segunda-feira, 11 de agosto de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL


A HORA DO BODE NO SALÃO
Wilson Figueiredo

O presidente Lula não perde tempo. Depois de pedir bom tratamento para sua candidata à sucessão de 2010, com a mesma cautela política (equivalente ao caldo de galinha), o presidente pesquisa um nome para ser vice de Dilma Rousseff. A pressa se explica pela conveniência de evitar que aventureiros atravessem o caminho da eleição sobre a qual a única certeza é a garantida da data na Constituição. É por aí.

A democracia não precisa fazer dieta eleitoral para evitar dificuldades previsíveis. Partidos demais, moralidade de menos, promiscuidade de presidente e governadores em eleições de conveniência, a sombra de inflação e a estréia do reforço da classe média, além de problemas sociais misturados a questões policiais, estão à disposição. Lula convocou ao Planalto os pombos correios encarregados da ligação com o Congresso e, para dissipar o clima de gazeta parlamentar, reativou a messiânica reforma política, cuja função é fazer o papel do bode no salão. Não é preciso aprová-la, basta retirá-la.

A preocupação que Lula confirma é a de se antecipar aos problemas para não ser por eles atropelado. Cria oportunidade para alguma coisa que ainda não se percebe com clareza, mas que pode depender até da escolha do vice. O presidente passou fagueiramente ao segundo ponto do programa, que é a escolha do vice e o preenchimento do vazio político gerado pelo fim do terceiro mandato, o bode que rondava a democracia. Por enquanto, candidatura de Dilma Rousseff continua lance pessoal do presidente, inclusive na identificação de alguém para acompanhá-la em tão longa jornada.

A atenção presidencial não se fixou no deputado Ciro Gomes, que se pôs ao alcance de Lula desde muito antes, pelo pavio curto demais. Ciro contava certo com o convite para candidato a presidente, mas a precedência é de quem a tem. Continua de Lula; que recusou o terceiro mandato, e nada mais. Mantém o pedaço presidencial e a oportunidade de colher votos semeados em terreno social fértil, politicamente sem dono, nos dois governos.

Recusou o terceiro mandato pelo perigo de esquartejamento liberal. Retirou-se da hipótese. Preferiu a ministra Dilma e ficou atento à ressonância. Nenhuma estridência. Nenhuma divergência. Mas não faltaria o eco de Ciro Gomes, que esperava a deferência presidencial e, preterido pela surpresa, entrou no ciclo predatório que pode não eleger, mas lava a alma.

Com o jeito de quem nada quer mas tudo aceita (em proveito da pátria), o deputado Ciro Gomes reapareceu em nota de coluna com um recado para o destinatário decifrar em tempo de reparar a falha. Avisou, a quem interessar pudesse – a Lula, bem entendido, que a oposição já se delineia como a favorita para a sucessão presidencial de 2010. Por cima do Banco Central, o enfático Ciro Gomes dirigiu-se a Lula e se apresentou em condições de garantir que "o crescimento econômico de 2009 vai ser bem menor". O presidente não passa recibo, mas sabe que a alternativa de baixar os juros, em vez de elevá-los, poderia produzir no subsolo do regime abalos de grau menos previsível. E concluiu que talvez seja cedo para completar a chapa presidencial.

Aquele Ciro Gomes que, como coroinha de Lula, o acompanhou em ato de contrição pública no agradecimento a Deus por não ter sido eleito, e com isso evitou o pior para os brasileiros, volta a vestir-se de cangaceiro. Declaração favorável à oposição para 2010 tem grau de provocação.

Equivale a tirar o tapete vermelho estendido a Lula pela História.

A situação seria mais republicana se os dois, Lula e Ciro, tivessem atribuído aos eleitores o atestado público de sabedoria política por não elegê-los quando tinham apenas ordens menores recebidas das urnas. Lula já tem ordens superiores, mas Ciro Gomes ainda não passou do governo estadual. Se bem que, sem tirar o olho de 2014, Lula é bem capaz , em último caso, de jogar tudo para cima e deixar o terceiro mandato correr os trâmites legais.

