quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Emoções do dia-a-dia


Graziela Melo


Verdades

Que

Não foram

Ditas


Abraços

Que

Não foram

Dados


Beijos

Hipotéticos

Apenas

Imaginados


Palavras

Tantas vezes

Repetidas...


Gestos doces

Quase tímidos

Desarmados...


Figuras

Tão sombrias

Lembranças

Tão tardias...

Saudades tantas

Agonia...


Emoções

Do dia-a-dia!


Junho/2002


(Publicado no livro Crônicas, contos e poemas - Abaré Editorial, Brasília/DF, pag.98)

Janela de oportunidades


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Seis anos depois, o governo resolveu tomar a iniciativa prometida na eleição - renovada ênfase de prioridade na reeleição - do presidente Luiz Inácio da Silva e vai finalmente mandar uma proposta de reforma política ao Congresso.

Descrito assim, o fato parece altamente positivo. Suficiente até para reduzir a importância da demora, pois nessa altura o essencial seria destacar o rompimento da inércia dos vários anos durante os quais muito se falou e nada se fez a respeito.

Mas, infelizmente, ainda não será desta vez.

O projeto que há meses vem sendo negociado com os maiores partidos pode ser qualquer coisa, menos uma reforma feita para aperfeiçoar o sistema eleitoral, melhorar o funcionamento dos partidos, fortalecer a posição do eleitor na relação com os eleitos, patrocinar o encontro da política com a modernidade.

No lugar disso, confirma e consolida um dos mais nefastos entre todos os velhos vícios da política: a constante alteração nas leis para adaptá-las às conveniências da ocasião.

Nesse caso com a agravante de disfarçar com o nome de reforma o único objetivo de rever uma decisão da Justiça Eleitoral que estabelece a supremacia dos partidos sobre os candidatos na posse dos mandatos e consagra a fidelidade partidária.

Mudar de partido pode, deixou bem claro o Tribunal Superior Eleitoral em sentença corroborada pelo Supremo. Quando houver criação, fusão ou incorporação de partidos, se a legenda se desviar de seu programa original ou se o parlamentar for alvo de discriminação grave.

Mas não pode pelo motivo fútil de formação de maiorias no Legislativo para servir ao Executivo mediante a troca de votos por cargos e outros benefícios propiciados pelo Orçamento da União.

De todos os pontos apresentados pelo governo ao debate, apenas a abertura de uma "janela" de 30 dias para liberação do troca-troca é objeto de razoável consenso na Câmara e no Senado.

Aguça a cobiça das legendas com chance de chegar à Presidência, mas sabe bem, sobretudo, ao paladar do PMDB, o grande atrativo para a maioria fisiológica que pretende tirar vantagem do resultado da eleição (qualquer um) sem precisar fazer muita força.

O restante dos itens - redução de partidos, financiamento público, fim das coligações proporcionais e lista fechada de candidatos a vereador e deputado - é enfeite.

A brecha fica estrategicamente localizada no período imediatamente anterior à realização das convenções partidárias para a escolha dos candidatos ao pleito do ano em questão.

Quer dizer, a coisa é feita com o objetivo preciso de abrir boas oportunidades no mercado de negociações pré-eleitorais. Poderia ser pior, é verdade. Se a "janela" fosse aberta depois das eleições, por exemplo. Mas aí seria uma vergonha intolerável até para a estatura dos padrões vigentes.

Mesmo por esses critérios é difícil classificar a desfaçatez mais aguda: se o retrocesso em si ou se o cinismo de preparar um mexidinho e servi-lo mais ou menos escondidinho entre variadas propostas.

Prova maior do interesse específico deram os ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, quando da audiência pública na Câmara sobre o projeto, na terça-feira.

Os dois se concentraram na defesa do troca-troca mitigado. Na versão de José Múcio, a grande aceitação entre os parlamentares deve-se à "simplicidade" da proposta que busca "apenas" corrigir a atual legislação.

