segunda-feira, 13 de outubro de 2008

POEMA: ANOITECER




Graziela Melo

Triste
A vida vai
Ficando

Quando
Chega
O anoitecer

Meu
Coração
Vai sentindo

Desejos
De um
Amanhecer....

Rio de Janeiro, 09/10/08

FRASES DE GABEIRA, ONTEM, NO DEBATE DA BAND


“Você é cria dele (Cesar Maia). Trabalhou a vida toda com ele. Foi criado, desenvolvido por ele, tem o estilo dele e me acusa de ter o apoio do Cesar Maia. Isso é um cinismo tão grande que devia ter até um pouco de escrúpulos.”

“Chamar médicos faltosos de vagabundo não conduz a nada.”

“Quem é jovem e impetuoso acha que tem mais força do que tem. Vai ter problemas, digo isso sempre para os adolescentes.”

“Temos uma polícia que, às vezes, para deter uma mulher, com duas crianças no carro, dispara 20 tiros. E mata uma criança”.

“Essa idéia de me passar por grã-fino preconceituoso e turista eleitoral é equivocada. Sou um dos políticos que mais lutou contra o preconceito.”

“Você não deveria falar que as pessoas com a ficha suja merecem ser espancadas porque isso desrespeita os seus correligionários na cadeia.”

“A sua candidatura é a candidatura do governo do estado. É melhor ser criativo do que ser obediente”.

“Essa idéia de me apresentar como pessoa distante, como turista eleitoral, é totalmente equivocada. Comecei a trabalhar com 9 anos, vendia banana e ovo. Vim com 17 anos para o Rio. Fui maquinista de metrô, porteiro de hotel , cortei grama em cemitério. Fiz tudo, sou uma pessoa muito ligada ao povo brasileiro. Em certos momentos, como deputado federal, tenho que cuidar do país e do mundo. Se você acha que o Rio é uma ilha, está equivocado”

Opinião por fora das pesquisas


Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Aplicações variadas podem ser feitas com pesquisas de opinião, menos – como diria Napoleão Bonaparte a respeito de espadas – sentar-se sobre elas. Isto é, não interpretá-las corretamente. Na cidade do Rio, quem lê nas entrelinhas entendeu perfeitamente que o primeiro turno da eleição municipal escondia uma disputa de fundo religioso, por mais camuflada que fosse. O problema ficou resolvido: eleição e religião não dão mesmo bom caldo. O eleitor sacrificou a candidatura do senador Marcelo Crivella para afastar do presente os efeitos tardios do passado, nem sempre honroso. Ganhou novo sentido a cidade que, há 48 anos, perdeu a condição de capital federal e obteve, como compensação, o direito de eleger os governantes.

A primeira eleição, em 1960, definiu o perfil da autonomia política conquistada. O carioca elegeu de saída, contra a maré da esquerda, a controvertida figura de Carlos Lacerda. Para quem tinha a fama, má fama, de derrubador de presidentes (da República, seja dito), a primeira campanha eleitoral no Rio teve a ênfase mais forte na personalidade polêmica do jornalista abusado, oriundo da esquerda na mocidade e punho da direita na luta contra sombras do passado. Lacerda venceu, dentro da margem de erro que as pesquisas ressalvam, pela razão política, e nenhuma outra.

Com 48 anos de autonomia e uma fusão engolida sem opinar, o Rio entra no segundo turno e deixa para trás o direito de errar. Os dois candidatos finalistas, Eduardo Paes e Fernando Gabeira, representam nova maneira de pensar, de falar, de se apresentar. Oportunidade de corrigir, e não de repetir, erros. Os recursos eleitorais que resvalam para a depreciação pessoal não substituem argumentos. São preconceitos que deixam pior quem os utiliza. Contra Gabeira, por exemplo, há quem alegue a condição de nascido em Minas. Candidato e eleitor, ambos como cidadãos e contribuintes, pagam os mesmos impostos municipais, estaduais ou federais. São iguais em direitos e deveres.

Em relação a Eduardo Paes, alega-se experiência restrita de subprefeito da Barra da Tijuca. Melhor que tenha começado por aí e ampliado a experiência administrativa, tanto no nível de secretário municipal (Meio Ambiente) quanto estadual ( Esporte, Turismo e Lazer). Sem falar na experiência parlamentar. O diminutivo prefeitinho é pobreza de espírito. A Barra fala por si mesma. "Prefeitinho" é, sem perder o humor, a vovozinha de quem não sabe quanto custou a democracia.

