quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Salvador Allende: "Estas son mis últimas palabras..."


11 de Setembro de 1973

Seguramente esta es la última oportunidad en que me pueda dirigir a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Portales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura, sino decepción, y serán ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron los soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino que se ha auto designado, más el señor Mendoza, general rastrero... que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, también se ha nominado director general de Carabineros.

Ante estos hechos, sólo me cabe decirle a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que entregáramos a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente.

Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen... ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos. Trabajadores de mi patria: Quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley y así lo hizo.

En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección. El capital foráneo, el imperialismo, unido a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara Schneider y que reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas, esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros; a la obrera que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños.

Me dirijo a los profesionales de la patria, a los profesionales patriotas, a los que hace días estuvieron trabajando contra la sedición auspiciada por los Colegios profesionales, colegios de clase para defender también las ventajas que una sociedad capitalista da a unos pocos.

Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron, entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos... porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando la línea férrea, destruyendo los oleoductos y los gasoductos, frente al silencio de los que tenían la obligación de proceder: estaban comprometidos.

La historia los juzgará. Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz no llegará a ustedes. No importa, lo seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos, mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal a la lealtad de los trabajadores. El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.

Trabajadores de mi patria: Tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo, donde la traición, pretende imponerse. Sigan ustedes, sabiendo, que mucho más temprano que tarde, de nuevo, abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor. ¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores! Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza, de que mi sacrificio no será en vano. Tengo la certeza de que, por lo menos, habrá una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

Pés no chão


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A decisão do Banco Central de manter a pressão sobre os juros coloca o governo com os pés no chão, num momento de euforia compreensível, mas preocupante. A dose pode ter sido demasiada, mas, para um governo super-otimista e gastador, somente um Banco Central mais realista que o rei dá conta de manter as condições básicas para um crescimento sustentável num mundo em crise econômica. Não foi à toa que Jim O"Neill, economista-chefe do banco Goldman Sachs, criador da expressão Bric, sigla que se refere aos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, disse em recente entrevista que o Banco Central brasileiro está sendo considerado um dos mais respeitáveis do mundo.

A euforia com que o crescimento do PIB de 6,1% no trimestre foi recebido, como se confirmasse a tese de que o país está descolado da crise mundial, só tem comparação com a euforia que tomou conta de importantes figuras do governo, como a potencial candidata à sucessão de Lula, ministra Dilma Rousseff, com a intervenção do governo dos Estados Unidos nas companhias hipotecárias gigantes Fannie Mae e Freddie Mac.

Ao contrário de indicar "o enterro do neoliberalismo", nas palavras jocosas de Ciro Gomes ou, como quer Dilma Rousseff, que os países centrais nunca abriram mão de intervir na economia, mas recomendam o "neoliberalismo" para os outros, a intervenção naquelas empresas é um sintoma de que elas não deveriam nunca ter sido protegidas pela lei especial que rege as "empresas apoiadas pelo governo" (Government Sponsored Enterprises - GSE).

A Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) foi criada em 1938 por Franklin Delano Roosevelt, durante o New Deal, uma época de ampla intervenção governamental, para fornecer liquidez ao mercado hipotecário e permitir que os cidadãos tivessem acesso a financiamentos para a casa própria depois da crise econômica provocada pela quebradeira da Bolsa de Valores em 1929. Foi privatizada em 1968 pelo governo Lyndon Johnson, para conter o déficit orçamentário provocado pela Guerra do Vietnã.

A Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) foi criada em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas. Esse tipo de empresa tem o apoio do governo americano, e foi para honrar esse compromisso "implícito" que o Tesouro interveio.

Quer dizer, essas empresas "apoiadas pelo governo" são anomalias, não respondem às leis do mercado e por isso trabalharam nos limites da irresponsabilidade na bolha especulativa imobiliária.

