sexta-feira, 13 de março de 2009

Luta política

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A proposta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de um governo de união nacional para enfrentar a crise econômica teve uma resposta forte da ministra Dilma Rousseff, para quem a ideia partia de quem "não segurou o tranco" e teve apagão, referindo-se ao episódio de 2001, em que o governo tucano teve que implantar um racionamento de energia para evitar uma pane do sistema elétrico. Tudo indica que a proposta do presidente de honra do PSDB não tinha mesmo outra intenção que não fosse fustigar o governo, insinuando que ele não está preparado para enfrentar adversidade de tamanho calibre.

Foi, aliás, por desconfiar dessa intenção política que o próprio presidente Lula rejeitou, logo no início de seu primeiro mandato, chamar o PSDB para o governo, embora Fernando Henrique tenha revelado em suas memórias que, depois da transição pacífica de poder, o partido tucano esperava que o PT se dispusesse a montar uma coalizão.

Já Lula comentou que o que o PSDB queria é que o governo petista admitisse que não tinha condições de governar sozinho. O fato é que PSDB e PT se aproximam e se afastam num jogo político que varia de acordo com os interesses momentâneos de cada um.

Na votação que deu fim à CPMF, o PSDB acabou jogando junto com os Democratas contra o governo, apesar da pressão que foi feita pelos governadores, especialmente Serra e Aécio. Recentemente, o PSDB foi o grande apoio petista nas disputas com o PMDB no Senado, tanto na briga pela presidência da Casa, quando optou pelo senador Tião Viana, quanto na Comissão de Infraestrutura, ocasião em que ficou com a candidatura da senadora Ideli Salvatti contra Collor.

O senador Aloizio Mercadante, ao classificar de "espúria" a aliança do PMDB com o PTB, disse que naquela votação ficaram patentes as afinidades do PT com o PSDB, que só não se concretizavam em uma aliança política pela disputa de poder entre os dois, especialmente em São Paulo.

Mas também em Minas, onde o governador Aécio Neves montou um acordo político altamente positivo para o estado com o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, do PT, setores petistas bombardearam a união, sob a alegação de que Aécio poderia vir a ser o candidato tucano à sucessão de Lula, e o PT perderia a condição de se contrapor a ele.

A união entre os dois partidos teve um momento simbólico forte no enterro de Ruth Cardoso, ano passado, quando o próprio presidente Lula comentou que as ligações entre o PT e o PSDB eram tantas que o Aerolula quase não fora suficiente para levar tanta gente de Brasília a São Paulo.

Em diversos outros momentos nestes últimos anos, o presidente Lula se manifestou, em público ou em conversas reservadas, a favor de uma maior aproximação com os tucanos, e também o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já revelou seu desapontamento pelo fato de Lula não ter procurado o PSDB para um acordo político.

Mas tantas outras vezes os dois, e seus respectivos companheiros, envolveram-se em disputas e em acusações que inviabilizam qualquer acordo político.

Uma das mais graves acusações contra o governo de Fernando Henrique Cardoso teve um desfecho favorável aos tucanos dez anos depois, quando o juiz da 17ª Vara Federal de Brasília, Moacir Ferreira Ramos, absolveu na semana passada seus integrantes de terem privilegiado o Banco Opportunity e outras empresas no leilão da venda da Telebrás, que ocorreu em 1998.

O processo fora movido pelo Ministério Público a pedido, entre outros, do mesmo senador Aluizio Mercadante e do presidente do PT, Ricardo Berzoini,

O próprio juiz pergunta em sua sentença por que o PT, tendo chegado ao poder, não tratou de investigar e punir os eventuais culpados, sugerindo que as denúncias que ele desqualificou eram apenas manobras políticas sem consistência.

Lembrei-me de uma conversa que tive com a ministra Dilma Rousseff tempos atrás, relatada aqui na coluna, quando ela admitia que o PT na oposição fora radical e levara em conta mais seus interesses políticos, mas reclamava que a oposição está repetindo esse comportamento, o que considerava inexplicável no PSDB.

Segundo ela, o PT não tinha experiência de governo e, depois de Lula, nunca mais os petistas fariam uma oposição naqueles moldes. Dilma cobrava é que um partido que já esteve à frente do governo federal, como o PSDB, não poderia se comportar com o radicalismo do "antigo PT", porque de outro modo "isso não terá fim, e é ruim para o país".

Ela dizia ter esperança de que, superada a campanha eleitoral sem radicalizações, PT e PSDB possam encontrar alguns pontos comuns num futuro programa de governo.

No recente encontro em que se pronunciaram sobre a crise econômica, tanto a ministra Dilma Rousseff, hoje já identificada como a candidata em potencial do PT à sucessão de Lula, e o governador de São Paulo, José Serra, o favorito nas pesquisas eleitorais e provável candidato à Presidência da República pelo PSDB defenderam posições semelhantes para a superação da crise econômica: menos juros e mais investimentos.

Trataram-se cordialmente, num prenúncio do que poderá vir a ser o debate eleitoral em 2010.

Para chegar até lá, porém, os dois terão que superar obstáculos internos, e nesse aspecto a ministra Dilma está mais tranquila que o governador José Serra.

Na definição do presidente Lula, Dilma é a melhor candidata, para ganhar ou para perder, definição maravilhosamente cínica de sua própria escolha: se ganhar, ganhou Lula. Se perder, perdeu a Dilma.

Mas ela ainda pode ser atropelada dentro do PT se não se mostrar viável eleitoralmente. Já Serra tem pela frente uma disputa nada fácil com o governador de Minas, Aécio Neves.