Em tempo, uma ressalva: desde a redemocratização, muitos administradores ficaram devendo no quesito competência. Uma cidade com a complexidade dos problemas e o acumulado por falta de solução não dá a seus prefeitos tempo para um aprendizado sobre a melhor maneira de gerir a máquina municipal. Quem assumir o leme precisará ter experiência e decisão, duas características que não brotam de discursos parlamentares, mas de intimidade com os meios para exercer a responsabilidade executiva no dia-a-dia. O Rio está precisado de alguém com perfil, disposição administrativa e experiência para enfrentar, já no primeiro dia, os desafios que se acumularam.

O fato é que o Rio ficou devendo à maioria absoluta (pela eleição em dois turnos) o salto de qualidade. O mesmo eleitor que selecionou os dois finalistas vai decidir, não entre imagens do passado de cada um, mas do que oferecerem como viável no exercício do mandato. Esta é a oportunidade de qualificar o debate, dignificar a divergência de propostas e respeitar o adversário. Prefeitos não são mestres-de-obras, mas cidadãos com experiência pessoal e humana, dotados de senso político. O voto os reveste de confiança. O resultado do primeiro turno também foi de natureza política. Ficou visível, no fundo das urnas, o desejo de impedir que política e religião se confundissem e confundissem o eleitor.

O efeito saudável pode ter demorado mais do que exigia a impaciência democrática, mas o caminho das urnas não é o mais curto. É, no entanto, a garantia de ser o menos enganoso dentre todos os outros. Eleição é ato de escolha e, como tal, reúne experiência de cidadania, aspirações pessoais, princípios e costumes. Em resumo, senso político, competência e convicção ética.

A propósito das eleições municipais


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

As finanças mundiais se derretem, e quem sabe onde irá parar a crise econômica. Mas temos aqui o processo da eleição municipal em andamento.

Provavelmente a indagação mais reiterada a respeito delas, e que mais comentários suscita por suas possíveis implicações para 2010, é a da influência de Lula. Até que ponto os resultados da eleição corroborariam a idéia de que o forte apoio popular ao presidente e a alta aprovação de seu governo resultariam em beneficiar os candidatos apoiados por ele?

O que há talvez de mais singular na eleição de agora relaciona-se de maneira equívoca com a possível resposta à pergunta. Refiro-me a algo que todos têm apontado: o caráter marcadamente " governista " ou " situacionista " do clima geral da eleição, favorecendo tanto prefeitos que se candidataram à reeleição quanto os candidatos associados a prefeitos e governadores bem avaliados pelo eleitorado. Parece claro que esse " governismo " , beneficiando gente de diferentes partidos, pode ser ligado às condições gerais subjacentes à própria intensidade do apoio a Lula. Ainda que possa haver, no caso de Lula, ingredientes difusos relacionados a sua imagem popular, parte importante do " lulismo " se explica pelas boas notícias no campo econômico e social geral. E se isso faz bem a Lula como titular da Presidência, não há razão para que não faça bem igualmente aos titulares de outros níveis de governo que os eleitores percebam como tendo bom desempenho. Como mostrou com especial eficiência matéria de César Felício e Marta Watanabe no Valor de dias atrás (edição de 3, 4 e 5 de outubro), tivemos forte correlação entre o êxito eleitoral previsto nas pesquisas e o aumento nas receitas municipais como efeito combinado do crescimento econômico e de mudanças em diversos itens da legislação relativa à arrecadação municipal e às transferências dos Estados e da União para os municípios.

Naturalmente, o " governismo " , assim entendido, se aplica mesmo a casos que têm tido leitura contrastante, em particular (dada a suposta relevância para 2010) o de Serra-Kassab em São Paulo e o de Aécio/Pimentel-Lacerda em Belo Horizonte. Afinal, os números relativos ao desfecho do primeiro turno são análagos nos dois casos, e é sem dúvida uma proeza " governista " a conquista pelo " poste " Lacerda da liderança no primeiro turno da eleição em BH. Que essa conquista tenha tido sabor de derrota (e perigue transformar-se em derrota consumada), em contraste com o sabor e o provável fato do triunfo em São Paulo, tem a ver com a dinâmica das pesquisas, o avanço precoce de Lacerda e a afirmação gradual dos trunfos pessoais de Quintão como candidato - e, com certeza, a confusão produzida em boa parte do eleitorado belo-horizontino pelas manobras excessivamente complicadas e mesmo arrogantes de Aécio e Pimentel, embora a idéia básica da aproximação PT-PSDB seja, a meu ver, perfeitamente defensável num plano normativo ou doutrinário.

