segunda-feira, 16 de março de 2009

A agenda de Giuseppe Vacca no Brasil

A.Veiga Fialho
Fonte: Gramsci e o Brasil

Presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, Giuseppe Vacca cumpre extensa agenda de compromissos entre os dias 18 e 21 de março no Brasil, por ocasião do lançamento do seu livro, Por um novo reformismo (Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Ed. Contraponto). Entre os compromissos abertos ao público, registramos:

18 de março, quarta-feira:

18h — Palestra e debate no Rio de Janeiro
Istituto Italiano di Cultura – Sala Itália, 4o andar
Av. Presidente Antônio Carlos, 40 – Castelo, Centro

19 de março, quinta-feira:

19h — Palestra e debate em São Paulo
Câmara Municipal – Auditório Prestes Maia (Plenarinho)
Palácio Anchieta – Viaduto Jacareí 100 – Bela Vista

20 de março, sexta-feira:

19hPalestra na Unicamp sobre Gramsci, os intelectuais e a educação.

21 de março, sábado:

Giuseppe Vacca encontra-se com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador José Serra, entre outras personalidades políticas e intelectuais; e, logo em seguida, encontra-se com dirigentes do PT para discutir “a atualidade de Gramsci”.

Vacca também participa, em São Paulo, da gravação de um programa Roda-viva.

PSDB se mobiliza hoje para promover discurso de união

Julia Duailibi e Ana Paula Scinocca
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Serra e Aécio, pré-candidatos à Presidência, se encontram no Recife para mostrar unidade do partido

No momento em que o PSDB discute quem será o candidato na eleição de 2010, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, deverão se encontrar hoje para dar sinais de unidade partidária e engordar o discurso de que não haverá um racha durante o processo de escolha interno.

Para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), o encontro entre Serra e Aécio é um sinal da "unidade" dos tucanos. "Esse é um ato positivo para o partido. É efetivamente uma sinalização de unidade", declarou Guerra.

O senador espera Serra e Aécio para uma série de eventos no Recife. Os dois deverão se encontrar com deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores da região. Além disso, no decorrer da agenda, haverá conversas com líderes de outros partidos, como o senador Jarbas Vasconcellos (PMDB), o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e o deputado Raul Jungmann (PPS).

O encontro entre os dois, que contou com ajuda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é visto com expectativa."É um primeiro passo para que se entendam. Se resolverem mesmo ser candidatos, faremos prévias, é a maneira mais democrática", disse o senador Arthur Virgílio (AM).

A agenda começa às 19 horas no lançamento do livro Daquilo que eu sei - Tancredo e a transição democrática, do ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. Depois, às 20 horas, haverá a inauguração do auditório Ruth Cardoso, na sede do PSDB no Recife. Foram convidadas para esse evento cerca de 250 pessoas, que ouvirão discursos de Serra, Aécio e da prefeita Judite Botafogo, do município de Lagoa do Carro. Numa eleição em que o adversário deve ser uma mulher - a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT) -, o partido quer prestigiar líderes femininas.

O último compromisso será um jantar na casa do senador Guerra, para o qual foram convidados deputados federais e estaduais.

Antes de Recife, Serra cumprirá uma agenda de governo à tarde no Paraná, com o governador Roberto Requião (PMDB). Os dois assinarão termo de cooperação entre os dois Estados.

ALIADOS

No jantar, aliados dos tucanos pretendem reforçar a estratégia sobre a eleição de 2010. Jungmann, por exemplo, acha que os tucanos têm de afiar o discurso de oposição e resolver as questões internas até, no máximo, junho. O debate, diz ele, é "salutar, desde que haja limite".

"Eu vejo com muita apreensão. Empurrar essa decisão (sobre candidatura) com a barriga e lançá-la para a frente pode nos trazer uma surpresa. Deveríamos entrar já numa fase pré-campanha mais efetiva", disse.

Mas não há consenso no partido sobre esse ponto. Enquanto Aécio quer viajar já pelo País para falar de 2010, Serra tem sido contra antecipar a campanha eleitoral.

Presidência gasta 405% mais com cartões

Regina Alvarez
DEU EM O GLOBO

De 1º de janeiro até o último dia 11, as despesas com cartões corporativos da Presidência da República chegaram a R$ 2,785 milhões. O valor é 405% maior do que o desembolsado no primeiro trimestre do ano passado. Até o fim de março, as despesas devem crescer. Os dados são do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira). O volume deste ano equivale a 65% de tudo o que foi gasto em todo o ano de 2008. As despesas estão relacionadas principalmente a viagens do presidente Lula e suas comitivas de apoio e segurança. Os cartões são usados para pagar despesas diversas, de hospedagem a alimentação. No ano passado, o escândalo com cartões corporativos de ministros – usados até para comprar tapioca – foi investigado pelo Congresso e o governo prometeu reduzir os gastos

Crescimento, só no cartão

Apesar da crise, gastos corporativos da Presidência da República aumentam 405% em 2009

Oano ainda está no começo e a crise econômica se agravou, mas as faturas dos cartões corporativos utilizados pela Presidência da República já registram gastos de R$2,785 milhões, 65,5% de tudo que foi gasto com os cartões em 2008: R$4,250 milhões. As despesas se referem principalmente aos gastos com as viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com as comitivas do presidente e as equipes de apoio e de segurança. Parte dessas despesas foi realizada em dezembro de 2008, mas faturada em 2009.