Por outro lado, é bom lembrar que, quando o governo Fernando Henrique Cardoso interveio em vários bancos para impedir uma crise sistêmica, criando o Proer, não houve quem na oposição visse nessa atitude uma demonstração de que o "neoliberalismo" estava sendo sepultado. Pelo contrário, criticaram a medida como se ela fosse uma ajuda aos banqueiros, e não aos depositantes.

O economista brasileiro Paulo Leme, diretor de pesquisas de mercados emergentes da Goldman Sachs em Miami lembra que "ninguém está imune a choques externos, e o Brasil não é exceção". Para ele, o PIB do segundo trimestre confirma a tese de que, numa economia relativamente fechada como a nossa, a expansão vigorosa da demanda doméstica (a 9% ao ano) foi muito mais importante para o crescimento do que a desaceleração do volume de exportações.

"Mas os efeitos negativos da crise externa já são evidentes em todas as contas brasileiras: a desalavancagem e contração de crédito nos mercados internacionais já reduziram significativamente o superávit na conta de capitais e no balanço de pagamentos; a preocupação com uma redução no crescimento mundial derrubou o preço internacional das commodities, derrubando a bolsa no Brasil. Estes fatores mais a recuperação do dólar derrubaram o real a R$1,78".

Para Paulo Leme, esses fatores negativos já presentes na economia e mercados brasileiros se agravarão ao longo dos próximos doze meses. "O crescimento em 2009 deverá cair abaixo de 3,5% (de 5,2% ou mais em 2008), em grande parte devido à contração da política monetária este ano. O menor ritmo de crescimento mundial e aperto de crédito explicam uma parte menor desta desaceleração".

Para 2010, "nossa previsão é de uma recuperação do crescimento a 4%, em parte por um ciclo de corte de juros no Brasil (começando em outubro de 2009), e em menor grau pela recuperação da economia mundial", diz Leme.

Outro economista brasileiro, este em Nova York, Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, também não acredita no "descolamento". Para ele, não há problema de financiamento do déficit de conta corrente, "mas a desvalorização do câmbio real provavelmente será recessiva, dada a falta de demanda externa e os baixos preços das commodities".

O crescimento do PIB traz de volta o problema de inflação, "pelo forte crescimento da demanda doméstica, ultimamente sustentado pelos gastos do governo e ainda com uma tração forte de 2007". Mas, Paulo Vieira da Cunha acha que "o ciclo vai virar e, quando virar, as receitas do governo cairão na frente, forçando uma queda no gasto que, em simetria ao que tem acontecido até agora, será pró-cíclica, acelerando a queda da demanda doméstica".

Paulo Vieira da Cunha acha que, ao contrário do "descolamento", a questão, em fins de 2009 e "mais provavelmente em 2010", vai ser a situação da economia mundial. "Se estiver em recuperação, vai ajudar, caso contrário, a economia brasileira provavelmente entrará em recessão".

Mentalidade de exceção


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Antes de qualquer coisa, um pressuposto básico: abuso é abuso em qualquer circunstância, esteja ele a serviço do “mal” ou sirva de instrumento às forças do “bem”.

A premissa, não obstante óbvia, está em vias de sofrer pesada contestação. A depender do rumo do debate sobre o freio de arrumação nos métodos de investigação policial pleiteado pelos tribunais superiores, poderá ser substituída pela tese segundo a qual em alguma dose o arbítrio é aceitável - e até indispensável - quando o objetivo vale a pena e a causa não é pequena, como o combate à corrupção.

O cerne desse raciocínio já aparece aqui e ali desde que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, denunciou a existência e alertou para a conformação de um ambiente de “anarquia” na estrutura investigativa do Estado - incluindo não apenas a polícia, mas juízes, procuradores e agentes de espionagem.

São ponderações preocupadas com o exagero do lado contrário: que o preciosismo jurídico acabe punindo a polícia e protegendo o possível bandido.