Isso permite introduzir, ao lado de 2010 e do possível peso de Lula daqui a dois anos, um elemento de sociologia política de nível mais " profundo " . Quanto a Lula, bem pesadas as coisas (ou seja, com a segura " pós-visão " que a abertura das urnas permite...), não parece haver razão para ligar as condições do " governismo " à presunção de que lhe bastasse (a ele como a qualquer outro) declarar apoio a quem quer que fosse para assegurar a vitória do apoiado. Mas, a menos que o derretimento econômico alcance o Brasil bem mais do que se espera, seria precipitado deixar de contar com a força de Lula num processo de disputa referido à Presidência da República e em que ele surgisse associado longa e intimamente com determinado nome - embora Dilma, em certo sentido até pelas razões que impedem vê-la como mero " poste " , me pareça difícil de carregar.

Mas o elemento de sociologia política acima aludido remete a algo mais. Em interessante entrevista publicada na " Folha de S. Paulo " de 6 de outubro, Fernando Limongi, com base em trabalho sobre as eleições municipais em São Paulo executado em colaboração com Lara Mesquita, vê a atual clivagem paulistana entre PT e anti-PT como a substituição e o prolongamento, de que o PSDB seria o frágil beneficiário, da antiga polarização entre Maluf e anti-Maluf, com o arraigado conservadorismo " direitista " paulistano ganhando nova face. É claro, a idéia do PSDB como instrumento de um " direitismo " que transita do anti-Maluf ao anti-PT tem a contrapartida de um PT afim a Maluf do ponto de vista do eleitor.

Sabe-se há muito que, nas condições brasileiras em geral, o eleitor de um Maluf ou um Collor acaba sendo em ampla medida o mesmo eleitor de Lula, ou do PT como tal. Mas uma das razões a justificar o anseio por um partido popular que se tornasse institucionalmente sólido consiste justamente no anteparo ao populismo personalista e no positivo substituto funcional deste na dinâmica democrática que ele viria então a representar, sobretudo em condições em que o processo eleitoral passa a traduzir-se socialmente com nitidez, como mostra a intensa correlação entre o voto e a posição socioeconômica dos eleitores que a eleição em São Paulo exibiu de novo. Pessoalmente, julgo que os recursos e orientações que marcavam o PSDB original prometiam ser trunfos valiosos naquela tarefa de construção institucional nessa faixa de compromisso popular e social. Não creio que o partido se sinta confortável no desvio a que as circunstâncias dos enfrentamentos eleitorais o levaram. E lamento a fragilização resultante tanto no nível da conexão com as bases eleitorais, que Limongi salienta, quanto no das incertezas e problemas nas relações entre as próprias lideranças partidárias.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Contra a farsa discursiva


José Arthur Giannotti
DEU NA FOLHA DE S. PAULO /mais!

Descrédito das promessas dos candidatos pode estar abrindo caminho para uma política mais responsável

O primeiro turno das eleições municipais de 2008 nos trouxe surpresas. Não houve a maré vermelha, pelo menos do ponto de vista estratégico, tal como era esperada pela imprensa, o PMDB se fortaleceu como a noiva mais cobiçada do pedaço e o PSDB tende a manter e até mesmo conquistar posições importantes na luta política.

Também emergem novas lideranças. Fernando Gabeira [PV] vai para o segundo turno na cidade do Rio de Janeiro como se tivesse mergulhado na fonte da juventude. Numa cidade cuja política tem se deteriorado a cada passo, onde o crime organizado pressiona eleitores a ponto de a Justiça Eleitoral precisar acionar o Exército para garantir a livre expressão das vontades, um candidato de bem -e não receio usar essa palavra- disputa a prefeitura, no mínimo se afirmando como um político acatado por ter opiniões definidas.

Desconfiança

O desempenho inesperadamente fraco do trio Aécio-Fernando Pimentel-Marcio Lacerda [respectivamente, PSDB, PT e PSB, em Belo Horizonte] nos faz desconfiar daquela disputa política que não é nem cara nem coroa.

Não é a trilha que tem caracterizado o lulismo? Este tem engolido qualquer alteridade política, desidratando as oposições, que, sem rumo, em vez de perguntar pelo país que queremos, tentam se distinguir na base do grito.

