domingo, 12 de outubro de 2008

FRASE SELECIONADA

“O político em ação é um criador, um suscitador; mas não cria do nada, nem se move no vazio túrbido dos seus desejos e sonhos. Baseia-se na realidade fatual. Mas, o que é esta realidade fatual? É talvez algo de estático, ou não é antes uma relação de forças em continuo movimento e mudança de equilíbrio?”

(Gramsci – em Previsão e perspectiva - )

A derrota por trás da vitória


José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Expansão municipal do PT mostra que quem ganhou não foi o partido da luta, mas o do clientelismo

Num país em que os grandes partidos têm sua identidade anulada por um número excessivo de pequenos partidos sem perfil ideológico e sem projeto político, os resultados de eleições como a eleição municipal recente são, no geral, enganadores mesmo quando não são surpreendentes. Desde que o clientelismo cedeu lugar ao populismo na política brasileira, nosso processo político é dominado por grandes eleitores invisíveis, como é o caso da nossa cultura comunitária, e partidos ocultos, como é o caso das alianças de ocasião.

O Brasil é um país em que o partidário e o propriamente político nem sempre caminham juntos. Esse desencontro manifestou-se nestas eleições. Nessa perspectiva, é possível ver na expansão municipal do PT não a vitória do partido, mas sua derrota. Nas pequenas localidades de regiões pobres fracassou o PT da luta em favor do PT do poder e do neoclientelismo do Bolsa-Família.

Não é estranho que o petismo venha sendo engolido pelo lulismo, como não serão estranhos os efeitos a médio prazo dessa metamorfose que faz de um partido de esquerda um partido populista. A prática do PT no poder não o confirmou como partido de esquerda e suas estratégias políticas o mergulham numa cultura de desgaste e perda de identidade. O PT já não é um partido alternativo, como se propunha o PT dos primeiros tempos, simplesmente porque não pode ser alternativo a si mesmo.

Além disso, o carisma de Lula, que não é necessariamente medido pelos 80% de sua popularidade, começa a encontrar seu limite. O pessoal e direto envolvimento do presidente Luiz Inácio nas campanhas eleitorais dos candidatos petistas, em São Paulo e no ABC de seu domicílio e de sua origem política, não refletiu esse carisma. Não só porque carisma é intransferível, mas também porque no caso de Lula, excetuadas as regiões remotas do País, é ele considerado pessoa para se admirar, mas não necessariamente político para se obedecer e seguir. Lula pode, até mesmo, estar tirando votos dos candidatos de seu partido. Isso, provavelmente, aconteceu tanto em São Paulo quanto no ABC.

Nesse cenário, a derrota do PT é acachapante. Em São Bernardo, lançou como candidato a prefeito um ex-ministro apoiado pelo maior cabo eleitoral do país, o presidente da República. Ali, Lula e o PT, sem o pretenderem, transformaram a eleição municipal num plebiscito para julgar o governo da República. Ao não vencerem a eleição no primeiro turno, perderam muito mais que uma eleição municipal. O mesmo vale para São Paulo, em que o PT entrou com o suposto capital social de uma candidata que é ex-prefeita e ex-ministra e também teve como cabo eleitoral o próprio Luiz Inácio. A derrota foi imensa, sobretudo porque aqui o maior eleitor de São Paulo, que é o governador José Serra, não se envolveu diretamente na campanha nem do candidato de seu partido nem do candidato da aliança política em que se apóia.

O que se agrava com a insistência na retórica de que a candidata do PT é de esquerda e representa os pobres e o candidato do DEM é de direita e representa os ricos. O que não tem apoio no patrimônio declarado da candidata petista, de mais de R$ 10 milhões, o dobro do patrimônio do candidato do DEM. O PT, em São Paulo, tornou-se prisioneiro e vítima de um periferismo antipolítico. Isso vem desde a administração de Luiza Erundina. Duas prefeitas que foram prefeitas da periferia e em nenhum momento tiveram clareza sobre a complexidade política do que vem a ser o urbano, a cidade e a metrópole. O PT revelou que não tem um projeto de revolução urbana, que transforme profundamente as condições de vida da população da metrópole. No lado oposto, desde que José Serra assumiu a Prefeitura e desde que Kassab o substituiu, fica evidente que o PSDB tem um projeto nesse sentido, ainda que tímido, numa concepção moderna e culta de metrópole.