Cavaleiros de ""Agraciel""

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras a funcionários do Senado em pleno janeiro de recesso parlamentar já diria muito sobre a despedida triunfal do ex-diretor-geral Agaciel Maia, carregado nos ombros aos gritos de "volta, volta" e homenageado com ditos de saudade em faixas de desagravo.

Ato contínuo ao desvendar de mais uma, novas peripécias trouxeram notícias frescas sobre essa espécie de reino encantado onde todos os agrados são permitidos até que alguém na corte seja pego em flagrante delito.

A essa dinâmica de penitências condicionadas à revelação involuntária dos pecados, o presidente do Senado, José Sarney, dá o nome de "transparência".

Segundo ele, o Poder Legislativo paga um alto preço por ser um livro aberto. "É por isso que nós sofremos essa crítica permanente, porque somos sujeitos à fiscalização diária."

É o inverso. O Parlamento recebe críticas justamente porque não resiste a um mínimo de fiscalização.

Para qualquer lado que se olhe, em qualquer momento, são flagradas infrações.

Nos últimos dias descobriu-se que não há controle sobre pagamento de horas extras, que o diretor de recursos humanos cedia imóvel funcional aos filhos e que o presidente da Casa usa seguranças do Senado para proteger suas propriedades particulares no Maranhão.

Ficamos sabendo também pelo presidente da Câmara, Michel Temer, que deputados e senadores desistiram de incorporar a verba indenizatória aos salários porque, feitas as contas, perderiam dinheiro.

O presidente do Senado, que considera naturalíssimo estender suas prerrogativas aos domínios da família no Maranhão, não parece ter se apresentado ao terceiro mandato com os nervos em condições de suportar o tranco da cobrança externa mais rigorosa que em outros tempos.

Não completou um mês no posto e já enxerga uma conspiração: "Estamos sendo o que popularmente se chama de boi de piranha. Enquanto tudo passa, nós ficamos aqui na frente. Os grandes problemas não estão surgindo e nós ficamos discutindo pequenas coisas."

Ponto a ponto, há coisas a esclarecer.

Primeiro ponto: o Poder Legislativo é transparente, deixa as entranhas voluntariamente à mostra ou é perseguido injustamente?

Segundo: no que consiste o "tudo" que está passando despercebido, escondido atrás do biombo das críticas ao Parlamento?

Terceiro: é questão de pequena monta o pagamento de horas extras sem controle consideradas pelo próprio presidente do Senado como "um absurdo? É detalhe um diretor-geral, ordenador de despesas, esconder patrimônio? É pormenor o diretor de recursos humanos ceder imóvel funcional ao uso de familiares? É fruto de somenos importância o presidente de um Poder confundir o público com o privado e ainda fazer a defesa da tese?

Se é assim, os deuses nos guardem das grandes revelações que porventura venham por aí.

Quarto ponto: tendo sido José Sarney por duas vezes antes presidente do Senado, e Michel Temer ocupado a presidência da Câmara, não são neófitos nas práticas das Casas. Conhecem pessoas e procedimentos. Jamais ocorreu a ambos a correção de distorções? Ou, como se tornou habitual argumentar, não sabiam de nada?

No Congresso, como em qualquer ambiente, sabe-se tudo. O que não se quer é que tudo venha a público. Muitas distorções são fruto de hábitos arraigados, vícios tão incorporados que neles nem se enxergam imperfeições.

Patrocinar mudanças dá trabalho, provoca desconfortos e implica a compra de brigas indesejáveis. Por isso nem Sarney nem Temer ou qualquer outro parlamentar que conseguiu chegar ao comando encarnou o papel de reformador de meios e modos.

Se encarnassem, não teriam chegado ao topo e, se chegassem, dificilmente teriam sossego ou apoio para se sustentarem. Por muito menos, só por espalhar que demitiria Agaciel Maia caso fosse eleito, o senador Tião Viana angariou antipatias entre senadores e funcionários.

Não é verdade que o Poder Legislativo seja transparente como alega o presidente Sarney pegando carona num mito antigo.

É, sim, mais aberto que os outros dois Poderes. Mas isso não é concessão, é da natureza da Casa de representação popular. Tal seria se um colegiado de representantes da população funcionasse sob a mesma sistemática do Judiciário ou do Executivo.

O Legislativo não está exposto por virtude, mas porque em geral não tem outro jeito. Quando quer e pode ocultar, oculta.

O público nunca soube, por exemplo, que horas extras eram pagas à vontade dos fregueses. Mas suas excelências sabiam. Se não fecharam a porta antes de a porteira ser arrombada, tiveram seus motivos. Por apreço à transparência é que não foi.

Momento lindo

"Não há regime democrático em Cuba", constatou ontem o ministro da Justiça, Tarso Genro.

Não obstante os 50 anos de atraso, o importante é que se abriram para ele as portas da percepção.

Uma pequena mostra de um debate civilizado

EDITORIAL
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em debate promovido pela prefeitura de São Bernardo do Campo, a ministra da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff (PT), e o governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, divergiram polidamente e debateram ideias. Os dois são pré-candidatos de seus partidos à disputa pela Presidência, em 2010. Embora seja muito cedo para se falar em campanha eleitoral, os dois certamente defenderam posições como postulantes ao cargo. Mostraram que é possível um debate civilizado, mesmo com claques de um e outro lado. E que os dois partidos polarizadores do eleitorado podem ter razão e ambos podem estar errados, dependendo do ângulo que se olha o problema.

