domingo, 18 de junho de 2017

Algumas morenadas | Cacá Diegues

- O Globo

Moreno era mais do que um jornalista político acostumado a furos que só ele sabia obter. Era um formulador de ideias para o Brasil que tirava, com humor, do que via e lia

Conheci Jorge Bastos Moreno há relativamente pouco tempo. Acompanhava seu trabalho de jornalista, muito antes disso, mas não deve fazer mais do que uns sete anos que Rodolfo Fernandes nos aproximou, e Moreno me introduziu a seu mundo festivo. Festivo de festas claras e raras, em que o saber e o riso, em iguais proporções, nos ajudava a entender o estado do mundo. Nas noites de longas conversas em sua laje alegre, alimentado pela sublime Carlúcia, eu costumava dizer-lhe que, não tê-lo conhecido antes, tinha sido uma perda de tempo.

Moreno era mais do que um jornalista político acostumado a furos que só ele sabia obter. Ele era um formulador de ideias para o Brasil que tirava, com humor, do que via e lia, mais do que havia estudado na escola em que fora sempre bom aluno.

Por iniciativa de Renata Magalhães, minha mulher e produtora, tentamos realizar uma série inspirada em seu livro “Diário de Mora”, extraordinário texto sobre vida, obra e fofocas de Ulysses Guimarães, com quem ele havia trabalhado e convivido até sua morte. A série não foi realizada porque não encontramos financiamento, e ela acabou atropelada pela produção de “O Grande Circo Místico”. Durante sua frustrante preparação, aprendi tanto com as histórias de Moreno, que só pensava em inventar outro projeto com ele, para assim que terminasse o “Circo”.

Nos últimos tempos, eu havia inventado o termo “morenada” para definir a qualidade jornalística de sua coluna dos sábados, esse poder de rir ensinando, de ensinar fingindo que não está levando nada a sério, para melhor ser absorvido pelos leitores. Ele sabia rir do mundo à sua volta e, ao mesmo tempo, nos comover com ele.

Recentemente, tendo um programa na rádio CBN, Moreno havia me convidado para fazer uma pergunta a Gilberto Gil, seu amigo querido e parceiro recente, a quem ia entrevistar. Preparei com cuidado uma pergunta baseada em longa entrevista que Gil havia dado, naquela semana, à “Folha de S.Paulo”. Fiquei com ódio quando, mal tinha começado o programa, Moreno fazia a Gil a mesma pergunta que eu pretendia fazer. Depois pensei que aquele era um assunto que tinha mesmo tudo a ver com ele, eu é que devia ter adivinhado que Moreno tinha que fazê-la.

Gil dissera à “Folha” que “Deus devia se livrar das religiões”, e isso era a cara do Moreno. Só pode ser esse o Deus de alma livre que deve estar agora se divertindo e aprendendo em sua companhia, dando muita risada.
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O ministro interino da Cultura, João Batista de Andrade, demitiu-se na sexta-feira, justamente quando acabara de resolver um velho e angustiante problema da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, que funciona há 20 anos em um prédio dos Correios que pretendia agora desalojá-la.

João Batista protesta que o MinC está abandonado pelo governo, que o deixou com apenas 43% de seu orçamento original, além de não resolver as questões básicas de instituições que estão sendo destruídas, como a Biblioteca Nacional, a Funarte, o Fundo Nacional de Cultura e muitos outros. É como se, para o governo, a cultura fosse um enfeite secundário, que às vezes incomoda com reivindicações desagradáveis.

É uma pena que João Batista de Andrade vá embora, porque o MinC sempre funcionou melhor quando foi comandado por artistas e intelectuais de respeito, como ele. Gente como Celso Furtado, Antonio Houaiss, Francisco Weffort, Gilberto Gil, Ana de Holanda, além de seu inventor e primeiro ocupante, no governo Sarney, o icônico José Aparecido de Oliveira.

Quando escrevo esse texto, anda não sei quem ocupará o cargo no lugar de João Batista. Mas duvido muito que seja alguém de sua estatura, realmente disposto a resolver os problemas da produção cultural. Alguém que saiba que a cultura é o caráter do país que, sem ela, é um corpo molenga e sem alma.
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Dois acontecimentos que poderiam dar boas morenadas.
Benito Mussolini organizava brigadas fascistas para constranger os adversários com vaias e gritos, nas estações ferroviárias por toda a Itália. Os volantes voluntários do fascismo criaram um costume político autoritário. A jornalista Míriam Leitão acaba de ser vítima desse fascismo cotidiano que toma conta de certas cabeças militantes no Brasil, a intolerância organizada contra os que não pensam como eles. Lembra muito a ditadura militar.

Outra morenada. Estava na cara que o prefeito Marcelo Crivella não gosta de carnaval. Agora, a gente fica sabendo que, além disso, ele também quer acabar com o carnaval, mesmo tendo pedido publicamente o voto dos sambistas na Liesa. Crivella nega os recursos necessários ao desfile que traz tantos turistas ao Brasil. O dinheiro que eles deixam na cidade daria para alimentar as crianças que ele afirma demagogicamene que precisa alimentar com os recursos do samba. Esse populismo barato esconde seu preconceito contra a festa e contra a alegria. Se Crivella tem aversão ao carnaval, devia ter procurado outra cidade para ser prefeito. Não o Rio de Janeiro.

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Cacá Diegues é cineasta

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