"No passado podia tudo, trocar de partidos quantas vezes quisesse, agora não pode de jeito nenhum." Logo, para usar expressão de Tarso Genro, é preciso abrir espaço para a "mobilidade democrática" a fim de permitir que o parlamentar possa "desfrutar da eleição subseqüente".

Diante do uso do conceito de desfrute (viver à custa, usufruir, deliciar-se) por um ministro como referência eleitoral, dizer mais o quê?

Já começou

As montagens das chapas estaduais para 2010 são menos visíveis que as presidenciais, mas andam igualmente adiantadas. Nos dois principais Estados o jogo do PMDB exclui o PT da eleição para governador.

Em São Paulo, os pemedebistas entram na aliança PSDB/DEM disputando uma vaga ao Senado com Orestes Quércia. No Rio, o partido fica com os petistas, mas por ora só reservou a eles chance de concorrer a uma cadeira de senador.

Há quatro pretendentes: a ex-ministra Benedita da Silva, o deputado Jorge Bittar e os atuais prefeitos de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, e de Niterói, Godofredo Pinto.

Ao Sul

A meta do ministro da Justiça, Tarso Genro, não é competir com Dilma Rousseff pela preferência do presidente Lula e do PT na indicação do candidato do Planalto à Presidência.Tarso vai disputar com Raul Pont a legenda petista para o governo do Rio Grande do Sul.

"Pós-partidário"


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A possibilidade de conseguir obter no Senado uma maioria tão forte que impossibilite a obstrução por parte da minoria republicana está fazendo com que a apuração das últimas vagas se transforme em uma disputa política tão acirrada quanto foi a campanha presidencial. E também coloca em xeque a política "pós-partidária" defendida pelo presidente eleito Barack Obama. O Partido Democrata já garantiu 57 cadeiras no Senado, estando a três vagas para atingir o número mágico de 60 representantes. Os três últimos estados a apurar os votos, inclusive com recontagem, têm os republicanos à frente, mas em Minnesota e no Alaska as diferenças estão diminuindo à medida que a recontagem avança. A vantagem de Norm Coleman em Minnesota caiu para apenas 204 votos, enquanto no Alaska o governador de Anchorage, o democrata Mark Begich, está atrás por apenas 3257 votos.

Os partidos estão enviando assessores e advogados para acompanhar os momentos finais, que parecem favorecer os democratas. A eleição na Geórgia passou a ser fundamental tanto para republicanos quanto para democratas, mas haverá um segundo turno no começo de dezembro.

O republicano Saxby Chambliss ganhou com menos de 50% dos votos e seu oponente Jim Martin é um típico democrata liberal, que daria a 60ª cadeira no Senado para seu partido.

A disputa é tão fundamental que o candidato derrotado John McCain está indo participar pessoalmente da campanha na Geórgia, enquanto o presidente eleito Barack Obama está enviando assessores próximos para ajudar Martin.

O empenho em obter o quórum necessário para neutralizar possíveis ações de obstrução dos adversários é mais do que normal, ainda mais em um momento de crise econômica tão grave que obrigará a aprovação de medidas em caráter de urgência.

Mas o acirramento da disputa pelo Congresso pode prejudicar um dos principais projetos de Barack Obama, a criação de um ambiente não-partidário que propicie um trabalho conjunto entre democratas e republicanos.

Obama ressaltou esse objetivo em seu discurso de vitória no Grant Park, em Chicago, na noite do dia 4 de novembro, falando sobre o que significa sua eleição: "Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis. Somos, e sempre seremos os Estados Unidos da América".

Esse mesmo tema havia sido usado por Barack Obama no discurso de 2004 na Convenção Democrata que o lançou como potencial candidato a presidente. Obama enfatizou no discurso de Chicago a crítica ao "partidarismo", que comparou à "mesquinharia" e à "imaturidade" que, segundo ele, "intoxicaram nossa vida política há tanto tempo".