Tal pensamento ganhou força nesta semana, depois que o Conselho Nacional de Justiça resolveu controlar a concessão de autorizações judiciais para escutas policiais e o Superior Tribunal de Justiça anulou dois anos de investigações da Polícia Federal, feitas com base em grampos cujas licenças foram renovadas várias vezes sem fundamento legal suficiente, no entender do STJ.

Daí a se concluir que esteja em marcha uma ofensiva do Judiciário para cercear o trabalho da PF e impedi-la de prosseguir em sua cruzada contra os barões do colarinho-branco seria um pulo não estivesse essa interpretação já em vigor.

Ainda apresentada na forma de reflexão originalíssima, produto de “insight” socialmente até bem intencionado, mas institucionalmente equivocado.

É claro que a polícia vai protestar, como já protestou quando da decisão sobre exorbitâncias na aplicação de algemas e como vem reclamando da concessão de habeas corpus a presos temporários, desde a revogação do “cumpra-se” reverencial no tocante a decisões da Justiça, particularmente do Supremo.

A qualquer grupo ou corporação interessa a maior liberdade possível de atuação. Mas, como a lei restringe as prerrogativas de alguns exatamente para assegurar o direito de todos, no Estado de Direito não se pode fazer tudo a qualquer preço.

E isso não é uma questão de ponto de vista. É um princípio geral válido para todos os cidadãos e aplicado a quaisquer situações.

O ideal seria que a Polícia Federal “republicana” (haveria alguma outra forma de instituição da República se conduzir?) estivesse suficientemente imbuída desse espírito para aceitar com naturalidade os obstáculos impostos pelos limites da lei e continuasse seu belo trabalho sem a ajuda das facilidades do abuso.

Mas compreende-se sua resistência em deixar o papel de protagonista na cena política para o qual foi escalada há pouco menos de seis anos.

Inaceitável e perigoso, porém, é que cabeças bem pensantes do País incutam no senso comum a deformada idéia de que autoridades públicas, ou gente alvo de suspeita, possam ser vigiadas à vontade ao arrepio da legalidade porque assim a sociedade estaria garantida em seu direito à transparência total.

Aí já não estaríamos mais tratando da existência ou não de um Estado policial, mas da disseminação de uma mentalidade policialesca em toda a sociedade. Em tempos de degradação ética, a tese soa como um alento e ganha adeptos com facilidade.

Parece bom abrir um espaço na lei para combater os fora-da-lei. Inclusive porque, argumenta-se, é tudo feito em nome da democracia, na vigência dos preceitos democráticos, cenário incomparável ao do regime autoritário.

Perfeito. Não fora o fato de que ao se abrir uma exceção hoje aqui, amanhã não haverá como impedir a abertura de mais alguma ali e ainda outra acolá para fazer frente a questões urgentes, saneadoras e moralizadoras.

O resto da história dispensa relato. Está tudo registrado na História. Da Humanidade e na do Brasil recente, onde a ditadura instalou-se sob a justificativa inicial de fazer deste um País livre de corruptos e bem mais decente.

Erro de origem

Bem intencionados de todos os matizes se empenham em resolver o problema das escutas com novas leis, aumento de punições e agora surgiu até a proposta de chamar o caminhão de mudanças para remover o sofá da sala, extinguindo a Agência Brasileira de Inteligência.

Já o interminável charivari entre autoridades da área de informações não parece impressionar, mesmo sendo o descontrole verbal a manifestação pública do principal defeito.

Com vergonha do SNI do passado, a democracia não se preparou para o futuro e ficou sem um serviço de inteligência de boa qualidade, bem organizado, com hierarquia estruturada, numa concepção estrita de defesa do Estado.

Contentamento e barbárie


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O bom resultado do PIB no segundo semestre fará chover, de novo, festejos que desmentem o sedutor estribilho da campanha Marta Suplicy, segundo o qual paulistano "não se contenta com pouco". Errado. Não só o paulistano mas o brasileiro contenta-se, sim, com pouco.

