domingo, 28 de setembro de 2008

Gabeira passa Jandira e está em 3º


DEU EM O GLOBO

No Datafolha, diferença para Crivella, em segundo, é só de 3 pontos; no Ibope, de 14


Aoito dias da eleição, duas pesquisas divulgadas ontem, do Datafolha e do Ibope, mostram que Fernando Gabeira (PV) passou Jandira Feghali (PCdoB) e assumiu o terceiro lugar na preferência do eleitor para a prefeitura do Rio. No Datafolha, Gabeira cresceu quatro pontos percentuais em relação ao levantamento anterior, de 11% para 15%, enquanto Jandira permaneceu com 13%. No Ibope, Gabeira também subiu quatro pontos, de 6% para 10%, e Jandira manteve os 9%.

A diferença entre as duas pesquisas é que o Datafolha registra agora um triplo empate técnico entre Marcelo Crivella (PRB), que manteve seus 18%; Gabeira, agora com 15%; e Jandira, com 13%. A margem de erro é de três pontos, para mais ou para menos, o que caracteriza o empate técnico. No Ibope, porém, Crivella ainda está bem distante dos outros dois, com 24%, 14 pontos percentuais a mais que Gabeira, que chegou aos 10%, e 15 pontos a mais que Jandira.

Nas duas pesquisas, Eduardo Paes (PMDB) cresceu e ampliou a liderança. No Datafolha, ele subiu de 26% para 29% e tem 11 pontos percentuais à frente de Crivella. No Ibope, Paes subiu de 27% para 29%, e tem cinco pontos percentuais a mais que Crivella, que subiu um ponto, de 23% na pesquisa anterior para 24%.

- A distância entre Crivella e Jandira está no limite do empate técnico. Podemos dizer que ele está na frente dela. Mas entre Crivella e Gabeira há, de fato, empate. A clara ascensão de Gabeira é o destaque desta pesquisa - disse Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.

No Ibope, contudo, a diferença de 14 pontos entre Crivella e Gabeira está bem acima da margem de erro, de três pontos. No Datafolha, Alessandro Molon (PT) foi de 4% para 5%, Solange Amaral (DEM) caiu de 5% para 4%, e Chico Alencar (PSOL) ficou nos 3%. Os demais não superam 1%. No Ibope, Solange caiu de 5% para 3%, Molon foi de 4% para 2% e Chico de 1% para 2%.

O Datafolha informou que o crescimento de Gabeira se deve principalmente à sua performance entre os mais ricos e escolarizados. Ele saltou 12 pontos (de 20% para 32%) entre os que ganham mais de R$4.150, faixa em que Paes perdeu nove pontos (foi de 30% para 21%). Crivella oscilou positivamente, de 7% para 9%. Entre os eleitores com nível universitário, o candidato do PV tinha 18% e pulou para 26%. Paes tinha 25% e caiu para 22%. Crivella permaneceu com 7%.

Paes é mais forte entre os idosos; Gabeira, com jovens

Paes tem maior apoio entre os que têm mais de 60 anos (36%), entre os que têm até ensino fundamental (33%) e entre os que ganham até dois salários mínimos (33%). Crivella tem penetração nas mesmas fatias de eleitorado de Paes, atingindo 27% entre os eleitores com ensino fundamental e 25% dos eleitores que ganham até dois salários mínimos. Gabeira é mais forte entre os jovens, faixa em que obtém 20%; entre os que têm ensino superior (26%) e entre os que recebem mais de dez salários mínimos (32%). Jandira mantém percentuais entre 11% e 14% nas diversas faixas de renda e escolaridade.

O Datafolha não fez simulações de segundo turno envolvendo Gabeira. Paes ganha de Crivella por 57% a 30%, e de Jandira, por 48% a 41%. Mas Jandira vence Crivella por 52% a 34%, no caso de confronto direto entre eles. Já o Ibope fez simulação de segundo turno com a presença de Gabeira. Paes vence Crivella por 44% a 29%, vence também Jandira, por 45% a 28%, e sobre Gabeira tem vantagem ainda maior, de 49% a 17%. O Ibope informou que não houve mudanças significativas na taxa de rejeição dos candidatos.

O Datafolha ouviu 1.184 pessoas entre 25 e 26 de setembro. A pesquisa recebeu o registro RPE 35/2008. O Ibope ouviu 1.204 eleitores entre 23 e 25 de setembro, e registrou a pesquisa na 228ª Zona Eleitoral, sob o número 38/08.

As pesquisas provocaram reações destintas nos candidatos. Alçado ao terceiro lugar, Gabeira deixou de lado a promessa de não atacar adversários e passou a criticá-los, sem citar nomes, sob justificativa de "reafirmar diferenças".