Na sua noite, ele se lembrou de elogiar John McCain, o concorrente que derrotara, relevando os ataques, muitas vezes baixos, que sofreu durante a campanha, e elogiou o Partido Republicano, "fundado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional, (...) valores que todos compartilhamos".

E ressaltou que, embora o Partido Democrata tivesse conquistado uma grande vitória, tinha a determinação de "curar as divisões que impediram nosso progresso. Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões nos tenham colocado sob tensão, não devemos romper nossos laços de afeto".

Essa preocupação de ultrapassar as fronteiras partidárias e não se perder em picuinhas políticas menores está presente no pensamento de Obama muito antes da campanha eleitoral.

Em seu livro "A audácia da esperança", ele já afirmava, a respeito das disputas partidárias, que eram "esforços exaustivos", que roubavam "a energia e as novas idéias" necessárias para aproveitar as mudanças que a globalização enseja.

Nesse mesmo livro, ele afirma que, se os democratas tentarem perseguir "uma estratégia partidária mais acentuada", estarão dando mostras de que não entendem o mundo em que vivemos.

Assim como no Brasil o governador de Minas, Aécio Neves, está tentando construir uma candidatura à Presidência da República baseada na confluência de interesses entre o PT e o PSDB, e não nas diferenças, também Barack Obama baseou toda a sua estratégia política até chegar à Presidência na opção de encontrar pontos de convergência com os republicanos, sem deixar de criticar duramente os anos Bush.

E, com isso, conseguiu conquistar votos em estados tradicionalmente "vermelhos", além de atrair a atenção e obter o apoio dos jovens, que não se interessavam pela política colocada em termos de disputa partidária.

Durante as primárias, ele teve que disputar dentro do próprio partido em condições desiguais com a senadora Hillary Clinton, que era considerada a candidata oficial dos democratas.

Também aí ele se mostrou capaz de se impor sem criar obstáculos intransponíveis para uma reunião partidária durante a campanha final, que afinal está permitindo que ele use vários assessores de Clinton em seu grupo de transição. E pense em aproveitar até mesmo republicanos em sua equipe de governo.

Se os democratas conseguirem, no entanto, conquistar a 60ª cadeira no Senado, será preciso muito sangue-frio para impedir que a arrogância da vitória completa não tome conta do partido.

Talvez seja preferível para os objetivos de mais longo prazo do presidente Barack Obama que o republicano Saxby Chambliss seja confirmado na Geórgia.

Um século antes de Barack Obama


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A anedota é contada na revista "Courier", da Unesco, em um artigo de abril de 1951, que pode ser lido pela internet. O autor Alfred Metraux cita o relato de um viajante inglês ao Brasil em princípios do século 19, que admirou-se ao saber que determinado cidadão, mestiço, havia sido nomeado capitão-mor. "Ele era mulato, mas não é mais", teria explicado o interlocutor ao viajante. Diante da surpresa, complementou: "Antes de ser promovido, era. Mas um capitão -mor nunca pode ser mulato".

país sem maioria branca ou negra, no Brasil não houve a tensão racial explícita que matou Martin Luther King nos anos 60 e que construiu as políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos nas últimas décadas. Mas ergueu-se uma tradição de clareamento conforme a escalada da pirâmide. Uma mostra de fotos promovida pela Prefeitura de São Paulo no ano passado deixou evidente a estratégia que fez com que os não-brancos que romperam barreiras sociais jamais constituíssem uma elite parda. A mostra trazia fotos de negros ou pardos ilustres. Entre eles, o sétimo presidente da República, Nilo Peçanha.

Fluminense de Campos, Peçanha era vice-presidente e assumiu o cargo com a morte do titular Afonso Pena, em 14 de junho de 1909. Praticamente um século antes da vitória do também mulato Barack Obama nos Estados Unidos. Há evidências de que as fotos oficiais de Peçanha eram retocadas para que sua pele fosse clareada. Seu casamento com uma herdeira da aristocracia do açúcar no norte do Rio provocou escândalo e sua origem social e racial foi usada como acusação pelos inimigos políticos. Nilo Peçanha e sua família sempre negaram a mestiçagem.

