela tarde a Câmara votava a reforma da Previdência: “Se ninguém me ligou até agora, é porque o resultado foi ruim”. Acionou então um de seus assessores, que confirmou o pressentimento: a idade mínima havia sido derrotada.

Por um voto. Para colocar as contas da Previdência em ordem, o governo propôs 60 anos para mulheres e 65 para homens, acrescidos de pelo menos 25 anos de contribuição. Para piorar, o voto faltante veio de um integrante do seu partido, que até um mês antes era seu ministro. Foi dormir terrivelmente irritado - sabia que a votação seria apertada, mas perder por um voto, e justo de alguém da sua equipe mais próxima, era muito doloroso.

No dia seguinte as coisas serenaram. O presidente acabou perdoando o deputado - que havia explicado que, inadvertidamente, apertara o botão de “abstenção” no lugar do dígito verde do “sim”. Além disso, a Câmara tinha mantido pelo menos o tempo de contribuição - não era o ideal, mas já daria um refresco no déficit dos próximos anos. Por fim, apesar do gosto amargo de sentir a vitória escapar por tão pouco, 307 votos num assunto tão polêmico mostrava que, no fim do primeiro mandato, seu governo ainda tinha força no Congresso - o que seria um grande ativo para a sua reeleição (essa conclusão vai por minha conta, pois não consta dos “Diários da Presidência 1997-1998”, de Fernando Henrique Cardoso).

Embora, nas suas memórias, FHC tenha minimizado os efeitos do engano de Antonio Kandir na votação, esse erro custou muito caro para o país. A idade mínima só será estabelecida nesta semana, com a promulgação da PEC de Bolsonaro no Congresso.
Foram 21 anos perdidos, com déficits crescentes sugando recursos do orçamento público.

Sergio Lamucci - A economia brasileira e a poupança externa

- Valor Econômico

Conta corrente terá déficits maiores do que se imaginava

As contas externas brasileiras estão sólidas e hoje não preocupam, mas os déficits em conta corrente deverão ser maiores do que se supunha há alguns meses, se e quando a economia ganhar mais fôlego. Ao divulgar o resultado do setor externo de agosto, o Banco Central (BC) incorporou alterações que reescrevem a história recente do balanço de pagamentos, como diz o pesquisador Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Os números da conta corrente, que refletem as transações de bens, serviços e rendas entre residentes e não residentes, mostraram um rombo maior do que antes. Com as mudanças, o déficit de 2018 subiu de 0,8% para 1,2% do PIB e, em 12 meses até julho deste ano, de 1,3% para 1,7% do PIB. “Descobrimos que, para um mesmo crescimento do PIB, nossa economia trabalha com um uso de poupança externa (déficit em conta corrente) bem mais elevado”, resume Ribeiro, no Boletim Macro do Ibre de outubro. Nos 12 meses até setembro, o rombo na conta corrente ficou em US$ 37,4 bilhões, ou 2,05% do PIB.

Nesse cenário, ele revisou as projeções para o déficit em conta corrente. O buraco estimado de 2019 subiu de US$ 16,5 bilhões para US$ 39 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB. Para 2020, o déficit cresceu de US$ 32 bilhões para US$ 44 bilhões, ou 2,5% do PIB.

Antonio Risério* - Em busca da nação perdida

- Aliás / O Estado de S. Paulo, 27/10/2019

De algumas décadas para cá, o Brasil vem submetendo a sua história como povo e nação a um processo de avacalhação sistemática

Muita gente do campo democrático anda preocupada em superar a atual polarização brasileira e encontrar um rumo para o País. Acontece que o Brasil não vai experimentar nenhuma guinada realmente democrática se não encarar duas coisas. A primeira, mais imediata e superficial, é que este campo democrático se empenhe de fato numa releitura rigorosa do que aconteceu de 2013 para cá. A segunda, exigindo mergulho em águas mais profundas, é a necessidade de repensar a sociedade e reinventar a nação.

Junho de 2013 expressou de forma aguda a crise representacional do partidocratismo. A chamada “classe política” tinha simplesmente dado as costas à sociedade. E esta – numa resposta lógica e natural, mas surpreendentemente enérgica – declarou nas ruas que aquela não a representava. Infelizmente, a discussão acabou sufocada por dois processos. De uma parte, o da corrupção, vindo à luz de forma inédita em nossa história. De outra, o do “impeachment”. E a conversa política mais rica foi adiada. O regime partidocrata sentiu, aliviado, que podia empurrar a questão com a barriga. Neste sentido, a campanha presidencial de 2014 foi escandalosamente esperta, entre a dissimulação e a alienação.

Todos os candidatos – sem exceção – fizeram de conta que 2013 não tinha acontecido. O ideal seria que os partidos tivessem a coragem de fazer uma espécie de “psicanálise selvagem”, para usar a expressão freudiana cara a Glauber Rocha. Como isso não acontecerá dentro do atual sistema político-partidário, teríamos ao menos de rever a peripécia que nos levou ao fracasso. Ou começaremos mal – se é que será possível falar de começo e não de mera continuação de tudo. Insistimos que o PT é incapaz de explicitar seus erros. Mas os demais partidos de esquerda e centro-esquerda, também. Nunca ouvi uma autocrítica em profundidade do PSDB. De outro ângulo, a Rede precisa aprender a ser mais conjuntural ou vai se tornar pura fantasia filosófica. Parece que, hoje, humildade política é um bem bastante escasso no País. Mas vamos ter de passar por esse cabo das tormentas, se quisermos que ele vire da boa esperança.