As relações entre um e outro, Lula e Ciro, estão sempre por um fio. Tanto se aproximam como se distanciam pelas conveniências. Como a História ainda mantém a dignidade de não se repetir em vão, a candidatura de Ciro Gomes a vice-presidente foi, temporariamente, deslocada para a posição de expectativa que faz dos vices em geral, mas principalmente a presidentes, candidatos a problemas cardíacos de fundo eleitoral.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

DIA D NA GUERRA PELA MORALIDADE NAS ELEIÇÕES
Paula Máiran


Lista da PF pode impedir a vinda da Força Nacional

Perdida no Superior Tribunal Federal (STF) a batalha para barrar candidatos de passado sujo não se dá, no entanto, como encerrada. A estratégia se concentra agora no tempo presente: com rigor total na identificação dos acusados de crimes eleitorais. E hoje é o Dia D na luta do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para garantir a moralidade no próximo pleito: a Polícia Federal apresenta, às 11h, o mapa das ilicitudes em campanhas no Rio. Dependendo do resultado da reunião com o Ayres Britto, presidente do TSE, e Tarso Genro, ministro da Justiça, a Força Nacional de Segurança pode ser convocada para intervir na cidade imediatamente.

De acordo com o procurador geral do Ministério Público Eleitoral (MPE), Rogério Nascimento, o relatório da PF é a peça-chave que deverá garantir, enfim, ações concretas da Justiça Eleitoral contra os envolvidos em crimes que tentam mandato. O resultado das investigações da PF será apresentado durante o encontro na sede do TRE.

– A investigação da Polícia Federal é crucial para garantir dados objetivos, indícios que permitam a ação da Justiça Eleitoral nos casos de constatados de crimes eleitorais de candidatos – afirma Nascimento.

Segundo o procurador geral do MPE, nem sempre os candidatos em campanha têm ficha suja. E esses não poderiam ser barrados pela investigação apenas pelo passado.

– Cabe agora à Justiça eleitoral atuar com extremo rigor no monitoramento das campanhas em curso, porque a decisão do STF não impede que sejam punidos com a perda da candidatura os autores de crimes eleitorais cometidos no presente – explica o procurador.

Nascimento conta que tem seguido a decisão do STF em seus pareceres nos processos julgados no TRE, mas sempre com a ressalva de que houve o "triunfo da legalidade sobre a legitimidade e da ordem sobre a justiça". O impedimento de candidaturas de pessoas com anotações criminais seria, para ele, arma pela moralidade nas eleições.

– Em 2008, pela primeira vez a Justiça passou a examinar os processos sob esse ângulo, embora já houvesse desde outros pleitos a discussão, que alcançou contexto nacional e agora foi abortada.

Currais denunciados

A investigação da Polícia Federal ocorre em um período eleitoral marcado por denúncias de práticas abusivas nas campanhas de candidatos apoiados por quadrilhas do tráfico de drogas ou por bandos milicianos, nas áreas controladas por estes grupos. A partir de 13 de julho, o Jornal do Brasil publicou série de reportagens sobre o cerceamento do ir e vir de candidatos, imposição de votos a moradores de currais eleitorais, a cobrança de pedágios para entrada de candidatos e mesmo a venda de cadastros eleitorais nessas comunidades sob jugo armado do crime.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


O ELEFANTE NA SALA
Fábio Wanderley Reis

Com dados da FGV e do Ipea, temos notícias frescas sobre mobilidade social no Brasil, com diminuição da pobreza e aumento da " classe média " . Não obstante o caráter relativo dos avanços e o artificialismo de certas mensurações, sem dúvida são boas notícias, e cabe festejá-las.

Em texto de 2006 sobre " Democracia e Capitalismo " , Torben Iversen recorre à imagem proverbial do elefante na sala, que todos ignoram, a propósito da complexidade do problema analítico da política distributiva sob regras democráticas e do tratamento deficiente que receberia na literatura pertinente. Em particular, se há democracia e voto igualitário, por que os pobres não " exploram " os ricos, taxando-os de forma exorbitante para redistribuir, e o que é que torna, dada essa possibilidade, o capitalismo viável como sistema econômico?

Formas de pobres explorarem ricos

No Brasil, há um outro sentido bem claro em que a imagem do elefante na sala pode ser usada a propósito da questão de democracia e redistribuição. Refiro-me ao fato de que desigualdade social das proporções da que tem caracterizado o país possa durar tão longamente sem que de verdade se preste atenção, ou seja, sem se fazer da desigualdade um objeto prioritário e dramático de políticas destinadas a superá-la. Não obstante a deficiência apontada por Iversen, discussões acadêmicas prestigiosas do problema geral da implantação estável da democracia e de suas conexões com o conflito distributivo têm destacado (ao lado de fatores relativos à mobilidade do capital, cuja importância se evidenciou em particular com a dinâmica tecnológica atual) justamente o grau de desigualdade, por um lado, e, por outro, os recursos organizacionais de que disponham aqueles a quem a redistribuição beneficia, isto é, os pobres.