Enquanto os votos de Kassab predominam no núcleo interior do município, os votos de Marta se distribuem num círculo ao redor desse núcleo. Há uma dinâmica nessa espacialidade eleitoral que se revela no fato de que Kassab ganhou eleitores onde Marta teve maior votação há quatro anos. E Marta não cresce onde Kassab se firma. O que tem sentido na perspectiva social-democrática, à qual o DEM aderiu na conjuntura de um pacto político que regeu sua vitória no primeiro turno.

O grande problema do PSDB, porém, é que o partido não se proponha aberta e pedagogicamente como partido da social-democracia. Num momento em que o PT já não tem condições de dizer publicamente que é um partido socialista, essa timidez do PSDB diminui o impacto que poderia ter na política brasileira. Na mesma linha de raciocínio, eu diria que o PSDB subestima e mesmo desconhece um dos grandes eleitores da política brasileira, que é a cultura comunitária de extensa parcela da população votante. O PT se apoderou desse comunitarismo sem entendê-lo e o interpretou como lealdade cega e obediente, coisa que ele não é, menos ainda em face de candidatos ricos que se passam por pobres. O PSDB aliado com o DEM, no caso de São Paulo, também sem entender exatamente o que é esse comunitarismo, empenhou-se no entanto, justamente, em governar em nome de valores comunitários, em gestos concretos de amor à cidade, em medidas civilizadas como a entrega domiciliar, regularmente, de medicamentos para os que dele necessitam, na continuidade de obras como os CEUs em nome do bem comum, porque governar é continuar o que é bom e inovar em relação ao que não o é.

No conjunto, os resultados das eleições passaram longe da concepção de que no Brasil de hoje são elas reguladas pela retórica da luta de classes e dos antagonismos sociais. Ao contrário, tanto onde o PT foi vitorioso quanto onde foi derrotado, o eleitorado mostrou-se conservador no voto e, em casos como o de São Paulo, mostrou-se conciliatoriamente moderno nas aspirações. Os eleitores recusaram a concepção depreciativa e anticomunitária de que política é o bate-boca de porta de botequim.

*José de Souza Martins é professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Maldição de Kondratieff


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Quando a política não é suficiente para resolver o problema e o sistema entra em colapso, a solução é a lei dos mais fortes, ou seja, a “mão invisível” do mercado

Não acredito numa derrocada capitalista. Tenho meus motivos. Só houve duas crises gerais do capitalismo: a Grande Depressão de 1873-1893 e a Grande Depressão de 1929-1941. Na primeira, coube à Inglaterra liderar a recuperação da economia mundial; na segunda, foi a vez dos Estados Unidos. Em ambas, a saída resultou da intervenção do Estado. O mundo capitalista foi criado na dependência de um mercado internacional e sempre dependeu do comércio. Os estados nacionais surgiram dentro dessa lógica e as tensões entre eles, nos momentos de crise econômica, resultaram em duas guerras mundiais e centenas de conflitos armados. O pior numa crise como a atual seria a história se repetir dessa forma. De 1834 até hoje, os Estados Unidos passaram por 35 ciclos econômicos e crises, das quais sempre saíram mais fortes. Não acredito que ocorra diferente agora. A União Européia ou a China não reúnem condições para assumir a liderança.

Crise geral

A força propulsora da atividade capitalista é o lucro. Para serem competitivas, as empresas são obrigadas a aumentar a produtividade e conseguir menores custos unitários. O crescimento do capital fixo em relação ao produto (capitalização) é a condição para isso. A contrapartida é a taxa de lucro decrescente. Isso possibilita lucros maiores para uma empresa ou segmento tecnológico inovador, mas a taxa média de lucro do sistema declina progressivamente. A longo prazo, isso diminui a demanda por investimentos e aumenta a capacidade ociosa. Os governos entram em campo para evitar a recessão, mas chega uma hora que não conseguem mais. A estagnação vem para destruir os capitais mais fracos, provocar desemprego e arrochar salários. Decorre da própria forma de acumulação de capital, não pode ser evitada pela intervenção do Estado, por mais progressista que seja. Quando a política não é suficiente para resolver o problema e o sistema entra em colapso, a solução é a lei dos mais fortes, ou seja, a “mão invisível” do mercado. Se isso ocorrer na crise atual, teremos uma nova crise geral. Acho difícil. Mas vamos supor que isso ocorra: o mundo não vai acabar.

