sábado, 13 de setembro de 2008

Estado clandestino

Editorial
DEU EM O GLOBO

Qualquer entendimento de que a ação do delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha, além dos limites da legalidade, teria sido apenas um desvio eventual de um zeloso funcionário da Polícia Federal foi revogado definitivamente pela assustadora revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência cedera 56 arapongas para a investigação.

O que parecia, a princípio, uma colaboração informal de uns poucos arapongas aposentados a Queiroz ganhou outro vulto, muito mais grave. Em vez de um punhado de espiões abnegados e decididos a ajudar o delegado em nome do combate à corrupção e/ou da camaradagem, trabalhou com Protógenes um segmento clandestino do serviço de inteligência do Estado, com o quase certo conhecimento do comando da Abin.

Está aí a explicação para terem sido grampeadas, no ano passado, 400 mil linhas telefônicas com autorização judicial. Promotores e juízes não gostaram quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, também vítima dessa arapongagem delinqüente, referiu-se aos grupos de delegados, juízes de primeira instância e promotores que trabalham juntos ao arrepio de direitos constitucionais como "milícias".

Mas o termo é adequado, pois estas, apesar de serem formadas por agentes públicos - policiais, bombeiros, guardas penitenciários -, também atuam à margem da lei.

A reação da sociedade diante do arbítrio de delegados, juízes e promotores começa a se materializar em medidas concretas: a decisão formalizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de uniformizar as normas para a liberação judicial de grampos eletrônicos, bem como seu acompanhamento, e a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de projeto de lei de regulamentação dessas escutas. As duas iniciativas são para coibir escandalosos abusos.

No MP, nas instâncias iniciais da Justiça e na PF há quem considere essas iniciativas uma reação a favor de corruptos e outros criminosos de colarinho branco supostamente influentes. Balela. Apenas, há 23 anos da redemocratização, já havia até passado da hora a necessidade de se barrar os excessos cometidos por agentes do Estado. É o cumprimento estrito da Constituição e de normas e leis derivadas que concede a segurança jurídica de que qualquer país necessita para se desenvolver em todos os aspectos. Quando policiais, juízes e promotores descumprem a lei, em nome do combate ao crime ou do que for, investem contra a sociedade. Ajudam o criminoso. Exemplo atual é a decisão do STF de soltar dez acusados de fazer parte de uma facção criminosa, por terem sido mantidos presos durante quatro anos sem que o processo contra eles começasse a tramitar. Serve de lição para essas "milícias".

Mais tensão entre os Poderes

Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ao enviar à presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) um ofício comunicando que não cumprirá a decisão da Corte, que deu o prazo de 18 meses para que o Congresso votasse uma lei complementar sobre desmembramento e emancipação de municípios, o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), além de passar por cima das regras de funcionamento das instituições no Estado de Direito, e da própria Constituição em vigor, criou mais um foco de tensão entre os Poderes.

A decisão do STF foi tomada em 2006, durante o julgamento de um recurso impetrado pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso reclamando da demora do Congresso para votar lei complementar, que é prevista pelo parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição de 88. Incluído no capítulo da organização político-administrativa do Estado, o dispositivo trata da criação, fusão e desmembramento de municípios para o que exige estudos de viabilidade fiscal e consulta prévia à população envolvida. Em 1996, a Emenda Constitucional (EC) nº 15 determinou que novos municípios só poderiam ser criados após a entrada em vigor dessa lei complementar.

Como o Congresso não a votou até hoje, algumas Assembléias passaram a legislar sobre a matéria. Contudo, o Ministério Público Federal (MPF) questionou esse tipo de iniciativa, alegando que, pelo princípio da hierarquia das leis, as Constituições estaduais não podem contrariar a Constituição Federal.

A tese foi acolhida pelo STF e a Assembléia Legislativa de Mato Grosso recorreu. Ao julgar o recurso, em 2006, a Suprema Corte determinou que o Congresso regulamentasse a criação de municípios até outubro de 2008. Pelo parágrafo LXXI do artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o STF pode tomar essa decisão "sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à cidadania". O problema é que, entre a EC nº 15, de 1996, e a decisão do Supremo, tomada em 2006, foram criados 57 municípios.

