terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A vida sem bolhas

Paul Krugman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Faça a nova administração o que fizer, durante meses, um ano até talvez, um inferno econômico nos espera. Depois disso, as coisas devem melhorar à medida que o plano econômico do presidente Obama - ok, me disseram que o termo politicamente correto é agora “plano de recuperação econômica” - começar a ganhar tração. No fim do próximo ano, a economia deve começar a se estabilizar, e estou bastante otimista com 2010.

Mas, o que virá depois? Neste momento, todos estão falando em, por exemplo, dois anos de estímulo econômico - o que faz sentido como um horizonte de planejamento. Boa parte dos comentários econômicos que tenho lido supõe, contudo, que isso será realmente tudo que precisaremos - que tão logo o surto de gastos deficitários reverter a situação econômica, poderemos voltar rapidamente aos negócios como sempre.

A verdade, porém, é que as coisas não poderão simplesmente voltar ao que eram antes da crise. E eu espero que o pessoal de Obama compreenda isso. A prosperidade de anos atrás, tal como era - os lucros eram fabulosos, os salários nem tanto -, dependia de uma bolha imobiliária enorme, que substituiu uma bolha enorme anterior nas ações. E, como a bolha imobiliária não voltará, os gastos que sustentaram a economia também não voltarão.

Para ser mais específico: a recessão imobiliária severa que estamos vendo acabará terminando, mas o imenso boom imobiliário da era Bush não se repetirá. Os consumidores terminarão recuperando parte de sua confiança, mas não gastarão como fizeram no período 2005-2007 , quando muitas pessoas usavam suas casas como caixas eletrônicos, e a taxa de poupança caiu para quase zero.

Então, o que sustentará a economia se consumidores cautelosos e proprietários de imóveis desanimados não estiverem à altura?

Alguns meses atrás, uma manchete no jornal satírico The Onion, de Nova York, na mosca como sempre, ofereceu uma resposta possível: “Nação abalada pela recessão pede nova bolha para investir”. Alguma novidade poderá surgir com a demanda privada de combustíveis, gerando talvez um boom no investimento industrial. Mas esse boom teria de ser enorme, elevando o investimento industrial a uma porcentagem sem precedente do PIB, para tapar o buraco deixado pela retração dos consumidores e do setor imobiliário. Embora isso possa acontecer, não parece algo com que se deva contar.

Um caminho mais plausível para uma recuperação sustentada seria uma redução drástica do déficit comercial americano, que cresceu no mesmo ritmo da bolha imobiliária. Ao vender mais a outros países e gastar mais de nossa renda em bens fabricados nos EUA, poderíamos alcançar o pleno emprego sem um boom nos gastos de consumo ou de investimento.

Mas provavelmente levará muito tempo para o déficit comercial cair o suficiente para compensar o estouro da bolha imobiliária. Uma razão é que o crescimento das exportações, após vários anos bons, estagnou, em parte porque investidores internacionais nervosos, correndo para ativos que ainda consideram seguros, provocaram um aumento do valor do dólar ante outras moedas - tornando a produção americana menos competitiva.

Ademais, mesmo que o dólar torne a cair, de onde virá a capacidade para um aumento das exportações e da competição com importações? Apesar do crescimento do comércio de serviços, a maior parte do comércio mundial ainda é de bens, especialmente manufaturados - e o setor manufatureiro americano, após anos de negligência em benefício dos setores imobiliário e financeiro, está defasado.

Seja como for, o resto do mundo poderá não estar pronto para lidar com um déficit comercial americano drasticamente menor. Como assinalou meu colega Thomas Friedman, boa parte da economia da China, em particular, foi construída em torno da exportação aos EUA, e terá muita dificuldade de mudar de rumo. Em suma, chegar ao ponto em que nossa economia possa prosperar sem amparo fiscal poderá ser um processo árduo e prolongado. E, como eu disse, espero que a equipe de Obama compreenda.

Neste momento, com a economia em queda livre e todos aterrorizados com a Grande Depressão 2.0, os adversários de uma forte resposta federal estão encontrando dificuldade para angariar apoio. John Boehner, o líder republicano na Câmara, ficou reduzido a usar seu website para procurar “economistas americanos credenciados” dispostos a incluir seu nome numa lista de “céticos com gastos de estímulo”.