Os gastos entre 1º de janeiro e 11 de março deste ano representam uma alta de 405,8% sobre as despesas do primeiro trimestre de 2008. De janeiro a março do ano passado foram gastos com os cartões corporativos R$550,6 mil. Os R$2,785 milhões deste ano foram gastos só até 11 de março, data em que foi fechado o levantamento. Até o fim do trimestre, a alta registrada será ainda maior.

Os cartões corporativos são usados no governo para pagar despesas diversas, incluindo hospedagem e alimentação nas viagens presidenciais. Um grupo de funcionários, chamados de ecônomos, utiliza os cartões, mas nem todas as despesas são registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), porque parte delas é protegida pelo sigilo garantido ao presidente da República, por razões de segurança nacional. No ano passado, o presidente fez 162 viagens, 20 a mais do que no ano anterior. As despesas com hospedagem cresceram 62% e, com alimentação, 39%, segundo registro do próprio governo.

Mais de R$740 mil em segurança durante cúpula

Segundo os registros do Siafi, sistema informatizado de acompanhamento financeiro do governo, os maiores gastos da Secretaria de Administração da Presidência da República com cartão corporativo em 2009 foram feitos pela ecônoma Maria Emilia Matheus Evora. Ela pagou despesas no valor de R$857,3 mil, sendo que só uma das faturas é de R$741,9 mil. O levantamento dessas despesas - realizado pela Consultoria Técnica de Orçamento do DEM - mostra ainda que Maria Emília também pagou com cartão corporativo gastos de R$66 mil, de R$45,3 mil e de R$4 mil, todas faturadas este ano.

Segundo a Casa Civil, a despesa de R$741, 9 mil paga pela ecônoma foi realizada em dezembro de 2008, para atender as necessidades do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão ligado à Presidência, durante a Cúpula da América Latina e do Caribe, na Costa do Sauípe, na Bahia, que teve a participação de 30 delegações estrangeiras. As demais despesas não foram detalhadas.

Até o ano passado, Maria Emília cuidava das despesas da primeira-dama Marisa Letícia. Mas com a revelação dos abusos no uso do cartão corporativo - que resultou na exoneração da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro - os gastos realizados pela ecônoma ganharam destaque na imprensa e ela foi deslocada para outras funções.

Os registros do Siafi mostram que o ecônomo Clever Pereira Fialho, também lotado na Presidência, pagou com cartão corporativo gastos no valor de R$331,8 mil em 2009. A Casa Civil informou que Clever acompanhou diversas viagens do presidente Lula e o valor de R$331,8 mil se refere a despesas relacionadas com essas viagens presidenciais, em especial o Fórum Social Mundial, realizado em janeiro, em Belém (PA).

Reflexo das viagens em 2008, diz Casa Civil

Segundo a Casa Civil, o aumento das despesas com cartão corporativo em 2009 é reflexo das viagens do presidente Lula realizadas ainda em 2008 e de eventos organizados pela Presidência, que têm a presença de delegações estrangeiras, como, por exemplo, a Cúpula em Sauípe e o Fórum Social em Belém. "Nestes eventos houve a participação de inúmeras delegações estrangeiras que foram atendidas em questões de segurança pelo GSI", explica.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é encarregado de fiscalizar os gastos do governo com cartão corporativo e já identificou vários abusos e irregularidades nas despesas com esse sistema de pagamento. Após o escândalo que resultou na saída de Matilde Ribeiro, em 2008, os gastos globais por meio desse instrumento diminuiram e a fiscalização ficou mais rigorosa.

O procurador do Ministério Público junto ao TCU Marinus Eduardo Marsico destaca que o aumento dos gastos com cartões corporativos é preocupante, especialmente neste momento de crise econômica grave. Ele faz um alerta aos gestores desses cartões:

- Qualquer aumento nos gastos de 2009 será acompanhado com lupa pelo Ministério Público - diz o procurador.

DÚVIDAS (poema)

Graziela Melo

Bem longe
Caminham
As certezas

As dúvidas
Pululam
Por perto

No âmago
Das minhas
Fraquezas

Nas horas
Das minhas
Tristezas

Ao olhar
O amanhã
Incerto

A vida
Parece
Distante

No mesmo
E preciso
Instante

Em que
O mundo
Parece
Um deserto!

Rio de Janeiro, domingo, 15/03/09

Cartolas sem coelhos

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em evento universitário recente, ouvi um filósofo político falar da intensidade com que o interesse pela ação política motiva o seu trabalho. A declaração vinha a propósito das relações entre a reflexão teórica sobre questões políticas e a bifurcação que contrapõe a prática política, de um lado, e, de outro, as questões metodológicas trazidas pela preocupação de corroboração empírica ou factual das proposições que a reflexão produz. Desse ponto de vista, surge a possibilidade de objetar que o interesse pela ação política, ou o compromisso com ela, pode ligar-se a equívocos variados e relacionar-se de maneira problemática com o diagnóstico da situação em que se trata de agir. E a própria ação, portanto, pode vir a ser equivocada e eventualmente carregada de efeitos nefastos.

Naturalmente, esse é, no fundo, o velho tema que associa a ideia de ideologia com distorção e erro, como se dá há muito na chamada sociologia do conhecimento. Há um uso "nobre" de ideologia, frequente no campo da política, que é contrastante com esse, indicando antes a capacidade de reflexão elaborada e tomada de posição sofisticada a respeito dos assuntos políticos - e pode-se perceber que "ideologia política" envolve, na verdade, os dois elementos, tanto o de construção intelectual mais ou menos complexa quanto o de engajamento, parcialidade e rigidez. De todo modo, o componente de rigidez e erro esteve fortemente vinculado, até há pouco, em particular com certas posições mais aguerridas de esquerda, de orientação socializante ou mesmo revolucionária, enquanto as posições contrárias se pretendiam pragmáticas e realistas - ou pelo menos ter os valores que admitidamente as guiavam fundados na reflexão mais sólida e bem respaldada nos fatos.