Por isso, eles estão vivendo uma situação de surrealismo jurídico. Pela EC nº 15, esses municípios não poderiam ter sido criados. Mas, pela decisão do STF, eles poderiam ser regularizados desde que o Congresso votasse até outubro próximo a lei complementar prevista pelo parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição. Como esse prazo está vencendo e Chinaglia disse que não cumprirá a ordem do Supremo, dentro de semanas esses municípios podem perder existência legal, o que os obrigará a passar por um complicado processo de reversão de seu status jurídico.

Acontece que a maioria desses municípios já tem instituições consolidadas. Eles recebem regularmente da União as cotas do Fundo de Participação dos Municípios, mantêm um corpo de servidores selecionados por concurso e os órgãos públicos locais são responsáveis pela prestação de serviços essenciais de educação e saúde à comunidade. Em outras palavras, eles não têm mais condições de ser revertidos à condição de simples distritos.

Tentando justificar sua atitude, Chinaglia alega que não foi devidamente notificado pelo STF. Pela Constituição, contudo, quem deve receber a notificação não é ele, mas o presidente do Senado, que também preside o Congresso. A notificação foi entregue ao senador Renan Calheiros, na época em que, envolvido em denúncias, lutava para se manter na presidência do Senado. E seu substituto, o senador Garibaldi Alves, confessa que, por "desinteligência da burocracia", não foi informado da notificação.

Como se vê, o problema decorre da omissão política e da inépcia administrativa do Legislativo. Após ter comunicado que não cumprirá a ordem do STF, Chinaglia vem dizendo que a Corte não terá coragem de extinguir 57 municípios, alegando que "não se anulam fatos". Em resposta, o ministro Gilmar Mendes deixou claro que, se a lei complementar não for aprovada até outubro, "os municípios desaparecem".

Não é difícil ver quem tem razão nesse confronto. Enquanto o Congresso parece ter abdicado da função legisladora, gerando insegurança jurídica e deflagrando tensões institucionais, o STF continua adotando medidas para fazer cumprir direitos previstos na Carta de 88.

Ponto de ruptura


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A crise boliviana pode chegar a seu ponto de ruptura máximo neste fim de semana, quando a medição de forças pode definir um vencedor dessa disputa de poder que se desenrola já há alguns meses. O governo boliviano não conta com a possibilidade de ser apeado do poder, e em suas análises o máximo que admite é o país ficar dividido em duas partes, passando a existir "não mais um Estado e dois sistemas, mas dois estados com seus respectivos sistemas sociais e culturais como suas zonas de influência". De um lado, um estado indígena comandado por Evo Morales, de outro os governadores dos estados mais ricos Santa Cruz, Pando, Beni, Tarija, que hoje defendem o separatismo. A análise é do sociólogo boliviano Cesar Rojas Rios, que tem ligações políticas com o governo de Evo Morales.

A vitória da oposição seria a vitória do separatismo da região conhecida como "Meia Lua", a região mais rica do país, onde estão concentradas as reservas de gás, e que se opõe à chamada Constituição de Oruro, que lhes retira a autonomia que já têm, e querem ampliar.

Se vencer o governo, a unidade do país estaria resguardada, mas, como define Cesar Rojas Rios, não haverá lugar para as ambigüidades que até hoje dominam a política boliviana: "Entraremos na fase de unilateralização da História, todos os vagões políticos seguirão na mesma direção".

Esse conflito político que se desenvolve na Bolívia desde a posse de Evo Morales é na verdade uma disputa de poder que ficou dividido entre o poder político, açambarcado por Evo Morales, e o poder econômico, manipulado pelos políticos e empresários da "Meia Lua".

A nova oposição sempre tentou reduzir ao máximo a mudança de poder, com o processo autonomista se desenvolvendo paralelamente ao processo indígena, como uma maneira de neutralizá-lo, sem um ponto comum que pudesse uni-los.

O governo de Evo Morales se considera em um processo revolucionário "dentro da democracia", e tentou diversas vezes, através de uma Assembléia Constituinte, a exemplo de seu "protetor" Hugo Chávez na Venezuela, definir limites mais amplos para o seu poder, reduzindo o das regiões oposicionistas que, por sua vez, partiram para o referendo autonomista.