O governo Lula, então, faz até propaganda do pouco. Ou do nada, no caso da lenda da queda da desigualdade, que não existe. Caiu apenas a desigualdade entre assalariados, mas não entre quem vive de salário e quem tem renda do capital.

A propósito, no mais recente boletim do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, Marcio Pochmann, presidente do Ipea, volta ao tema ao escrever que desde a década de 1950 cai a participação do salário na renda.

"Atualmente [governo Lula, portanto], menos de 40% da renda nacional são apropriados pelos trabalhadores; no final da década de 1950, aproximava-se de 60%. Em contrapartida, os detentores de patrimônio assistem à expansão contínua de seus rendimentos".

Na mesma toada, três agências da ONU acabam de divulgar estudo apontando falta de "trabalho decente" no Brasil. Significa, entre outras coisas, "ausência do trabalho infantil ou forçado; nível adequado de remuneração, formalidade e acesso à proteção social; oportunidades iguais de acesso ao emprego e às ocupações de mais qualidade e mais bem remuneradas".

Menos mal que quem deixa o governo Lula passa a enxergar as coisas como são, caso de André Singer, ex-porta-voz do presidente, que escreveu ontem que o filme "Linha de Passe" "contribui para repor a questão central do período, a de saber se ainda temos chance de produzir uma "virada" civilizatória ou se seremos obrigados a nos conformar com a barbárie transformada em sistema".

Pois é, seis anos de Lula, muita festa e nenhuma "virada".

As instituições e as brigas de botequim


Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Reza a Constituição que ninguém pode ser considerado culpado "até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". A boa prática democrática diz também que ninguém pode ser acusado sem provas. E que essas máximas devem ser obedecidas pelos cidadãos ricos e pobres, poderosos ou não. É simples: se você qualifica alguém de "bandido" publicamente, precisa provar que ele é realmente um bandido. As liberalidades ficam por conta de bate-bocas da vida cotidiana, que acontecem em espaços geográficos mais restritos e cujas ofensas podem ser atribuídas ao calor de uma discussão ou ao grau de uma animosidade que, todavia, não transcende a vida privada.

Quando isso é levado para o espaço público, no entanto, é preciso um cuidado maior do que nas brigas de botequim.

A Operação Satiagraha da Polícia Federal colocou em conflito o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal (PF); o STF e os juízes de outras instâncias; o STF e as varas especializadas no julgamento de crimes financeiros; o STF e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o STF e o ministro da Justiça, Tarso Genro; o STF e o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza; o STF e os procuradores do Ministério Público Federal. "O STF", desde então, é a figura do ministro Gilmar Mendes, que assumiu em 23 de abril deste ano a presidência do tribunal e no dia 26 de março a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão de controle da magistratura.

No início de julho, a PF prendeu o empresário Daniel Dantas e um tanto de outras pessoas, para cumprir mandato expedido pelo juiz Fausto Martin De Sanctis. "De novo, é um quadro de espetacularização das prisões. Isso é evidente e dificilmente compatível com o estado de direito. Teve uso de algema abusivo. Tudo isto terá que ser discutido", disse o ministro, que nos dias subseqüentes concedeu dois habeas corpus à maioria dos presos, com exceção dos envolvidos diretamente numa tentativa de suborno de um policial. "Antigamente, você tinha certeza que quem batia na sua porta era o leiteiro. Hoje está meio confuso", declarou, na frente do ministro Tarso Genro, batendo em sua polícia. Todo o trabalho da PF na operação acabou sendo resumido ao uso de algemas nos presos - e em seguida o plenário do STF acabou aprovando normas tão restritivas às algemas que, por certo, aboliu o seu uso nos casos de prisões que podem ter algum apelo midiático. O STF colocou a PF no banco dos réus.