A melhor hipótese é outra: um longo ciclo econômico está se fechando. Dois economistas se dedicaram ao estudo desse assunto. O pioneiro foi o russo Nikolai Kondratieff, que durante 20 anos analisou indicadores econômicos da França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha: preços, juros, salários, comércio, consumo de energia e crescimento demográfico. A cada 50 anos, concluiu, ocorre um ciclo econômico longo, cuja expansão é caracterizada por grandes investimentos em bens de capital, enquanto a retração decorre da depreciação dos ativos. A primeira onda teria durado de 1790 a 1844, a segunda de 1851 a 1890 e a terceira de 1896 a 1929. Inovações tecnológicas desempenharam papel crucial nesses ciclos.

Novo ciclo

Kondratieff pagou com a vida por suas idéias, que contrariavam as teses de Stálin sobre a produtividade do trabalho, o planejamento estatal centralizado e a crise geral do capitalismo. No Brasil, o único economista a utilizar a teoria dos ciclos longos de investimento de Kondratieff foi Inácio Rangel, que publicou o ensaio “Dualidade Básica da Economia Brasileira”em 1957. Na década de 80, em plena crise do petróleo, previu o esgotamento do modelo de “substituição de importações” e a necessidade de privatizações para resolver a crise de financiamento do setor público e retomar o crescimento. Estava certo.

O austríaco J. Schumpeter, professor de Havard, deu continuidade aos estudos de Kondratieff . Reiterou o papel das inovações tecnológicas na expansão capitalista e identificou um quarto ciclo longo. Começou com a petroquímica, o motor elétrico, a radiofonia, a televisão, a energia nuclear e a aviação comercial. Chegou aos satélites, à microeletrônica, à robótica, à fibra ótica e outras inovações que hoje fazem parte do nosso cotidiano, como internet. Sem elas, as bolsas do mundo não enlouqueceriam, não haveria tanta especulação com títulos no mercado futuro. A jogatina financeira em tempo real que está quebrando bancos e seguradores pelo mundo afora. E o Brasil não sofreria a inesperada desvalorização cambial não-declarada da semana passada.

Tanto Kondratieff como Schumpeter foram ridicularizados por seus “esquematismos”, mas a teoria dos ciclos longos está se confirmando. Parece uma praga do economista russo.

"Circuit breaker" planetário


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O mundo está em pânico e sem saber o que fazer. Cada um fala uma coisa, e a idéia que parece mais sensata partiu justamente do mais insensato número 2 (só perde para Bush): o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, sugeriu que as Bolsas de todo o mundo fechem não necessariamente para balanço, mas até que surja uma proposta consistente para enfrentar a maior crise mundial desde o "crash" de 1929.

Um "circuit breaker" planetário, estendendo para todas as Bolsas, simultaneamente, o instrumento acionado para interromper os pregões sempre que as quedas atingem um ponto insuportável.

A crise está exatamente assim: insuportável.Não é preciso ser um gênio da economia, nem de coisa nenhuma, para saber a esta altura que a crise não é apenas gravíssima, como imprevisível, fora de controle. Nem para saber que a pior reação é tentar minimizar as suas dimensões.

No Brasil, o tom dos analistas ainda é de otimismo, inclusive o do economista Gustavo Franco, presidente do BC no primeiro mandato de FHC. Mas, num canto da página, eles dizem que a crise é financeira e das grandes potências, não chegará ao mundo real e aos emergentes.

No outro canto, vêm as notícias sobre sólidas companhias como a Votorantim, a Sadia e a Aracruz, que tiveram perdas bilionárias provenientes de operações com câmbio. Se isso não chega ao mundo real, o que pode chegar?Um segundo contraste: nos EUA, Bush e os demais líderes descabelavam-se com a crise financeira; no Brasil, Lula caprichava no penteado para tirar fotos com aliados -ou "neo-aliados", como Eduardo Paes, no Rio-, enquanto se preparava para sumir no mundo.

Lula bateu em 80% de popularidade surfando nos cinco anos mais ensolarados e de maior crescimento do mundo, mas pega em dose única toda a intensidade das cinco crises internacionais da era FHC.

FHC não fez o sucessor. Ele fará?