O conflito desatou suas forças e está maduro para gerar conseqüências inevitáveis, segundo Cesar Rojas Rios. No ponto em que o confronto se encontra, "os acontecimentos se sucederão cada vez com maior intensidade e velocidade".

A manifestação de poder da oposição, que já assumiu o controle de 38 entidades governamentais e quatro aeroportos, faz com que o governo tenha que responder "em igual nível ou então mais alto", se puder. Ou aceitar a capitulação.

A tentativa de negociação entre o prefeito de Tarija e enviados do governo Morales era vista ontem com pessimismo pelo próprio governo, que acha que cada uma das partes espera a rendição do adversário. Cesar Rojas Rios acredita que o conflito terá um final "violento e definitivo", e a crise será contada não em dias ou semanas, mas em horas.

O papel brasileiro na crise seria o de garantir que a democracia não seria afetada ao final e que os Estados Unidos não venha a ter uma atuação direta ao lado dos oposicionistas.

O cientista político Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes, acha que situação real está cercada por "muita guerra de palavras, muitas ações diplomáticas encobertas e de bastidores e pouca ação firme para encontrar soluções democráticas aos graves problemas que extrapolam o plano nacional na Bolívia".

Brigagão vê "um caldeirão de impasses, ora provocados pelo próprio Evo Morales, ora pela oposição dos governadores e de movimentos nada claros da chamada Meia Lua, posições radicais do bufão Chávez - que não encontra soluções para os problemas internos e lança-se com fúria contra os EUA, que, por sua vez, não estão atuando de maneira a contornar a gravidade da crise boliviana".

Ele considera que o Brasil atua "com ambigüidade" na crise, ambigüidade que não corresponde aos "interesses cruciais pela importação maciça de gás da Bolívia". Também chama a atenção de Brigagão "a ação retardatária - pois a crise boliviana já tem tempo - do Grupo de Amigos (formado pelo Brasil, Argentina e Colômbia), e a falta de coordenação regional que deveria ser implementada pela OEA e pelo Grupo do Rio".

A influência de Hugo Chávez na crise, expulsando o embaixador americano "em solidariedade", é um ponto a considerar. O sociólogo francês Alain Touraine, por exemplo, avalia que a influência do regime chavista sobre o governo de Evo Morales torna uma incógnita o desenvolvimento da democracia na Bolívia. Na análise de Touraine, a capacidade de governabilidade da Bolívia é fraca, a coerência das decisões nem sempre existe.

A grande influência de Chávez poderia ser compensada por uma relação econômica maior com o Brasil, permitindo que a Bolívia participasse do mercado mundial, mas o Brasil tem sido ineficaz nessa atração da Bolívia, que hoje é um satélite político da "revolução bolivariana".

Cesar Rojas Rios admite que a influência do presidente venezuelano às vezes pode ser um fardo para Evo Morales, mas diz também que o fato de, nos momentos difíceis, contar com o apoio explícito de Hugo Chávez tem se mostrado fundamental. Seja assinando um cheque, seja anunciando apoio até mesmo militar, como agora.

A interferência de Chávez pode aumentar a tensão, mas, na avaliação de Cesar Rojas Rios, que corresponde à visão governista, coloca os dois lados com apoios claros, os Estados Unidos ao lado dos separatistas, mesmo que não explicitamente, e a Venezuela explicitamente ao lado do governo. Continua amanhã

Ibope: Paes chega a 27%; Crivella tem 23%


Flávio Tabak e Sergio Duran
DEU EM O GLOBO

Os dois estão tecnicamente empatados, situação que se repete com Jandira, Gabeira, Solange e Molon


A 23 dias das eleições, o candidato do PMDB, Eduardo Paes, subiu oito pontos em relação à última pesquisa Ibope e tem hoje 27% das intenções de voto, liderando a disputa pela prefeitura do Rio. Paes ultrapassou o adversário Marcelo Crivella, do PRB, que caiu de 24% para 23% e agora é o segundo colocado. Os dois, porém, estão tecnicamente empatados, já que a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Outra troca de posições ocorreu entre os deputados federais Fernando Gabeira (PV) e Solange Amaral (DEM). O candidato do PV atingiu o quarto lugar, subindo de 5% para 6%. Solange manteve-se estável com 5% e perdeu a posição. O levantamento mostra ainda que a candidata Jandira Feghali (PCdoB), que vinha em queda desde a primeira pesquisa, perdeu mais um ponto e tem hoje 9%, mantendo o terceiro lugar. O candidato do PT, Alessandro Molon, passou de 2% para 4%. Os quatro candidatos, apesar da vantagem de Jandira, estão tecnicamente empatados.