Mas tão logo a economia tenha se recuperado um pouco, haverá muita pressão para a nova administração recuar. E, se a administração ceder cedo demais, o resultado poderá ser uma repetição do erro que Franklin Roosevelt cometeu em 1937 - o ano em que ele cortou gastos, elevou impostos e ajudou a afundar os EUA numa recessão grave.

*Paul Krugman é articulista

Máquina do tempo quebrada

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Outro dia acionei a máquina do tempo e passei cinco horas em uma sessão especial do filme "Che", de Steven Soderbergh, quase ao mesmo tempo em que, na Bahia, saídos da mesma máquina, líderes latino-americanos faziam as honras para a entrada de Cuba em uma organização regional que pretende ser o contraponto da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na tela, o irmão-ditador Raúl Castro é vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, que se diz honrado com o papel. Nem o personagem deveria honrá-lo, nem o papel, que é secundário.

Assim como as homenagens que Cuba recebeu no resort baiano, o filme é uma ação entre amigos, uma elegia ao herói romântico, totalmente desprovido de análise histórica ou perspectiva. Tem duas partes, "O Argentino" e "Guerrilha", com um intervalo entre elas, como nos filmes épicos da minha juventude como "Ben Hur".

O Che Guevara de Soderbergh tem apenas a asma como sinal de um ser humano, e mesmo assim para dignificar sua capacidade de superação dos obstáculos que enfrenta. O filme pode ser comparável a uma T-Shirt com a foto de Korda estampada; não passa de uma propaganda do mito guerrilheiro.

O médico argentino, que se une a um pequeno grupo liderado por Fidel Castro no México para derrubar o ditador Fulgêncio Batista e tomar o poder em Cuba, não comete um erro, tem sempre a palavra certa, o gesto generoso, um revolucionário 24 horas por dia, sempre do lado certo.

Quando, na selva, fuzila dois guerrilheiros que desertaram e começaram a cobrar dinheiro dos camponeses e a molestar suas filhas, Guevara o faz em defesa dos pobres e da pureza da revolução.

Quando, já vitorioso, afirma na tribuna da ONU que a revolução cubana continuará fuzilando seus inimigos, está defendendo a vitória do povo cubano.

Naquelas cinco horas, preso na máquina do tempo, é possível emocionar-se com algumas cenas, e até mesmo lamentar que os pobres bolivianos sejam tão passíveis de manipulação pelo governo da ocasião a ponto de não seguirem Guevara na sua marcha libertadora.

Mas, saindo da máquina do tempo, a realidade de Cuba hoje só permite nostalgia do que "poderia ter sido e não foi". Recentemente, estive com Regis Debray, um dos mais influentes intelectuais franceses da atualidade, que foi o teórico da guerrilha boliviana.

Preso por três anos, quer distância da América do Sul e tem uma visão crítica da situação política, embora diga que gosta tanto de Lula quanto de Chávez. Ele diz, por exemplo, que "trocamos o messianismo do comunismo pelo messianismo religioso islâmico-cristão; norte-americano ou muçulmano". Irônico, comentou: "Não diria que esse foi um progresso".

Debray não considera a chegada do indígena Evo Morales ao poder uma continuidade do movimento de guerrilha de que participou nos anos 1960 junto com Che Guevara, e admite que "naquela época não levamos em conta o fator étnico dos aymaras e queixuas. Foi um erro, não estávamos inseridos suficientemente dentro da realidade social e cultural da Bolívia".

Debray acha que "é preciso desejar" que se produzam mudanças políticas em Cuba, mas diz que "o essencial da revolução em termos sociais e educativos" deve ser mantido.

Por mais cuidadoso que tenha sido em seus comentários sobre Cuba, Debray foi mais audacioso na crítica subentendida do que os dirigentes latino-americanos que fizeram a festa anacrônica para a entrada de Cuba num simulacro de organismo regional, sem que ao menos uma palavra de incentivo à democracia tenha sido pronunciada.

Uma atitude anti-americana quase juvenil para políticos velhos de guerra, e justamente às vésperas de Barack Obama assumir a presidência dos Estados Unidos.

Houve de tudo na reunião, desde a louvação pela entrada de Cuba no Grupo do Rio como um gesto de independência da América Latina, quanto a bravata de Evo Morales, ameaçando com a retirada de embaixadores caso o novo governo dos Estados Unidos não acabe com o embargo contra Cuba.

Nenhuma palavra acerca dos presos políticos da ditadura cubana, nenhum protesto contra o desrespeito aos direitos humanos na ilha de Fidel. Por que não fazer pelo menos como os chanceleres da União Européia, que levantaram as sanções diplomáticas impostas em 2003, mas impuseram condições.

Se dentro de um ano as "reformas" insinuadas por Raúl Castro não se mostrarem eficazes e a ilha não estiver realmente no rumo da democracia, o assunto será revisto. Só mesmo enclausurados em uma máquina do tempo é possível esquecer que Fidel Castro, em 2003, ordenou a prisão de 75 dissidentes políticos, e a execução sumária de três cubanos que pretendiam fugir para os Estados Unidos.

E não é preciso ser adversário político para cair nas malhas da ditadura cubana. Há o exemplo infamante para nós do pugilista Erislandy Lara, que, nos Jogos Pan-Americanos, pediu asilo ao Brasil e foi recambiado para Cuba por ordem do governo brasileiro. Fugiu novamente, e hoje está na Alemanha.

E há o escritor Reinaldo Arenas, cuja homossexualidade foi considerada um "desvio de conduta" e um rompimento com a ditadura castrista, que o enviou para um campo de reeducação da UMAP (Unidad Militar de Ayuda a la Producción).

Seu depoimento diz tudo: "Minha infância e minha adolescência transcorreram sob a ditadura de Batista e o resto de minha vida sob a ditadura ainda mais feroz de Fidel Castro; jamais seria um verdadeiro ser humano, no sentido mais completo da palavra".

Se a chegada à Presidência de Barack Obama pode ser considerada um avanço histórico na democracia dos Estados Unidos, o que dizer da inclusão de Cuba no Grupo do Rio? A máquina do tempo quebrou na América Latina

Palavra de presidente

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No café da manhã em que se reuniu com os repórteres credenciados no Palácio do Planalto, quinta-feira da semana passada, o presidente Luiz Inácio da Silva reafirmou a tendência de patrocinar o nome da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para sua sucessão, mas não traçou um perfil exatamente generoso da pretensa candidatura.

A julgar pela versão de Lula, Dilma ainda tem léguas a percorrer antes de se tornar uma candidata competitiva. Em 2010.

Candidaturas bem-sucedidas - descontadas as exceções que confirmam a regra, diga-se logo para contraditar a inevitável lembrança de Fernando Collor - precisam ter um forte componente de naturalidade.

Nomes impostos, mesmos os conhecidos, em geral tendem ao fracasso. A Dilma descrita por Lula naquele encontro é uma candidata artificial. Tomemos como verdadeiras as palavras do presidente.

Segundo ele, os dois nunca conversaram sobre a hipótese da candidatura, o que significa que as cartas não estão postas na mesa pouco mais de um ano antes do início da campanha de um personagem ainda desconhecido por 48% dos brasileiros, não obstante a exposição quase diária da “mãe do PAC” durante 2008 todo.

Lula informou que, por enquanto, Dilma Rousseff está “em teste” junto à população, ao mundo política e sob a observação pessoal dele. “Estou vendo como ela se comporta.”

Testes são adequados a produtos, mercadorias, algo que se pretende lançar no mercado. Pessoas que precisam ser escolhidas por outras pessoas necessitam transmitir confiança, empatia ou representar algo capaz de mobilizar a razão ou a emoção do eleitorado.

Por exemplo: Fernando Henrique Cardoso em 1994/1998 mexeu com o racional; Luiz Inácio da Silva em 2002/2006 buliu com o emocional do brasileiro.

A Dilma Rousseff retratada naquele café da manhã por Lula assemelha-se a uma peça recém-fabricada na fase de testes, embora, como ele diz, “tecnicamente” perfeita. É de se perguntar quais seriam os atributos “técnicos” de um candidato a presidente da República e se Lula dispõe dessas características.

Está bem, o atual presidente é um caso à parte, admitamos. Mesmo assim, Lula ainda mostra lacunas na sua predileta. Acha que ela precisa ter mais disposição para “tratar com jornalistas, dar mais entrevistas”, pois só o “gabarito” profissional na ministra não basta para ganhar uma eleição.

“Assunto”, acrescenta ele, para tratar nessas entrevistas não falta a Dilma Rousseff. É possível que a ministra da Casa Civil esconda suas qualidades de boa conversadora e de pessoa de bom trato.

Por ora, consegue levar platéias inteiras ao sono solto em suas apresentações “técnicas” de balanços do PAC ou provocar absoluto terror de uma reprimenda súbita naqueles que tiveram oportunidade de acompanhá-la nas explicações sobre o dossiê FHC, de uma rispidez à prova de qualquer teste.

Não são os adversários que esquadrinham o perfil da ministra em busca de defeitos. É o próprio presidente quem aponta o árduo e longo trabalho a ser feito com Dilma Rousseff antes que ele possa ter na ministra uma candidata para chamar de sua. Pelo menos uma à altura da tarefa de conquistar a maioria dos 130 milhões de corações votantes.

Retrato fiel

O deputado Ciro Gomes deu uma entrevista para a edição de domingo do Globo, afirmando sua independência em relação ao PT na eleição de 2010, “se necessário for”.

Uma irrelevância, considerando a distância dos acontecimentos. Como ele mesmo diz, “tudo o que se vê hoje é uma remotíssima pista daquilo que provavelmente ocorrerá”.

Relevante de fato foi a análise feita pelo deputado a respeito do funcionamento do Poder Legislativo, da escala de prioridades vigente principalmente na Câmara e nos critérios de escolha para a ocupação de postos-chave.

Diz Ciro Gomes: “Na Câmara há uma seleção às avessas. Quanto mais mérito alguém tem, mais irrelevante é. Um exemplo: a Comissão de Constituição e Justiça tem entre seus quadros o ex-governador Roberto Magalhães, Ibsen Pinheiro, Flávio Dino. Todos brilhantes. E a CCJ, por esse acordo PT-PMDB e por essa hegemonia moral estranha, escolheu o jovem Leonardo Picciani e, em seguida, Eduardo Cunha. Isso está errado. É grave que os melhores, os mais sérios, os mais qualificados sejam preteridos, num coletivo onde se ajuíza o futuro da nação, por aqueles que não têm os mesmos dotes.”

E por que essa situação? Quis saber o jornal.

“Porque não se tem hegemonia moral e intelectual. O que preside a hegemonia hoje é a fisiologia, é a repartição de privilégios. É uma panelinha que escolhe entre si.”

Ciro Gomes provavelmente contratou mais inimizades internas. Em compensação, ajudou o público externo a compreender um dos motivos pelos quais o Congresso continua a surpreender em sua inesgotável capacidade de dar de ombros aos cidadãos que deveriam representar.

Lula esperava mais da candidata Dilma

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) termina o ano com um desempenho nas pesquisas de opinião abaixo daquele esperado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando resolveu promover seu nome à sucessão de 2010. Para o nível de exposição a que submeteu a ministra ao longo de 2008, o presidente esperava por alguma coisa mais robusta. Quase a metade dos brasileiros nunca ouviu falar de Dilma.

Alguns governadores mais próximos já haviam percebido o desapontamento do presidente. Mas na entrevista que concedeu no fim de semana ele deixou claro que espera por mais ação da ministra. Disse que ela dispõe do tempo e dos meios para se tornar conhecida. Só precisa ter disposição para usá-los. É o que Lula quer de Dilma, do PT e dos aliados.

Lula ainda tem na ministra da Casa Civil a candidata preferida para 2010. Além da predileção do presidente, Dilma já é o nome do PT mais bem situado nas pesquisas de opinião, mesmo vagando na faixa dos 10% das intenções de voto. Até para Lula, presidente popular, seria difícil começar tudo de novo em torno de outro nome, como demonstram as dificuldades para tornar Dilma conhecida e apresentá-la como a continuidade do atual governo.

Atualmente não existe no PT, no momento, um nome capaz de rivalizar com o da ministra. Havia, até bem pouco tempo, o do ex-ministro e deputado Antonio Palocci, na hipótese de o Supremo Tribunal Federal (STF) enviar para o arquivo a denúncia do Ministério Público Federal por quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Mas a crise econômica mudou a situação de Palocci no PT.

O PT engolia a política econômica de Palocci porque ela apresentava resultados, nos últimos dois anos, na forma de um crescimento econômico acima dos 5%. No ambiente de crise, com a desaceleração da economia, talvez recessão, o partido terá muitas dificuldades para aceitar as receitas ortodoxas do ex-ministro da Fazenda. O mesmo ocorre em relação aos aliados históricos do PT, como o PCdoB e o PSB.

Atualmente Palocci é o nome do PT ao governo do Estado de São Paulo, sempre na hipótese de escapar no Supremo. O deputado e ex-ministro da Fazenda tem apoio empresarial forte em São Paulo, pode fazer uma campanha com estrutura e servir de "âncora" para a própria candidatura de Dilma Rousseff no maior colégio eleitoral do país.

Mas Dilma precisa avançar em 2009 a uma velocidade maior que em 2008. A receita pública de Lula é que "ela precisa ter mais disposição para dar entrevista". Segundo o presidente, "assunto é o que não falta". Em conversas no Palácio do Planalto, Lula tem mencionado outros meios.

Em encontro recente com a bancada do PCdoB, Lula lembrou-se do caso Roseana Sarney, cujo nome, para as eleições de 2002, o então PFL trabalhara ao longo do ano anterior nos programas de televisão do partido.

Em pouco tempo ela chegou à casa dos 30% das intenções de voto, "um negócio impressionante", até ser abatida pelo "Escândalo Lunus" - como ficou conhecida a operação da Polícia Federal que apreendeu R$ 1,3 milhão, que seria destinado à campanha da pefelista, no cofre de uma empresa da família.

De acordo com a análise de Lula ao PCdoB, Dilma ainda não é candidata e nem apareceu como candidata a presidente da República. Quando isso ocorrer, e se for feito um esforço semelhante ao que o ex-PFL despendeu com Roseana, o presidente diz acreditar que o desempenho da ministra vai melhorar. Bastante.

Essa é uma decisão que tem de ser tomada logo pelos partidos. Mas o próprio PT não formalizou coisa alguma. Os aliados tradicionais como PCdoB e PSB olham para o quadro que Lula desenha, percebem claramente que Dilma é uma candidatura ainda em construção e se perguntam: e se essa candidatura não vingar, como, aliás, acreditam que até agora não vingou?

Se isso ocorrer, o campo lulista fica sem outra alternativa, porque embora vez por outra o presidente insinue que vai testar outros nomes, é com Dilma que ele anda a tiracolo.

O PCdoB vislumbra essa possibilidade como bastante plausível e vê no deputado Ciro Gomes a alternativa a ser apresentada pelo Bloco de Esquerda. Duas vezes candidato (1998 e 2002) Ciro tem "recall" e possibilidade de crescimento rápido nas pesquisas. Precisa ser lançado. O PSB, seu partido, acha que não é hora.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

"Olha a crise!"

Carlos Heitor Cony
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Um desocupado contou e colocou na internet um dado inquietante: nos últimos tempos, a palavra "crise" é a mais repetida em jornais e revistas de todas as partes do mundo. Não sei como ele chegou a esta inútil descoberta, mas dou-lhe razão: todos falam na crise e a evocam para justificar isso ou aquilo.

Não chega a ser novidade. Nos anos 60, eu morava no Posto Seis, em Copacabana. Todos os dias acordava com um cara que andava pelas ruas gritando: "Olha a crise! Olha a crise!" Escrevi um texto para o "Correio da Manhã" (Rio) e para a Folha, que então publicava minhas crônicas.

Transcrevo o trecho que incluí num livro dedicado exatamente àquela parte final da praia:

"O morador mais importante do Posto Seis é o bardo Carlos Drummond de Andrade. E o menos importante é um sujeito que sai pelas ruas gritando: "Olha a crise! Olha a crise!". Nunca e ninguém olharam para a crise que o cara anuncia apavorado e inutilmente."

No dia em que a crônica foi publicada, o poeta, que era meu vizinho de bairro e colega de Redação, escreveu-me um bilhete pedindo uma correção: o morador mais importante do Posto Seis não era ele, Drummond, mas o sujeito que andava pelas ruas do bairro pedindo que tomássemos conhecimento da crise.

Os tempos até que eram calmos naquele distante ano. Bem verdade que, pouco tempo depois, a coisa engrossou, tivemos (e fomos forçados a olhar) uma crise político-militar que desaguou num golpe de Estado. Por coincidência, o cara desapareceu das ruas.

Mas não era essa, exatamente, a crise que o sujeito anunciava pelas ruas. Devia ser uma crise pessoal e antiga que ele proclamava aos berros. Que ficássemos atentos para evitar que cada um de nós fossemos para as ruas fazer o mesmo.

Bom emprego!

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O meu melhor voto neste Natal é justamente esse: bom emprego! A coisa está feia, sem sinais de que vá melhorar. Ruas de comércio e shoppings estão cheios em grandes e pequenas cidades, como sempre, mas as sacolas parecem bem vazias, como raramente nesta época do ano.

Isso indica que o medo e a desconfiança, que começaram pelos mercados e avançaram pela produção, começam a atingir o consumo.

Como disse ao "El País" Miguel Angel Fernández Ordoñez, do Banco da Espanha, a desconfiança é total, o que gera um círculo vicioso: "Os consumidores não consomem, os empresários não contratam, os investidores não investem, e os bancos não emprestam. Há uma paralisação quase total, nada escapa".

As previsões parecem cada vez mais sombrias. Em 2008, os EUA perderam mais de 10 milhões de postos de trabalho, 533 mil só em novembro, e a taxa de desemprego bateu em 6,7%, a pior desde 1974, quando o país vivia uma recessão. E é só o começo.

No Brasil, 2008 foi um bom ano para a economia e, portanto, para os empregos. Mas o que era bom começou a ficar ruim, mais de 40 mil empregos acabam de evaporar, as previsões de crescimento para 2009 não param de cair e o próprio ministro do Trabalho, Carlos Lupi, admitiu, na direção oposta do que diz o presidente da República, seu chefe, que as perspectivas de emprego não são nada animadoras.

Lula mandou todo mundo gastar, mas Lupi previu, em entrevista à Folha, um primeiro trimestre "brabo", o que soou assim: fechem bolsos e carteiras agora, porque vocês podem precisar muito amanhã.

O tempo dirá quem tem razão, se o FMI, o Banco da Espanha, o ministro do Trabalho ou Lula. Pelo sim, pelo não, você não deve abusar.

Ótimo Natal, mas sem exagero. E não se esqueça de pedir ao Papai Noel o melhor presente para você e para sua família: manter a poupança. E os empregos.

Emprego formal tem a primeira queda em 6 anos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Excetuando dezembros, dados do Caged indicam alta desde 2002; em novembro, recuo foi de 0,13%

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado ontem pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, revelou que em novembro o emprego com carteira assinada caiu 0,13% em relação a outubro. A perda foi de 40,8 mil vagas, invertendo a expansão nos dez meses anteriores.

Esse foi o primeiro resultado negativo no governo Lula, sem considerar os meses de dezembro, quando é normal haver um número alto de demissões, principalmente de trabalhadores temporários.

O setor automobilístico e a agricultura foram os principais responsáveis pela diminuição no número de postos de trabalho, que não era verificada desde 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. “Essa queda é um reflexo direto da crise. Perder 40 mil empregos não é bom, mas comparado ao efeito da crise no mundo é insignificante”, disse Lupi.

O resultado de novembro levou o ministro a reduzir de 2 milhões para 1,85 milhão a previsão de criação de empregos com carteira assinada no País em 2008. O ministro explicou também que, nos meses de outubro, novembro e dezembro, o setor agrícola demite porque não há plantio nem colheita. No mês passado, foram 50 mil demitidos na área rural.

A indústria, tradicionalmente, não apresenta crescimento da oferta de emprego nesses últimos meses do ano. Mas especificamente em 2008 houve queda de 80 mil empregos no setor em novembro. Essa diminuição foi compensada com números positivos do comércio, com 78 mil empregos, e do setor de serviços, com 40 mil empregos.

Lupi ressaltou, no entanto, que, mesmo com a revisão na meta de abertura de empregos para este ano, o País baterá o recorde na produção de novos postos de trabalho, que é do ano passado, quando foi criado 1,617 milhão de vagas.

O ministro disse acreditar que a queda na geração de empregos em dezembro não será tão forte quanto a verificada nesse mês em anos anteriores, quando se registrou uma perda média de 300 mil postos de trabalho.

Segundo o ministro, neste ano, houve uma antecipação de demissões. Até novembro, a geração foi de 2,1 milhões de novas vagas, com um saldo de 31,07 milhões de trabalhadores com carteira assinada.

O ministro também rebaixou sua previsão de novos empregos formais para o próximo ano. No mês passado, ele havia apostado que, em 2009, seria criado 1,8 milhão de novos postos de trabalho. Mas ontem previu 1,5 milhão de novos empregos. Segundo ele, o crescimento será pequeno nos meses de janeiro e fevereiro, mas será retomado mais fortemente no mês de março.