Com as proporções da crise de agora, porém, a conexão entre ideias e fatos se tornou objeto de perplexidade geral. Em artigo de dias atrás ("Seeds of its own destruction", FT.com, 8 de março), Martin Wolf dirige-se à ideologia como orientação valorativa geral e não deixa por menos: o colapso da ideologia do livre mercado é equiparado, sem vacilações, ao da do socialismo revolucionário. Mas problemas de conhecimento têm lugar de relevo em sua análise: Wolf não só reconhece ser "impossível saber, nesta encruzilhada, aonde estamos indo", mas também, citando Paul Volcker, aponta a causa crucial da crise no fato de que o novo e sofisticado sistema financeiro, ao contrário do que se presumia (que sua sofisticação mesma transferiria o risco para os mais capazes de administrá-lo), "falhou no teste de mercado", transferindo o risco aos menos capazes de entendê-lo - e dando razão à caracterização de Warren Buffett dos derivativos como "armas financeiras de destruição em massa".

As reavaliações dos economistas se multiplicam e aprofundam. Em sua coluna de 10 de março no Valor, Delfim Netto recorre longamente à crítica dos rumos dominantes da economia como disciplina acadêmica empreendida em trabalho recente por "competentes membros do ´mainstream´", como descreve os autores. Aí se destaca a parcela de responsabilidade da disciplina na produção da crise, a má alocação de recursos de pesquisa e a falha na relação com a sociedade ao não alertar sobre as limitações de modelos cuja proliferação ocorre não obstante ignorarem elementos fundamentais na produção dos resultados dos mercados reais.

Um aspecto saliente quanto aos elementos omitidos se expressa, de maneira às vezes até mesmo desfrutável, na concepção das relações entre economia e psicologia. Ainda há poucos dias, na televisão, dizia um professor de economia que chega um momento em que é preciso dispensar os economistas e chamar os psicólogos - o que implica, naturalmente, que a economia nada tem a ver com a psicologia, e me faz lembrar Ibrahim Eris, na presidência do Banco Central, a declarar a certa altura que a inflação que teimava em subsistir era "gratuita" ou sem causas, pois todos os fatores ("econômicos"?) se achavam sob controle. Seja como for, temos agora a economia comportamental, com sua ênfase nos aspectos "irracionais" das decisões e ações econômicas, e é curioso vê-la utilizada com destaque, ao lado da neurociência e de trabalhos de filosofia da ciência como os de Karl Popper e Thomas Kuhn, num volume dirigido sobretudo a investidores e de autoria de um administrador de fundos de investimento ("Mercados em Colisão", de Mohamed El-Erian, com passagem pela Harvard Management Company e agora na PIMCO). Mas é talvez especialmente revelador, a respeito desse volume, que, tendo sido escrito em fins de 2007 e começos de 2008, e portanto a alguns meses da aceleração calamitosa da crise, posições otimistas e pessimistas (como a de Nouriel Roubini) quanto ao rumo a ser tomado pelos acontecimentos são nele confrontadas de passagem - com a conclusão de que só o tempo dirá qual das perspectivas está certa...

Comecei com um filósofo, termino com outro. É o esloveno Slavoj Zizek, que apareceu há pouco na "Folha de S. Paulo", em entrevista sobre a crise reproduzida do "Financial Times". Zizek, que se declara "um marxista modesto", diz ser preciso compreender plenamente o que está acontecendo antes de podermos agir de modo sensato, e recomenda afastamento e reflexão. O papel dos filósofos seria o de ajudar a lançar luz sobre as perguntas que as sociedades deveriam formular, em lugar de apresentar soluções prontas. "Sinto-me como um mágico que mostra apenas cartolas, nunca coelhos." E o pior é que, por muito que se reflita, diante da confusão destes tempos extraordinários e dos especialistas perplexos, a competência com que se faz necessário contar parece ser de fato a de mágicos capazes de achar coelhos na cartola.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

É a política, estúpido!

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Na primeira eleição de Bill Clinton, em 1994, quando perguntavam ao seu principal assessor, James Carville, qual o mote da campanha, ele repetia: "É a economia, estúpido!".

Os EUA estavam em recessão, com perdas de emprego, era fácil atacar o Bush pai por isso.

Em 2008, Obama também se elegeu principalmente com a economia. Se os eleitores americanos tinham alguma dúvida sobre a necessidade de mudança, a crise econômica acabou com ela.

A diferença é que, na era Clinton, a recessão era muito branda e, para falar a verdade, a recuperação já estava a caminho no momento do voto. Poderosas forças da economia real começavam a agir, como a tecnologia da informação (com seus ganhos de produtividade), a ampliação da globalização (com a entrada dos ex-países socialistas no capitalismo e no comércio mundial), a expansão da China e, claro, o sistema financeiro que espalhava capitais abundantes e baratos pelo mundo todo. Tanto que Clinton pôde forçar as agências hipotecárias a relaxar os critérios de concessão de empréstimo para a compra da casa própria, política que, antes de gerar o crash do subprime turbinado no sistema financeiro, promoveu anos de crescimento da construção civil.