O quarto levantamento feito pelo Ibope nas eleições municipais do Rio foi encomendado pela TV Globo e o jornal "O Estado de S.Paulo", e divulgada ontem pelo "RJ-TV". O instituto ouviu 1.001 eleitores entre a última terça-feira e anteontem. A pesquisada foi registrada na 228ª Zona Eleitoral sob o número 28/2008.

Número de eleitores indecisos cai para 11%

Chico Alencar, do PSOL, perdeu um ponto e tem agora 1%. O índice é o mesmo do candidato pelo PDT, Paulo Ramos. Filipe Pereira (PSC) e Antônio Carlos (PCO) não pontuaram. Eduardo Serra (PCB) não foi citado.

O resultado também mostrou forte queda no número de eleitores indecisos, de 18% para 11%. Votos em branco ou nulos somaram 12%.

Paes, que na última semana já havia assumido o primeiro lugar na pesquisa Datafolha, comemorou a liderança no Ibope:

- Vejo com alegria o resultado. A população está entendendo nossa proposta, mas vou continuar discutindo os problemas da cidade com humildade.

Crivella, por sua assessoria, disse que "a melhor pesquisa é o carinho do povo nas ruas". Solange mantém a confiança no número de indecisos.

- É bom esse empate (técnico) no terceiro lugar. O Ibope tem tradição de errar aqui no Rio. O número dos que ainda não sabem em quem votar é alto. Tenho toda a condição de estar no segundo turno e vencer.

Gabeira disse que a pesquisa "não expressa a realidade" e atacou o instituto:

- Tenho sólidas razões para não acreditar nas pesquisas do Ibope porque trabalha para um partido envolvido na campanha eleitoral, o PMDB. Minha visão é a das ruas.

Chico Alencar assume um tom parecido:

- Essa pesquisa está divorciada da realidade. Essa manipulação chega ao absurdo de eu ter menos votos do que para a eleição para deputado federal de 2006. É suspeita.

Já Molon comemorou:

- É o início do conhecimento da nossa candidatura pelos eleitores. Esta eleição vai ser disputada até o último dia.

Jandira Feghali foi procurada, mas não respondeu.

Após a confirmação da subida de Paes, candidato do governador Sérgio Cabral, os outros candidatos intensificaram os ataques ao governo estadual na TV. Crivella destacou ontem seu programa Zona Franca Social, de estímulo ao desenvolvimento econômico em comunidades e áreas de baixa renda da cidade, e disse que agora há um programa do governo estadual semelhante ao programa dele:

- Tem até o mesmo nome, ""Zona Franca"" - disse, afirmando que vai entregar seu projeto ao governador.

Jandira preferiu atacar pelo flanco da saúde e tratou de falar da ""realidade dos hospitais estaduais"".

No Rio, uma disputa ainda indefinida

Liana Melo
DEU EM O GLOBO

"A disputa está aberta e vai ser emocionante", afirma especialista

Apesar de o candidato Eduardo Paes (PMDB) ter subido oito pontos na pesquisa Ibope, a diretora-executiva de Atendimento e Planejamento do instituto, Márcia Cavallari, diz estar convencida de que a probabilidade de a disputa pela prefeitura do Rio acabar num segundo turno ainda é enorme, e os nomes dos finalistas ainda estão indefinidos. É que a corrida eleitoral aqui continua "embolada", mais até do que em outras capitais.

- Nem mesmo a ascensão de Paes nesta última pesquisa está sendo suficiente para dar ao candidato a certeza de que ele irá disputar sim o segundo turno das eleições - diz Márcia.