Remoção de obstáculos


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Terminado o período de engalfinho nas eleições municipais, PT e PSDB vão se unir para investir no projeto de acabar com o instituto da reeleição, em vigor há pouco mais de 10 anos por obra dos tucanos que, ao chegarem à Presidência da República em 1994, acharam pouco um só mandato, usaram a maioria parlamentar para mudar a Constituição e conseguiram governar por oito anos.

Os argumentos da época - mandato muito curto, adaptação às regras de democracias mais avançadas e oportunidade do cidadão dobrar o tempo de governos bem avaliados - hoje foram substituídos por um genérico "não deu certo".

Isso, no caso dos tucanos adeptos da tese. O PT apresenta-se muito mais a cavaleiro nessa parceria marcada para entrar em atividade aos primeiros acordes do ano legislativo de 2009, porque na ocasião votou contra e agora basta invocar o desejo de restabelecer relações com a coerência.

Patrono assumido de qualquer uma das emendas que tramitam no Congresso propondo a revogação do direito à disputa por um segundo mandato consecutivo para presidentes, governadores e prefeitos, o governador de São Paulo, José Serra, tem o apoio explícito do presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia e, segundo consta, o aval implícito do presidente Luiz Inácio da Silva.

Lula não aborda o assunto publicamente, mas, de acordo com o governador de São Paulo, os dois já conversaram três ou quatro vezes sobre o assunto e chegaram a um entendimento comum de que a reeleição alimenta o uso da máquina administrativa, faz do governante um permanente candidato e desequilibra fortemente as disputas em favor do postulante à reeleição.

De fato, os números confirmam o crescimento do índice de reeleitos. Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios mostra que, em 2000 e 2004, 58% dos prefeitos foram reconduzidos aos cargos e agora o porcentual subiu para 66%.

Em tese, essa constatação serviria para consolidar o instituto da reeleição, entre outros motivos porque prefeitos e governadores não emprestariam seus apoios à mudança da Constituição para a volta do mandato único, mas de cinco anos.

Como há pesquisas indicando que a maioria (80%) da população apóia a chance de reeleger um governante e as lideranças políticas "de ponta" oficialmente haviam recuado da posição de acabar com a reeleição quando começou a circular a versão de que o presidente Lula tentaria um terceiro mandato, a história parecia enterrada.

O único que continuou defendendo a proposta foi José Serra, alegando a condição de contrário histórico, inclusive quando da aprovação para favorecer Fernando Henrique Cardoso.

Mas, nem bem terminou o primeiro turno da eleição municipal uma semana atrás, ficou patente que não falava sozinho. Do lado do PSDB o senador Álvaro Dias já se animou a levantar a bandeira e o presidente da Câmara declarou-se também favorável, acrescentando que a maioria das emendas em tramitação na Casa trata do fim da reeleição.

A idéia é escolher uma e dar prosseguimento ao debate.

Sobre as chances de prosperar é difícil fazer um prognóstico, porque não há consenso nos partidos e, além disso, existe no meio a realidade: como derrubar algo que favorece quem está no poder e, ainda por cima, conta com apoio popular?

Só existe uma maneira: os que almejam ou detêm o poder maior se engajarem na causa.

E o que os levaria a enfrentar uma batalha tão dura para desfazer o feito há tão pouco tempo, se poderiam investir na melhoria no lugar de apostar no fim do instrumento? Por que não obrigar o governante a sair do cargo na campanha ou reduzir a tolerância com o uso da máquina numa boa aliança com a Justiça Eleitoral?

Porque fala mais alto o interesse imediato daqueles que precisam produzir uma alternância de resultados. Em português mais claro: fazer andar mais depressa a fila de espera de pretendentes ao Palácio do Planalto.

Só nos lugares mais visíveis há três, não por coincidência todos do PSDB e do PT: José Serra, Aécio Neves e Luiz Inácio da Silva. Mantida a regra atual, o rodízio levaria 24 anos.

Alterada a norma para o mandato único de cinco anos, a rodada completa se faz em 15. Isso sem contar os imprevistos surgidos no percurso.

Trata-se, portanto, de criar um atalho, remover obstáculos para mais gente conseguir com mais rapidez acesso à rampa do Planalto, enquanto dispõem de patrimônio político para tal.

Lula, por exemplo. Uma coisa será a tentativa de volta cinco anos após deixar o poder; outra diferente, oito anos e o risco do surgimento de novas lideranças depois.