É fácil reconhecer aí alguns dos postulados da análise marxista clássica: a desigualdade, que tenderia a intensificar-se e a traduzir-se em intensa polarização (em que à oposição virtual entre categorias ou classes definidas em termos econômicos se superporia a relativa a qualquer outro fator potencialmente relevante, reduzindo tudo a uma grande e decisiva clivagem), produziria ela mesma as condições econômico-ecológicas favoráveis à mobilização intelectual e psicossociológica e à multiplicação dos recursos organizacionais dos trabalhadores ou pobres - vale dizer, a situação cujo desfecho se imaginava ser a revolução socialista. Tal perspectiva supunha a superação da passividade e do conformismo que a desigualdade por si só tende antes a produzir, como mostra a estabilidade básica da sociedade de castas ou de nossa própria sociedade escravista. Ela ignora, além disso, a possibilidade contida na trajetória que veio de fato a ser seguida, em geral, na experiência dos países onde o capitalismo mais avançou: a de que as novas vias abertas à inserção econômica e à mobilidade social de muitos, fazendo expandir os estratos médios, resultassem em negar a polarização e em viabilizar, ao invés, a ocorrência de coalizões múltiplas em que a própria textura diversificada de enfrentamentos tópicos ou setoriais " costurasse " e encaminhasse por canais estáveis a vida social e política - condicionando, entre outras coisas, o processo eleitoral e a natureza dos partidos políticos e de suas relações.

Essa possibilidade alternativa tem clara relevância para a evolução dos casos mais exemplares de socialdemocracia. Mas a importância da multiplicidade das dimensões que podem interferir com a luta distributiva e a política de coalizões variadas eventualmente resultante pode ser percebida com nitidez no papel cumprido na disputa partidário-eleitoral recente em diversos países por fatores como raça, religião ou identificação patriótica. Quando tais dimensões são incluídas ao lado da dimensão redistributiva, podemos ter, por exemplo, partidos situados à " direita " tratando de atrair gente pobre de convicções religiosas ou eleitores racistas - ambos os aspectos claramente presentes, de forma mais ou menos latente ou aberta, na disputa corrente entre Republicanos e Democratas pela Presidência dos Estados Unidos. No Brasil (como, aliás, nos EUA, ao cabo da experiência de 40 anos que advém do movimento dos direitos civis), a opção entre a possível orientação redistributiva e social geral de políticas de ação afirmativa ou sua restrição aos que se possam definir como " negros " , como pretendem alguns, representa um exemplo de maneiras diferentes de definir o alcance, e consequentemente a variedade, de formas de solidariedade e de possíveis coalizões políticas.

Quanto ao Brasil, porém, há algo mais, que tem a ver com o grau em que haverá a associação da desigualdade " objetiva " com os fatores intelectuais e mobilizadores que lhe pudessem trazer caráter desestabilizador. A operação limitada de tais fatores, combinada agora com as condições da nova dinâmica econômica mundial, reduz as chances de que a desigualdade venha a traduzir-se politicamente de modo mais consistente. Mas isso não impede que a desigualdade se projete fatalmente no campo político-eleitoral. E, mesmo com as precariedades de certa feição " populista " dessa projeção, menos mal que ela redunde em deflagrar a redistribuição que os dados agora divulgados corroboram - e que isso aconteça de maneira a impor a adesão geral dos atores políticos relevantes até aos instrumentos inicialmente mais polêmicos da redistribuição, que se valem da transferência de renda ao estilo Bolsa-Família. Essa forma de " exploração " dos ricos pelos pobres é com certeza preferível à da violência que se tem difundido e tornado o país cada vez mais inseguro e perigoso também para os ricos. Com consequências seguramente piores, em algum ponto, para a própria viabilidade de um capitalismo bem-sucedido.


Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DOHA E A HEGEMONIA PERDIDA
Luiz Carlos Bresser-Pereira

O Brasil perdeu, porque a rodada nos beneficiava, mas ganharam os países pobres liderados pela Índia

POR QUE a Rodada Doha fracassou depois de sete anos de negociações enquanto a Rodada Uruguai foi "bem-sucedida", apesar de haver beneficiado muito mais os países ricos do que os países em desenvolvimento? Ainda que possamos dar muitas respostas específicas a essa pergunta, sugiro que a resposta mais geral é a de que ela refletiu a perda da hegemonia americana nestes últimos 15 anos. Só essa hegemonia ideológica tendo como bandeira o neoliberalismo explica que os países em desenvolvimento tenham concordado em assinar o acordo em 1993 que reduzia de forma substancial seu "espaço de políticas", ou seja, sua capacidade de promover um tipo de política industrial que os países ricos, em fase correspondente de desenvolvimento econômico, praticaram com toda liberdade. Naquela época, o colapso recente da União Soviética levara o "soft power" americano às alturas, a tese do caminho único para o desenvolvimento parecia confirmada, as reformas neoliberais estavam na ordem do dia, e a Rodada Uruguai foi aprovada nesse clima.

Agora, o colapso da Rodada Doha surpreendeu a todos. Desde o início das negociações, o Brasil estabelecera como objetivo a redução dos subsídios agrícolas dados na Europa e nos Estados Unidos, enquanto estes demandavam redução das tarifas na indústria e maior abertura dos serviços. Quando os países ricos desistiram de insistir na abertura dos serviços e de incluir nas negociações outros itens não-comerciais e quando aceitaram a proposta intermediária do diretor-geral da OMC, o Brasil também aceitou o acordo e imaginou que os demais países em desenvolvimento o seguiriam. Não contava com resistência tão forte da Argentina e principalmente da Índia.

Essa resistência, entretanto, é razoável. A Argentina, depois da embriaguez neoliberal dos anos 1990, procura reconstruir sua indústria e, além de não cometer o suicídio ao deixar que a taxa de câmbio se aprecie, conta com barreiras alfandegárias para se reindustrializar. Mais surpreendente para todos foi a razão do veto dos indianos. Eles deixaram muito claro que só concordariam com a rodada se pudessem contar com uma maior liberdade de salvaguardar sua agricultura familiar quando esta fosse ameaçada por commodities produzidas no exterior a custo eventualmente mais baixo. A Índia, como ainda boa parte do Terceiro Mundo, conta com a agricultura familiar para garantir emprego e segurança alimentar.

Não pode, portanto, concordar com um acordo que torne esse setor econômico e social vulnerável, à mercê das forças imprevisíveis do mercado.

Se estivéssemos ainda no clima dos anos 1990, essa rodada poderia ter sido concluída. No final dos anos 2000, porém, compreende-se por que os países ricos não logram mais impor seu poderio com tanta facilidade. Nesse período, suas reformas neoliberais se revelaram concentradoras de renda e incapazes de promover o desenvolvimento econômico; um número crescente de países em desenvolvimento, agora liderados pela Índia e pela China, alcançaram taxas extraordinárias de crescimento e mudaram o equilíbrio internacional de poderes; e a lastimável Guerra do Iraque e a crise financeira atual enfraqueceram o "hegemon". O Brasil perdeu, porque a rodada nos beneficiava, mas ganharam os países pobres liderados pela Índia.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

DEU NA GAZETA MERCANTIL

MULHERES GANHAM ESPAÇO NO CENÁRIO ELEITORAL; MAS É POUCO
Raphael Bruno


Apenas 25 dos 176 candidatos às prefeituras de capitais nas eleições municipais são mulheres. Apesar do percentual baixo de candidaturas femininas, 14,2%, elas despontam como favoritas em pelo menos quatro capitais, o que abre a possibilidade de um resultado histórico para as mulheres, tendo em vista que apenas uma capital hoje é administrada por uma prefeita. A despeito do provável avanço, especialistas alertam para as limitações da participação feminina nos pleitos eleitorais.

Atualmente, apenas Fortaleza é administrada por uma mulher. A prefeita petista Luizianne Lins, candidata à reeleição, é, por sinal, uma das quatro candidaturas femininas que hoje ostentam o primeiro lugar em pesquisas de intenção de voto. Ela é acompanhada pela correligionária e candidata à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, pela deputada federal e candidata em Belo Horizonte, Jô Moraes (PCdoB), e pela candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Souza (PV).