Tudo vai depender, analisa Márcia, do ritmo e da velocidade com que a curva de tendência de crescimento de Paes se consolidar. O candidato aparece hoje em primeiro lugar na corrida eleitoral: ele pulou de 19% para 27% na preferência do eleitor. Enquanto Marcelo Crivella (PRB) está numa trajetória estável; e Jandira Feghali (PCdoB), trilhando um viés de queda. Só que o percentual de indefinidos no Rio ainda é alto, maior até do que a média nacional.

Ausência de debate alimenta indefinição dos eleitores

Como ainda não está definido se o Rio terá ou não debate entre os candidatos na televisão, a indefinição deve continuar até o último momento.

- As eleições têm sempre fases distintas: antes do início da propaganda eleitoral e depois do debate na TV. Como a tendência é que não tenha debate no Rio, a indefinição do eleitor vai perdurar por algum tempo. Até agora, nenhum candidato empolgou o eleitor do Rio - diz Márcia.

Para que o debate na TV se realize, é necessário que as emissoras consigam a assinatura de todos os candidatos, o que Paulo Ramos (PDT) se recusa a aceitar.

O cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), também acha que é cedo para apostar em Paes, Crivella e Jandira Feghali para o segundo turno. A disputa, diz ele, "está aberta e vai ser emocionante". É que o alto contingente de indecisos aumenta exponencialmente as chances de surpresas de última hora.

- Em um certo momento, acreditei que Jandira poderia contar com o voto útil de outros candidatos de esquerda, como os de Chico Alencar e Molon. Minha impressão agora é que esse momento passou - analisa Jairo Nicolau, para quem o alto grau de indecisão pode produzir oscilações fortes nas preferências dos eleitores.


Temor reverencial


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As tropas federais chegaram ao Rio de Janeiro na quinta-feira para proteger o eleitor e assegurar o direito de ir e vir dos candidatos nos locais onde o crime organizou seus redutos eleitorais para fins de infiltração no aparelho de Estado mediante a conquista de mandatos públicos.

E o que se viu no primeiro dia? Moradores com medo dos soldados e candidatos resistentes a entrar nas áreas de vigilância por receio da “repercussão negativa” junto aos eleitores.

De duas, uma: ou a história está mal contada ou o envio das Forças Armadas para contrapor o peso do poder público à ação da marginalidade acaba de revelar a vitória da ótica da marginalidade sobre a lógica da legalidade.

Da população refém da bandidagem aceitam-se as manifestações de desagrado até como estratégia de defesa. Afinal, os soldados estão de passagem enquanto traficantes e milicianos estão enfronhados no dia-a-dia das pessoas impondo a lei da selva. Mas, bem ou mal, é a lei que as comunidades conhecem.

Agora, no tocante à conduta dos candidatos, é impossível qualquer interpretação que exclua a premissa da entrega dos pontos. Seja por excesso de conhecimento sobre aquela realidade, seja por carência de entendimento a respeito de seu significado para a democracia e para a segurança nacional.

O prefeito Cesar Maia seguramente percebeu o espírito da coisa quando resolveu despachar sua candidata Solange Amaral para dar uma volta na Cidade de Deus a fim de “tranqüilizar os moradores”. A deputada, na verdade, foi lá marcar uma presença em contraposição ao recolhimento geral.

Retraimento movido não a covardia, mas a rendição. Traduzida na justificativa da vereadora Andréa Gouveia Vieira: “Não vou entregar santinho a alguém que vai se sentir ameaçado no dia seguinte, quando o Exército sair”.

Ela disse tudo. Numa frase, falou sobre a inocuidade de uma operação nos moldes em que foi concebida - como gesto de publicidade, não como ato de combate; falou sobre o abandono daquela gente; falou sobre o receio de provocar a ira dos bandidos e deixar a conta do castigo para os moradores pagarem; falou sobre o conformismo diante da situação que fala também a respeito da ausência de percepção sobre o panorama futuro.

Quando o Tribunal Superior Eleitoral concluiu pela necessidade de envio de tropas ao Rio, percebeu que algo precisava ser feito para barrar o projeto já em marcha do aumento das bancadas parlamentares direta ou indiretamente ligadas ao mundo do crime.