Ou seja, Clinton assumiu no início de um fantástico ciclo de prosperidade.

Obama topa com um problema de dimensões inimagináveis até bem pouco tempo atrás, e com um enorme obstáculo político: ele sabe que a solução passa pelo resgate do sistema financeiro com dinheiro público, mas sabe também que o público americano está farto dessas ajudas aos bancos.

Na mídia e na política, frequentemente a coisa aparece como "dinheiro do contribuinte para salvar banqueiros inescrupulosos e ladrões". E não é mesmo assim? - dizem todos diante da condenação de Madoff.

Aliás, na última sexta-feira, em meio à cobertura desse caso, o New York Times notava que os tabloides americanos, normalmente dedicados à vida das celebridades, estavam ocupando suas páginas com histórias da farra da "América corporativa e financeira".

Tudo isso adiciona obstáculos à política de resgate do sistema financeiro. Torna-se difícil distinguir entre gastar dinheiro público para colocar em funcionamento bancos e sistemas financeiros, dos quais depende toda a atividade econômica, e doar dinheiro do contribuinte que perdeu o emprego para banqueiros bandidos.

O bilionário Warren Buffet, eleitor, amigo e colaborador de Obama, disse em entrevista recente à TV CNBC: "Há mensagens confusas e o público americano não entende... Eles sentem que não sabem o que está acontecendo e sua reação é a de se retrair... (a saída) depende enormemente não apenas da sabedoria das políticas do governo, mas da maneira pela qual são comunicadas adequadamente".

Em São Paulo, na semana passada, um ex-diretor do Fed (o banco central americano), Frederic Mishkin, disse que o governo Obama, por medo da reação popular à ajuda aos bancos, está atrasando movimentos mais firmes. E se arrisca a cair em medidas que simplesmente empurram o problema para a frente (impedem a quebra dos bancos, mas não resolvem a falta de capital). Foi o que o Japão fez nos anos 90. Levou mais de dez anos para resolver a crise bancária, um período todo de recessão.

É como se o Obama soubesse o que tem de fazer, mas não faz por temor da reação popular. Logo, é a política, estúpido - ou é a comunicação, estúpido.

Obama obviamente sabe desse obstáculo. Há poucos dias, apresentou desculpas antecipadas por "ser obrigado" a resgatar os bancos. Disse que era penoso ajudar um setor que ganhara tanto dinheiro e causara tantos problemas, disse que compreendia o mal-estar dos contribuintes, mas o que se vai fazer?

Políticos frequentemente topam com esses dilemas: as políticas cujos resultados positivos aparecem a médio e a longo prazo e cujos efeitos imediatos são ou parecem danosos.

Não precisa ir longe para encontrar exemplos. Eles sobram aqui no Brasil. Hoje, todo mundo diz que o sistema financeiro brasileiro é sólido, bem regulado e capitalizado, por isso suporta a crise. O presidente Lula alardeia isso mundo afora. Mas procurem no Google o que o mesmo Lula dizia do Proer, o programa que, nos anos 90, salvou os bancos e o sistema.

Hoje, todo mundo alardeia as forças modernas da economia brasileira, como telecomunicações e companhias exportadoras (Vale, Embraer, por exemplo). Mas procurem lá atrás o que se dizia da privatização desses setores e empresas.

Aliás, na semana passada, saiu a primeira sentença absolvendo Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, e outros executivos que haviam comandando a privatização da Telebrás. Diz a sentença que todos agiram em nome do interesse público e acrescenta que nem os denunciantes, os petistas Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini à frente, nem o Ministério Público apresentaram provas.

Na verdade, os denunciantes não estão mais interessados nisso. No governo, estão mais ocupados em gerir o setor e ajudar a montar grandes companhias.

Alguns dirão que a força do sistema financeiro brasileiro está nos bancos públicos que FHC não conseguiu privatizar. Falso. Assim como o Proer arrumou o setor privado, outro programa, o Proes, reformou e capitalizou os bancos públicos (R$ 8 bilhões, dinheiro de 10 anos atrás, só para o Banco do Brasil), deixando-os prontos para a atuação atual.

Mas Gustavo Loyola, que, como presidente do Banco Central, pilotou essas políticas, ainda tem um caminhão de processos a responder.

Sempre se comentou que o governo FHC não conseguiu comunicar suas políticas. Warren Buffet está dizendo coisa semelhante para Obama.

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

A fase é de crescimento... do desastre!

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não sei dizer de outros comentaristas de economia da imprensa. Mas, "no que me concerne", como exclamava, com peculiar entonação, um famoso ex-presidente brasileiro, a maior surpresa não foi o tombo de 3,6% do PIB, apurado pelo IBGE, no último trimestre do ano passado; nem foi também o grande corte de 1,50 ponto porcentual na taxa Selic, decidido na reunião do Copom - sinal de que alguma dose de pânico açulou os espíritos dos seus membros - embora muita gente esperasse corte maior. Surpresa foi a percepção de que o Copom, com todo o seu aparato técnico e espírito conservador, também surfava na ilusão da "marolinha".

É o que explica a falta de agilidade e sensibilidade do colendo órgão desde agosto-setembro do ano passado.

Tempo perdido não se recupera. As economias brasileira e mundial agora se apresentam como aqueles carros de Fórmula 1 quando o piloto perde a direção - vemos a cena espantosa nas imagens das TVs: começam a dar cambalhotas, piruetas e reviravoltas deixando destroços por onde passam, num desastre que ninguém sabe quando e onde vai parar. E na economia também não há quase nada a fazer enquanto o desastre estiver rolando. Digamos que é um pouco esperar, agora, que o "marolão" se acalme, para ter melhor noção de como agir.