Claro que os porta-estandartes da bandeira repudiam interpretações desse jaez. Preferem a tese da melhoria institucional para o País, pois, da mesma forma como entrou no cenário em vistoso embrulho de avanço "republicano", a reeleição é vestida para sair em figurino de dourada pílula.

Quem apóia quem

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Quando muitos candidatos se dizem apoiados pelas mesmas pessoas, os eleitores se confundem e ficam com o sentimento de que, no sistema político, tudo se mistura, tudo é a mesma coisa, reforçando a idéia de que partidos e alinhamentos nada querem dizer -->Nem bem recomeçou a campanha eleitoral, um dos assuntos que mais centralizaram as atenções no primeiro turno voltou a ocupar o discurso dos candidatos e o interesse da imprensa. Em muitas cidades onde o segundo turno está em andamento, ele chega a ser o eixo principal das discussões.

Trata-se do velho tema dos apoios, de quem está do lado de quem na eleição. Quando havia muitos candidatos em disputa, cada um insistia nas ligações que tinha com os políticos de prestigio na cidade, como modo de atrair a atenção do eleitor. Todos os principais candidatos a prefeito e muitos a vereador fizeram isso Brasil afora.

Os apoios mais cobiçados eram os de Lula e do governador do estado, salvo, é claro, dos impopulares. Para ter o direito de se proclamar “o candidato” de um ou outro, houve brigas que chegaram aos tribunais. Como raramente a questão veio a ser decidida neles, o que vimos foram dois, três, quatro candidatos dizendo, ao mesmo tempo, que eram eles os apoiados por um, outro ou ambos.

O segundo turno costuma resolver esse problema. Ao longo da eleição, acontece uma progressiva depuração das várias candidaturas com que começa o processo, culminando nos dois nomes que melhor expressam os lados principais da vida política local. Esquerda vs. direita, mudança vs. continuidade, polaridades como essas se expressam nitidamente nas duas candidaturas restantes.

É bom que seja assim. Quando muitos candidatos se dizem apoiados pelas mesmas pessoas, os eleitores se confundem e ficam com o sentimento de que, no sistema político, tudo se mistura, tudo é a mesma coisa, reforçando a idéia de que partidos e alinhamentos nada querem dizer.

Nestas eleições, existem lugares onde as coisas são claras. São Paulo é o melhor exemplo, com os dois lados tradicionais da política da cidade tendo, cada um, apenas um candidato ou candidata para representá-lo. É o que ocorre também em São Luís e algumas cidades médias, onde Lula e o governador do estado estão claramente com alguém, sendo que, às vezes, os dois apóiam o mesmo candidato, às vezes candidatos diferentes. Sobre isso, o eleitor não faz confusão.

Há lugares em que não há diferenças nas ligações e nos apoios nacionais dos candidatos, como em Salvador. João Henrique e Walter Pinheiro pertencem a partidos que estão na base do governo federal e integram grupos políticos que se representam no ministério de Lula. No plano estadual, porém, cada um tem seu lado. Lá, ninguém quer deixar os eleitores em dúvida.

O caso mais extraordinário destas eleições acontece em Belo Horizonte. Desde o começo, Lula deixou subentendido que apoiava Márcio Lacerda ou, pelo menos, que via com bons olhos sua candidatura. Aliás, foi com alguma atuação sua que a Executiva Nacional do PT acabou assimilando a aliança de Aécio e Pimentel em torno de Lacerda. Não podia, no entanto, ultrapassar esse ponto, pois candidatos de vários outros partidos que integram seu governo estavam na disputa. Todos podiam usar seu nome e se dizer próximos a ele sem querer confundir os eleitores, pois ele não tinha se manifestado em favor de nenhum. Lacerda e Leonardo Quintão fizeram isso legitimamente.

Mas e quanto ao apoio de Aécio Neves? O governador disse com todas as letras que apóia Márcio Lacerda e que o vê como o mais qualificado para ser o prefeito da cidade. Isso, normalmente, deveria bastar para esclarecer a questão.

Para Quintão, no entanto, é como se uma manifestação dessas não tivesse qualquer significado. Na sua propaganda eleitoral, nas declarações à imprensa durante o primeiro e agora no segundo turno, ele parece que não ouve ou não entende o governador. Toda vez que pode, afirma contar com o apoio de Aécio.

Parece que Quintão quer que os eleitores de Belo Horizonte se esqueçam de que há dois lados na eleição e que o dele não é o de Aécio.