Serra e Dilma atacaram as administrações federais de seus adversários. Ambos concordaram ao atribuir responsabilidade da contaminação da economia brasileira pela crise internacional à política monetária que se manteve escorada em juros altos. De quem é a culpa pelas altas taxas de juros? Dos governos de Fernando Henrique Cardoso, sustentou Dilma. "Dominamos [o Brasil] a inflação, mas viemos ao longo dos anos, depois do início do Plano Real, com um dos juros mais elevados do mundo", afirmou a ministra petista. "Nossa taxa de juros não era uma das maiores do mundo, é uma das maiores do mundo", rebateu o governador.

Dilma, como representante do governo ou candidata, tanto faz, acenou com uma promessa, meses depois do abalo sísmico mundial e há seis anos do início do mandato de Lula. "Nós iremos baixar os juros básicos e iremos pelo menos criar uma referência para os spreads no Brasil", disse. Ao que Serra retrucou: a redução dos juros já devia ter sido adotada há seis meses. "Não havia risco de inflação que justificasse a política de juros federal, ainda mais depois da crise (...) Boa parte das dificuldades de hoje ocorre porque passamos seis meses sem que houvesse uma política ativa [de redução de juros]", disse Serra.

A ministra petista fez uma outra diferenciação dos governos tucano e petista: "O governo sempre foi parte do problema em todas as crises antes desta. Quando a crise ocorria internacionalmente, via câmbio e saída brutal de capitais, o governo quebrava (...) Agora o governo é parte da solução." A contrapartida da afirmação pode estar no parágrafo acima: a demora de um governo, que seria "parte da solução", de afrouxar a política monetária.

O debate entre os dois pré-candidatos, excluídas as acusações de lado a lado, acaba mostrando que não há discordâncias básicas entre ambos - eles apenas atribuem responsabilidades a seus adversários. Os dois concordam que a política monetária acabou fragilizando uma economia que não seria excessivamente atingida pela crise internacional se o problema tivesse sido atacado de frente logo no início. Existe na afirmação deles, no entanto, algo que aparece no debate apenas de forma velada, sem uma definição clara de posições. Depreende-se, pelo fato de Serra atribuir a Lula a responsabilidade por não ter derrubado os juros em tempo, que ele considera parte da política econômica a política monetária - e isso incluiria um Banco Central integrado ao esforço de política econômica do governo. Da mesma forma, a ministra, ao se referir ao governo anterior, atribuiu ao Executivo a responsabilidade sobre a política monetária. Por essas afirmações, é possível entender que, segundo os candidatos, os governos Lula e FHC abriram mão de prerrogativas de governo.

Para aprofundar o debate, os dois devem colocar, sem reticências, como se faz política monetária integrada à política econômica. A autonomia do BC, embora tenha acontecido de fato, e não de direito, nos governos dos dois últimos presidentes, não frequentou a campanha eleitoral passada, e é recomendável que não se preste a isso. É preciso que não se confunda eventuais decisões equivocadas sobre juros do BC com o princípio de autonomia.

Daqui para a frente, dada a enorme repercussão da crise internacional na economia do país, sentida com o baque do PIB, e a antecipação do processo eleitoral - pela ação principalmente do presidente Lula em favor de Dilma -, vai se acirrar a discussão sobre a política econômica. Um debate eleitoral civilizado que se concentre em temas relevantes para o futuro, nesse momento, será muito importante para o país.

Crise de enganos

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Nesta crise econômica, fala-se de dinheiro mais do que tudo. Bilhões, trilhões de dólares são anunciados, anunciando investimentos (Europa, EUA), ou por governos que pedem ajuda (Hungria, Polônia, Ucrânia).

Mesmo não sendo economista, arrisco algumas perguntas. Por exemplo: de onde virá tanto dinheiro? Se ele existia até agora, por que não foi, pelo menos em parte, usado para mitigar os grandes problemas da humanidade?

Pergunto de onde vem porque minha memória de grande crise data do choque do petróleo, na década de 70. Lembro-me do secretário britânico James Calaghan dizendo isto: "Não podemos mais usar Keynes, simplesmente não há recursos para estas fórmulas".

A própria Inglaterra começou a responder a minha pergunta. Há dez dias, anunciou que iria imprimir dinheiro novo. Assim, entendo.

Outra grande dúvida é sobre o Brasil. Nem vou mencionar a marolinha vista por Lula em outubro. Houve certa onda positiva, dizendo que o Brasil era o país que iria se sair melhor entre todos do mundo.

É um pouco da nossa cultura: calça de veludo ou bunda de fora. Ou somos o que mais sofre, ou o que menos sofre, aquele capaz de ensinar aos países desenvolvidos como se toca uma economia.

A crise que, entre nós, era apenas um subenredo, passa a ser, a partir de agora, uma espécie de éter, que a tudo comunica um peso. Nos Estados Unidos, há uma propensão a rever o consumo. Aqui, um estímulo a comprar. Lá, lançam milhares de empregos verdes, aqui, um milhão de casas populares.

O mais importante aqui é que o governo gasta com empregos e custeio e não economiza para investir.

O que dizer de um programa de aceleração do crescimento quando o que se acelerou de fato foi o encolhimento?

Menas, menas...

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula vai levar cinco acompanhantes para seu encontro de amanhã com Obama, incluindo dois ministros: Amorim, por óbvio, e Dilma, por ser a "gerentona" do governo (além de candidata à sua própria sucessão em 2010).

Mantega e Meirelles ficam na segunda classe, ao lado de Luciano Coutinho (BNDES) e de José Sérgio Gabrielli (Petrobras), para participar de um seminário no "Wall Street Journal", em que, aliás, Dilma voltará ao foco, já na condição de "mãe do PAC" e falando sobre investimentos e regulação.