- Tenho promessa de não ocupar máquina pública com os partidos políticos. Não sei se meu adversário que irá ao segundo turno se comprometerá a isso. Há candidatos que pertencem a partidos bastante vorazes em relação a empregos públicos, mas vou deixar para explicitar essas diferenças quando os dois candidatos estiverem na arena (no segundo turno) - disse Gabeira, que fez corpo a corpo em Campo Grande, Santa Cruz e Bangu, na Zona Oeste.

Em relação às diferenças entre os dois institutos, Gabeira acusou o Ibope, que registrou pior desempenho dele, de não ser sério:

- O Ibope é contratado pelo PMDB, por isso não tem nenhuma credibilidade.

Jandira voltou a atacar seus adversários e disse desprezar pesquisas.

- Não comento mais pesquisas. O que marca é que há 50% de indecisos. Podemos ir para o segundo turno. Esses números, em que são utilizadas margens de erro, são objetivamente parciais. Pesquisa para mim é na urna - disse, em carreata por Campo Grande e Santa Cruz.

Paes, em carreata por Vila Valqueire, Bento Ribeiro e Oswaldo Cruz, festejou as pesquisas:


- Vejo com otimismo e alegria. A população está entendendo claramente a nossa mensagem. Vou continuar acordando muito cedo, dormindo tarde e apresentando propostas para a cidade.

Crivella preferiu minimizar os resultados.

- Os números são discrepantes, mas falta apenas uma semana para a gente ver quem está com a razão. Vamos para o segundo turno e ganhar a eleição. Esqueçam pesquisa, há muitos interesses por trás - disse ele, em Cascadura.

Chico Alencar preferiu lembrar que metade dos eleitores ainda não se decidiu:

- Pelo que vejo na rua, essa fatia do eleitorado ainda está sendo disputada.

Solange Amaral, foi lacônica:

- Estou trabalhando, aprofundando a campanha e centrando nas zonas Oeste e Norte.

Já Molon criticou os resultados do Ibope:

- Em relação ao Ibope, nada a comentar, a não ser a evidente manipulação da pesquisa. A discrepância é, no mínimo, estranha. Em relação ao Datafolha, há um altíssimo percentual de indecisos (39%), o que confirma as previsões dos especialistas de que a disputa irá até o último dia, e o nosso crescimento e ultrapassagem em relação a Solange. Vamos continuar crescendo.

Palmas para Lula


Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto no Brasil

O ALTO índice de popularidade do presidente Lula tem suscitado a reflexão dos comentaristas que se sentem desafiados a explicá-la. A tarefa não é das mais fáceis e, por isso mesmo, as explicações nem sempre coincidem, muito embora sejam, na sua maioria, pertinentes. E porque o assunto envolve numerosos fatores e causas, resta sempre algum ponto que ainda não foi explicitado.

Vou tentar examinar alguns deles e, para isso, terei que tocar em aspecto já argüidos mas que não se podem excluir na apreciação do tema. Um deles é, sem dúvida, a estabilidade econômica de que o país goza hoje e de que não gozaria se as teses de Lula, contra o Plano Real, tivessem prevalecido. Não faço tal observação com outro propósito senão o de tentar definir a natureza dessa popularidade e suas possíveis conseqüências para o processo político.O fato de Lula, eleito presidente, ter adotado a política econômica que combatera ferozmente, revela-se uma louvável sensatez, revela também, ao mesmo tempo, por ele não reconhecer o débito de hoje e o equívoco do passado, certa carência de escrúpulos, o que explica muita coisa da popularidade de que desfruta hoje.

Certamente, essa popularidade se deve também aos programas sociais de amparo às camadas desfavorecidas da sociedade, antes aplicados em Campinas (SP) e Brasília, depois adotados por Fernando Henrique em âmbito nacional e que Lula manteve e ampliou. Mas também aqui, mais uma vez, procurou turvar a água e apresentar-se como o criador do programa, fundindo os dois programas existentes e mudando-lhes o nome. Com isso, prejudicou-lhes a eficiência, por dificultar a avaliação precisa dos resultados. Como era de se esperar, aumentou a ajuda a cada família e a dotação global para abranger o maior número possível de famílias, que hoje somam cerca de 11 milhões, o que equivale a mais de 40 milhões de indivíduos. Bastaria, portanto, o Bolsa Família para lhe garantir uma ampla aprovação das camadas pobres do povo. Isso é do conhecimento de todos.