O que o Copom pode fazer é, daqui por diante, tentar contribuir para minorar as dimensões e a intensidade do desastre. Já começou a baixar a Selic, e admite continuar nessa política - um pouco tardia. Mas os juros no Brasil sempre estiveram altos, aliás, altíssimos, desde antes da invenção da Selic. Na média histórica, têm sido dos mais altos do mundo. No período recente - "Selicado", digamos - a taxa básica tem-se mantido alta desde o pico de maio de 2005 (19,75% ao ano), embora numa desescalada consistente. Isso não impediu que, no período, o PIB trimestral aumentasse sempre nem que os últimos três anos exibissem um nível de investimentos privados como poucas vezes se viu em nossa economia.

Portanto, juros altos não inibem investimentos privados, desde que haja mercado em crescimento, poder aquisitivo em alta e boas perspectivas de negócios. Foi esse ambiente positivo que garantiu a maior parte dos investimentos privados no crescimento da produção e do emprego no segundo mandato do presidente Lula, além da fase de muita bonança na economia internacional. Já os investimentos públicos, esses, encorparam bastante a oratória do governo, mas muito pouco o tutano da economia. Então, é preciso pesquisar melhor porque os investimentos privados se retraíram tanto em apenas um semestre, ou trimestre, sabendo, desde já, que a queda dos juros, neste momento, não elevará, de maneira significativa nem a curto prazo, o nível de investimentos: a Selic "não é milagrosa", já disse alguém.

Milagre acontece quando todos os agentes econômicos ou a maior parte deles, pelo menos, se convence de que o mar está pra peixe, o momento é favorável para se ganhar dinheiro e os ventos sopram a favor dos lucros. Quando as expectativas são o inverso disso, não há investimentos, os investidores jogam na retranca e ficam esperando a virada. Não adianta o presidente Lula ficar exortando os empresários a investirem: investimento se faz (1) com crédito; (2) para atender a um mercado crescente; (3) com o objetivo de bom lucro. Simples assim. Com o crédito retraído, no mundo e no Brasil (apesar dos misteriosíssimos anúncios de altos lucros de três grandes bancos americanos, no final de semana, e que ainda precisam ser bem explicadinhos); com o mercado interno encolhendo, por causa do aumento do desemprego, e o externo também, pela mesma causa; e com a perspectiva de lucro cada vez mais duvidosa, só Jesus Cristo teria êxito com discurso pró-investimento. Lula ainda não faz milagres...

Estamos na hora da calmaria dos bons ventos que sopraram durante quase dez anos, depois do final do primeiro mandato de FHC, quando crises na Ásia, na Rússia, no México, e não lembro onde mais, criaram uma turbulência mundial perturbadora e, no Brasil, viraram de pernas para o ar a política monetária e cambial que vinha sendo seguida, criando uma imensa confusão, até para se conseguir nomear um presidente do Banco Central. Alguém se esqueceu?

A entrada da China no mercado mundial, nesse período, comprando mercadorias e importando capitais em quantidades talvez nunca vistas, criou o que se poderia chamar de arrastão do bem para grande número de economias nacionais, no qual a do Brasil também foi colhida, com grande proveito para o emprego, a produção, as exportações, os investimentos e... os impostos.

Aqui, é oportuno lembrar: os governos brasileiros, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, nunca aprenderam a usar, em benefício do desenvolvimento sustentado e equilibrado, os frutos de uma boa safra arrecadadora. Refestelam-se nas burras bem abastecidas e entregam-se à volúpia das benesses populistas demagógicas. Lula não fugiu à regra. Em vez de conter o custeio e os gastos do seu governo no nível em que os encontrou, destinando o aumento da arrecadação a um programa de investimentos públicos muito melhor e mais amplo do que os de seus antecessores, deixou que os aumentos do custeio consumissem os da arrecadação, respeitada apenas a parte destinada aos pagamentos dos juros da dívida pública.

O resultado é que agora, quando os investimentos públicos seriam muito mais importantes do que a queda dos juros para dinamizar a economia, os recursos escasseiam e, principalmente, os órgãos do governo encarregados deles tropeçam nas próprias pernas por falta de gente, de projetos, de prática, de normas, enfim, de governança, e o grande instrumento, o PAC, fica patinando na verborreia governamental.

*Marco Antonio Rocha é jornalista.

A queda do PIB

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O desempenho da produção neste ano vai depender muito da política do governo. Temos sido tímidos em reagir à crise

A PRINCIPAL notícia da semana passada foi a da queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 3,6% no último trimestre de 2008 em relação ao trimestre anterior. Os indicadores já disponíveis em relação aos dois primeiros meses de 2009, porém, são ambíguos. As vendas a varejo, por exemplo, apresentaram resultados positivos. Não está ainda definido se já estamos ou não em recessão.

Ninguém pode afirmar que a queda da produção no quarto trimestre era inevitável, mas está claro que poderia ter sido menor se o governo brasileiro, principalmente seu Banco Central, houvesse começado a baixar a taxa de juros antes, e com mais firmeza. Só começou a reduzir a Selic neste ano, mas a boa decisão, que poderia ter sido tomada antes, foi a redução da taxa, na última semana, em 1,5 ponto percentual.

A queda do PIB foi maior do que se esperava, de forma que a reação foi de surpresa e de pessimismo.