Mas a grande estrela vai ser mesmo o nosso Lulinha, que não vai pegar o Aerolula, voar esse tempo todo até Washington e ter a honra de ser o terceiro líder a pisar na Casa Branca de Obama para chegar lá humilde, modesto. Muito pelo contrário. Ele quer ir não só como presidente do Brasil nem mesmo só como líder regional, mas como um protagonista mundial. Lula tinha uma boa empatia com Bush e vai se esmerar para que isso se repita ou até se acentue com Obama. Um nordestino retirante que fez a vida e a carreira política em São Paulo até virar presidente.

Um jovem criado pelos avós brancos e de classe média no Havaí e na Indonésia, que se tornou o primeiro presidente negro da potência. Mas Lula deve ter cuidado. O risco é que tente ensinar a Obama como consertar os bancos, segurar a crise internacional, mudar a ONU, o FMI e o Banco Mundial e, de quebra, como tratar de Bolívia e Cuba a Peru e Colômbia. O céu é o limite.

Isso lembra um pouco uma ironia do ex-presidente Itamar Franco, depois de convidar, em vão, José Serra para ser ministro da Fazenda do seu governo e ouvir um programa de governo inteiro: "O Serra não quer ser ministro da Fazenda. Ele quer ser presidente no meu lugar!". Obama não pode sair do encontro de amanhã com a mesma sensação: "O Lula não quer ser líder da América do Sul. Ele quer ser presidente dos EUA!".

Governo ainda aposta no carisma de Lula

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO


Abalo na economia já atinge articulações para candidatura de Dilma em 2010

BRASÍLIA. O temor de uma recessão em 2009, a partir da queda de 3,6% do PIB no último trimestre de 2008, acima do esperado, assustou não só a área econômica do governo, mas também o núcleo político. Apesar do discurso otimista, a avaliação é que o agravamento dos efeitos da crise no Brasil pode começar a afetar a popularidade do governo Lula e ter reflexos, inclusive, na sucessão presidencial de 2010. A grande aposta ainda é na capacidade de comunicação do presidente.

O consenso entre integrantes do governo, da oposição e de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO é que, até agora, Lula segura os índices de aprovação do governo com a sua capacidade de produzir discursos otimistas. Mas já se considera que isso pode não bastar. Para analistas de pesquisas e políticos, Lula tem conseguido passar a imagem de que o governo age para enfrentar os efeitos da crise internacional. Agora precisará mostrar as ações, de fato.

"Esse é o momento mais grave da crise", diz Múcio

A discussão no governo é sobre como evitar que a crise tenha forte impacto na popularidade de Lula, mas, principalmente, na aprovação do governo. Com o Planalto atingido, será mais difícil a transferência de votos para a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do presidente para 2010.

- Os meses de janeiro, fevereiro e março são emblemáticos. Esse é o momento mais grave da crise. Agora, as pessoas sabem que o presidente está atuando para amenizar os efeitos da turbulência internacional, aqui no Brasil. Isso será levado em conta pela população - afirmou o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

Na opinião de analistas eleitorais, a população ainda tem uma percepção subjetiva da queda acentuada do PIB e dos demais efeitos da crise. Para o cientista político Antonio Lavareda, consultor da MCI, ainda não está claro se o governo vem enfrentando a crise como deve:

- O que vai impactar é como o governo conseguirá enfrentar a crise. O Planalto faz um esforço para mostrar que é competente. Até agora, os efeitos na popularidade são preliminares. Mas ainda não está claro se o presidente está enfrentando a crise como deve. E isso pode refletir na candidatura de Dilma. Como efeito imediato da crise, voltou a surgir na população o tema da moralidade, que, em momentos de crescimento econômico, fica em segundo plano.

O cientista político João Francisco Meira, do Instituto Vox Populi, acredita que demora algum tempo entre o fenômeno, no caso os efeitos da crise, e a percepção da sociedade do que pode ser negativo ou positivo:

- Quais os reflexos dessa crise financeira na próxima eleição? Ainda é cedo. Até que ponto a recessão vai chegar? Mas até o momento, a percepção das pessoas é que o governo tem feito o possível na condução da crise.

Na própria base aliada no Congresso há apreensão. Para o presidente da Comissão para o acompanhamento da crise, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), está na hora de o governo dar respostas mais rápidas. Ele alerta que a crise pode resultar num ambiente psicológico negativo que, até agora, o governo tem conseguido evitar.

- É preciso dar uma resposta rápida para reverter o quadro de pessimismo que pode tomar conta da sociedade de agora em diante. O discurso do presidente Lula está correto ao ser otimista. Mas é preciso dar mais operacionalidade. Ninguém conseguirá afetar a popularidade pessoal de Lula, pela sua capacidade de comunicação. Agora, o governo pode perder força - afirma Dornelles.

- Não há como uma crise dessa proporção não impactar o Brasil. E terá reflexos nos prefeitos, governadores e no presidente da República. Todos serão cobrados. A crise também tem impacto na indústria de São Paulo - aposta o líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP). - Mas as pessoas sabem que o governo Lula foi precavido e tomou medidas para amenizar a crise. Espero que, até 2010, seja outro cenário. O momento presente terá papel decisivo no futuro, no caso as eleições. E o futuro terá impacto no presente. E temos instrumentos para preparar o futuro.

Para a oposição, a popularidade de Lula começará a ser atingida assim que ele assumir que a crise não é só uma "marolinha".

- Os reflexos na popularidade dependem do humor da sociedade. Até agora, havia um discurso otimista do governo. Mas Lula começa a mudar esse discurso. A sociedade já começa a perceber que a crise não é apenas uma "marolinha". E isso vai atingir o humor das pessoas - diz o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

Lula, um ator em 27 palcos

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Não é apenas em relação à própria sucessão presidencial que a ação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se faz notar neste ano de pré-campanha. Além de consolidar o nome da sua preferida, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, dentro do partido, Lula começa a agir em um raio de Porto Alegre a Salvador, de Curitiba a Fortaleza.

A sombra do lulismo paira sobre cada unidade da federação. O presidente é polo aglutinador em alguns Estados e o ponto de equilíbrio em outros, onde há a disputa entre o PT e algum aliado. Serão raras as sucessões estaduais que não terão a sua ação decisiva. Um observador atento da cena petista aponta que até mesmo uniões tidas em passado recente como impensáveis começam a se desenhar, como a aproximação entre o PT e o PMDB no Rio Grande do Sul. Na arena gaúcha, os dois partidos jamais se coligaram em suas histórias. Agora esta aliança entra pela primeira vez no terreno da hipótese, em um cenário onde a governadora tucana Yeda Crusius sofre um desgaste avassalador. O ministro da Justiça, Tarso Genro, pelo PT, e o ex-governador Germano Rigotto, pelo PMDB, podem ser os protagonistas de uma coligação inédita, que, se surgir, nascerá no Planalto Central, e não no Guaíba. É com Lula, e não com líderes regionais petistas, que o PMDB poderá se coligar.

A ação de Lula também desenha uma grande frente no Paraná, onde o governador Roberto Requião (PMDB) e os petistas já tiveram várias aproximações e rompimentos. No ano passado, sob recomendação expressa de Lula, o governador paranaense nomeou o técnico Valter Bianchini para a Secretaria Estadual de Agricultura. Na ocasião, empossou outro petista, Enio Verri, para a Secretaria do Planejamento. É um aliado do ministro do Planejamento, o petista Paulo Bernardo. Não está claro quem poderá ser o candidato ao governo paranaense que una Requião e o petismo, mas é evidente a ofensiva lulista para isolar o PSDB, que caminha para uma divisão entre o senador Álvaro Dias e o prefeito de Curitiba, Beto Richa. O próximo lance do Planalto poderá ser a atração do irmão de Álvaro, o também senador Osmar Dias (PDT) para o governismo, rachando a família.

A depender das conversas com o PSB, o Planalto também poderá ser a chave para uma aliança que isole o senador tucano Tasso Jereissati no Ceará. No desenho imaginado, o governador Cid Gomes poderia disputar a reeleição, apoiado por PT e PMDB, que lançariam respectivamente para o Senado o ministro da Previdência, José Pimentel, e o deputado Eunício Oliveira. Em Pernambuco, o pacto envolveria o apoio petista à reeleição do governador Eduardo Campos e a candidatura do ex-prefeito do Recife João Paulo, ao Senado. Tanto em um caso como no outro, são equações que necessariamente envolvem a desistência do deputado Ciro Gomes (PSB) em tentar a Presidência pela terceira vez.

O quadro é mais delicado na Bahia, onde Lula já começou a agir para diminuir a competição entre o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB) e o governador petista Jaques Wagner. Aos petistas baianos, o presidente pediu que a escalada verbal fosse interrompida. Na disputa pela prefeitura de Salvador, no ano passado, o PMDB baiano aproximou-se muito dos tucanos e dos integrantes do DEM. O lado oposicionista já ofereceu a Geddel o apoio para concorrer ao governo estadual, em troca de seu empenho para impedir que o PMDB apoie o PT na eleição presidencial. Não está claro o que pode ser oferecido a Geddel para que permaneça na trincheira governista.

As maiores dificuldades de atuação presidencial estão nos dois grandes colégios eleitorais. Em Minas Gerais, a divisão do PT entre as possíveis candidaturas do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel impede uma movimentação por cima. O provável é que se aguarde o resultado da eleição direta dos dirigentes petistas, no fim do ano passado. Um resultado claro a favor de um dos adversários internos em Minas poderá destravar a ação de Brasília. Ao longo dos últimos meses, a atuação do presidente em Minas visou apenas a enfraquecer Aécio: com sucesso, Lula impediu que o governador mineiro tentasse enredar Pimentel na construção de uma candidatura ao governo estadual fora da órbita do PT.

Em São Paulo, está a pior situação. Diante da provável candidatura do governador José Serra à Presidência, é o PT que está isolado. O governador paulista monta uma aliança com lugar para o PMDB de Orestes Quércia e o DEM de Gilberto Kassab, além de todas as alas e subalas do tucanato. Já o PT oscila entre duas possibilidades, inviáveis eleitoralmente cada uma a seu modo: o deputado federal Antonio Palocci e a ex-prefeita paulistana Marta Suplicy. Fato novo, que poderá representar uma saída para o bloco governista, é a articulação de partidos aliados ao Planalto em torno de uma hipotética candidatura do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. A construção de um cenário de dois turnos para a eleição paulista atenua a fraqueza do palanque regional para a virtual candidata presidencial do PT, Dilma Rousseff.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, excepcionalmente não escreve hoje

Vítima ou não?

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O economista Joseph Stiglitz disse que o Brasil foi uma vítima inocente da crise. Muita gente discorda. O professor de economia da PUC Márcio Garcia acha, pelo contrário, que o Brasil se beneficiou do período de expansão da economia mundial. O analista da Gávea Investimentos, Armando Castelar, acrescenta que o Brasil poderia ter feito mais nesse período das vacas magras.

O Brasil não é culpado, no sentido de que ele não montou aqui, como lá fora, um sistema explosivo como o do subprime. Mas essa ideia de que fizemos tudo certo e fomos atingidos por uma fatalidade é uma visão superficial do que se passou. Eu já achava isso, mas fiquei mais convencida na entrevista com os professores de economia num programa da Globonews, que foi ao ar ontem à noite.

- Nós nos beneficiamos, aumentamos nossas exportações, os altos preços das commodities contribuíram para o período de prosperidade, com várias vantagens para a economia brasileira - disse Márcio Garcia.

- O Chile usou esse momento de vacas gordas e fez um enorme fundo, que está usando agora como política anticíclica - disse Armando Castelar, alertando que não tem comparação com o nosso fundo soberano, muito menor e feito na última hora.

Os dois lembraram também que não só o país foi beneficiário do boom, como desperdiçou esse momento não fazendo as reformas e mudanças necessárias para o momento difícil. Pelo contrário.

- O país aumentou os gastos correntes numa proporção duas vezes maior que o crescimento do PIB - lembrou Castelar.

Márcio Garcia disse que a fotografia é muito boa e, olhando só para ela, fica-se com a impressão de que o país aproveitou bem os bons tempos. A dívida pública, por exemplo, caiu para 36% do PIB, mas a tendência é de deterioração fiscal. Armando concorda que o país não tem folga fiscal.

- Os setores que estão caindo mais são grandes arrecadadores de impostos. Por isso, a tendência é a receita cair muito rapidamente - disse Castelar.

Sobre a queda dos juros, Márcio acha que o Banco Central poderia ter derrubado a Selic um pouco mais. Armando acha que o BC foi até ousado demais. Em outra conversa que tive ontem perguntei a dois outros analistas a avaliação sobre a decisão do Copom. Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos, acha que o Banco Central acertou perfeitamente na dose.

- Desde a divulgação da produção industrial de janeiro formou-se um consenso de que a queda seria de 1,5 ponto percentual. Tanto estava na medida que hoje a curva de juros nem mexeu. O Banco Central se mostrou flexível, e ao mesmo tempo mostrou que continua sendo o que sempre foi, tomando decisões com autonomia - diz Figueiredo, que já foi diretor do BC.

Luiz Carlos Mendonça de Barros acha que o risco maior agora é de um agravamento da crise internacional. Portanto, independentemente do que o Banco Central fizer, pode haver uma segunda rodada de piora externa que faça com que o crescimento zero do país seja o melhor cenário. Ele acha que pode haver uma sensação de melhora nos próximos dois meses, e depois um rebote da crise ainda mais desestabilizador.

- Quando eu calculo crescimento zero para o Brasil este ano eu estou imaginando um cenário em que o nível de atividade vai melhorando até estar crescendo a 3% no fim de 2009. Isso dará um crescimento zero, mas num ano em que a situação vai melhorando. Porém, se houver um agravamento da crise externa, nem isso o país vai conseguir - diz Luiz Carlos.

No programa da Globonews, Márcio Garcia disse que se houvesse imposição ao BC de um corte maior dos juros, seria um "desastre", e o país estaria começando a voltar aos tempos pré-real.

Armando acha que o país precisa da independência formal do BC, para que ele não fique sempre sob o risco de intervenção.

- Como Ulisses se amarrava nas pedras para não ouvir o canto da sereia, é preciso dar garantias institucionais ao Banco Central - disse Armando.

Márcio acredita que o mix de políticas para sair do atual ambiente recessivo seria mais redução de juros, política fiscal apertada, com corte de gastos de custeio, e aumento do investimento. Mas como dificilmente haverá corte de gastos, ele acha que o superávit primário vai ser reduzido e que o fundo soberano vai ser convocado para aumentar investimento. O que talvez o governo não consiga realizar, como não conseguiu no passado.

Armando deixou claro que quando critica o aumento dos gastos correntes não está falando das políticas de combate à pobreza extrema.

- O gasto com o Bolsa Família pode e deve aumentar. Ele é uma parcela pequena do gasto social brasileiro, que é 25% do PIB, mas a maior parte dele é destinada aos não pobres - disse.

Em resumo, o Brasil fez alguns movimentos corretos nos últimos anos, como acumular reservas, reduzir a dívida, aumentar o gasto com os mais pobres, mas, ao mesmo tempo, desperdiçou o melhor momento da economia mundial, não mudando estruturalmente seu gasto. Pelo contrário, aumentou exatamente as despesas públicas que não pode mudar.

- Não reconhecer um tempo de bonança é um erro grave - diz Castelar.

Uma nova fronteira para os juros

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Falar sobre uma taxa de juros de 8% ao ano em meados de 2010 não me parece uma irresponsabilidade

AGORA QUE as informações sobre o comportamento da economia brasileira nos últimos meses criaram uma convergência de previsões, podemos encarar o ano de 2009 de frente. Até a divulgação dos dados recentes sobre o PIB e dos últimos indicadores da inflação no atacado, ainda existiam bolsões de dúvida sobre o impacto da crise externa sobre a economia brasileira.

De um lado, o governo vendendo seu discurso otimista sobre os efeitos da crise e apostando em um crescimento ainda vigoroso neste ano; de outro, os economistas mais conservadores, inclusive na diretoria do Banco Central, chamando a atenção para os riscos inflacionários criados pela desvalorização do real. Habituados a olhar apenas para o passado, justificavam os juros altos como defesa contra eventual choque inflacionário causado por um real desvalorizado em quase 40%.