No entanto, não bastaria para assegurar a Lula a aprovação de que desfruta hoje. Ele lançou mão de outros recursos, como, por exemplo, manter-se permanentemente no palanque e na mídia, tudo fazendo para, com seus discursos e pronunciamentos, capitalizar, não apenas o resultado dessas iniciativas, como de tudo o que, de positivo, ocorre no país. Tudo o que ocorre de bom, foi ele quem fez; tudo o que ocorre de ruim, tem um culpado, que não é ele. E, como esta é sua principal ocupação, está sempre atento à mais mínima notícia que possa comprometer o "paraíso" em que ele transformou o Brasil: ao surgir uns primeiros sintomas de aumento da inflação, ele imediatamente culpou Bush e os países europeus. Não importa se é verdade ou não, já que a grande massa do povo não entende bem como essas coisas se dão; o que ele diz é aceito, porque ele é seu amigo e salvador e "os outros", seus inimigos.Lula tem a esperteza do demagogo, e não a esconde. Quando surgiu o escândalo do "dossiê", declarou: "O povo não sabe o que é dossiê; pensa que é alguma coisa doce". E por essa mesma razão, quando lhe perguntaram pela crise econômica, respondeu: "Pergunta pro Bush". E assim responsabilizava o presidente americano por uma crise que é do sistema econômico e não do governo.

Por que fez isso? Porque lhe interessa levar o povo a pensar que o presidente de um país é responsável por tudo, donde decorre que, se os Estados Unidos vão mal, a culpa é de Bush e, se o Brasil vai bem, é graças a Lula e a ninguém mais. Mas isso só vale até que alguma coisa dê errado, quando então o responsável será, inevitavelmente, alguém que não ele, a imprensa talvez ou os "inimigos" do Brasil.

E por falar em inimigos, vale lembrar que Lula tem um discurso para cada público e para cada ocasião; ultimamente, comporta-se, nos palanques, como se estivesse num palco: "Dilma, já pensou se isso acontecesse dez anos atrás?". A sorte é que temos no governo um mago das finanças, que é também uma metamorfose ambulante.

A sua popularidade deve-se também a um raro talento político, a que se soma o fato de, originário da classe operária, atuar como uma espécie de amortecedor dos conflitos entre pobres e ricos: em função disso, nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto. Os nossos capitalistas -do mesmo modo que Bush- não ligam quando ele posa de esquerdista. Sabem que os fatos valem mais do que as palavras. E daí, os aplausos gerais.
Atenção, auditório, palmas para o Lula, que ele merece!

Sístoles e diástoles


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O Executivo passou a substituir o Legislativo e o Judiciário. Foram 20 anos de centralização e autoritarismo


Coube ao general Golbery do Couto e Silva, em célebre palestra na Escola Superior de Guerra (ESG), em 1980, resumir a ópera: a história política do Brasil é pendular, oscila entre a centralização e a descentralização. Não era uma idéia inovadora, porque Alberto Torres, no começo do século passado, e Oliveira Viana, pouco depois, já haviam registrado o fenômeno. Mas foi sistematizada para servir à política de Estado. Com base na célebre metáfora cardíaca da sístole (contração) e diástole (dilatação), Golbery formulou a estratégia de abertura política do governo Geisel: os militares se retiraram da política de forma organizada e tutelaram a longa transição à democracia.

Império


As Constituições brasileiras são bons retratos da centralização e descentralização políticas. A primeira sístole foi protagonizada por Dom Pedro I, que dissolveu a Constituinte de 1923 e outorgou a nossa primeira Carta Magna, a Constituição de 1824. A grande inovação liberal foi o direito à propriedade privada, transformado num entrave legal à abolição. Toda vez que se falava em acabar com a escravidão, se invocava a dogma liberal. O “Poder Moderador” do imperador estava acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Os presidentes das províncias eram nomeados, votavam apenas homens livres e proprietários.

A Constituição de 1923 foi reformada duas vezes. Primeiro, no Ato Adicional de 1934, que criou as assembléias legislativas provinciais, com certa autonomia, fruto das pressões antiabsolutistas despertadas pela abdicação de Pedro I, três anos antes. Manteve, porém, o caráter unitário do Estado brasileiro. A segunda ocorreu em 1881, quando D. Pedro II já estava desgastado pelo abolicicionismo. Introduziu as eleições diretas e acabou com a divisão entre eleitores de paróquia e de província. Apenas a aristocracia, uma ínfima parte da população, tinha direito a voto.