Mendes mandou todos para o banco dos réus

De Sanctis sofreu investidas de Mendes já no julgamento dos dois habeas corpus, que libertaram Dantas. Além de considerar o fato de De Sanctis ter considerado a prisão com base no risco de que o investigado pudesse alterar provas contra si um "rematado absurdo" - sabe-se lá por que é tão absurdo isso -, Mendes mandou o segundo pedido de prisão para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para a Corregedoria da Justiça Federal - e só não fez uma representação formal contra o juiz porque houve uma revolta dos magistrados. Mas, de qualquer forma, na mídia, De Sanctis foi para o banco dos réus.

Na sexta-feira passada, em conversas com integrantes da CPI dos Grampos, Mendes apontou o dedo acusador para todas as varas de Justiça especializadas em crimes financeiros. As varas foram criadas em 2003 a partir da constatação de que os juízes das varas comuns não tinham conhecimento especializado para investigar esses crimes. Disse Mendes aos parlamentares que os juízes que atuam nessas varas especializadas, junto com delegados e o Ministério Público também especializados, formam uma espécie de "consórcio" que pode agir como "milícia". As varas de Justiça, os policiais e os promotores especializados foram, todos, de uma bandejada, para a cadeira de réus.

Uma denúncia de que, após o segundo habeas corpus, o ministro teria sido grampeado, fez com que posicionasse suas baterias contra a Abin - suposta autora do grampo de uma conversa telefônica entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), em parceria com a PF. A última semana foi perdida numa discussão interminável sobre se os equipamentos da Abin são apropriados para fazer grampos ou apenas fazem varreduras de escutas. Na dúvida, e antes da comprovação da denúncia, a Abin foi para o banco dos réus. A agência havia aparecidos na história Dantas, quando o delegado afastado do caso, Protógenes Queiroz, confessou ter contado com uma "ajuda informal" de seus agentes.

Passados dois meses da prisão de Dantas, todas as instituições que trabalharam no seu inquérito foram julgadas por Mendes - e os juízos de valor feitos pelo presidente do STF de cada uma delas, generosamente estampados pelos jornais. Não fossem as eleições, o presidente do Supremo teria sido o pautador hegemônico da mídia nesse período, sem que fossem necessárias informações mais consistentes do que acusações entre aspas do presidente da mais alta Corte para condenar instituições que exercem o seu papel na democracia brasileira, tal qual o STF.

No Brasil, parte da polícia mantém velhos hábitos de submeter presos, torturá-los, humilhá-los; a morosidade judicial resulta em um número enorme de presos que ou estouraram os prazos máximos de prisão temporária ou preventiva e não foram libertados, ou já cumpriram penas e continuam detidos; existem casos de uso privado de escuta ilegal; há um exagero de pedidos de escuta telefônica. O sistema judicial tem problemas estruturais que devem ser debatidos seriamente. É impossível, todavia, que todo o sistema seja ineficiente ou corrompido. Os casos de desvios criminosos devem ser investigados pela polícia e julgados pela Justiça. É impossível também que, em toda a cadeia que forma o sistema policial e judicial, apenas Mendes e Dantas sejam inocentes. O discurso politicamente correto de zelar para que o país não se torne um Estado policial é um instrumento para mobilizar todo o sistema pelo conflito e, por meio dele, obter hegemonia incondicional.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Muito longe da lógica democrática


Maria Rita Loureiro
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Eleições livres, justas e idôneas são condição fundamental da democracia. No Brasil de hoje, a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas têm permitido avanços consideráveis nesses requisitos. Todavia a forma como se organizam as campanhas eleitorais não tem caminhado na mesma direção: elas não estão contribuindo para o desenvolvimento de nossa democracia, por duas razões principais, interligadas.