Quanto ao outro lance, o sociólogo Werneck Vianna passou pelo tema em entrevista recente. Observou que o desentendimento a respeito de nossa trajetória histórica e dos nossos valores chegou a um ponto agônico: “Ninguém mais pode reconhecer na nossa história êxitos e sucessos”. Execra-se até mesmo a Abolição de 1888, luta democrática vigorosa, que se arrastou por décadas, numa ampla coalizão de classes e cores. Enfim, “tudo que era da nossa tradição foi depredado, foi jogado no lixo”. Despreza-se a nossa história, desqualificam-se todos os nossos feitos: o 13 de Maio hoje é “o dia do taxidermista”. A grande questão é esta: de algumas décadas para cá, temos submetido a nossa história como povo e nação, a nossa experiência nacional, a um processo de avacalhação sistemática.

Cida Damasco - Recados dos vizinhos

- O Estado de S.Paulo

Chile a Argentina alertam para necessidade de mudar sem esquecer o lado social

A vizinhança inquieta emite sinais de advertência para o Brasil. Como vem acontecendo há bom tempo, cada polo faz a leitura que é do seu interesse das viradas no cenário político do Chile e da Argentina. Para uns, trata-se do fracasso do neoliberalismo e ponto final. Para outros, o erro de Mauricio Macri foi justamente ficar no meio do caminho da política liberal, deixando que o peronismo se reorganizasse e voltasse ao poder. E a explosão dos protestos no Chile se explicaria menos por questões internas e mais por uma “conspiração da Venezuela e de Cuba”.

Guardadas as devidas proporções, ambas são leituras radicais e, como tal, distantes da realidade. O Chile de Sebastián Piñera escancarou que, atrás da fachada de uma economia moderna e competitiva, se escondia um país com profunda desigualdade, sem a contrapartida de uma rede de proteção social. E, em particular, com um regime previdenciário de capitalização extremamente duro, apesar dos ajustes mais recentes para reduzir o empobrecimento dos aposentados. Um quadro que nem de longe lembra o paraíso apregoado por aqui.

Mesmo mais familiar aos observadores brasileiros, a Argentina de Macri também surpreendeu com o vigor da oposição, poucos anos depois da saída de cena ruidosa de Cristina Kirchner, enredada em acusações de corrupção. Visto no início como um símbolo de renovação na política argentina – e até fora das fronteiras do país –, Macri teria frustrado a população no quesito recuperação do crescimento e bem-estar social. Daí a uma pressão mais efetiva dos lobbies corporativos, foi apenas um passo.

Almir Pazzianotto Pinto * - Delatores, delatados, direito de defesa

- O Estado de S.Paulo

Apoiado nos melhores professores, sustento que a última palavra pertence, sim, ao réu

O princípio da legalidade está inscrito no artigo 5.º, II, da Constituição de 1988, cujo texto diz: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O dispositivo se entrelaça com os incisos LIII, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo”; LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; LVI, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”; e LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O Código de Processo Penal (CPP) obedece aos princípios da igualdade e da legalidade, sem distinções de qualquer natureza entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. Pouco importam a gravidade do delito e a posição econômica, social ou política do acusado. Não haverá diferença de tratamento entre investigados e réus, pois para a lei é indiferente se foram presidente da República, ministro de Estado, industrial, operário, favelado ou corrupto. Conforme escreveu o ministro da Justiça Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, o projeto foi elaborado “no sentido de obter equilíbrio entre o interesse social e a defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e segurança de sua liberdade”.

Denis Lerrer Rosenfield* - A esquerda e os privilégios

- O Estado de S.Paulo

Inadmissível que uma minoria use em seu proveito a maior fatia dos recursos públicos

A aprovação da reforma da Previdência é, sem dúvida, um marco na História do País. Apesar de seus percalços e atrasos, ela vem por bem operar uma grande transformação não somente do ponto de vista do equilíbrio fiscal, mas também tornar efetiva a luta contra os privilégios. Há uma dupla significação aí envolvida: econômica e política.

A significação econômica tem sido bem ressaltada, graças a um processo que, iniciado no governo Temer, ganha agora sua conclusão no governo Bolsonaro. Não seria mais possível o País continuar sangrando com os recursos gastos na conservação do sistema previdenciário, beneficiando uma minoria incrustada no Estado, enquanto o desemprego adquire proporções alarmantes, para além da falta de recursos em áreas fundamentais como segurança, saúde e educação. Se nada tivesse sido feito, o País estaria caminhando para a insolvência fiscal, com todas as consequências nocivas daí resultantes. O não investimento, nacional e estrangeiro, tão necessário, seria apenas um de seus efeitos.

A significação política reside em que os estamentos e as corporações do Estado foram enfrentadas. É bem verdade que o caminho começa apenas a ser percorrido, há muito a ser feito. Mas não era mais possível conviver com um grau tão alto de desigualdade entre os setores privado e público. Os privilégios de uma minoria, com aposentadorias polpudas em idade precoce – algumas corporações se aposentam com pouco mais de 50 anos, em média –, foram reduzidos e no que diz respeito à idade mínima, contidos.

Temos aqui uma espécie de paradoxo: um governo de corte liberal na área econômica, conduzida por um ultraliberal, o ministro Paulo Guedes, capitaneia uma reforma contra os privilégios, propugnando a igualdade entre todos os cidadãos, orientada por um espírito de universalidade entre os trabalhadores privados e públicos; e uma esquerda que defende os privilégios das corporações e dos estamentos estatais, contra o tratamento igualitário para todos os cidadãos, isto é, aferrada aos benefícios particulares desses setores. “A esquerda” é a favor dos privilégios, da particularidade e da desigualdade; a “direita” é a favor da eliminação dos privilégios, da universalidade e igualdade.