Não creio, entretanto, que esse dado altere a avaliação de que a crise econômica global atingirá relativamente menos o Brasil do que a maioria dos demais países. A queda elevada no quarto trimestre ocorreu em relação a um trimestre anterior aquecido, em que a economia cresceu a uma taxa anualizada de 7%. Em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, o quarto trimestre de 2008 apresentou ainda um crescimento de 1,3%. No ano, tivemos um crescimento de 5,1%. Neste ano, o crescimento será muito menor, mas espero que ainda seja positivo.

O desempenho da produção neste ano vai depender muito da política do governo. Até hoje temos sido tímidos em reagir à crise global, mas o único erro grave foi adiar a baixa da taxa de juros. Agora é necessário que o governo aja com maior determinação.

Os jornais noticiam a preocupação do governo com a meta de superávit primário -um problema que, no momento, não faz sentido. O equilíbrio fiscal é sempre um objetivo fundamental, e Keynes nunca propôs déficits públicos crônicos; mas, em momentos de recessão como este, a expansão fiscal torna-se mandatória.

Já mostrei em outros artigos que esta crise representa uma oportunidade para o Brasil, graças, principalmente, ao fato de que ela causou a elevação da taxa de câmbio para um nível mais próximo ao do equilíbrio industrial. Mas, além de representar uma oportunidade para crescimento, a crise representa também uma oportunidade para realizar mudanças institucionais, porque nesses momentos as resistências originadas em ideologias e interesses perdem força. Duas são especialmente necessárias: substituir a meta de superávit primário pela de déficit público e iniciar o processo de desindexação dos contratos firmados pelo governo.

O superávit público é uma meta absurda que serve principalmente para esconder os juros pagos pelo governo. A indexação de contratos com participação do Estado, por sua vez, é um mal. Não há instituição que mais dificulte o controle da inflação do que a indexação. O Brasil foi o país que mais longe foi na indexação, e, em consequência, sofreu 15 anos de alta inflação. No Plano Real, essa indexação foi reduzida, mas não foi eliminada. Cerca de um terço dos preços continuam indexados -e essa é a principal causa da resistência da inflação em cair verticalmente diante da crise.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Juros: uma chance que não pode ser perdida

Luiz Carlos M. de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O Brasil é conhecido como o campeão mundial dos juros altos. Mais do que isto, nosso país parece sofrer uma maldição, pois todas as vezes que os juros são reduzidos ocorre uma crise de graves proporções. Várias teses apareceram para explicar este aleijão. Sistema tributário ineficiente, insegurança jurídica, fragilidade cambial e elevada dívida pública, ou uma combinação de todos, são apresentados como explicação dessa diferenciação com outras economias emergentes.

Tenho uma opinião um pouco diferente. Todos estes fatores, embora verdadeiros e importantes, não tocam na questão central que sempre foi a falta de um processo continuado de investimento e de abertura da economia. A insuficiência de investimentos em uma economia fechada faz com que qualquer choque positivo de demanda se transforme em pressões inflacionárias, obrigando o Banco Central a abortar o processo de crescimento no seu nascedouro. Com isto, a sequência básica de uma economia de mercado - aumento da demanda, aumento dos investimentos, ganho de produtividade - não se realizava plenamente no Brasil desde o início dos anos 80.

Mas hoje temos uma economia diferente da que prevaleceu no passado. O ajuste de nossas contas externas nos últimos anos criou um espaço econômico mais eficiente e equilibrado, reduzindo as pressões inflacionárias de natureza estrutural. Com isto, o clássico círculo vicioso de desvalorização e aumento da dívida pública foi eliminado pelo acúmulo de reservas internacionais em montante muito superior à dívida externa pública. O real é hoje uma moeda mais forte e com uma volatilidade menos deletéria. Para constatar este fato, basta observar que a desvalorização de nossa moeda na presente crise acentuou os fundamentos brasileiros, via ganhos fiscais na dívida pública, permitindo que o Banco Central pudesse reduzir os juros em um contexto de choque externo.

Além disso, o fortalecimento das contas externas reforçou em bases mais sólidas o processo de abertura da economia que já vinha ocorrendo desde os anos 90. O encadeamento das cadeias produtivas locais com a economia mundial e a exposição da economia à competição salutar dos importados aprofundou-se nos últimos anos. As empresas souberam responder ao desafio, conquistaram mercados, ganharam produtividade rapidamente e reduziram gargalos de produção. Mesmo a infraestrutura teve ganhos importantes a partir de investimentos privados.

Com tudo isso, reduziu-se o espaço para que os choques positivos de demanda se transformassem rapidamente em pressões inflacionárias extremas e alargaram-se os horizontes de planejamento empresarial, fator essencial para o investimento.

Em suma, houve importante mudança no funcionamento de nossa economia. Foi um processo complexo e evolutivo, que aconteceu a partir do Plano Real e foi consolidado com a ascensão da China, com a integração em bases sólidas no tecido produtivo internacional. É a partir desta nova - e boa - posição que devemos considerar os desafios que se colocam neste momento para a política monetária.

As pressões inflacionárias que apareceram em 2007 e 2008 eram muito diferentes de episódios anteriores e estavam relacionadas ao crescimento da demanda interna. O elo mais importante neste processo foi sem dúvida o mercado de trabalho bastante apertado, que vinha obrigando o BC a elevar os juros para esfriar a demanda interna e reduzir os focos de inflação. Mas o agravamento da crise mundial, que afetou nossos termos de troca, o crédito e os investimentos, interrompeu esta dinâmica. A rápida redução do grau de utilização dos recursos produtivos, inclusive no mercado de trabalho, que já mostra aumento da taxa de desemprego, trouxe uma mudança de 180% na dinâmica da inflação interna.