Em Natal, aliás, não só Micarla lidera a corrida eleitoral com 54%, de acordo com última pesquisa Ibope para a cidade, como o segundo lugar nas pesquisas também é ocupado por uma mulher, a petista Fátima Bezerra. Isso sem contar outros grandes colégios eleitorais do país onde as candidaturas femininas, apesar de não liderarem as pesquisas, se mostram competitivas, como no Rio de Janeiro, onde Jandira Feghali (PCdoB), com 17%, ocupa o segundo lugar, atrás do senador Marcelo Crivella (PRB), e em Porto Alegre, onde a dupla de deputadas federais Maria do Rosário (PT) e Manuela D""Ávila (PCdoB) seguem de perto o atual prefeito e candidato à reeleição José Fogaça (PMDB). Na capital gaúcha, por sinal, dos oito postulantes ao cargo de prefeito, quatro são mulheres.

"Temos ainda um caminho longo pela frente para que a disputa eleitoral seja mais igualitária", contemporiza a cientista política da Universidade de São Paulo, Maria do Socorro. O diagnóstico é compartilhado pela diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Natalia Mori. "Todo aumento já é algo para se comemorar. É sinal de que os dados começam a refletir uma maior participação feminina na vida política . Mas com certeza ainda não é o suficiente para alterar a ordem do problema. A política continua sendo uma das áreas de maior desafio para as mulheres, um dos pilares que temos que romper para superar esta estrutura patriarcal", admite a pesquisadora.

A cautela das especialistas é justificada pelos números. Apesar das candidaturas femininas competitivas em algumas cidades, em 12 capitais, quase metade do total, nenhuma mulher está na disputa eleitoral, incluindo algumas cidades de peso nessa conta, como Salvador, Goiânia e Manaus.

Natalia Mori conta que pelo menos quatro fatores são vistos como primordiais para explicar a ainda baixa participação feminina na política. O primeiro estaria relacionado a fatores culturais, à maneira como homens e mulheres passam, desde criança, por experiências de aprendizagem diferenciadas que os levam a considerar como normais projetos de vida diferenciados. Os homens seriam ensinados para o sucesso individual no mundo público, enquanto sobraria para as mulheres o cuidado com o bem-estar da família e dos outros no mundo doméstico. O segundo fator, segundo a pesquisadora, seria a divisão do trabalho entre os gêneros.

"O uso do tempo cotidiano é diferente, porque mesmo as mulheres que buscam trabalho não tem contrapartida suficiente da sociedade ou de seus parceiros", diz Natália. "Então elas precisam chegar em casa e ainda cuidar dos filhos ou de afazeres domésticos. Não sobra muito tempo para se organizar politicamente em partidos, sindicatos ou associações desta forma", completa.

O terceiro fator utilizado como explicação para a pouca participação feminina é a falta de estímulos dos próprios partidos. "Os partidos tem que ter mais incentivos internos porque neles está grande parte da responsabilidade por esse quadro", concorda a professora da USP, Maria do Socorro. "Isso significa mais colocação de mulheres em cargos de peso dentro da estrutura partidária, mais destinação de recursos para as campanhas femininas, mais tempo no horário eleitoral. Não basta somente filiar mulheres e lançá-las candidatas".

Por fim, as limitações do próprio sistema eleitoral brasileiro são apontadas como empecilhos para uma maior presença feminina na política. O Cfemea, por exemplo, defende o financiamento público exclusivo de campanha acompanhado do modelo de voto em lista fechada paritária, ou seja, onde o partido indicaria para o eleitor uma lista pronta ordenada de forma alternada entre um homem e uma mulher.

Outro dado que preocupa as especialistas é a constatação de que a tendência da predominância masculina é ainda mais acentuada quando se trata de eleições majoritárias. No último pleito municipal, em 2004, por exemplo, as mulheres foram responsáveis por 22,13% das candidaturas totais a cargos de vereador. Quando o assunto era prefeituras, contudo, esse percentual despencou para menos do que metade, 9,53%. "A campanha majoritária é sempre mais complexa tanto para homem quanto para mulher", diz Maria do Socorro. "Mas com certeza acentua mais as desigualdades, por ser uma campanha mais difícil, envolve mais tempo na televisão, é mais cara, há a necessidade de se acumular anteriormente mais capital eleitoral", completa.