A decisão do Copom da última quarta-feira mostra que o BC finalmente convenceu-se de que o chamado "pass through" do câmbio não vai ocorrer e que a queda da atividade econômica abre espaço para taxas de inflação mais baixas. Nossa autoridade monetária ainda esboça um discurso cauteloso em relação ao futuro, mas o mercado acredita que exista um espaço maior para redução dos juros. No mercado futuro da BM&F, os juros na virada de 2010 estão sendo negociados a uma taxa Selic de 9,60%.

A Selic abaixo dos 10% ao ano traz uma carga simbólica importante para nós, brasileiros. O mercado dá muita importância a taxa de juros de apenas um dígito como sinal de seriedade na condução da política econômica do país. Desde sua criação, em 1999, a Selic nunca havia cruzado essa fronteira. Por isso ainda existe o receio em segmentos da opinião pública sobre os riscos associados a esse movimento.

Mas a taxa de juros não é um fetiche a ser tratado com medo e insegurança. Ela é o instrumento mais importante na gestão macroeconômica e visa alcançar uma situação de crescimento econômico com estabilidade de preços. No quadro atual de desaquecimento bastante forte e com o aparecimento de uma capacidade ociosa expressiva no tecido produtivo brasileiro, o BC tem a oportunidade de olhar de forma mais concreta para a questão da preservação do crescimento.

Outro elemento importante no desenho da política monetária é o estado do mercado de trabalho. Antes do choque externo de setembro do ano passado, as pressões salariais eram um componente importante nas preocupações do Banco Central. No quadro atual, o aumento do desemprego, que vai acontecer ao longo dos próximos meses, reduzirá de forma importante essas pressões e permitirá uma queda mais acentuada da inflação.

Finalmente, uma força de natureza conjuntural que vai agir sobre a inflação em 2010 -a indexação ao IGP de vários preços de serviços importantes- também ajuda na redução mais agressiva dos juros. O IGP deve chegar a 3% neste ano, contra mais de 9% em 2008, reduzindo a rigidez dos preços administrados. As previsões sobre a inflação no próximo ano já mostram que uma taxa de 3% a 3,5% poderá ocorrer.

Se isso se confirmar ao longo dos próximos meses, não haverá por que a taxa Selic não bater novos recordes de baixa. Não me parece irresponsabilidade falar sobre 8% ao ano como um número a ser atingido em meados de 2010.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Crise fecha 236 mil vagas na indústria paulista

Anne Warth
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Após 5 meses de retração, Fiesp diz que onda de demissões está no fim

A Fiesp informou que as indústrias de São Paulo fecharam 43 mil postos de trabalho no mês passado, uma queda de 2,09% no nível de emprego em relação a janeiro. Foi o pior resultado para um mês de fevereiro desde 1994. Desde outubro, quando a crise financeira mundial se agravou, as empresas paulistas fecharam 235,5 mil postos, um corte de 8,5% em relação ao total de vagas existentes até setembro. Segundo o IBGE, a ocupação no setor industrial brasileiro em janeiro caiu 2,5% sobre o mesmo mês de 2008, o pior resultado desde 2001. Consulta da Confederação Nacional da Indústria mostra que"um terço das 431 empresas pesquisadas fará novas demissões. Para 54% dos empresários, as medidas contra a escassez de crédito têm tido efeito apenas moderado. (págs. 1, B1 e B3)

NÚMERO
18,2 % é a queda da produção na crise

Indústria corta 236 mil vagas em SP

Com 43 mil dispensas em fevereiro, onda de demissões chega ao 5.º mês, mas Fiesp já vê sinais de estabilização

Em fevereiro, pelo quinto mês consecutivo, as demissões superaram as contratações na indústria paulista. Levantamento divulgado ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que as empresas do setor fecharam 43 mil postos de trabalho no mês passado, o que representou queda de 2,09% no nível de emprego em relação a janeiro, segundo dados com ajuste sazonal. Foi o pior resultado para um mês de fevereiro na série histórica da Fiesp, iniciada em julho de 1994.

Desde outubro de 2008, quando os efeitos da crise financeira mundial sobre a indústria se agravaram, as empresas paulistas já fecharam 236,5 mil vagas - o correspondente ao corte de 8,5% no total de 2,350 milhões de postos de trabalho que existiam no setor até setembro.

"Nestes cinco meses, perdemos mais do que havíamos ganho no nosso melhor ano", disse Paulo Francini, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, referindo-se a 2004. Naquele ano, foram abertas mais de 140 mil vagas na indústria paulista. "Como normalmente ocorre a demissão de pouco mais de 35 mil pessoas nesse período de cinco meses, pode-se dizer que houve um corte adicional de 200 mil vagas por causa da crise", acrescentou Francini.

Mas a Fiesp já tem indícios de que o mês de março pode significar o fim do movimento de perda de postos de trabalho. Na primeira quinzena do mês, o indicador Sensor, que mede a confiança dos empresários, marcou 50,2 pontos, o que indica estabilidade, fato que não ocorria desde outubro de 2008. Nesse período, o indicador chegou a bater em 34 pontos, na primeira quinzena de dezembro.

"Isso sugere que as empresas começaram a enxergar alguma melhora no ambiente econômico", disse o diretor da Fiesp.

Dois dos itens que compõem o Sensor tiveram forte recuperação: Mercado, que fechou com 58,9 pontos, e Vendas, com 54,6 pontos. Eles indicam que o industrial percebe melhora tanto no mercado, de forma geral, como nas suas vendas, de forma mais específica. Já o item Emprego ficou com 47,7 pontos. Embora ainda distante dos 55/60 pontos registrados ao longo de 2008, o resultado é muito melhor que os 35/40 verificados desde novembro.

Para Francini, embora seja difícil prever como será o resultado de março, tudo indica que o emprego pode ficar estável. Se cair, ele acredita que será numa intensidade bem menor que a dos últimos meses.

Por enquanto,74 mil vagas já foram fechadas este ano. Na comparação entre fevereiro de 2009 com o de 2008, o nível de emprego mostra retração de 4,57%, com a eliminação de 112,5 mil postos de trabalho no período. Dos 22 segmentos pesquisados, 20 demitiram e só dois contrataram em fevereiro. As empresas do setor de couro e calçados abriram 346 vagas, enquanto as de produtos diversos fizeram 77 contratações.

Governo estuda suspender aumento dos servidores

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

Com o recrudescimento da crise e a queda do PIB, o governo federal analisa suspender por tempo indeterminado os aumentos concedidos a um milhão de servidores no ano passado. Os reajustes têm impacto de R$ 29 bilhões no Orçamento de 2009. A área econômica estuda formas de acionar salvaguardas que condicionam os reajustes à disponibilidade orçamentária. Mas o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT para 2010, ainda resistem, temendo o custo político da medida. Os servidores já ameaçam fazer greve. Não é a primeira vez que a equipe econômica diverge do presidente Lula e da ministra Dilma. Isso ocorre também nas discussões sobre o pacote habitacional, no qual Dilma quer incluir casa "de graça" para a população

Crise ameaça reajuste de servidor

Equipe econômica pressiona, mas Lula e Dilma resistem a suspender aumentos

Diante do recrudescimento da crise, com previsões mais concretas de uma queda brusca na arrecadação, a área econômica já analisa a possibilidade de lançar mão do artifício jurídico que permite a suspensão dos pagamentos futuros dos reajustes salariais concedidos a servidores ano passado. Essa salvaguarda, ou "guarda-chuva", como é chamado dentro do governo, foi aprovada de forma discreta, a pedido do Palácio do Planalto, como um artigo da medida provisória 441, a última das quatro MPs editadas sobre reajustes e criação de cargos em 2008. O problema é o custo político da medida.

O presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT à sucessão presidencial de 2010, estariam resistindo a adotar decisão de efeito tão negativo para o funcionalismo, eleitorado importante para o PT.

O dispositivo, aprovado em outubro, prevê que os pagamentos escalonados para 2009, 2010 e 2011 são condicionados à "existência de disponibilidade orçamentária e financeira para a realização da despesa". O impacto dos reajustes concedidos a mais de 1,6 milhão de servidores será de R$29 bilhões em 2009, com reflexos até 2012.

O Ministério do Planejamento admite que a possibilidade, prevista na lei, está em estudo, mas ressalta que só será tomada uma decisão no final de março, quando o governo apresentará o decreto sobre a programação financeira para o ano, com novos valores de receita e despesa, e os respectivos cortes no Orçamento, que podem ficar em torno de R$40 bilhões.

O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Costa, anunciou mobilização em Brasília na próxima semana e afirmou que, se necessário, os servidores partem para a greve. A entidade pediu audiência com o ministro Paulo Bernardo e o presidente Lula.

- O governo não nos disse nada. Existe uma arrecadação, e servidor não é gasto, é investimento, faz a máquina funcionar. E faz com que o PAC não tenha prejuízo. Caso o governo tente suspender o pagamento, vamos reagir - disse Josemilton Costa.

No Congresso, petistas confirmam o debate, mas os setores do partido mais ligados ao sindicalismo fazem pressão contra e apostam que Lula manterá os reajustes. Um parlamentar, que pediu o anonimato, resumiu: "A área econômica quer, mas minha chefe (Dilma) deu ordem para não vai fazer isso". Ao saber do comentário, Paulo Bernardo informou, por meio da assessoria, que nunca discutiu o assunto com a ministra.

"Governo vai ter dificuldade de caixa"

O senador Delcídio Amaral (PT-MS), que foi relator do Orçamento da União deste ano, disse que apenas cortes em "café e água" não ajudam. Ele afirmou que dificilmente o governo escapará de ter que usar o dispositivo, mas ressalvou que ainda conversaria com Paulo Bernardo a respeito.

- Para administrar a queda na arrecadação, o governo tem alternativas. A MP dos aumentos previa a possibilidade de adiar (esses reajustes). O governo vai ter dificuldade de caixa e tem que reduzir o custeio - disse Delcídio, lembrando que o Orçamento foi elaborado com base num crescimento de 3,5% do PIB contra uma previsão agora de 1%.

A oposição diz que o governo subestimou a crise e que cabe a ele decidir o que fazer agora. Mas evita pregar punição ao servidor.

- Não vou dizer o que o governo deve fazer. Mas a única saída é fazer um ajuste dos gastos correntes. É necessário fazer sacrifícios. O presidente Lula não pode mais negar a crise - disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

- Lula negligenciou a crise. Os reajustes têm mérito, mas não têm cabimento. Mas se pode dar mais ou menos, o governo é que tem que medir. Se houver revisão, significa que o assunto não foi tratado com espírito público. Isso é incompetência - acrescentou o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC).

Ontem, no vazio plenário da Câmara, Gilmar Machado (PT-MG), que trata das questões orçamentárias na bancada, defendeu os servidores e apostou:

- O servidor não é o problema, não vai pagar a conta e não vai ser responsabilizado pela crise. Os reajustes estão mantidos, o que pode ocorrer é suspensão de concursos.

- O custo político seria muito grande e só se justificaria se tivéssemos uma catástrofe arrecadatória - completou Geraldo Magela (PT-DF).

Diante da polêmica, o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), foi cauteloso:

- O partido apoia integralmente a decisão do governo Lula.