Creio que errou Aécio Neves ao procurar desenhar uma liderança política dissolvendo ainda mais a polaridade ideológica entre PT e PSDB, que está sob a ameaça de se reduzir a uma disputa pelo poder meramente enquanto poder.

Não há dúvida de que numa eleição municipal preponderam fatores locais, mas me parece que o eleitor desconfia de uma candidatura que unicamente se propõe a ser eficaz num campo onde todas as vacas são pardas.

Não é contra isso que Leonardo Quintão [PMDB-MG] se firmou como voz solitária e dissonante, valendo pela diferença?

Creio que dissonância semelhante ajudou Gilberto Kassab [DEM] a sobrepujar Geraldo Alckmin [PSDB] e Marta Suplicy [PT], saindo com vantagem ponderável na disputa do segundo turno.

Mas no que ele foi diferente? Tudo parece indicar o contrário. Os prefeitos em exercício tendem a ser reeleitos. Pudera, em geral os orçamentos municipais aumentaram quase 50% e são poucos aqueles que deixam de utilizar a máquina pública a seu favor.

[A pesquisadora] Fátima Jordão me apontou uma diferença interessante: enquanto a campanha de Marta foi mais nacional, inclusive usando imagens que seriam significativas no Nordeste, mas pouco relevantes para um paulistano, Kassab acentuou o lado municipal de seu programa, mostrou a eficácia da sua gestão. Ele chegou mais perto do eleitor, mostrou-se, penso eu, mais verdadeiro.

É de notar que, na pesquisa Datafolha publicada na quinta passada, em que Kassab aparece 17 pontos à frente de Marta, a comparação dos votos estratificados mostra uma inversão significativa: Kassab sobe conforme aumentam a escolaridade e a renda familiar dos eleitores, enquanto Marta cresce conforme elas diminuem.

Caberia dizer que Marta está mais à esquerda do que Kassab, quando obtém maior penetração nas camadas de renda e escolaridade mais baixas? Hoje em dia é preciso ter muito cuidado no emprego do conceito de esquerda. Esquerdista não é apenas o político que tem mais apelo popular, pois, sob esse critério, Benito Mussolini teria sido um político de esquerda.

Antes de tudo, não cabe à esquerda procurar atravessar o véu retórico que encobre toda a política? Não deveria ser ela mais veraz do que um verdadeiro político? Seria ridículo imaginar Kassab representando a esquerda, mas, segundo seu comportamento, não pode vir a ser um afluente dela?

Cada vez mais a política contemporânea se envolve numa farsa discursiva. Nisso o lulismo é exemplar. O presidente Lula costuma falar o que lhe vem na veneta, mas com tanta convicção e tal capacidade de convencimento que parece ser o arauto da verdade popular.Santa incoerência

Quem disso duvida, repare no que tem dito sobre a crise econômico-financeira, desde quando imputou toda a responsabilidade "ao Bush" até agora, quando diz ter assumido o leme do navio no meio da tempestade. Aliás, fazer sem levar em conta o que já disse é uma das características do movimento político encabeçado por ele.

E somos agradecidos por essa incoerência. O que seria do país se tivesse feito tudo o que já prometeu durante sua vida política?

O discurso político sem peias é hoje fenômeno universal. Basta prestar atenção ao que dizem Silvio Berlusconi [premiê italiano] e Nicolas Sarkozy [presidente francês] para que se perceba que tendem igualmente a falar o que lhes passa pela cabeça.

Interessante é que, conforme se acirra a disputa entre Barack Obama e John McCain, mais este atira para todos os lados, enquanto aquele contorce o seu discurso, dotado de uma elegância retórica ímpar, para vir mais tarde agir como presidente conforme o peso das circunstâncias.

Em resumo, o político contemporâneo fala o que vai fazer, mas de tal modo que possa mais tarde fazer o contrário.

Exagero no caso de Obama, pois, embora o mote da mudança ainda se apresente vazio, a maneira pela qual organiza sua equipe e convoca a população para uma nova fase da política americana já vai adquirindo um contorno de verdade.

Aproximar o discurso do que se pode tentar fazer verdadeiramente me parece uma das tarefas políticas que nos incumbem no momento. Não é porque o capital financeiro se deslocou da economia real que sua crise a deixará incólume.

"Mutatis mutandis", o apodrecimento do discurso político não pode estar abrindo caminho para uma política mais responsável no que ela afirma e no que ela faz? A democracia ensina o eleitor a pensar. Não está na hora de os políticos se mostrarem mais acurados e mais verazes a respeito de tudo aquilo que prometem? Estas eleições de 2008 não fazem transparecer essa demanda?


JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!.

Ele é o presente

"O que é atual em Theodor W. Adorno não é meramente o que ?resta? de seu pensamento, mas o que nele ainda incomoda e faz pensar, reafirmando a melhor tradição do pensamento crítico e dialético. Não por acaso, Adorno tornou-se leitura obrigatória em várias disciplinas acadêmicas (educação, sociologia, filosofia, literatura, psicologia, comunicação, direito) por recusar as separações estanques entre os domínios do pensamento. A dialética por ele desenvolvida, atividade crítica por excelência, revela as contradições presentes nos mais variados objetos (sociais, artísticos e filosóficos), contrapondo-se ao pensamento enrijecido e classificatório, que está na base tanto do positivismo quanto do nazismo, que sobrevivem numa sociedade marcada pela reificação das relações humanas, a serviço da mera reprodução do capital."

JORGE DE ALMEIDA, PROFESSOR DE TEORIA LITERÁRIA NA USP

"A atualidade de Adorno pode ser vista em três temáticas interligadas: a filosofia social, a estética num sentido mais amplo e a teoria crítica da indústria cultural, uma síntese entre as duas primeiras. Pode-se dizer que o neomarxismo mediatizado pela incorporação da psicanálise e pela inspiração da filosofia clássica alemã parece talhado para uma compreensão crítica da sociedade contemporânea, formatada por um capitalismo não-concorrencial que difunde a falsa idéia de que sua superioridade reside na livre concorrência econômica e maior liberdade individual. No que diz respeito à estética, constata-se em Adorno uma sensibilidade ímpar para o entendimento dos fenômenos estéticos considerados autênticos - as obras de arte -, contrastantes com o que o filósofo chama ?mercadorias culturais?. Isso leva à menção da terceira temática: a implacável crítica à indústria cultural, que é entendida como braço ideológico do capitalismo oligopolista contemporâneo, tanto mais evidente quanto mais ele se globaliza e se difunde numa escala planetária."

RODRIGO DUARTE, PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFMG

''Somos o futuro pensado por Adorno''

Adorno

Francisco Quinteiro Pires
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ CULTURA


Edição das obras completas no Brasil evidencia atualidade do filósofo alemão

Se houvesse os 10 mandamentos do capitalismo, o primeiro seria - "Não criticarás o capitalismo em vão." O risco é padecer no inferno. O filósofo Theodor W. Adorno (1903-1969) foi acusado de negativista e niilista por ter apontado a perversão do iluminismo e as semelhanças entre capitalismo e totalitarismo. Ele mostrou que existe por aí muita irracionalidade camuflada de boa moça da razão. Para tirar o pensador alemão do limbo, a que foi jogado nos anos 1970, porque suas críticas teriam envelhecido, é necessário reler suas obras à luz dos dilemas atuais. A oportunidade chegou.

A Editora Unesp tem previsão de lançar 21 volumes, incluindo traduções inéditas. A Coleção Adorno se divide em quatro coletâneas: Escritos Sobre Música; Escritos sobre Sociologia; Indústria Cultural e Escritos de Psicologia Social e Psicanálise. A coordenação do projeto está a cargo de quatro especialistas: Jorge de Almeida, Ricardo Barbosa, Rodrigo Duarte e Vladimir Safatle.

Os primeiros lançamentos são As Estrelas Descem à Terra (tradução de Pedro R. de Oliveira) e Introdução à Sociologia (tradução de Wolfgang L. Maar). No primeiro, Adorno estuda, nos anos 1950, a coluna astrológica do jornal Los Angeles Times, editada por Carroll Righter, consultor de atores de Hollywood. O segundo contém o último curso do filósofo na Universidade de Frankfurt - é uma apresentação das categorias fundamentais da teoria social de Adorno. Ambos mostram como a crítica adorniana ao capitalismo não se desqualificou. Para Vladimir Safatle, professor de filosofia na USP, a iniciativa editorial evidencia que Adorno está cheio de novidades e à espera de leitores. Leia a seguir trechos da entrevista com Safatle.

Adorno andou fora de moda, não?

Adorno foi considerado obsoleto a partir dos anos 1970. Sua teoria social estaria ultrapassada diante das novas configurações do capitalismo. Sua teoria estética estaria ultrapassada com o envelhecimento das vanguardas. Sua filosofia seria um beco sem saída, que operava sem síntese. Adorno seria incapaz de indicar um critério renovado de racionalidade. Hoje temos condição de ver como a avaliação era equivocada. Sua teoria social vai ficar cada vez mais atual, mas para isso é necessário reler seus textos. Somos o futuro pensado pela experiência intelectual adorniana.

Por que Adorno é um dos filósofos incontornáveis do século passado?

Ele é um filósofo fundamental na constituição do campo da sociologia, da estética, em especial a musical, e mesmo da psicologia social do século 20. Do ponto de vista filosófico, sua obra foi capaz de desenvolver série de respostas a questões maiores do pensamento contemporâneo que não foram completamente elaboradas, como o seu conceito de sujeito e a sua concepção de linguagem. A obra de Adorno precisa ser descoberta.

Adorno foi um crítico do iluminismo.

Sua relação com a tradição da racionalidade moderna é ainda hoje proveitosa. Ele tratou de mostrar como valores, princípios e processos fundamentais para a constituição da razão moderna inverteram as suas expectativas. Enquanto se esperava realizar a emancipação, apareceu um processo de dominação instrumental tanto da natureza quanto do indivíduo. Se pensamos em constituir um critério seguro de moralidade, ele se inverteu em perversão. Adorno teve sensibilidade para notar a inversão do projeto iluminista.

Um dos elementos que mais chamaram a atenção de Adorno na análise da coluna astrológica, que resultou em As Estrelas Descem à Terra, é a intencional exploração da fraqueza do ego dos leitores. Mais de 50 anos depois, como está essa exploração?

A leitura desse texto é impressionante pela sua atualidade. Um leitor de 2008 consegue entender claramente as questões de Adorno tendo em vista os jornais dos anos 50. O que ele procurava entender era por que os leitores, que não acreditavam totalmente nas colunas, deixavam pautar suas ações por algo fundamental dentro de uma visão de mundo. Uma visão de mundo que se faz dominante, entre outras coisas, por meio de uma coluna de astrologia. É impossível compreender os efeitos da indústria cultural sem ter uma teoria elaborada do sujeito, da subjetividade e da vida psíquica. A subjetividade com a qual Adorno se confrontou na aurora do século 20 encontrou seu amadurecimento na nossa época. Ele identificou o processo que vivemos hoje. Não podemos mais pensar o sujeito a partir de categorias psíquicas tradicionais, que o tratam como um ser autônomo, dono de uma expressão autêntica.

Na fase atual do capitalismo existe uma tendência fascista latente? Podemos falar que ela se acentuou?

A tendência fascista é uma questão presente nos textos do Adorno, mas antes é necessário compreender que ele não falou de capitalismo e totalitarismo como assuntos idênticos. Ele entendia ser necessária uma teoria sobre o fascismo para compreender no que as nossas sociedades são totalitárias. Num texto sobre a propaganda fascista, ele diz que ninguém acreditava na ideologia do fascismo. Sequer os seus próprios líderes. Todos faziam uma performance, representavam seu próprio entusiasmo. Essa idéia é fundamental. Totalitarismo é baseado no fato de que o poder não exige engajamento do sujeito ao discurso do poder. O poder pede que representemos nosso engajamento e permite que tenhamos distância do que fazemos. Eu posso agir sem acreditar. Ou, por não acreditar, eu posso continuar fazendo. Para crer no que faço deveria ter uma ética da convicção, impossível de ser exigida em crises de legitimidade como a nossa. Essa distância é fundamental no totalitarismo e no capitalismo. É elemento central, pois permite a perpetuação de estruturas de poder.

Isso soa bem familiar.

É só pegar alguém como Silvio Berlusconi (primeiro-ministro da Itália). Ninguém em última instância acredita numa figura como a dele, totalmente desqualificada. Mas por isso ele pode se perpetuar. Ele não exige nenhuma crença. Assim, o sujeito não só se torna incompatível com sua ação, como sua ação se torna suportável. Em Adorno, a análise da ideologia é sobre as disposições de conduta dos indivíduos. Cada vez mais hegemônicas, essas disposições são sintomas de uma consciência dividida entre aquilo que ela faz e aquilo em que acredita. Faz 20 anos um pensamento insiste na obsolescência da crítica da ideologia. Agora podemos com Adorno recuperar grandes categorias do pensamento sem adotar um viés tradicional.