Os políticos não entenderam ou se fizeram de desentendidos. O vice-governador inicialmente protestou, mas calou-se assim que o governador Sérgio Cabral adotou a tática da composição politicamente mais conveniente: pediu ele mesmo o envio de tropas, saudou a presença do Exército pedindo até que fosse contínua e mais não discutiu.

Imaginava-se que fosse um parceiro da operação. Mas seu candidato, o ex-deputado Eduardo Paes, foi dos primeiros a anunciar prudente distância das áreas escolhidas como passíveis de temporária - e muito tênue - intervenção.

O episódio deixa mais do que clara a razão das Forças Armadas em participar de operações de combate ao crime: a total indisposição para o papel de protagonista em atuações burlescas.

Como autoridades e candidatos insistem em subtrair da atuação eleitoral dos bandidos o merecido peso, a tropa atua sem respaldo, exposta sozinha na linha de frente.

Não é o presidente da República nem o governador que estão lá pedindo licença para compatibilizar suas atividades com a agenda do crime. São as Forças Armadas que, no caso, não recebem as reverências e o respeito ora devidos às quadrilhas.

Multiplex

Se Dilma Rousseff será mesmo candidata à Presidência da República em 2010 são quinhentos outros a serem devidamente contabilizados ao longo de 2009 de acordo com as circunstâncias.

Independentemente do que vier a ser, Dilma já cumpre várias tarefas no papel de candidata “lançada”: evita que um presidente popular como Lula tenha seu prestígio abalado por não ter candidato à própria sucessão, enquanto a oposição tem dois; estanca o debate sobre o terceiro mandato; restringe a movimentação explícita de ambições dentro do PT; cria para o governo um ambiente de expectativa de poder na segunda metade do último mandato legalmente permitido.

Na campanha municipal Dilma ganhou também a missão de enviada especial do presidente a áreas francamente dominadas pela possibilidade de derrota.

Lula prometeu ir a Natal dar uma ajuda à candidata do PT, batida nas pesquisas pela oponente patrocinada por uma aliança entre o DEM e o PV, e mandou Dilma para “ajudar” a governista.

Neste aspecto, o presidente não ultrapassou os limites da solidariedade respeitados por todos os políticos e que se localiza na fronteira entre a evidência do ganho quase certo e a hipótese de perda irrecuperável.

Lula e a Seleção na campanha de 2014


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O festival de gastança promovido pelo governo, que esbanja dinheiro como milionário doidivanas, a euforia destrambelhada que é a marca do comportamento do presidente Lula nos últimos meses sinaliza sua cega confiança de quem já resolveu todos os problemas do país e vislumbra o caminho florido futuro já traçado e nada pode alterá-lo.

A autoconfiança em dose máxima parece sem limites. Nos mais recentes lances na roleta viciada que obedece ao comando do dono da bolinha mágica, o presidente desdenha a insossa campanha para a eleição de prefeitos e vereadores que desliga milhões de aparelhos de TV no soporífero horário de propaganda eleitoral e, com a visão de lince, arrumou o Palácio do Planalto para hospedar a ministra-candidata Dilma Rousseff em 1º de janeiro de 2015.

Não se pode alegar que esteja jogando com cartas de baralho de cartomante. São outros os seus trunfos. O PT, por exemplo, não oferece o menor risco de desobediência. É exemplar na sua gratidão à solidariedade presidencial nas aperturas de escândalos, como do mensalão, para fechar as adesões que garantem a folgada maioria parlamentar na Câmara e do caixa dois que financiou a eleição de companheiros que ainda não conheciam a senha que abre o cofre da viúva. E, no embalo da virada do mandato da reeleição, parece que os petistas ganham todos os prêmios da Mega-Sena com a distribuição de empregos, sinecuras, nomeações para cargos de confiança que dispensam concurso e demais afagos em moeda sonante.

A ministra chefe da Casa Civil não é apresentada como simples candidata. Mas, como a sucessora carimbada pelo presidente e aceita pelo PT com a adesão dos pretendentes, sem exceção, do ministro Tarso Genro, da Justiça, ao ministro Nelson Jobim, da Defesa, em coro de comovente unanimidade.

Na descontração das viagens no Aerolula, brinca com a ministra com a frase brejeira de que "a bichinha está gostando".