Fisiologismo


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A supremacia do PMDB no quadro partidário brasileiro, e a consolidação da força política governista no Nordeste, onde a decadência do antigo PFL deu lugar ao crescimento de PT, PSB e PDT, que duplicaram o número de municípios sob seus comandos na região - tendências confirmadas no primeiro turno das eleições municipais -, seriam sinais de que o fisiologismo estaria predominando no atual quadro político brasileiro?

O cientista político Fernando Lattman Weltman, da Fundação Getulio Vargas, tem uma visão bastante pragmática sobre o PMDB, que a ele parece "menos um caso de falta de identidade ou programa do que uma combinação muito específica de vantagens e desvantagens competitivas derivadas, ao mesmo tempo, de sua grande e relativamente sólida capilaridade em todo o território nacional, de par com a falta compreensível de lideranças nacionais incontestes na legenda".

Para Weltman, de tanto ser uma espécie de condomínio de grupos políticos locais, sem uma figura nacional que o unificasse, "o PMDB parece que aprendeu a extrair o máximo benefício de não poder fazer o presidente, mas ser necessário a qualquer um que por lá chegue. Como se costuma dizer: aprendeu a fazer limonada de seus limões".

Com sarcasmo, ele diz que, "se isso é ser fisiológico, então sou forçado a reconhecer que, além de válido, isso pode ser politicamente muito interessante".

Fernando Lattman Weltman diz que o fisiologismo é um tema "muito controverso e pouco claro". Deixando de lado a corrupção, que pode estar ligada ao fisiologismo, mas é tipificada como ilegal, Weltman procura uma definição de fisiologismo na política: É buscar o poder pragmaticamente? É não possuir identidade ideológica e/ou programática?

Para ele, "dependendo do modo como conceituamos o "fisiologismo", o PT, o PMDB e outros partidos se ajustam ou não à qualificação". Tanto o PT quanto o DEM e o PSDB se encaixam perfeitamente na definição de serem partidos que buscam o poder pragmaticamente, mas não na de falta de identidade ideológica.

Weltman diz que não parece claro que haja "uma oposição necessária entre pragmatismo e eficiência na competição eleitoral - coisas que talvez possam ser associadas a fisiologismo -, de um lado, e consistência ideológica e programática, de outro".

Ele lembra que, como já propuseram outros teóricos, "a ideologia de um partido pode ser muito importante justamente por diferenciar um partido ou candidato em relação a seus concorrentes em especial, quando não há grandes divergências sobre questões de fundo e os partidos se dirigem para o centro, ou em busca do eleitor-médio, majoritário".

Assim, diz ele, a mudança permanente de identidade "é perfeitamente natural no nosso quadro partidário - e alhures -, em especial para partidos com vocação de poder". Isto se daria por força, ao menos, de dois fatores "de grande plasticidade":

a) As características proporcionais e altamente competitivas do nosso sistema partidário - que facilitam o surgimento, o colapso e a mudança de status das siglas partidárias;

b) O dinamismo da nossa estrutura social, essa sim, em mutação permanente e acelerada em momentos de crescimento econômico, migrações internas e abertura para a globalização.

O sociólogo Hamilton Garcia, do Centro de Ciência do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense, acha que o novo perfil popular da classe média, "despolitizado e consumista, sem sombra de dúvida embala o PT na direção do populismo, além de amputar espaços sociais de seus oponentes à esquerda (PSOL) e à direita (PSDB), cujas inscrições populares têm as marcas, respectivamente, do vanguardismo e do elitismo".

Paulo Roberto Figueiredo, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, por sua vez, crê que os dados do primeiro turno reforçam sua tese de que "há um descolamento entre o "lulismo" e o "petismo", dada a postura personalista de Lula, que talvez impeça uma maior institucionalização do petismo como força partidária ideológica, independentemente do carisma do presidente".

Ele ressalta que muitas pesquisas apontam queda da identificação partidária do PT. Para ele, a nova classe média que nasceu nos últimos anos no país, fruto da distribuição de renda através de programas sociais e aumentos reais do salário, "talvez seja muito mais "lulista" que petista - o que é um problema grave para o partido, dado que ele perdeu parte de suas tradicionais bases nas grandes cidades", lembrando que o PT não governa hoje nenhum estado do Sul-Sudeste, que outrora foi sua principal base.

O dilema do PT seria, na visão de Figueiredo, recuperar parte das bases mais ideológicas hoje perdidas, no caso de uma nova inflexão à esquerda, que "implicaria também correr riscos junto aos segmentos populares "lulistas", que não são necessariamente petistas, uma base social, em alguma medida, conservadora".

Mas, manter esses segmentos populares "lulistas", às custas do eleitorado tradicional, analisa ele, "reforçaria ainda mais a dificuldade do partido de construir um projeto efetivamente partidário, que não fique a reboque única e exclusivamente de Lula".

Circuit breaker x Laissez faire


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

“Deixa rolar” seria a versão livre e informal do mais conhecido axioma em língua francesa. Laissez faire, laissez aller, laissez passer ("deixai fazer, deixai andar, deixai passar"), estandarte da escola fisiocrata francesa, de autoria ainda não estabelecida, teria sido enunciado pela primeira vez pelo marquês de Argenson em 1751 e, ao longo dos 257 anos seguintes, sucessivamente seqüestrado pelo liberalismo inglês, pelo capitalismo americano e pelos cruzados da globalização.

O Laissez faire venceu todos os confrontos com todos os dirigismos - do nacional-socialismo ao comunismo, inclusive com o socialismo democrático. Imbatível, audacioso, acabou convertido em sinônimo de dissipação e irresponsabilidade, dogma incontestável, autoritário e prepotente. O resultado está estampado nas manchetes onde a palavra pânico, de tão repetida, parece surrada, desprovida de dramaticidade.

Capricho dos fados, ironia do destino: para salvar o libertário e libertino laissez faire e evitar o apocalipse, recorreu-se a um simplíssimo recurso tecnológico - o circuit breaker, a intervenção reguladora, anônima e impessoal, comandada pelo sistema de computação das bolsas de valores.

Para interromper os surtos de irracionalidade bursátil em qualquer direção - na direção do abismo ou da estratosfera - tal como um termostato que desliga automaticamente ante a ameaça de aquecimento, este freio arrumador é uma varinha de condão: impõe comedimento, força a sensatez. Não é uma intervenção de governos ou Estados, mas ação auto-reguladora, válvula de segurança do próprio mercado.

Assim como as bolsas do mundo inteiro adotam feriados particulares, um circuit breaker globalizado, razoavelmente estendido, seria capaz de interromper o atual desvario e desespero com uma siesta reparadora enquanto governos e bancos centrais descobrem os sedativos apropriados para acalmar a paranóia do laissez faire.

Uma coisa está clara: precisamos de um Contrato Social globalizado. Rousseau ofereceu o dele alguns anos depois dos primeiros triunfos do liberalismo. E este contrato não deve restringir-se à esfera econômica. Os países petro-dependentes, sobretudo aqueles que montaram mirabolantes projetos de poder à custa do barril de petróleo perto dos 150 dólares, estão desesperados, não se conformam com a abrupta queda para 80.

Não é casual, a súbita impertinência do presidente Rafael Correa desafiando ostensivamente legítimos interesses de empresas brasileiras no Equador (inclusive a Petrobras). Os desmandos originam-se claramente nas frustrações de Hugo Chávez que, em poucas semanas, viu desmantelarem-se os seus sonhos de hegemonia continental enquanto é forçado a encarar o descalabro social que impôs ao seu país.

Um circuit breaker devidamente adaptado e ampliado para fazer face ao nível de tensão do momento serviria para arrefecer a volatilidade das bolsas e diminuir o estresse político subitamente acionado pelas ameaças de recessão mundial.

A aparente bonomia do laissez faire descambou em impunidade e arrogância. E esta arrogância está contaminando tudo a sua volta. Inclusive nestas bandas. Quando, em 2004, José Serra venceu Marta Suplicy na disputa pela prefeitura paulistana, o presidente Lula não desesperou.

Agora, quando Gilberto Kassab, o vice de Serra, ameaça vencer Marta Suplicy, o presidente Lula não esconde a sua frustração. A sua formidável popularidade, em grande parte amparada na invejável situação da economia, está ameaçada pelos atuais fantasmas internacionais. Se não forem exorcizados rapidamente podem colocar em risco a possibilidade de eleger um sucessor (ou sucessora) em 2010.


Algum circuit breaker precisa ser acionado. Deixar rolar, laissez faire, é no momento a opção mais endiabrada.

» Alberto Dines é jornalista