Primeiro, porque as campanhas se baseiam na lógica da publicidade comercial, o que as torna muito caras. Os horários “gratuitos” (aliás, bem pagos às redes de TV e rádio, por meio de isenções fiscais) são utilizados para apresentar o nome, a imagem (às vezes grotesca) de candidatos ao Legislativo e alguns chavões veiculados rápida e superficialmente no prazo exíguo atribuído a cada um. A parte principal é destinada à divulgação de propaganda de candidatos a cargos majoritários. Esta se baseia em filmagens de obras e realizações (se for candidato à reeleição) ou de situações graves nos serviços públicos existentes (se de oposição). Utiliza também entrevistas com populares que elogiam uns candidatos, criticam outros, sem falar nos demais expedientes publicitários de divulgação: banners, distribuição “santinhos”, etc. A contratação de profissionais especializados em marketing, os equipamentos e o material de apoio para produzir tudo isso custam muito dinheiro aos partidos e aos candidatos.

Mesmo não havendo dados sobre quanto se gasta em publicidade (o TSE apresenta números relativos a receitas e despesas de partidos e candidatos em vários pleitos eleitorais, mas pouquíssima discriminação deles), as informações de responsáveis por gastos dentro dos partidos estimam algo em torno de 70% a 80% do total. Aliás, a necessidade de gerar caixa para financiar campanhas caras é o que parece estar por trás das denúncias de irregularidades envolvendo partidos, candidatos e grupos econômicos no País. Os recursos dos financiamentos públicos e de pessoas, doados oficialmente, não têm sido suficientes para sustentar tais despesas.

Em segundo lugar, além de muito caros (podendo gerar, por isso mesmo, o apelo a práticas de corrupção), os programas eleitorais têm conteúdo de baixa qualidade democrática. Orientadas pela lógica da publicidade comercial, as campanhas eleitorais se tornam campanhas de venda de um “produto” (candidato/programa) ao cliente/eleitor. Canalizam suas energias para convencer o eleitor/cliente da superioridade e maior credibilidade de um “produto” (candidato) ante o concorrente. Do mesmo modo que no mundo do comércio a “propaganda é a alma do negócio”, no processo eleitoral ganha quem tiver mais recursos para contratar melhores profissionais e melhores pacotes publicitários.

Ora, nestes termos, estamos muito distantes da lógica democrática. A igualdade política entre eleitores, candidatos e partidos é deformada pelo peso do poder econômico e pela habilidade de profissionais mais qualificados (e mais bem pagos) de persuadir. Ademais, a função primordial de uma campanha eleitoral fica completamente esvaziada, pois joga fora o momento privilegiado da democracia em que o debate público organizado pelos partidos pode ser ativado e no qual os cidadãos podem formar juízos a respeito de seus problemas coletivos e dos diferentes projetos para sua superação.

Infelizmente, os debates entre os candidatos majoritários tampouco contemplam os requisitos para o aperfeiçoamento da qualidade da democracia. Na forma como são organizados, submetidos às restrições rigorosas de tempo estabelecidas pelos donos das empresas de comunicação (“três minutos para a resposta, um minuto para a réplica, meio minuto para a tréplica”, além das inúmeras interrupções para “os nossos comerciais”), eles não oferecem condições mínimas para o debate mais aprofundado entre partidos, candidatos e cidadãos e, por isso, não contribuem para a formação de juízos políticos. Acabam-se transformando em mera maratona na qual vencem não as propostas mais consistentes e representativas, mas os mais hábeis atores midiáticos.

A redução das campanhas a atos orientados pela lógica mercantil tem que ver ainda com a identificação da imagem dos concorrentes com a de administradores competentes que entregam (deliver) o que foi comprado pelo eleitor/cliente. Não é ingênua a apresentação dos candidatos a prefeito, governador e até presidente em cenas nas quais aparecem fiscalizando obras, sempre com capacete. Ora, se o Estado deve ser servidor e mesmo provedor de bens públicos demandados pela população, os governantes precisam ser mais do que isso. Para se qualificar como representantes eles precisam ser líderes capazes de formular, articular e pôr em prática, por intermédio de seus partidos, projetos mais amplos para a sociedade. Infelizmente, nossos programas eleitorais estão longe de tal caminho.