Ainda que cor da pele tenha deixado de ser motivo de escândalo, a presença negra ou parda na elite política brasileira desde Nilo Peçanha é uma longa sucessão de casos isolados, pela falta de uma elite que se afirme como não-branca. Porto Alegre elegeu Alceu Collares em 1985 e São Paulo, Celso Pitta em 1996. Mas não houve, por exemplo, nenhum prefeito de capital eleito em outubro último com evidentes traços negros, ainda que o prefeito eleito de Manaus, Amazonino Mendes, goste de ser chamado de "negão". No horizonte político brasileiro, o negro com mais poder no país é o ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sem pretensões eleitorais conhecidas.

Barack Obama nunca foi o representante de uma cota, era o único senador negro nos Estados Unidos e ganhou as eleições sem usar a carta racial. Mas há quase um consenso sobre a importância das políticas de ação afirmativa para globalizar, em sentido cultural e étnico, a elite americana. O que pode se questionar é o resultado concreto destas políticas na redução da desigualdade social.

No Brasil, onde o racismo é um crime e a igualdade civil entre indivíduos independentemente de origem e cor é uma garantia constitucional há muitas gerações, construiu-se um modelo que dá longevidade às diferenças. Segundo dados compilados pelo jornalista Vinicius Vieira, mestrando em estudos latino-americanos em Berkeley, nos Estados Unidos e autor do livro "Democracia racial, do discurso à realidade", em 2002, antes portanto de qualquer política de cotas, 13,9% da população branca conseguia chegar à universidade, ao passo que apenas 3,8% da população negra o fazia. O desnível é gritante, mais impressionante, no entanto, era as porcentagens reduzidas, mesmo entre os brancos.

É provável que uma política agressiva de cotas faça esta porcentagem se multiplicar e torne a elite política e econômica brasileira menos dissonante da composição da base do país. É uma estratégia que traz o risco de racializar as tensões sociais e que não garante, por si, uma sociedade mais aberta do ponto de vista de oportunidades. Crítico da política de cotas, Vieira lembra que nos Estados Unidos as ações afirmativas não alteraram o fato de que as minorias negras e latinas vivem nas áreas mais pobres, estudam nas piores escolas, lotam as cadeias e conseguem baixa renda na idade adulta. A vitória de Obama, vindo de Harvard e não de Harlem, é um triunfo de natureza pessoal, e não étnica, e um indício de que a elite americana começa a se tornar multirracial. Não altera o fato de que os Estados Unidos, depois de trinta anos de políticas afirmativas, seguem sendo um dos mais desiguais, se não o campeão da desigualdade, entre os países do Primeiro Mundo.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias

Gato por lebre


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Numa solenidade para assinatura de contratos do PAC no Planalto, em 24 de junho, com Lula e Dilma Rousseff, dois aliados do governo foram destacados para falar em nome dos 27 governadores e dos milhares de prefeitos do país: o governador da Bahia, Jaques Wagner, do PT, e o prefeito de Manaus, Serafim Corrêa, do PSB.

Quatro meses depois, foram encerradas as eleições municipais, nas quais os dois grandes vitoriosos foram os governadores e os prefeitos candidatos à reeleição. Mas Jaques e Serafim andaram na contramão.

Jaques perdeu em Salvador, e Serafim foi o único candidato à reeleição nas capitais a dar com os burros n"água. Não foi por acaso. Na Bahia, Jaques vinha de uma espetacular e inesperada vitória para o governo em 2006 e se sentiu forte o suficiente para patrocinar um candidato próprio do PT contra o prefeito João Henrique, do PMDB. Trombou de frente com o trator Geddel Vieira Lima e perdeu.