O BC reagiu à nova realidade, invertendo rapidamente o sinal da política monetária, com corte relevante de 2,5% acumulado em duas reuniões do Copom. Entretanto, tendo em vista a redução do crédito bancário em função das incertezas criadas pela crise, os efeitos da política monetária demandarão ainda mais tempo que o usual para serem sentidos. Mesmo com juros Selic menores, o custo financeiro para empresas e consumidores aumentou pelo efeito de spreads bancários mais elevados e prazos mais curtos.

Esta rápida virada mostra que o BC sabe diferenciar os elementos conjunturais, que afetam a inflação no curto prazo, dos fatores mais estruturais e duradouros. Em relação aos primeiros, a inexistência de pressão inflacionária significativa a partir da desvalorização do câmbio nos últimos meses já é uma prova inconteste das mudanças que ocorreram. Está claro hoje que o câmbio mais depreciado está sendo compensado por preços menores de produtos importados ou dos que competem com estes no mercado interno. Pela primeira vez em nossa história recente o chamado "pass through" não ocorreu de forma importante. E mesmo que ocorra algum impacto mais diluído nos próximos meses, outros fatores devem se mostrar mais relevantes para a inflação.

No que se refere às forças que atuam sobre a inflação em um prazo mais longo, está claro que os riscos apontam para baixo. O cenário de redução da atividade econômica deve se consolidar nos próximos meses. Não projeto a continuidade do desastre do último trimestre do ano passado - pelo menos se não houver um agravamento da crise externa - e a economia deve voltar a crescer na parte final de 2009. Mas, tendo em vista a manutenção de alta capacidade ociosa por um longo período, a pressão baixista nos preços oriunda de fatores internos provavelmente ainda será acentuada. Outro elemento importante é a redução de pressão sobre os preços administrados, por conta da menor variação do IGP, que cairá de mais de 9% em 2008 para cerca de 3% a 3,5% em 2009.

Estes fatores vão contribuir para uma inflação muito baixa em 2010. Os modelos de previsão que utilizamos na Quest Investimentos apontam para uma inflação em 2010 da ordem de 3,5% ou menos. Conforme este cenário benigno fique mais claro ao longo dos próximos meses, o Banco Central terá espaço para continuar reduzindo a taxa Selic, possivelmente para níveis próximos a 8% ao ano.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

A crise do sr. Smith

Amartya Sen
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / + MAIS!

Mais Importante teórico do mercado, economista escocês também defendeu o papel do Estado para proteger os pobres, diz Prêmio Nobel

Exatamente 90 anos atrás, em março de 1919, diante de mais uma crise econômica, Vladimir Lênin discutiu as dificuldades do capitalismo contemporâneo. Mas não quis escrever um epitáfio: "É um erro acreditar que não há saída da atual crise do capitalismo". Essa expectativa de Lênin, ao contrário de outras que ele teve, provou estar correta.

Apesar de os mercados americano e europeu terem enfrentado mais problemas na década de 1920, seguidos da Grande Depressão dos anos 1930, no longo prazo, após o fim da Segunda Guerra [1939-45], a economia de mercado foi excepcionalmente dinâmica e gerou uma expansão sem precedentes da economia global nos últimos 60 anos.

Não mais, pelo menos neste momento. A crise econômica global ganha velocidade em ritmo assustador, e as tentativas dos governos de contê-la tiveram muito pouco sucesso, apesar da aplicação sem precedentes de fundos públicos. A pergunta que surge de maneira mais premente hoje não é tanto sobre o fim do capitalismo, mas sim sobre a natureza do capitalismo e a necessidade de mudança.

O que é preciso?

Nós realmente precisamos de um "novo capitalismo", que carregue de uma maneira significativa a bandeira do capitalismo, em vez de um sistema econômico não-monolítico que utilize uma variedade de instituições escolhidas de forma pragmática e valores que podemos defender racionalmente?

Devemos buscar um novo capitalismo ou um "novo mundo" que não precise assumir uma forma capitalista especializada? Essa não é a única pergunta que enfrentamos hoje, mas eu diria que é a mesma pergunta que o fundador da economia moderna, Adam Smith [1723-1790], realmente fez no século 18, quando apresentou sua análise pioneira do funcionamento da economia de mercado. Smith nunca usou o termo "capitalismo" (pelo menos até onde eu pude verificar), e também seria difícil extrair de suas obras uma teoria sobre a suficiência da economia de mercado ou da necessidade de aceitar a predominância do capital. Ele falou sobre o importante papel de valores mais amplos para escolher comportamentos, assim como sobre a importância das instituições, em "A Riqueza das Nações".

Mas foi em seu primeiro livro, "Teoria dos Sentimentos Morais", publicado há exatamente 250 anos, que ele investigou intensamente o poderoso papel dos valores não ligados ao lucro.

Enquanto afirmou que a "prudência" era "de todas as virtudes a que é mais útil para o indivíduo", Smith argumentou que "humanidade, justiça, generosidade e espírito público são as qualidades mais úteis para os outros".

Fora do mercado

O que é exatamente capitalismo? A definição-padrão parece depender dos mercados para transações econômicas como qualificação necessária para uma economia ser considerada capitalista.