Diante deste quadro, é crucial que a próxima reforma política e novas regras eleitorais contemplem a necessidade de recuperar o teor democrático das campanhas, destituindo-as de seu caráter meramente publicitário e afirmando-as essencialmente como fórum de debate público. Isso implica gerar tempo maior nos meios de comunicação (afinal, todos são concessões públicas) para programas de debates (e não de propaganda) entre cidadãos, partidos e candidatos, inclusive para o Legislativo (locus do poder soberano, é bom relembrar). Certamente essas mudanças terão impactos não só no barateamento dos custos das campanhas, na redução dos recursos necessários para seu financiamento (e, claro, na redução dos incentivos à corrupção), mas igualmente na qualidade da vida democrática do País.

Maria Rita Loureiro, socióloga, é professora-titular da FGV-SP e da FEA-USP

Aliados lançam manifesto de apoio a Soninha

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Candidata do PPS afirmou, durante sabatina no Grupo Estado, que há corrupção na Câmara Municipal de SP

O bate-boca de anteontem entre a candidata à Prefeitura de São Paulo Soninha Francine (PPS) e a vereadora Claudete Alves (PT), na porta do banheiro feminino da Câmara Municipal, e o cerceamento da filmagem da discussão pelos vereadores Milton Leite (DEM) e Antonio Carlos Rodrigues (PR) levaram simpatizantes do PPS e políticos de outros Estados a produzirem um manifesto de apoio à candidata e suas denúncias.

“Estamos todos solidários à candidata Soninha neste momento, pela coragem de jogar luz sobre a obscuridade da Câmara Municipal de São Paulo”, diz o texto. Ele será assinado por Fernando Gabeira, candidato do PV à Prefeitura do Rio, Manuela D’Ávila, candidata em Porto Alegre pelo PC do B, e pelo presidente nacional do PPS, Roberto Freire, entre outros.

Soninha afirmou, em sabatina do Grupo Estado, na semana passada, que há corrupção na Casa. “No mundo real, parlamentares, na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembléia Legislativa, no Congresso votam a favor de um projeto em função do que ficar combinado que eles receberão em troca. Na pior das hipóteses, recebe-se dinheiro para votar a favor ou contra determinado projeto”, declarou a candidata.

A coordenação de campanha de Soninha, em texto veiculado no blog da candidata, compara o comportamento dos vereadores a um “código de honra da máfia, que manda exterminar quem se opõe às regras do crime organizado”. “Alguns vereadores pedem a cabeça de quem ousa questionar o modus operandi das negociatas realizadas na Câmara Municipal”, diz o texto.

A campanha do PPS já definiu um alvo: o chamado “centrão”, grupo de parlamentares do PR, PTB, PMDB, PP, PV e PSB. Diz o texto do blog: “Os próprios parlamentares não escondem que trocam o voto em determinado projeto de interesse do governo por cargos na prefeitura, por exemplo. Isso é dito abertamente. Essa é a própria essência do ‘centrão’.”

REPRESENTAÇÃO

O corregedor da Câmara Municipal, Wadih Mutran (PP), recebeu ontem a representação do vereador Carlos Apolinário (DEM) para que as declarações de Soninha sejam apuradas pela Casa. Reportagens do Estado com as acusações da candidata foram anexadas ao documento.

De acordo com Apolinário, a vereadora pode ser enquadrada por quebra de decoro parlamentar, caso não indique nomes. “Se ela tiver provas, vamos abrir uma CPI para punir os culpados. Se não, é injúria, calúnia e difamação”, adiantou.

Ontem a comissão da corregedoria não teve quórum para propor um relator.

No Rio, Cabral cresce com “virada” de Paes

Jarbas de Holanda

Ao lado do sucesso de Aécio Neves na rápida afirmação de seu candidato a prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e da contenda que se torna acirrada em São Paulo para a definição do adversário – Geraldo Alckmin ou Gilberto Kassab – da petista Marta Suplicy, no segundo turno, cujo resultado terá implicação relevante para o projeto presidencial de José Serra, a disputa na outra grande capital do Sudeste, o Rio, que começou desqualificada por enorme fragmentação partidária, ganhou nova dimensão de duas semanas para cá com a forte decolagem do candidato do governador Sérgio Cabral, o neopeemedebista Eduardo Paes (que na última pesquisa do Datafolha já assumiu a liderança da corrida, ultrapassando Marcelo Crivella, do PRB, por 25% a 21% reduzindo a 12% o índice de Jandira Feghali, do PCdoB, e despontando como favorito no segundo turno). Num contexto em que a divisão dos partidos de esquerda e da base governista federal deixa o presidente Lula à margem do processo e favorece ampla capitalização por Cabral.

Assim, e depois de cancelar o apoio dado ao petista Alessandro Molon (sob pressão do Palácio do Planalto articulada pelo ministro Tarso Genro), assumindo o risco do lançamento de um candidato próprio do PMDB, Sérgio Cabral reforça sua influência no partido, contra o que resta da do antecessor Anthony Garotinho, e reordena a cena política carioca. Por meio da alternativa centrista representada por Eduardo Paes, que o distingue da esquerda, que acentua o desgaste da centro-direita do prefeito César Maia e que propicia o bloqueio – agora bastante provável – à emergência do populismo evangélico de Crivella.

O primeiro dividendo político-econômico significativo do governador do Rio com a “virada” de seu candidato nessa disputa eleitoral foi ter conseguido, enfim, que o presidente Lula atendesse a seu pleito de privatização do aeroporto Tom Jobim, ou do Galeão, que era barrado, de um lado, pela Infraero e, de outro, por resistências estatizantes da Casa Civil do Planalto. A insistente cobrança de moderna e eficiente gestão privada do Galeão, reforçada como parte da preparação do Rio para a Copa do Mundo de 2014, insere-se nos dois traços inovadores mais expressivos do governo de Cabral – a política de segurança, de forte enfrentamento da criminalidade, e a combinação de política econômica e fiscal séria (executada pelo secretário da Fazenda Joaquim Levy) com ações decididas e consistentes para a atração de investimentos privados, internos e externos. Por outro lado, a decisão sobre o Galeão, beneficiou também São Paulo, ao ser de pronto estendida ao aeroporto de Viracopos e por ter desatado o anúncio pelo ministro da Defesa Nelson Jobim do início de estudo para a construção e operação pela iniciativa privada do quarto terminal aeroportuário paulista.

Cenários do Rio e de BH aumentam para Lula peso da disputa em São Paulo

O cenário do Rio e o da capital mineira – onde as contestações da direção nacional do PT e dos ministros Luís Dulci e Patrus Ananias à aliança do governador Aécio Neves com o prefeito Fernando Pimentel em torno de Márcio Lacerda deixam Lula sem papel na campanha eleitoral – tornam a disputa paulistana ainda importante para ele. Por causa da necessidade de vitória do lulismo numa das três capitais do Sudeste e porque esta é a que lhe propicia um confronto direto com o pólo central dos tucanos e com a candidatura presidencial de ostensivo caráter oposicionista, a de José Serra. Necessidade acentuada pela provável derrota do PT e aliados nas três capitais do Sul (em contraposição ao que deverá ocorrer em boa maioria das do Nordeste, do Norte e até do Centro-Oeste, e apesar do forte crescimento da popularidade do chefe do governo em todo o país).

Daí, a antecipação já feita, e a ser ampliada, do esforço do Palácio do Planalto e do próprio Lula em favor de candidatura de Marta Suplicy, que inclui a tentativa de eleição dela em primeiro turno, a qual segue sendo improvável, e o preparo de uma ofensiva em grande escala para o turno final. Daí também, em face das implicações ainda mais decisivas que tal disputa tem para o governador Serra, a prioridade que ele passa a atribuir, na administração da complicada contenda entre Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab, à seleção daquele com melhores condições de enfrentar Marta no segundo turno, mesmo que não seja o candidato de sua preferência pessoal.