Em Manaus, o PT e o PC do B passaram três anos aboletados na prefeitura, mas na eleição abandonaram o prefeito no sereno. O PT lançou um nome próprio, e o PC do B apoiou o candidato do governador Eduardo Braga. Os dois perderam já no primeiro turno e enfraqueceram Serafim para o segundo. Isolaram Serafim, o aliado, e deram a vitória a Amazonino Mendes (PTB), o verdadeiro adversário.

Cumpre-se assim o que Zé Dirceu diz e tenta curar há muitos anos: a arrogância petista de considerar aliança o que é a favor dele, não o que é a favor do outro. E isso deixa mágoas, carimbos e muitas vezes, como nos casos de Salvador e de Manaus, doídas derrotas.

A mágoa não é só contra o PT, mas contra o próprio Lula, que lavou as mãos, tirou foto com os adversários e ajudou a empurrar Serafim para o precipício. E também não é só de Serafim, mas do PSB -um dos partidos mais afinados com o governo nessa base aliada que é um saco de gatos, e de gatos direitistas.

Dinheiro, sim; controles, não


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O velho sábio que habitava esta Folha ficava indignado com os freqüentes pedidos de "papai, mande dinheiro", como ele designava os apelos do empresariado para que o governo os socorresse nos momentos de dificuldade (e, a bem da verdade, até nos momentos de facilidade).

Não tivesse morrido, estaria estupefato ante a quantidade de "filhos" que pedem dinheiro a "papai-Estado". E mais ainda ante a facilidade com que o Estado abre os cofres, de que dão prova, apenas a mais recente, os governadores José Serra e Aécio Neves.

O pior é que os "filhos" (no caso, os bancos) não se arrependem nem um tiquinho da overdose de ativos tóxicos que ingeriram e os levaram ao coma (e ao apelo a "papai").

Ao contrário. Comunicado do Instituto de Finanças Internacionais, que reúne cerca de 350 dos maiores bancos do mundo, louva os pacotes oficiais de auxílio ao setor , mas afirma, em seguida, que tais pacotes "não devem dar margem a um papel mais amplo e permanente do setor público no sistema financeiro internacional".

Tampouco querem uma regulação que lhes impeça de beber demais, porque "ameaçaria as perspectivas de reativar o crescimento da produção e dos empregos, ao estender ineficiências nos mercados globais".

É uma desfaçatez fora do normal, porque deixa de lado que foi o excesso de desregulação -e não o excesso de regulação- que causou a presente "ineficiência" (quase colapso) dos mercados globais.

A propósito, meu cardiologista -na verdade o médico da família, o napolitano Giuseppe Dioguardi- perguntava se depois de tanta doação de dinheiro público os governos ainda teriam coragem de negar dinheiro para a saúde, como fazem sistematicamente.

Ah, Beppe, santa ingenuidade. Esse "filho", a saúde, não financia campanhas eleitorais.

A divergência, reacesa, entre a Fazenda e o BC

Jarbas de Holanda

A reunião de representantes do G-20 ocorrida em São Paulo sábado e domingo, convocada às pressas para antecipar-se ao encontro dos chefes de governo de todos os países desse bloco, a se realizar em Washington no fim desta semana, em vez de confirmar a expectativa do presidente Lula de que, nela, os emergentes (à frente o Brasil) passariam a ter papel decisivo nas respostas à crise financeira global, ao invés disso terminou caracterizando-se como um fórum de discussões e sem produzir resultados concretos. O que, aliás, levou um dos seus promotores, o nosso ministro da Fazenda Guido Mantega a afirmar após o final do evento (desconstruindo por inteiro aquela expectativa): “Quem pariu Mateus que o embale”, ou seja, aos países ricos é que caberia solucionar a crise.

Mas a improvisada reunião do G-20 e seu desdobramento, segunda-feira, no encontro dos dirigentes de 40 bancos centrais tiveram também outro dividendo negativo: reacenderam divergências que estavam relativamente contidas ou abafadas entre o ministério da Fazenda e o Banco Central a respeito das respostas macroeconômicas do governo Lula aos efeitos da crise. Retomadas agora com forte explicitação pública pelas duas autoridades.