De maneira semelhante, as exigências da intenção de lucro e dos direitos individuais com base na propriedade privada são vistas como características arquetípicas do capitalismo.

No entanto, se esses são requisitos necessários, os sistemas econômicos que temos atualmente, por exemplo, na Europa e na América, são genuinamente capitalistas?

Todos os países afluentes do mundo -os da Europa, assim como EUA, Canadá, Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e outros- dependem há algum tempo de transações que ocorrem basicamente fora dos mercados, como benefícios de desemprego, pensões públicas e outros elementos da seguridade social, além da provisão pública de educação escolar e assistência à saúde.

O digno desempenho dos sistemas supostamente capitalistas em épocas em que houve verdadeiras realizações foi baseado em uma combinação de instituições que ia muito além de uma mera economia de mercado com vistas a maximizar os lucros.

Muitas vezes se esquece que Smith não via o puro mecanismo do mercado como um ator isolado de excelência e tampouco considerava que a intenção de lucro fosse tudo o que era necessário.

Talvez o maior erro esteja em interpretar a discussão limitada de Smith sobre por que as pessoas buscam o comércio como uma análise exaustiva de todas as normas comportamentais e instituições que ele considerava necessárias para uma economia de mercado funcionar bem.

As pessoas buscam o comércio por causa do interesse próprio -nada mais é necessário, como Smith discutiu em uma declaração que é citada repetidamente, explicando por que os padeiros, cervejeiros, açougueiros e consumidores buscam o comércio. Mas uma economia precisa de outros valores e compromissos, como a confiança mútua, para funcionar com eficiência.

Por exemplo, Smith argumentou: "Quando as pessoas de um determinado país têm tal confiança na fortuna, probidade e prudência de um determinado banqueiro, a ponto de acreditar que ele está sempre disposto a pagar sob demanda suas notas promissórias que podem lhe ser apresentadas a qualquer momento, essas notas passam a ter o mesmo valor que o dinheiro de ouro e prata, pela confiança de que esse dinheiro pode a qualquer momento ser havido por elas".

Quebra de confiança

Ele explicou por que esse tipo de confiança nem sempre existe. Apesar de os defensores da leitura padeiro-cervejeiro-açougueiro de Smith consagrada em muitos livros de economia poderem ter dificuldade para compreender a atual crise (as pessoas ainda têm muitos bons motivos para buscar mais comércio, apenas menos oportunidades), as consequências no longo prazo da suspeita e da desconfiança nos outros -que contribuíram para gerar esta crise e tornam tão difícil uma recuperação- não o teriam surpreendido.

De fato, houve muito boas razões para a desconfiança e a quebra de segurança que levaram a esta crise. As obrigações e responsabilidades associadas às transações se tornaram nos últimos anos muito mais difíceis de localizar, graças ao rápido desenvolvimento de mercados secundários envolvendo derivativos e outros instrumentos financeiros.

Isso ocorreu em uma época em que a grande disponibilidade de crédito, conduzida em parte pelos enormes superávits comerciais de algumas economias, sobretudo a China, ampliou a escala de operações ousadas.

Um credor de subprime que levou um mutuário a assumir riscos insensatos podia transmitir os instrumentos financeiros a outras partes distantes da transação original. A necessidade de supervisão e regulamentação tornou-se muito mais forte nos últimos anos.

No entanto, o papel supervisor do governo, em particular nos EUA, foi, no mesmo período, reduzido acentuadamente, alimentado por uma fé crescente na natureza autorregulatória da economia de mercado. Exatamente enquanto crescia a necessidade de vigilância do Estado, diminuía a provisão dessa supervisão necessária.

Essa vulnerabilidade institucional tem implicações não apenas para práticas astutas, mas também para uma tendência à superespeculação, que, como afirmou Smith, costuma acometer muitos seres humanos em sua busca incansável por lucros. Smith chamou esses promotores de riscos excessivos em busca de lucros de "pródigos e projetores".

A fé implícita na sabedoria da economia de mercado autossuficiente, que é amplamente responsável pela remoção dos regulamentos estabelecidos nos EUA, tendeu a reforçar as atividades de pródigos e projetores de uma maneira que teria chocado o expoente pioneiro dos fundamentos da economia de mercado.

Apesar de tudo o que Smith fez para explicar e defender o papel construtivo do mercado, ele se preocupava profundamente com a incidência da pobreza, o analfabetismo e a privação relativa que poderiam permanecer, mesmo em uma economia de mercado em bom funcionamento.

Ele queria diversidade institucional e variedade motivacional, e não mercados monolíticos e a predominância singular da intenção de lucro. Smith foi não apenas um defensor do papel do Estado para fazer as coisas que o mercado poderia deixar de fazer -como a educação universal e a ajuda aos pobres.

Mas também defendeu, em geral, opções institucionais de acordo com os problemas que surgem, em vez de se ancorarem as instituições a uma fórmula fixa -como deixar tudo a cargo do mercado.

Reavaliação

Eu diria que as dificuldades econômicas de hoje não pedem um "novo capitalismo", mas exigem uma compreensão esclarecida de antigas ideias sobre o alcance e os limites da economia de mercado.

O que é necessário, acima de tudo, é uma clara avaliação de como funcionam as diferentes instituições, juntamente com uma compreensão de como diversas organizações -do mercado às instituições do Estado- podem contribuir juntas para produzir um mundo econômico mais decente.

Amartya Sen é professor de economia e filosofia na Universidade Harvard. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1998. A íntegra deste texto foi publicada no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .