domingo, 15 de fevereiro de 2009

Werneck Vianna: ''PT recuperou era Vargas; Lula é um Getúlio há tempos''

Wilson Tosta, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Luiz Werneck Vianna: cientista político do Iuperj; Força vem de prestígio e de instrumentos como BNDES e Petrobrás, que ajudarão a amenizar efeito da crise, diz Werneck

Mesmo com a crise econômica, mecanismos do Estado brasileiro, como o BNDES e a Petrobrás, darão fôlego ao governo e reforçarão o potencial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de fazer a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua sucessora. A análise é do cientista político Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj). O pesquisador vê no discurso otimista de Lula e na sua proximidade dos pobres os motivos para a sua popularidade. "O PT recuperou a era Vargas. O Lula é um Getúlio. Há muito tempo", diz. "Getúlio não elegeu Dutra?" Ele alerta, porém, que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), é "um osso duríssimo de roer".

Estamos diante de uma conjuntura política nova, com a crise econômica. O que isso aponta para 2010?

Estamos diante de uma catástrofe, não há como recusar isso. Milhões de pessoas desempregadas, diminuição da riqueza mundial... Agora, aqui na periferia, no mundo emergente, isso que ocorreu era o desejado. De que se trata hoje? De regular. Regular o sistema financeiro mundial, cada sistema nacional. Com o tema da regulação, a presença da política.

O neoliberalismo está fora das alternativas políticas?

Creio que está fora. O que não quer dizer que as concepções de extremação da presença política na economia retornem.

Para o Brasil o que isso aponta?

Acho que estamos muito bem equipados, por motivos históricos determinados. A presença do público, aqui, sempre foi muito forte. Mesmo os anos de desmonte, das tentativas de desmonte da chamada era Vargas, ficaram na superfície, não foram aprofundadas. Começou com Collor, seguiu com Fernando Henrique, de algum modo continuou com Lula, mas a tradição da presença do público na sociedade brasileira foi preservada. E além do mais, a crise financeira nos anos 90 fez com que criássemos antídotos, que agora estão se demonstrando extremamente eficazes. Temos um mercado interno que cresce, não precisa de muito para crescer, porque uma boa parte dele está situado na base da pirâmide. O Bolsa-Família intensifica o consumo, o aumento do salário mínimo intensifica o consumo... O fato é que não vendemos nem o Banco do Brasil nem o BNDES. E temos a Petrobrás. E tem um presidente que ganhou a confiança da população. Que, no meio dessa crise, se comporta no sentido de inspirar segurança, confiança. E está comprometido com a defesa do emprego e a sua ampliação.

Como o PMDB, à frente do Senado e Câmara, pode agir na sucessão?

Ele é parte dessa história boa.

Mas ele não é associado ao atraso?

Eu sei. Aliás, o atraso é questão altamente sensível e estratégica na sociedade. Em linguagem fácil, rápida, quem tentou romper com ele perdeu.

Por exemplo?

Collor. Fernando Henrique não tentou. Lula não tentou. A questão aqui é quem dirige o atraso. Se o atraso assume a direção, aí, realmente, não há o que fazer. Mas desde Vargas ele não assume. O PMDB é uma força política regional, fisiológica, tudo isso que se diz é um pouco verdadeiro e às vezes muito exagerado. Mas o PMDB é uma escora na defesa dessa tradição do público na sociedade brasileira. Possivelmente, não teríamos essas instituições que hoje estão nos defendendo se o PMDB não fosse um personagem tão presente na vida republicana recente. Agora, ao lado disso, o PMDB é um partido muito difícil de administrar. Mas não está postulando a Presidência até agora.

Por que um partido grande como o PMDB não lança candidato?

O PMDB deixou de ser um partido nacional. Os seus líderes são regionais, como o Geddel (ministro da Integração).

Mas tem um potencial enorme de influir na sucessão e no governo...

Aumentou. Mas é o que dá um partido como o PT ir ao governo e não realizar o seu programa. Teve de se aliar aos outros para realizar um programa descoberto no meio do caminho. O programa do primeiro mandato não era esse que está sendo realizado. O PT recuperou a era Vargas. O Lula é um Getúlio. Há muito tempo.

Está cada vez mais popular...

Getúlio também foi, não?

O que dá lastro a isso?

A ida ao social, como Getúlio foi, aos pobres, aos sindicatos, a maneira apaixonada através da qual Lula faz isso. É claro que ninguém atendeu melhor aos empresários e às finanças que ele. Mas não tirou de um lado para dar para o outro. Deu para os dois lados.

A popularidade dele é, digamos assim, "transmissível"?

Ah, é. De certo modo, é.

Dilma, então, é candidata forte?

É. Getúlio não elegeu Dutra? Agora, Serra é um osso duríssimo de roer.

Na sua avaliação, qual vai ser o peso do presidente na sucessão?

Do jeito que ele está se comportando, se o navio tiver de afundar, ele quer morrer que nem um almirante batavo: afundar com o navio. Mas o navio não vai afundar. Vai sofrer abalos, talvez severos. Mas, volto à minha argumentação: temos algumas defesas. E nosso mercado interno pode nos segurar.

Então, o presidente Lula será um ator importante em 2010?

Ah, certamente.

Decisivo?

Não sei se ele garante a vitória do seu candidato ou candidata. O outro lado é muito forte e vem de um Estado muito poderoso. Se Serra conseguir fechar São Paulo... O risco para Serra é Minas escapulir.

A briga, que já rachou a bancada tucana, pode prejudicar Serra?

Pode. A candidatura Aécio-PMDB não existe.

Como fica o PT?

O PT se programou por 20 anos. Teve contratempos. Ficou sem candidato, está inventando a Dilma. Candidato inventado, que nunca passou pelo teste das urnas, é candidato com dificuldades. Como a Dilma vai se comportar, provocada por jornalistas? Não se sabe. Não tem treino.

Isso não torna a participação de Lula ainda mais fundamental?

Sem dúvida. Ela, por si só, nunca teve perfil para isso, nunca se pensou. Mas é o projeto "desde garotinho" do Serra.

Mas em qual quadro?

Está todo mundo chamando atenção para o PMDB. Mas, e PT e PSDB, que estão cada vez mais parecidos e cada vez mais rivais? O enigma é: por que não se aproximam mais?

Por causa da briga em São Paulo?

O Lula já se desprendeu disso. Aliás, se desprendeu do PT. O presidente governa o partido. Agora, com relações cada vez mais doces com o governador de São Paulo.

Luiz Werneck Viana: Formado em Ciências Sociais e Direito. Mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), é atualmente pesquisador da instituição. É, também, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Tem pós-doutorado pela Università Degli Studi di Milano, U.D.S.M., Itália

Oposição empacada

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O caso do PAC paulista é exemplar da incapacidade da oposição de se opor ao governo do presidente Lula, até mesmo pela irritação que causa ao governador José Serra a comparação. Se é possível uma crítica à política de Lula para enfrentar a crise econômica internacional, é justamente em relação às supostas obras de infraestrutura que ajudariam a criar empregos. Além de não representar aumento significativo dos investimentos do governo federal, que continuam na casa do 1% do PIB há anos, com ou sem Programa de Aceleração do Crescimento, a maioria das obras é municipal ou estadual e estavam previstas muito antes da crise e até mesmo muito antes de serem reempacotadas pelo governo federal, num programa puramente eleitoreiro.

Pois não é que o governo de São Paulo resolveu lançar seu próprio PAC, antecipando obras que já estavam anunciadas, numa demonstração de que o programa federal estaria na direção correta? As obras do Rodoanel e do metrô paulista estão incluídas nos dois PACs, numa duplicidade de verbas e de criação de empregos que só tem efeito publicitário.

A incapacidade de fazer oposição de maneira objetiva está exposta também na acusação de que, ao alongar as dívidas das prefeituras com o INSS, o governo federal estaria rompendo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ora, como autores da lei, os tucanos deveriam saber que o que ela proíbe é a renegociação de dívidas de financiamentos, e há pareceres dizendo que a contribuição previdenciária é uma dívida tributária que pode ser prorrogada, assim como já o foi em vezes anteriores, até mesmo no governo de Fernando Henrique.

O que a oposição devia falar é que isso não vai resolver em nada a situação das prefeituras, especialmente das pequenas. O problema é que as prefeituras têm uma dependência muito grande do Fundo de Participação dos Municípios, que é formado por um percentual da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esses dois impostos foram muito bem nos últimos anos porque a economia cresceu, e a arrecadação cresceu mais ainda em cima de lucro do setor financeiro, que melhorou muito o Imposto de Renda, e vendas da indústria automobilística e exportação, que melhoraram o IPI. O setor da construção civil e o comércio atacadista são outros setores que foram muito bem.

A arrecadação de IR e IPI aumentou muito, mas, quando a crise veio, pegou justamente esses setores que estavam crescendo mais. A arrecadação vai ser atingida gravemente, já está desabando. De concreto, o que eles tinham que fazer é cortar despesas, coisa que, aliás, vários prefeitos anunciaram, e Lula foi para a televisão dizer que eles estavam errados. Se não cortarem despesas, e a receita não entrar, o que fazer?

O governo poderia utilizar o PAC para aliviar o orçamento dos estados e prefeituras, mas, para garantir os efeitos políticos, centraliza a verba na Casa Civil sob o comando da ministra Dilma Rousseff.

A distância entre o discurso e a realidade, entre o anúncio e a efetiva execução, tem na ineficiência administrativa e gerencial do governo federal a explicação mais evidente.

Os dados oficiais mostram que o que mais melhorou no ano passado foram os repasses para estados e municípios. Essas transferências de verbas devem estar respondendo por quase 40% do PAC, e os estados e municípios sabem fazer obras mais rápido e melhor do que o governo federal.

O problema do governo é que, ao centralizar as verbas, com fins políticos, ele perde a eficiência econômica. O Ministério das Cidades, do Marcio Fortes do PR, por exemplo, é muito mais eficiente no repasse para as prefeituras.

O governo federal tem então que inaugurar obras regionais, e por isso tantas viagens do presidente com a Dilma a tiracolo, para não perder a paternidade (e maternidade) das obras.

Outro ponto que a oposição não explora é a famosa afirmação do presidente Lula de que o Brasil é o país mais bem preparado para enfrentar a crise econômica. Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostra que a indústria brasileira teve queda maior do que até mesmo economias desenvolvidas que, teoricamente, estão no centro da crise.

O Brasil registrou, em dezembro, queda de 12,4% na comparação com o mês imediatamente anterior, assim como 15 outros países, nessa mesma base de comparação. No entanto, a Coréia (-10,7%) e o Japão (-7,6%) em novembro frente ao mês de outubro, tiveram quedas menores, assim como a indústria dos Estados Unidos, que registrou queda de apenas 0,6% na passagem de outubro a novembro.

Na comparação do resultado da indústria de transformação brasileira com os de economias periféricas com semelhante grau de desenvolvimento, o relatório do Iedi observa que, em dezembro de 2008, a produção manufatureira do Brasil registrou queda recorde de 14% em relação a igual mês do ano anterior.

A Rússia registrou retração semelhante, de 13,2%. Mas as indústrias de transformação da Argentina e da Índia mostraram vigor, a Argentina elevando o nível de produção em 2,6% na comparação com dezembro de 2007, enquanto a indústria indiana registrou variação de 2,4% em novembro de 2008 com relação a novembro do ano anterior na mesma base de comparação.

São dados de uma economia que não parece tão mais bem preparada que outras para enfrentar a crise, assim como o crescimento do PIB brasileiro nos últimos anos, embora melhor do que as médias anteriores, não se destacou da média dos emergentes.

Certamente não são dados que possam mudar a percepção popular de que o país vai bem, mas deveriam servir para balizar o discurso oposicionista contra uma visão cor- de- rosa que não corresponde à realidade.

Campanha desbragada

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de reagir, com veemência (apontando nossa pequenez), quando a imprensa se referiu ao óbvio objetivo eleitoral de seu "pacote de bondades" anunciado no grande Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas que promoveu em Brasília, o presidente reconheceu - e confessou - que estávamos falando a verdade. E nos dias seguintes, nas visitas que fez a cidades de Pernambuco, já nem tentou disfarçar que o que fazia era o que sempre fez e gostou mais de fazer: campanha eleitoral mesmo, desbragada, em favor da ministra que pretende entronizar como sua sucessora, Dilma Rousseff.

Durante a visita ao município de Escada (PE), sob o pretexto de inspecionar as obras de duplicação da BR-101, o presidente voltou a rasgar elogios à "mãe do PAC", a quem atribuiu "a responsabilidade pelo sonho da duplicação tornar-se realidade". (Quer dizer, sem a ministra não duplicaria.) Horas antes, em Salgueiro (PE), no lançamento da obra de extensão da Ferrovia Transnordestina, o presidente fora mais cauteloso e, embora tenha vestido a camisa do time da região, o Carcará do Sertão, deixou para dois ministros - Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Alfredo Nascimento, dos Transportes - a incumbência de promover sua candidata. No discurso os ministros destacaram a "ternura" e o "carinho de mãe" da ministra com a obra do PAC cuja pedra fundamental estava inaugurando - o que não se coadunaria bem com seu papel passado de ex-guerrilheira, a não ser que se tome ao pé da letra a frase de Che "hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás".

Mas forçoso é admitir que a ministra Dilma, em que pese sua inexperiência em campanhas eleitorais, vai se mostrando cada vez mais à vontade ao posar para fotos e dar autógrafos, festejar o encontro com crianças - dispensadas das aulas para encontrá-la -, estimular a emoção regional com promessas locais de governo e tudo o mais que compõe a cena tradicional das campanhas políticas caboclas. Sua disposição para isso é tanta que depois dos comícios de Escada e Salgueiro, na quinta-feira, a candidata voou para São Leopoldo no Rio Grande do Sul, onde sexta-feira de manhã acionou uma máquina de perfuração no futuro canteiro de obras da extensão da linha do trem metropolitano, que será prolongada até Novo Hamburgo, onde Dilma também esteve, depois, para visitar o futuro ponto final do trem. Há, porém, um detalhe nessa euforia sucessória precipitada pelo presidente Lula: essa campanha é ilegal, porque ainda estamos bem longe do período eleitoral do ano que vem. O presidente da República está desrespeitando a legislação eleitoral.

Não foi sem razão, pois, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso abordou essa anomalia, exigindo de seu partido uma reação política - tal como a antecipação da escolha do candidato tucano à Presidência. Por sua vez, o partido Democratas (DEM) se dispõe a atuar, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), pedindo auditoria nos gastos do governo federal com o encontro, em Brasília, que reuniu 3.500 prefeitos e custou R$ 253 mil à Presidência da República. Na próxima semana DEM e PSDB entrarão com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com pedido de providências contra o que consideram autopromoção e propaganda ilegal.

Na verdade, o DEM já vinha discutindo a possibilidade de entrar com uma ação por causa das viagens de Lula e Dilma para divulgação do PAC. A realização do encontro em que o presidente anunciou uma série de benefícios para prefeitos de todo o País desencadeou a decisão dos dirigentes partidários. "Entendemos que o abuso desta semana se tornou insuportável. Vamos entrar com ação no TSE para questionar essa conduta. O presidente Lula já mostrou que não tem apreço pelas leis", disse o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia.

"O governo está promovendo um festival de inaugurações, não de obras feitas, mas de pedras fundamentais. Há um esforço óbvio de divulgação da ministra Dilma não pelo que está sendo feito, mas pelas promessas. Pouco importa se a obra está no início ou no meio, o que importa é a foto. Hoje o PAC é só uma campanha eleitoral feita com dinheiro público", sintetizou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra.
Restaria, então, a indagação elementar: por onde anda a Justiça Eleitoral?

Entre dois mundos

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Diante do colapso do mercado financeiro internacional, da perplexidade do mundo empresarial e das incertezas nas principais economias do mundo, o Brasil seria uma espécie de “elo fraco” da globalização?


Alguma coisa está fora da ordem no projeto Dilma 2010. No plano eleitoral, a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sua sucessão pode ser bem-sucedida, depende das circunstâncias e da ajuda dos candidatos de oposição. A questão é outra. O projeto econômico que emerge com a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, lembra o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo Geisel, na década de 1970, que foi volatilizado pela crise do petróleo, a incapacidade de financiamento do setor público e o esgotamento do processo de substituição de importações.

O colapso

Há muitas polêmicas sobre as causas da queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética e a subsequente hegemonia do neoliberalismo, mas algumas são aceitas por todos. Por exemplo, o fato de que o avanço tecnológico do Ocidente, com a informática, as telecomunicações, os novos materiais, a miniaturização, a biogenética e os sistemas de produção flexíveis, colocou em xeque modelos baseados fundamentalmente na grande indústria mecanizada e no planejamento estatal centralizado. Essa foi a base objetiva do colapso do “socialismo real”, que não acompanhou uma economia na qual os capitais circulavam cada vez mais rápido e os mercados estavam sincronizados pela desregulamentação financeira. A China sobreviveu porque se adaptou ao processo e endureceu a repressão aos que contestam o Partido Comunista.

Agora, estamos vendo o desfecho desse processo nas economias capitalistas. As inovações tecnológicas proporcionaram aumento da produtividade, mas a massa salarial não acompanhou a superprodução, sobretudo na China. O consumo, principalmente nos Estados Unidos, foi financiado pelo crédito ilimitado, que alavancou as principais instituições financeiras. Foi a vez de Wall Street entrar em colapso, dando início a essa crise sem precedentes desde a Grande Depressão de 1929. No plano político, uma surpresa: os falcões do complexo militar industrial norte-americano e os lobbies petrolíferos, que mandaram e desmandaram no governo Bush, foram derrotados por Barack Obama. Um cenário diferente daquele que havia durante e após a II Guerra Mundial.

O projeto

A ministra Dilma Rousseff conquistou a posição de principal integrante da equipe ministerial e candidata à sucessão de Lula . Se qualificou, durante seis anos de governo, como melhor gerente dos negócios do Estado junto aos interesses públicos e privados. Numa linha de ampliação do dirigismo estatal na economia, Dilma travou uma luta surda contra a equipe econômica para que a política do “mais do mesmo” — juros altos, câmbio flutuante e superávit fiscal — fosse flexibilizada. No lugar da meta de inflação, a de crescimento. Na verdade, essa contradição foi mitigada pela expansão da economia mundial. Mas a crise chegou por aqui justamente quando o Brasil ultrapassava taxas de 5% de crescimento do PIB.

É nessa conjuntura nova que emerge com força o projeto protagonizado pela Casa Civil. Que modelo é esse? A grosso modo, se inspira no velho processo de substituição de importações e no planejamento governamental da Era Vargas. Para garantir os investimentos, mais atuação dos bancos oficiais, dos fundos de pensão e das agências reguladoras junto às grandes empresas do país. Para assegurar a demanda, ampliação das políticas sociais para a população de baixa renda, expansão dos gastos públicos e da massa salarial do funcionalismo. Tudo sob comando de uma nova burocracia federal, engajada partidariamente, menos liberal que a tradicional. Uma espécie de novo “capitalismo de Estado”, que ainda é visto com ingenuidade pela esquerda petista como uma suposta antessala do socialismo.

Diante do colapso do mercado financeiro internacional, da perplexidade do mundo empresarial e das incertezas nas principais economias do mundo, o Brasil seria uma espécie de “elo fraco” do globalização? Não acredito. Sem entrar no mérito da qualidade dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tal modelo é meio “asiático”, sem sustentação a longo prazo. É prisioneiro da velha economia do petróleo, da exploração mineral, das velhas plantas industriais e da monocultura de exportação, enquanto os países centrais, justamente os mais atingidos pela crise, buscarão construir saídas mais sustentáveis, com base em novas fontes de energia, novas tecnologias, novos materiais, etc. Enfim, explorar as fronteiras do conhecimento e uma nova relação com meio ambiente para se desenvolver e melhorar a qualidade de vida.

Por qué no te callas?

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Lula fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política

MINHA GENTE , estou a cada dia mais perplexo com a performance do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não que ele tenha mudado essencialmente; nada disso, ele se comporta assim desde o primeiro dia de governo: não desce do palanque.

Às vezes me pergunto se minha crescente perplexidade decorre dessa sua insistência que já dura sete anos ou de alguma outra coisa. Acho que são as duas: por um lado, já não aguento ouvi-lo falar pelos cotovelos, gesticular e postar-se como um ator num palco e, por outro, percebo-o cada vez mais à vontade para dizer o que lhe convenha, conforme o momento e conforme o público.

Sem nenhum compromisso com a verdade e com a postura de um chefe de Estado.

Ele não se comporta como chefe de Estado. Fala sempre em termos pessoais, ou louvando-se a si mesmo sem qualquer constrangimento ou acusando alguém, seja a imprensa, seja a oposição, sejam as classes ricas, sejam os países ricos.

Estão todos contra os pobres, menos ele que, felizmente, assumiu o governo do Brasil para salvá-los, após quatro séculos de implacável perseguição. Do Descobrimento até 2003, ninguém sabe como o Brasil conseguiu sobreviver, crescer, chegar a ser a oitava economia do mundo, sem o Lula! Só pode ter sido por milagre ou qualquer outro fator inexplicável.

A verdade é que, apesar de tudo, o país resistiu até o momento em que ele, Lula, chegou a tempo de salvá-lo. Isso ele afirma com uma veemência impagável, como se fosse a coisa mais óbvia e indiscutível do mundo.

Sem rir, o que é mais surpreendente ainda, diante do olhar espantado de favelados, trabalhadores, funcionários públicos, aposentados.

Já quando o público muda, ele também muda o discurso. Se fala para empresários, banqueiros, exportadores, a conversa é outra. Mostra-se preocupado com o crescimento da economia, com o apoio do BNDES à iniciativa privada e chega mesmo a admitir que sem os empresários o país não cresceria. E o balanço de final de ano mostra que os bancos realmente nunca ganharam tanto dinheiro como durante a gestão presidencial do fundador do Partido dos Trabalhadores, que se dizia inimigo número um deles.

Joga com um pau de dois bicos, mas dá certo. Diz uma coisa para os pobres e o contrário para os ricos, mas dá certo. Tanto que a sua popularidade cresce a cada nova pesquisa de opinião.

Na última delas, o índice de aprovação de seu governo alcançou mais de 70% e a dele, presidente, mais de 80%. Ele fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política. Há uma cumplicidade esquisita: Lula finge que governa, e o povão finge que acredita.

Mas, infelizmente, os números da estatística não conseguem cegar-me. Pelo contrário, ao ver tamanha aprovação a um presidente da República, que busca deliberadamente engazopar a opinião pública, preocupo-me. Para onde estamos sendo arrastados? Até quando e até onde conseguirá Lula manipular a maioria dos brasileiros?

Essas considerações me ocorreram ao ler o discurso que ele pronunciou, no Rio de Janeiro, na favela da Mangueira, ao inaugurar uma escola. De ensino não falou, claro, já que não lê nem escreve. Anunciou a intenção de usar prédios públicos desativados como moradia de sem-teto. E aproveitou para mostrar como os ricos odeiam os pobres: disse que os ricos da avenida Nove de Julho, em São Paulo, não querem deixar que gente pobre venha morar ali, num prédio público desocupado. "Mas nós vamos colocar, porque a moradia é um direito fundamental do ser humano." Palmas para ele!

Nessa mesma linha de discurso para favelados, defendeu as obras do PAC, afirmando que a parcela mais pobre da população é que será beneficiada, e aduziu: "Quando a gente faz isso, perde apoio de determinada classe social, porque gente rica não gosta que a gente cuide muito dos pobres".

O discurso, como sempre, é atrapalhado mas suficientemente claro para que a mensagem seja entendida: os ricos odeiam os pobres, que só contam com Lula para protegê-los. A conclusão é óbvia: se o Lula é o pai dos pobres, quem se opõe a ele certamente os odeia e ama os ricos.

Assim como se apropriou de tudo o que antes combatera, improvisou o tal PAC, um aglomerado de projetos pré-existentes de empresas estatais, governos estaduais e municipais, que vai desde o pré-sal até a ampliação de metrôs e o trem-bala.

Mas o investimento do governo federal é de apenas 0,97% do PIB, menos do que investiu FHC em 2001. Se tudo o que está ali é viável ou não, pouco importa, desde que sirva para manter Lula e Dilma sob os holofotes.

Segunda chance

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O desafio de Obama não é só vencer a crise, mas fazê-lo de modo a reconstruir modelo econômico diferente

TANTO O livro de Brzezinsky de mesmo título deste artigo como recente editorial da "New Left Review" concordam num ponto: os EUA terão uma segunda chance para reconstruir sua abalada liderança global. A razão de ambos é parecida. Do ponto de vista militar, tardarão décadas para que algum país se aproxime do nível americano. Na economia, os chineses, que poderiam, muito parcialmente, aspirar ao menos a um segundo lugar mais afirmativo, seguem absorvidos pelos desafios internos, sem apetite para contestar por enquanto a liderança de Washington.

No discurso de posse, Obama declarou que os EUA estão dispostos a exercer esse papel, desde que ajudados pelos demais. A questão é saber em que medida as atuais condições lhes permitirão de fato fazer isso com um mínimo de efetividade.

No último número de "Foreign Affairs", Roger Altman conclui sombria análise da crise econômica com a afirmação de que ela constitui importante revés geopolítico para o Ocidente e os EUA, privando-os da credibilidade e dos recursos necessários para manter a posição que ocupavam nos assuntos mundiais. Mesmo quando passe a crise, ela terá acelerado a tendência que vem afastando de Washington o centro de gravidade do mundo. É difícil discordar do diagnóstico.

O modelo econômico anglo-saxão perdeu poder de atração com a demonstração de sua irremediável insustentabilidade. Ainda que por milagre se pudesse voltar à pré-crise, quanto tempo duraria situação em que, ano após ano, se voltaria a agravar a dependência do endividado consumidor americano em relação ao financiamento asiático? Vale a pena sair da crise apenas para colocar os EUA ainda mais à mercê da China, o inimigo estratégico, segundo os conservadores?

Isso significa que o desafio de Obama não é somente vencer a crise, mas fazê-lo de modo a reconstruir modelo econômico muito diferente do que precipitou o colapso. O país teria de aumentar a poupança, reconquistar competitividade nos setores não-financeiros e reduzir as excessivas concentração e desigualdade que caracterizam o modelo fracassado.

A meta é de uma extraordinária dificuldade e exigiria da sociedade e de dirigentes elevado grau de coesão e disposição de trilhar caminho muito mais áspero. Ora, a batalha da aprovação do pacote fiscal e o decepcionante resultado da falida tentativa de forjar consenso bipartidário demonstram que a eleição não curou as profundas divisões ideológicas americanas. O medo da depressão não se revelou tão eficaz para gerar unanimidade quanto o medo do terrorismo, tal como explorado por Bush "et caterva".

Se as divisões persistirem, como será possível fazer aceitar os tetos de emissão de gases ou o aumento durável do preço da gasolina para combater o aquecimento global? Como gerar apoio para a difícil mediação entre Israel e os palestinos ou para os sacrifícios adicionais no Afeganistão e no Paquistão?

A nova chance não é certeza; é possibilidade que terá de se tornar viável graças ao consenso interno nos EUA e à cooperação externa.

Caso uma liderança cooperativa e partilhada não veja a luz, os riscos são a introspecção e o unilateralismo. Longa fase de paralisia e desordem se abateria sobre o mundo, agravando ameaças como as do clima e do Oriente Médio, sem que haja lideranças capazes ou dispostas a garantir a paz e a estabilidade.

Rubens Ricupero , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

O segredo dos indolentes

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os presidentes da Câmara e do Senado são pessoas de muito poder. Podem garantir e cassar palavras, desempatar votações, dirimir conflitos, expulsar inconvenientes do plenário, definir a agenda, conceder licenças, abonar faltas, declarar a vacância das cadeiras, comandar a polícia parlamentar, matar ou fazer nascer comissões de inquérito, engavetar ou deixar tramitar pedidos de impeachment contra o presidente da República.

Pelo regimento, podem muito mais. No ambiente do Congresso Nacional, só não podem deixar de cumprir a função regimental de "zelar pelo prestígio e o decoro" da instituição, o que inclui o atendimento ao preceito constitucional da impessoalidade e publicidade das ações do agente público.

Isto posto, não sobra outra razão - a não ser o insanável "vício da amizade" aludido pelo deputado Edmar Moreira - para a resistência do senador José Sarney e do deputado Michel Temer à divulgação das notas fiscais referentes aos gastos da verba extra de R$ 15 mil para despesas com os escritórios regionais dos parlamentares.

Francamente contrários à proposta em princípio, os dois terminaram a semana procurando transparecer inclinação favorável à quebra do sigilo, de resto repudiada pela maioria do colegiado. O senador José Sarney prometeu "examinar o assunto" e o deputado Michel Temer anunciou a criação de uma comissão para "analisar o tema".

Posições dúbias, incoerentes com a dimensão do poder de ambos e com a inexistência de qualquer obstáculo regimental à exibição dos comprovantes de que não houve nem há desvio da destinação original dos recursos.

Junto a isso, a possibilidade de serem divulgadas as notas dos gastos do deputado Edmar Moreira com serviços de segurança - sendo ele dono de empresa do ramo - é cercada de cuidados para que não se criem "precedentes" à quebra geral do sigilo sob o qual são mantidos esses documentos.

Segredo muito esquisito. Sem justificativa aceitável. O argumento usado é o de que a exibição das notas poderia prejudicar "terceiros", aí entendidos como as pessoas físicas ou jurídicas que prestaram serviços ou venderam mercadorias.

Ora, considerando que uma nota fiscal só prejudica alguém quando existe irregularidade na transação, a defesa do sigilo soa a precaução de caráter presumidamente infrator. Portanto, por mais razão deveria interessar à direção das duas Casas do Congresso esclarecer a questão.

Só que o assunto ultrapassa o terreno do interesse e entra no campo da obrigação. A verba extraordinária foi criada em 2001 como uma forma de aumentar os ganhos dos parlamentares sem enfrentar a reação da opinião pública que passou a não considerar justa a relação entre os serviços prestados e os reajustes de salários aprovados em causa própria.

É um dinheiro para uso específico, passível de prestação de contas. O comprovante para isso são notas fiscais e, portanto, sua divulgação deveria ser algo natural, sem mistérios, sigilos ou impedimentos que só fazem aumentar as suspeitas sobre a já combalida conduta dos parlamentares.

A prerrogativa de cobrar é do dono do dinheiro e o dever de comprovar a lisura do uso é de quem recebe. Tudo muito simples e transparente. Bastando para o cumprimento da norma um cumpra-se. De cima para baixo, como é conferido aos dois presidentes do Congresso Nacional, como convém a um Parlamento que não se associa nem corrobora a assertiva de que mais vale a amizade de alguns que o respeito de todos.

Ao mar

O PSDB decidiu fazer do Rio de Janeiro uma espécie de comitê central da campanha de 2010. O partido começa por patrocinar na cidade, ainda nesse primeiro semestre, reuniões políticas com o intuito de calibrar forma e conteúdo do plano de voo agora e durante a campanha eleitoral propriamente dita.

E por que o Rio?

Porque a cidade repercute, não tem o caráter oficialista de Brasília, não é a "casa" de nenhum dos dois pretendentes a candidato - governadores de São Paulo e Minas Gerais -, é passagem, destino ou origem de gente influente também fora do mundo político e, sobretudo, exporta tendências, faz a moda.

O primeiro passo da estratégia foi dado pelo PSDB na eleição municipal com o apoio à candidatura de Fernando Gabeira, que quase leva a prefeitura do Rio contra as máquinas estadual e federal, só na base da reação aos anacronismos vigentes.

Gênios da raça

A ideia da oposição de organizar uma reunião de prefeitos amigos em Brasília, como "resposta" ao comício patrocinado pelo governo federal semana passada na capital, parece inspirada pelo serviço de comunicação do Palácio do Planalto.Entra em terreno onde não pode competir, perde a razão para criticar, indica ao eleitorado sua carência de agenda própria e inicia a campanha pela pauta do adversário.

Verão do caudilho

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Quando Chávez perdeu o referendo para a presidência perpétua em 2007, ele disse que aceitava. No governo brasileiro, os que o defendem disseram que isso era prova de sua convicção democrática. Era um recuo estratégico. Ele volta hoje às urnas com a mesma proposta e o mesmo método de intimidação da oposição. Tem chance de ganhar, mas não importa: se perder, vai insistir até vencer.

Hugo Chávez não é democrata, por mais eleições que promova. Ele faz uma eleição por ano, é um governo plebiscitário que toma de assalto as instituições, ameaça a imprensa, encurrala a oposição, cria milícias armadas e usa os cofres públicos como caixa de campanha. Chávez é a marca do retrocesso que a América Latina vive num momento que poderia corrigir seu passado que oscila entre as ditaduras, as breves democracias e o caudilhismo.

Nos dez anos em que governa a Venezuela, Chávez conseguiu uma proeza: enquanto o petróleo vivia a sua mais longa e espetacular disparada de preços, a produção caiu e a empresa estatal ficou mais endividada. A queda de um milhão de barris/dia de produção em época de boom é consequência direta da politização da PDVSA. Depois da greve de 2003, o governo Chávez demitiu os técnicos mais qualificados da companhia e inchou a máquina com chavistas. Na última eleição, o presidente da empresa de petróleo disse, em local público, que para trabalhar lá teria que ser "vermelho, vermelhinho": a cor do partido de Hugo Chávez.

É um tempo desperdiçado, em que o país poderia ter dado um grande salto e reduzido de forma permanente os muitos males sociais do país. Houve investimentos nos "barrios" (favelas), mas muito menos do que poderia, pelo salto das receitas fiscais do país com o petróleo. Houve políticas de transferências de renda aos mais pobres, mas de forma personalista, e não como política de erradicação da pobreza extrema. Houve instalação de mercados populares com comida mais barata, mas sua hostilidade em relação às empresas foi tão grande que o país vive em desabastecimento. O dinheiro transferido foi corroído por uma inflação que superou 30%. Este ano, os economistas independentes estão prevendo que o PIB pode contrair 2% e a inflação chegar a 40%. Nestes dez anos que poderiam ser de progresso, a violência aumentou: o número de homicídios quase triplicou.

Com o uso sistemático da máquina pública como plataforma de propaganda, com a intimidação dos opositores e a apropriação das instituições, ele foi demolindo as virtudes de um estado democrático. Aumentou o número de juízes da Suprema Corte para dominá-la, mudou o Conselho Nacional Eleitoral para subjugá-lo, cassou a concessão da emissora de televisão RCTV como uma das formas de ameaçar a imprensa. Quando perdeu as eleições em Caracas, em novembro, ele assaltou o governo regional: em dez dias Chávez encampou todas as 93 escolas da rede metropolitana, 30 hospitais, 22 cartórios e o canal Ávila TV. No início do ano passado ele já tinha passado o comando da Polícia Metropolitana para o Ministério do Interior. O golpe do referendo que faz neste fim de semana é para acabar com outro pilar da democracia: a alternância no poder. Sem ela não há democracia. Presidência perpétua é ditadura. Ele tem dito que está preparado para ficar até 2030 ou no mínimo mais dez anos.

O chavismo é o caudilhismo autoritário que a América Latina já conheceu no passado. E Chávez tem alunos diletos que são financiados por ele e seguem seus métodos na Bolívia e no Equador. Agora seus financiados terão que enfrentar a escassez fiscal de um período de queda do preço do petróleo. Na Colômbia, seu inimigo Alvaro Uribe se iguala a ele neste ponto: também sonha com presidências intermináveis. Na Argentina, os Kirchner não estão em condições de pensar em terceiro mandato, mas continuam o desgoverno que reforça a tendência do país ao declínio.

Países da região produtores de metais, commodities agrícolas e energia poderiam ter se preparado melhor para os tempos difíceis atuais. Poucos fizeram isso. Alguns, como a Venezuela e a Bolívia, perderam tempo e investimento na politização excessiva, na polarização do país.

O Brasil tem a vantagem de se sair melhor quando comparado com os vizinhos trapalhões. Aqui, a ideia do terceiro mandato veio e foi embora. Tomara que definitivamente. Mas a semana passada foi bem um retrato dos nossos desvios: o presidente consumiu todo o tempo no palanque, fazendo coincidir encontros municipalistas com aniversário de partido, política contra a crise com distribuição de benesses pré-eleitorais. A ministra-candidata segue o que seu mestre mandou e ensaia seu personagem eleitoral. O erro do presidente sobre a estatística do analfabetismo em São Paulo - gritado diante de três mil prefeitos - foi tão absurdo que, com métodos orwellianos, o Palácio do Planalto corrigiu na transcrição do discurso. O uso da máquina para propaganda extemporânea foi tão abusivo, que só ficou menor diante dos absurdos cometidos pelos outros poderes: o Congresso em seu pântano, o STF em seu delírio de soltar condenados numa interpretação exótica do que seja o direito de defesa.

Hoje é mais um dia de ver a insensatez da Venezuela. Se Hugo Chávez perder, ele vai dividir mais o país, ameaçar mais os opositores e tentar de novo adiante. Se ganhar, dará outro passo para o totalitarismo. No Brasil se pode, ao menos, torcer para que os excessos das instituições sejam corrigidos pela própria democracia.

Somos todos socialistas?

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


A resposta do semanário Newsweek em matéria de capa da última edição (16/2) é peremptória: "Agora somos todos socialistas". E para sossegar os empedernidos conservadores e histéricos reacionários do seu leitorado acrescenta: "Perigos e promessas da nova era de governos fortes". A explicação como sempre aumenta uma confusão que arrasta-se desde meados do século passado e confirma a impressão de que a Era da Informação está mais próxima da Era da Desinformação do que do Esclarecimento.

Governos fortes não são sinônimos de Estados fortes sobretudo dentro do regime republicano democrático. Um governo forte apoiado por ampla maioria do eleitorado pode ser antiestatal e privatista – casos de Ronald Reagan e Margaret Tatcher. Por outro lado, Estados intervencionistas e fortemente reguladores podem ter escasso apoio popular e resultar em governos fracos. A história moderna tem dezenas casos semelhantes.

O semanário americano é um dos que está tentando escapar dacrise que ameaça de extinção a mídia impressa e procura oferecer ao seu leitorado um material mais analítico. Merece uma condecoração por bravura porque a banalidade (prato forte da mídia digital que pretende enfrentar) estabeleceu perigosos paradigmas simplificadores.

Bordões idiomáticos ajudam a confusão: em inglês, é mais fácil dizer big-government, governo grande e forte, em vez dos equivalentes de estatismo, intervencionismo, etc.

Estados fortes geralmente resultam de catástrofes naturais, agressões externas, ameaças de secessão, debacles econômicas. Reações enérgicas e emergenciais de estados ameaçados não são necessariamente socialistas. A social-democracia produziu nos países escandinavos o Welfare State (estado previdenciário) sem qualquer inclinação autoritária, fruto do sentido ético das respectivas sociedades. O turbilhão financeiro que assola o mundo – e pelo visto demorará a amainar – está exigindo prontas e cabais respostas Estatais, governamentais e uma concertación internacional que Estados fortes geralmente abominam.

Os republicanos americanos podem espernear à vontade, o big-business relacionado com Wall Street pode ficar furioso mas esta crise só será resolvida com o que a Newsweak pretendia dizer no título mas atenuou no sub-título: no momento não há outra saída a não ser a socialista.

Portanto, somos todos bolivarianos? Hugo Chávez nada tem de socialista: seu esquema baseia-se no caudilhismo demagógico semelhante ao de Benito Mussolini (que no início proclamava-se socialista). A Venezuela é um Estado centralizado que se combina a um governo discricionário e continuísta sem qualquer vinculação objetiva e subjetiva tanto com as idéias de Simon Bolívar como com as doutrinas socialistas do século 19.

O único traço verdadeiramente socialista na Bolívia de Evo Morales é a determinação (agora reforçada pela nova Constituição) de estabelecer um Estado multiétnico e igualitário.

Implementado, servirá eventualmente de modelo a outras regiões do mundo onde conflitos étnicorreligiosos impedem o estabelecimento e a sobrevivência de entidades nacionais. O Irã nada tem de socialista porque não é democrático: uma teocracia não pode ser socialista. O antiamericanismo não é uma doutrina política, é um estado de espírito. O anti-imperialismo só é válido quando amparado e instrumentado pelo internacionalismo. E este só frutifica em ambientes democráticos. Muamar Khaddafi pretende liderar um movimento pan-africano, na realidade pretende ser o rei da África.

Então pergunta-se: qual o verdadeiro teor do Estado brasileiro -- socialista, previdenciário, assistencialista, demagógico, corporativista, caudilhesco? Esta é uma questão que valeria discutir ao longo deste ano que começa em março – após o Carnaval, como todos – e, felizmente, sem eleições. Todas as opções estão abertas, o País cabe em diversos escaninhos e merece várias etiquetas.

Só não pode perder de vista o compromisso maior, ontológico, transcendental: manter-se rigorosamente democrático. Respeitar não apenas as leis mas, principalmente, o espírito das leis. Democracia é o diferencial. Sem ela vai tudo para o mesmo saco.

» Alberto Dines é jornalista

Jarbas Vasconcelos: O PMDB é corrupto

Otávio Cabral
DEU NA REVISTA VEJA
Edição 2100 – ano 42 – nº 7
18 de fevereiro de 2009

Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso

A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção"

.O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?

É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.

Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado?

Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?

Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.

Para que o PMDB quer cargos?

Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.

Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?

De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.

Por que o senhor continua no PMDB?

Se eu sair daqui irei para onde?

É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.

Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma?

Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.

O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso?

Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado. O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.

Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.

O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.

O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes?

Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.

A oposição está acuada pela popularidade de Lula?

Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.

Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?

Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.

Por que há essa banalização dos escândalos?

O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.

É possível mudar essa situação?

É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.

Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?

A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.

O senhor parece estar completamente desiludido com a política.

Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.