República

A grande diástole foi a proclamação da República. A Constituição de 1891 foi inspirada nos Estados Unidos. Conferiu autonomia aos estados da federação e liberdade partidária. Foram estabelecidas eleições diretas para a Câmara, o Senado e a escolha do Presidente da República, mas soldados, religiosos, analfabetos e mulheres também não votavam. As eleições “a bico de pena” eram fraudulentas. Tudo veio abaixo na Revolução de 1930.

Com Getúlio Vargas, a Constituição de 1934 fortaleceu o governo federal, garantiu direito de voto às mulheres e aos jovens com mais de 18 anos, além de criar a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho. Mas durou pouco. Em 1937, Getúlio implantou o Estado Novo, com uma Constituição de inspiração fascista, a “Polaca”. A eleição para presidente passou a ser indireta, a imunidade parlamentar foi extinta. Era a grande sístole.

O fim da II Guerra Mundial patrocinou nova diástole. A Constituição de 1945 consagrou os princípios da democracia. Estados e municípios recuperaram a autonomia. Os poderes Legislativo e Judiciário voltaram ser independentes. A eleição para presidente da República voltou a ser direta. Em 1961, o Congresso impôs a João Goulart o parlamentarismo, sem o qual não tomaria posse o vice do presidente Jânio Quadros, que havia renunciado. Em 1963, um plebiscito restabeleceu o presidencialismo.

Estava em marcha, porém, nova sístole: o golpe militar de 1964. A Constituição de 1967 institucionalizou o regime militar. Manteve o bipartidarismo criado pelo Ato Adicional nº 2 e estabeleceu eleições indiretas para presidente da República. A sístole foi ainda maior com a Emenda Constitucional nº1, de 1969, que incorporou o Ato Institucional nº5. Dava ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares e magistrados, suspender os direitos políticos dos cidadãos e legislar sobre matéria política, eleitoral, tributária e econômica. O Executivo passou a substituir o Legislativo e o Judiciário. Foram 20 anos de centralização e autoritarismo.

Sindicatos ricos e fracos

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A recente edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apresenta um dado aparentemente contraditório: enquanto o trabalho com carteira assinada e a renda salarial crescem, cai o número de trabalhadores sindicalizados. Veja, leitor, o que aconteceu entre 2006 e 2007: 1) O emprego com carteira assinada cresceu 6,1% e o rendimento salarial, 3,2%; e 2) os sindicatos perderam 555 mil trabalhadores filiados, o que fez a taxa de sindicalização cair de 18,6% para 17,7% da população ocupada. A lógica seria a filiação sindical acompanhar a expansão do emprego formal. Mas os trabalhadores não seguem a lógica. Por que será?

O especialista em economia do trabalho José Márcio Camargo atribui isso a um certo desencanto dos trabalhadores com seus sindicatos, descrédito na forma de representá-los e enfrentar novos desafios da modernização dos meios de trabalho. A luta sindical moderna exige preparo das lideranças para diversificar o foco, ir além do tradicional aumento salarial. Mas a prática continua presa ao modelo das décadas de 70/80, quando o sindicalismo desafiou a ditadura militar e viveu seu auge nas famosas greves do ABC paulista lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva.

“Hoje, só 10% dos trabalhadores estão sob a proteção dos sindicatos; os 90% restantes são lei de mercado. Desviar a luta sindical para outras reivindicações dá trabalho e os sindicatos não estão dispostos ou não sabem fazê-lo”, analisa Camargo.

Outro dado da Pnad confirma o que diz o especialista. O recente crescimento do emprego tem amortecido as tensões e propiciado entendimento na relação capital x trabalho. Tanto que 80% das categorias profissionais fecharam acordos com ganhos salariais acima da inflação. São os 90% mencionados por Camargo com reajustes de salários regidos pelo mercado, em que empregados e empregadores se acertam sem interferência dos sindicatos, que só comparecem depois, para formalizar legalmente o acordo.

Há quem considere essa situação transitória, fruto de uma conjuntura de crescimento do emprego e ganhos salariais, que leva os trabalhadores a dispensarem os sindicatos em defesa de seus interesses. Tão logo mude a realidade e aumentos salariais só sejam conquistados com enfrentamento político, eles voltariam a se filiar.

Essa avaliação pode até ser válida para as grandes indústrias, mas desconsidera mudanças estruturais ocorridas no mercado de trabalho: na década de 90 a introdução da automação enfraqueceu o emprego nas grandes indústrias e o fortaleceu no setor de serviços (informática, bancos, telecomunicações, etc.). E é nesse setor, sem tradição de luta e com desempenho sindical extremamente tímido e por vezes ausente, que acontece um fenômeno que precisa ser mais bem pesquisado: o desinteresse dos jovens que ingressam no mercado de trabalho pelos sindicatos e a descrença de que suas lideranças saberão mapear e conduzir seus problemas e carências. É o que Camargo chama de novo desafio para as lideranças sindicais de ampliarem seu foco de atuação além da reivindicação salarial.