Causa arrepios o desatino de novo-rico que vira as costas para a queda das bolsas do mundo e o risco da desaceleração da economia global e a cada dia afaga o eleitor com novo número do repertório do lançamento de projetos fantásticos.

O ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, na hábil pirueta em que inventou o que fazer num posto honorífico, apresentou a Lula, numa "iniciativa sem precedentes", a proposta de qualificação abrangente das Forças Armadas, por meio do vínculo indissolúvel entre o desenvolvimento do país e a Defesa. Custará uma fábula, se sair do papel.

O Orçamento para 2009, pela proposta do governo, geme com o gasto de pessoal de 4,8% do PIB, a bagatela de R$ 119,1 bi e mais R$ 71,3 bi para as obras do PAC, o trunfo para a eleição da ministra Dilma.

Um exagero sem necessidade. Pois a debilidade da oposição sem o candidato natural, com três favoritos pendurados nos resultados das urnas de 5 de outubro, não constitui ameaça de tirar o sono de Lula.

Com a maré a favor, até erros viram acertos nas cambalhotas do imprevisto. Lula foi muito e justamente criticado nas duras reprimendas à Seleção de Dunga na derrota contra a Argentina, quando mais uma vez confessou o seu encanto pelo brilhante estilo de Messi. Não passou recibo no desabafo de Dunga depois dos três a zero na vitória contra o Chile, quando o futebol brasileiro dos bons tempos de craques que vestiam a camisa de clubes brasileiros, como Garrincha, Nilton Santos, Pelé, Gilmar, Belini, Gérson, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Félix, Clodoaldo, Piazza, Paulo César Lima, Everaldo, Carlos Alberto, Brito – para ficar na super-seleção do tricampeonato do mundo, no México, a meu ver a mais perfeita máquina de jogar futebol de todos os tempos – eram unanimidade internacional, parecia renascer das cinzas da nossa subalterna posição de fornecedor de craques para a Europa, com sobras para a Ásia, a África e outros mercados ascendentes.

Mãos à palmatória uma vez mais. O peladeiro do tempo de torneiro mecânico em São Bernardo do Campo estava certo. A atuação da Seleção da Era Dunga, no zero a zero da impotência contra a bisonha Seleção da Bolívia, com o Engenhão com mais espaços vazios do que torcedor, deu razão ao presidente na denúncia amarga como limão verde da decadência do futebol brasileiro exportador de craques milionários que, pelo visto duram pouco no clima europeu e suas atrações noturnas.

De fatos e argumentos


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Ouvi desse sábio chamado José Mindlin uma frase que define à perfeição uma fatia da humanidade, em especial na intelectualidade: "Para muitos, contra argumentos não há fatos".

Aplica-se agora a um punhado enorme de economistas, todos os que previam, até anteontem, que o crescimento da economia brasileira se desaceleraria em 2008, na comparação com o crescimento de 5,4% de 2007. Até o governo havia comprado esse tipo de análise. Só agora, depois de divulgado o PIB do segundo semestre e quando o terceiro trimestre já está chegando ao fim, é que o ministro Guido Mantega elevou de 5% para 5,5% a previsão de crescimento.

O que me assusta é que, um mês e uma semana antes de Mantega calibrar sua previsão, eu, que não entendo nada de economia, já havia escrito neste espaço, exatamente a 3 de agosto:

"É difícil entender o relativo pessimismo da previsão [de desaceleração de crescimento], quando vários fatores reais (e não previsões) levam a supor que daria para repetir, basicamente, o resultado de 2007. A saber: há segurança quanto ao emprego e, portanto, com a renda; há confiança em tomar créditos. Foram esses dois fatores (renda e crédito) que ajudaram muitíssimo no crescimento de 2007".

Se não tivesse um agudíssimo senso de autocrítica, poderia me achar um gênio da raça. Nada disso.

Apenas faço parte daquele grupo (minoritário?) para os quais contra fatos não há argumentos. Os fatos que citei no texto relembrado não foram descobertos por mim em um notável esforço de reportagem. Estavam disponíveis em todos os jornais da praça, na internet, até mesmo na TV, mais econômica ao lidar com esses assuntos.

Como é possível que economistas, consultorias, até os economistas do governo, como Mantega, se animem a chutar previsões sem olhar para os fatos?