Seguem-se títulos e trechos de algumas das matérias dos jornais de ontem sobre tais divergências. Do Estado de S. Paulo – “BCs pedem cautela com gasto público. A posição é contrária à do ministro Guido Mantega, que defende o aumento de investimentos para estimular a economia”. No meio da reportagem: “Meirelles lembrou que o Brasil já tem seu Programa de Aceleração de Crescimento (PAC)”. Da Folha de S. Paulo – “BCs mundiais não endossam alta de gastos. Meirelles afirma que não houve comprometimento do G-20 em torno do aumento de gastos públicos e do corte de juros”. Ao longo do texto da matéria: “Um dia após o ministro Mantega anunciar, ao lado dos representantes da África do Sul e do Reino Unido, que os emergentes fecharam questão em torno da adoção de políticas fiscais expansionistas, o presidente do Banco Central brasileiro recusou-se a endossar tal idéia”. Do Globo: “Meirelles diz que país não deve ampliar gastos. Após Mantega admitir política fiscal mais flexível, presidente do BC diz que PAC já é remédio suficiente anticrise”.

No centro do conflito entre Mantega e Meirelles está o nível de gastos do governo. O qual seria ampliado, em vez de contido ou reduzido, com as políticas expansionistas defendidas pelo primeiro. E que, para o segundo, porque já está muito alto, não pode ser aumentado (por tais políticas) sem provocar mais pressões inflacionárias (além das que já são geradas pela expansão do consumo este ano e mantidas nos anos seguintes pelos elevados gastos públicos obrigatórios. A questão foi muito bem tratada no editorial da Folha, de ontem, com os seguintes títulos e chamada de abertura – “Mais disciplina fiscal” e “Se não atacar gastos obrigatórios, governo arrisca-se a sacrificar obras e a elevar tributos para adaptar-se à crise”.

Trechos do editorial: “Infelizmente, o setor público brasileiro, em especial o Executivo da União, desperdiçou grande parte do trunfo oferecido por vários anos excepcionais de arrecadação. A despesa com servidores federais fechará 2008 em R$ 133 bilhões, aumento de 10% acima da inflação em relação a 2007. Em franca ascensão, a folha de pagamentos vai ultrapassar a despesa com juros da dívida pública (R$ 104 bilhões) para tornar-se o segundo item do gasto federal, atrás apenas dos benefícios da Previdência. Salários, juros e Previdência, juntos, consomem 70% de todos os gastos da União. O engessamento orçamentário vai mais longe, pois entre os 30% restantes estão rubricas cujo dispêndio é garantido por determinação constitucional. Aumentos já concedidos a servidores, as recentes elevações de juros pelo Banco Central e mecanismos generosos de reajuste do piso previdenciário continuarão a empurrar a fatia de despesas obrigatórias para cima se nada for feito”.

Despesas de custeio versus investimento – “Quanto mais enrijecido o Orçamento, maior a probabilidade de o governo sacrificar seu programa de obras, para compensar uma quebra de arrecadação, comum em tempos de crise”. “O desejo quase religioso de preservar as obras do PAC, no governo Lula, não se tem feito acompanhar de iniciativas fiscais ousadas, capazes de dar concretude à promessa. É preciso golpear, e já, os três grandes itens de despesa fixa federal, a fim de que seu conjunto, no mínimo, pare de conquistar mais fatias do Orçamento nos próximos anos”. Conclusão: “O ritmo de crescimento da folha de pagamentos do funcionalismo público – nos três Poderes e nas três esferas administrativas – precisa ganhar um limite legal. Seria também um incentivo a mais para que o governo Lula se distanciasse um pouco dos lobbies sindicais a fim de encarar os ganhos de eficiência na gestão pública como objetivo sistemático”.