Há ainda outras razões que explicam o enfraquecimento dos sindicatos captado pela Pnad. Arrefeceu o estilo aguerrido do ABC paulista, que contaminou o movimento sindical nos anos 70/80. Foi substituído por lideranças acomodadas, que se fecham nas suas sedes, discutindo como obter verbas do Ministério do Trabalho e do imposto sindical, e que descuidam da relação direta com seus representados. Esse fenômeno piorou nos últimos anos em razão da liderança política do presidente Lula, que deixou dirigentes sindicais confusos, tontos, preocupados em ocupar cargos no governo e agir com moderação para não atrapalhar o amigo presidente.

As reformas sindical e trabalhista, defendidas com tanto fervor nos tempos do Lula metalúrgico, foram enterradas; o governo delas desistiu. A sindical andou só um pouquinho, mas em marcha à ré, contra o que o ABC paulista pregava em 70/80. E, pior, com aprovação entusiasmada do ex-líder, hoje presidente. Trata-se do rateio do dinheiro do imposto sindical entre seis centrais sindicais. Aliás, eram três e multiplicaram-se depois que o presidente amigo acenou com a idéia de receberem dinheiro público. Agora querem criar a “contribuição negocial”, que o trabalhador vai pagar sem ser consultado.

Muito diferente dos tempos em que Lula gritava em assembléias em São Bernardo que o imposto sindical só produzia sindicalistas pelegos.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-RJ

Desempate vale o tri


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Longe do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a vocação para o exercício do mau agouro, ainda mais quando se trata do próprio partido. Mas, no ritmo corrente, ele não descarta a hipótese de os tucanos virem a ter uma ingrata surpresa em 2010.

Se não tomarem jeito com urgência, seus correligionários correm o risco de perder a chance de voltar ao Palácio do Planalto e ainda vão deixar para o presidente Luiz Inácio da Silva o título de campeão no balanço de derrotas e vitórias nacionais entre PT e PSDB.

Em embates diretos, o placar registra duas vitórias para cada um. Lula perdeu duas (1994/ 1998), ganhou as duas seguintes (2202/2006) e, dentro de mais 24 meses, ambos os partidos jogarão pelo desempate, valendo a taça do tri.

No jogo de poder a alegoria não tem a menor importância. Inclusive porque, se for para contabilizar perdas e ganhos desde o reinício dos tempos democráticos, Lula estaria no vermelho.

E, como se sabe, está tudo azul para o lado do presidente. Tão azul que seu antecessor, presidente de honra do PSDB e há oito anos dublê de grilo falante e mensageiro de alertas solenemente ignorados pelo partido, anda sinceramente preocupado.

Ainda crê no favoritismo dos tucanos para a eleição presidencial de 2010, mas não menospreza a capacidade do adversário em solapar a dianteira. Muito menos é indiferente à inaptidão de seus aliados para administrar a vantagem, terminando por entregá-la a Lula de bandeja.

Por exemplo, Fernando Henrique já detectou o potencial destrutivo do charivari entre os tucanos por causa da eleição para a Prefeitura de São Paulo. Há tempos ele avisa que, desunido, o partido não sobe de novo a rampa do Planalto. No máximo, chega à beira do abismo e dali ao passo à frente é só uma questão de método.

Não foi ouvido, como de resto seguiu pregando no deserto quando, na quinta-feira, resolveu alertar mais uma vez pedindo que Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab parem com as agressões mútuas.

“Em política, se você não enxerga mais longe, se não vê a estratégica, se olha só o imediato, você perde”, disse em tese a propósito do segundo turno da eleição municipal, mas, na prática, alertou seus navegantes sobre os obstáculos que produzem para uma trajetória satisfatória rumo a 2010.

FH, na realidade, não está explodindo em cataporas lilases por causa do resultado local. Se o tucanato ganhar do PT, com o PSDB ou com o DEM, muitíssimo melhor. Se perder, haverá tempo e condimentos para preparar uma limonada.

O susto pode ter o efeito pedagógico de mostrar aos guerreiros como se desviar do caminho do infortúnio e pode também transferir a guerra para o campo do adversário, uma vez que, eleita prefeita, Marta Suplicy pode até não assumir, mas seus aliados em São Paulo já estão a postos para brigar com Dilma Rousseff pela primazia da legenda do PT na eleição presidencial.

Sob um argumento prosaico: capital eleitoral. Na ministra, uma presunção; na prefeita, uma constatação.

A preocupação é com a conduta do PSDB ao fim do certame atual, início do próximo, este sim, fundamental.

A unidade, FH rebate na tecla, é o pré-requisito básico. Por isso, está entre os articuladores da chapa José Serra presidente, Aécio Neves vice. Garantidos a maioria dos votos em São Paulo e Minas Gerais, acredita, o resto do País vai atrás.

Só que não basta juntar os dois governadores dos maiores colégios eleitorais do País. É preciso, na visão de Fernando Henrique, que comecem a falar à sociedade, de preferência de forma a marcar a diferença em relação ao adversário.

Não significa fazer de Lula o Judas. Além de mau negócio eleitoral, o PSDB precisa aprender a falar bem de si antes de se dar ao desfrute de desconstruir a imagem do alheio. Na opinião do ex-presidente, é uma tarefa para ser executada menos com palavras e mais com atitudes.

Cita um exemplo: “As manifestações populares de apreço a Ruth foram produto de uma identificação com a conduta correta, a imagem limpa, o retrato de uma pessoa ética”, diz, enquanto o interlocutor torce para que as lágrimas continuem contidas e não atrapalhem o esforço de superação pela viuvez recente.

O segredo, na opinião dele, é atitude contrastante. Qualquer contraponto seria bem visto. Do elitismo ao populismo, que seja. “Melhor uma imagem de elite que imagem nenhuma.”
É isso. Fernando Henrique não diz assim, dá a impressão de que, mediante alguma resistência, acabaria assinando embaixo de algum escrito qualificando o PSDB como um partido com cara de nada. Ou de forma mais fina, sem feições definidas.

Na sua análise, a necessária arrumação vai além da forma. Urge alcançar o conteúdo.

Dar uma reduzida na soberba, uma turbinada na indolência e parar de confiar excessivamente na dianteira nas pesquisas: “Isso mostra um quadro atual de vantagem, mas é preciso interpretar as variantes e, sobretudo, não perder de vista que pontos ganhos precisam de cultivo ou se perdem com muita facilidade”.

Para Alckmin, tudo ou nada


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - A eleição municipal chegou à sua última semana com algumas surpresas (Gabeira crescendo no Rio...), indefinições emocionantes (Salvador embolada...) e uma certeza: Geraldo Alckmin tem de rezar aos céus para chegar ao segundo turno com Marta Suplicy.

Do contrário, não estará só perdendo uma eleição, mas jogando fora seu capital acumulado e dificultando suas condições de disputar o governo ou mesmo o Senado.

Alckmin bateu pé e conseguiu a sigla do PSDB para concorrer em 2006, contra todas as pesquisas e as evidências de que José Serra era mais competitivo. O mar estava mais para Lula do que para tucanos, e Serra igualmente poderia ter perdido. Mas a derrota de Alckmin teve peso maior, porque sua responsabilidade também era maior.

Alckmin voltou a bater pé e conseguiu a sigla do PSDB nas eleições municipais, contra a estratégia de Serra de, simultaneamente, fortalecer o aliado DEM e manter a prefeitura. Ou alguém tem dúvida de que a prefeitura é dos tucanos?

A teimosia empurrou Alckmin para o palanque, de onde assiste Gilberto Kassab avançar consistentemente e já passar à sua frente.

Nesta última semana, a disputa entre eles será de vida ou morte, com uma diferença: se Kassab perde essa, capitaliza o que conquistou e parte para outra. A sobrevivência de Alckmin será uma incógnita.

Enquanto isso, Marta Suplicy segue tranqüila na dianteira, mas preocupada com o teto do PT na capital e com uma reviravolta no segundo turno, que depende muito das seqüelas da campanha entre seus opositores. No primeiro turno, Alckmin deixou Marta de lado e elegeu Kassab como seu principal adversário. E no segundo, quem será adversário de quem?

Se recuperar a prefeitura dos tucanos para o PT, Marta poderá creditar o êxito a seus méritos, claro, mas também à divisão do PSDB e ao voluntarismo de Alckmin. Desse carimbo ele não se livra.

Sabor de derrota


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Barack Obama é um político do tipo do lutador de boxe, que dá gosto de ver pela elegância dos movimentos e golpes curtos e certeiros que aplica. Mas chega um momento em que é preciso decidir a luta, e aí falta a ele aquela garra que marca os demolidores. Ele pode ter ganhado o primeiro debate da disputa presidencial dos Estados Unidos por pontos - mais possivelmente houve um empate - mas fiquei com a sensação de que foi um empate com sabor de derrota para Obama. Possivelmente não haverá até as eleições momento mais favorável para ele em um debate político, e McCain temia isso quando tentou adiar o encontro. Depois de uma semana em que a política econômica do governo Bush, que já vinha há um ano dando sinais de falência múltipla, entrou em colapso explícito, não havia momento mais propício para um candidato democrata mostrar à nação o que fará a diferença, a partir de janeiro, na Casa Branca.

Os dois candidatos não se mostraram, até o momento, à altura da crise que o mundo vive. McCain fingiu um gesto de grandeza ao anunciar a suspensão da campanha presidencial para ir a Washington tratar do pacote econômico, mas viu-se logo que não passava de uma politicagem barata para tentar tirar algum proveito da crise econômica que o colocou, como candidato do partido que está no poder, em situação de fragilidade.

Barack Obama, por seu turno, mostrou-se sempre muito tímido diante da crise, e não foi outra sua postura no debate em Mississippi. Fora uma ou duas vezes em que ligou diretamente a política de Bush a McCain, não se aprofundou nas críticas, não apresentou soluções.

Os dois, aliás, pareciam autistas, falando de um orçamento que ninguém sabe como ficará porque ninguém sabe ainda o real tamanho dessa crise nem se o pacote econômico resolverá o problema. Se é que algum pacote será aprovado neste fim de semana.

Os dois candidatos claramente não querem assustar o eleitor, e preferem lidar com a questão econômica, que não é o forte de nenhum dos dois, de maneira mais genérica. Obama tem a vantagem de visar sempre a classe média americana, apesar de manter a promessa de cortar impostos de 95% das famílias, promessa que parece cada vez mais inviável a essa altura da crise.

McCain mantém tese de que liberando empresas e grandes investidores de impostos, eles produzirão mais riqueza para o país, o que beneficiará os mais pobres indiretamente. Uma filosofia econômica que Obama ligou à defesa da desregulamentação do mercado financeiro, que causou a quebradeira de Wall Street.

O cineasta e escritor Michael Moore escreveu recentemente um guia eleitoral onde, entre vários palpites, sugere sarcasticamente que o candidato democrata, Barack Obama, pare de ressaltar o heroísmo de seu adversário republicano John McCain "porque nos Estados Unidos os heróis sempre vencem no final".

Depois do debate de sexta-feira ele deve ter uma outra sugestão para Obama: pare de frisar que "John está certo" a cada resposta. Na enésima vez em que Obama repetiu a frase, como um cacoete, fiquei pensando aonde o levaria toda essa elegância de admitir que o adversário está certo, mesmo quando o contesta. Se fosse um recurso de ironia, o que realmente aconteceu umas poucas vezes, poderia ser usado para desmontar o adversário. Mas Obama é por demais elegante nas suas ironias.

Se, na parte econômica do debate, McCain conseguiu sobreviver a um previsível massacre como se não tivesse laços com o governo democrata, criticando mais duramente a gestão Bush e se colocando como um "maverick" (rebelde) diante da Casa Branca, na parte de política internacional foi a vez de Obama se sair melhor do que seus adversários previam.

Ele se colocou muito à vontade nas questões internacionais, mostrando que tem todo o conhecimento necessário para exercer o cargo que disputa. Apesar de McCain ter tentado o tempo todo fazê-lo passar por "ingênuo" ou inexperiente, repetindo várias vezes que "o senador Obama parece não entender", ou variações do mesmo tipo.

Até mesmo nas expressões faciais, em algumas vezes fazendo-se de nauseado, viu-se um McCain irritadiço com as posturas de Obama no campo internacional, como se não tivesse paciência para ouvir tanta bobagem.

Mesmo nessas ocasiões Obama não perdeu a pose de estadista que procurou exibir durante toda a noite e corrigiu comentários de McCain, sem se intimidar em nenhum instante.

Havia quem temesse, da parte republicana, a comparação na televisão entre a imagem esguia e altiva de Obama e a estatura baixa e o corpo retesado, muito por causa das torturas que sofreu no Vietnam, de McCain.

O senador republicano é um outro tipo de lutador, fecha a guarda e luta olhando para o chão, desferindo golpes curtos e certeiros mas sem o refinamento da oratória. Até mesmo sua cortante ironia ficou sem uso na noite do debate, com uma ou outra exceção.
Mas o que houve mesmo foi o contraste de gerações. O candidato republicano, mais de uma vez, ressaltou sua experiência em acompanhar os temas internacionais, mas ficou claro que McCain, como salientou Obama em um de seus melhores momentos, ainda tem a mentalidade de um político do século XX, quando os Estados Unidos tornaram-se a única potência mundial, em contraste com o mundo multipolar atual, que exige uma postura mais aberta ao diálogo entre as nações.

Não é à toa que o democrata Barack Obama é o candidato preferido no mundo todo. Ele quer que os Estados Unidos voltem a ser admirados e amados pelos outros países, e não temidos e até mesmo odiados. Quer, enfim, que "fazer a América" volte a ser o sonho dos que, como o seu pai no Quênia, via o país como o melhor lugar para se estudar e vencer na vida. A questão é saber se o eleitorado médio americano comunga desses ideais.

Juízo final


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Visto daqui de Buenos Aires o apocalipse é ainda pior: a Argentina passa pelas mesmas angústias do resto do mundo, acrescida da sua carga particular de tormentos. O efeito tango é um lânguido rodopio em direção à tragédia que jamais se consuma. Dominado pela estridência generalizada, só é percebido nas vizinhanças.

O governo dos Kirchner insiste que não há inflação, mas ela é uma realidade nos supermercados, aumenta a cada dia o escândalo das valises com os dólares de Chávez e, acuada por manchetes cada vez mais estridentes, a Casa Rosada (que não é rosada, mas ocre) investe contra a imprensa, os ruralistas ameaçam reiniciar a pressão sobre o governo e a base sindical começa a mostrar rachaduras.

O que poderia ser visto como um conjunto de telenovelas paroquiais ganha conotações catastróficas no atual cenário econômico-político. O mundo não parou para mudar, está mudando em altíssima velocidade. A vida continua, mas está evidente que não pode continuar desta maneira. Agendas e cronogramas são atropeladas sem a menor cerimônia: as eleicões americanas que deveriam converter-se em marco para os novos tempos foram, de certa forma, antecipadas. O que deveria acontecer a partir de novembro acontece agora, atabalhoadamente, neste fim de semana.

Um dos novos jornais argentinos, Crítica de la Argentina, marcado pelo sarcástico muito portenho, alcunhou o presidente americano de Bushevik (contração de Bush com bolchevique), diante da sua pressa de empurrar o Estado dentro da esfera, até então reservada, aos mercados.

Em pouco mais de duas décadas assistimos ao desmoronamento da Cortina de Ferro e ao desmatamento da selva capitalista. O modelo democrático aparentemente expandiu-se, mas ainda não está claro se foi uma expansão estrutural, profunda, ou apenas cosmética. Democracia é algo mais do que a manutenção de um calendário eleitoral. A existência de três poderes não é garantia de representatividade. Uma democracia incapacitada para criar e exercer os contra-poderes não chega a ser democracia.

O desaparecimento das principais referências ideológicas processou-se com tamanha velocidade que tornou impossível a gestação de alternativas. O fim do comunismo stalinista e este naufrágio do capitalismo selvagem não foram acompanhados pelo gradual surgimento de alternativas, simbioses ou sincretismos. Como se por alguma razão mecânica a dialética tivesse desligado o seu mecanismo gerador de sínteses.

Imaginava-se que era chegada a hora do conceito social-democrático europeu. Mas a social-democracia européia enrolou-se sozinha ao apressar a complementação do seu produto mais legítimo, a União Européia. A ampliação do clube retirou dele algumas das suas matrizes. Partidos de extrema direita, nacionalistas, com tinturas quase-fascistas, jamais poderão produzir parcerias numa entidade vocacionada para um certo progressismo, originalmente supranacional, distributivista. O que sobrou como formato político foi o caudilhismo. E este caudilhismo nao é exclusivamente latino-americano: o que Vladimir Putin está fazendo na Rússia não difere muito dos esquemas voluntaristas de Hugo Chávez. Não por acaso andam tão próximos. A diferença entre eles reside na intensidade: Putin manda matar friamente seus adversários enquanto Hugo Chávez, tocado pelo sentimentalismo latino, não chega a tanto. Pelo menos por enquanto.

Abraçado a este bonapartismo, não muito diferente em matéria de resultados, descortina-se o vasto mundo do fundamentalismo islâmico. Em alguns casos, aparentemente livre de conotações personalistas, na realidade um absolutismo ainda pior porque está entranhado de dogmas religiosos.

Há poucas semanas parecia que caminhávamos para uma reedição do crash de Wall Street em outubro de 1929. Nestas horas angustiantes, parece que outra efeméride está sendo perversamente adicionada: o início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939.

Temos o privilégio de assistir ao insólito espetáculo da história sendo reescrita. Numa situação-limite como esta, não adianta subir a serra ou descer para a praia. A próxima segunda-feira promete ser um desassossego ainda maior.

» Alberto Dines é jornalista.