quinta-feira, 2 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“...a democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é forçado a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual se deve fundar uma original sociedade socialista.

Eis por que a nossa luta unitária está voltada para realizar uma sociedade nova, socialista, que garanta todas as liberdades pessoais e coletivas, civis e religiosas, o caráter não ideológico do Estado, a possibilidade da existência de diversos partidos, o pluralismo na vida social, cultural e ideal.”

(Enrico Berlinguer, ex-secretário-geral do Partido Comunista Italiano, do discurso no ano de 1977, em Moscou, diante dos dirigentes comunista da ex-URSS)

Qual Lula?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente Lula sem dúvida alguma se transformou em participante proeminente da reunião do G-20, que começa hoje em Londres, e tem sabido aproveitar a importância relativa que o Brasil representa neste momento para vocalizar posições bastante claras, embora algumas equivocadas. Sair ao lado da rainha Elizabeth na foto oficial da reunião do G-20 é apenas a parte mais glamourosa desse papel de destaque. A união com a França para exigir uma regulação mais rigorosa dos mercados internacionais está correta, e seria ridículo acusar Nicolas Sarkozy de estar defendendo posições “esquerdistas”. Mas a defesa do “Estado forte” como tese permanente, com base na necessidade de intervenção estatal no momento de crise que o mundo vive, é uma visão apressada que não deve ter o respaldo da maioria dos seus pares no G-20.

Enquanto Lula defende a estatização dos bancos como solução, o presidente Barack Obama resiste à ideia, mesmo que muitos deles estejam praticamente “federalizados” nos Estados Unidos com o dinheirão que o governo vem colocando neles.

No afã de defender seus “companheiros” latino-americanos de Venezuela, Bolívia e Equador, excluídos da Cúpula da Governança Progressista no Chile, Lula tentou elogiar o que chamou de “vigorosa onda de democracia popular” na região, sem imaginar que Hugo Chávez iria, dias depois, colocá-lo em mais uma situação constrangedora.

Na reunião de Cúpula da América do Sul com Países Árabes, no Catar, Lula tratou de sair de fininho quando notou que o comensal a seu lado seria o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, contra quem há uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional por conta de crimes de guerra cometidos na região de Darfur, onde cerca de 300 mil pessoas morreram.

Já Chávez fez questão de convidar Al-Bashir para visitar a Venezuela, e se solidarizou com a Liga Árabe, que permanece apoiando o ditador do Sudão.

Lula pode ter querido não sair na foto ao lado dele, mas o Brasil, na tentativa de ter o voto dos países árabes para fazer parte como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, absteve-se em uma votação no Conselho de Direitos Humanos que condenava a ação do Sudão em Darfur, o que levou a ONG internacional Human Rights Watch a criticar a posição do país.

A exposição internacional de Lula leva também a que ele se torne alvo de críticas, como quando culpou os “brancos de olhos azuis” pela crise econômica internacional.

Sabe-se agora que, momentos antes, ele tivera uma conversa franca com o primeiroministro britânico, Gordon Brow, ocasião em que admitira que, quando sindicalista e líder da oposição, sempre culpava o governo, e agora, como governante, joga a culpa nos Estados Unidos e na Europa.

Brown fez a inconfidência em uma entrevista coletiva, ao lado de Obama, e certamente os risos que provocou não foram de condescendência a Lula.

O primeiro-ministro inglês estava apenas, elegantemente, dando o troco em Lula, que o constrangera no Brasil, assumindo uma postura em público que criticara em encontro privado.

Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, diz-se indecisa quanto à interpretação da recente retórica de Lula.

Embora considere fora de dúvidas que Lula pretende assumir o papel de líder dos países emergentes e daqueles mais pobres, a professora diz que é pouco provável que uma estratégia baseada “no jogo de acusações” seja bem-sucedida na reunião do G-20, embora possa ser uma estratégia política eficiente na política interna.

Para ela, Lula está ainda “longe de ser outro Chávez”, mas uma posição de liderança na reunião do G-20, e além dele, vai depender da sua capacidade de articular um plano positivo para ações futuras, e não ficar culpando o passado.

Já David Fleischer, cientista político professor da Universidade de Brasília, acha que as ações de Lula configuram uma bem preparada estratégia para tentar tirar da reunião do G-20 decisões mais concretas, e de maior proveito para os emergentes, como reforçar o Banco Mundial e o FMI, impor regras fortes para controlar os sistemas financeiros dos G20, acabar com os “paraísos fiscais”, financiar exortações dos emergentes, reduzir o protecionismo.

Ele concorda que “tiradas” como a dos olhos azuis às vezes não caem tão bem, mas acha que não diminuem “a influência e força” do presidente Lula.

Em relação à “corrida” com Hugo Chávez pela liderança na América do Sul, Fleischer vê como uma questão complicada para Lula e o Brasil “combater as tiradas e lances do Chávez, sem atacá-lo diretamente”.

Ele analisa que, embora oficialmente, para o Ministério das Relações Exteriores, a Venezuela seja uma “democracia” e Chávez, “mui amigo”, “quando é fácil e conveniente”, o Brasil “puxa o tapete” para derrubar Chávez.

É um jogo de “paciência”.

Para David Fleischer, “definitivamente, Lula é uma alternativa de liderança na América do Sul”.

A propósito da coluna de ontem, o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, telefona para fazer outras interpretações das recentes pesquisas. Ele acha, por exemplo, que, mesmo com toda a exposição, a ministra Dilma Rousseff não está tão bem assim. Pretende testar essa tese colocando outros dois nomes, os dos ministros Fernando Haddad, da Educação, e Tarso Genro, da Justiça, identificando os três em listas separadas como “candidato do PT apoiado por Lula”.

Ele desconfia que os três terão o mesmo índice, por volta de 15%, o que indicaria que essa é a capacidade de transferência de votos do presidente Lula.

É proibido transgredir

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Com boa vontade, a decisão da Câmara e do Senado de estabelecer duas ou três limitações para o uso da verba indenizatória pode ser vista como uma tentativa de corrigir o malfeito.

Mas, analisando friamente, o ato não quer dizer coisa alguma em matéria de moralização dos costumes congressuais, muito menos reflete apreço pleno por critérios mais rígidos de comportamento.

Só o fato de ser necessário proibir parlamentares de usar o dinheiro para contratação de empresas das respectivas famílias já evidencia a lassidão.

O que deveria ser óbvio, pelo gritante caráter transgressor, precisa ser expressamente proibido aos homens e mulheres eleitos para fazer leis, balizar o bom andamento da República, debater e encaminhar as questões nacionais.

Fica-se sabendo que durante os últimos oito anos, desde a criação da tal verba, senadores e outros deputados além de Edmar Moreira podem ter usado do expediente para desviar o dinheiro para suas pessoas jurídicas.

Certeza mesmo, ninguém terá, pois o Congresso só divulga as notas fiscais referentes aos gastos com os R$ 15 mil mensais a partir deste mês. O passivo fica protegido, sob a argumentação de que seria "muito difícil" revirar a documentação em busca de irregularidades.

Portanto, tampouco será possível saber se houve apresentação de notas frias relativas a despesas com alimentação, contratação de assessorias, pesquisas ou trabalhos técnicos, itens também proibidos a partir de agora.

Veto este, imposto não por convicção, mas pela necessidade de se reduzir a pressão sobre o Congresso e tentar amenizar os danos dos vexames em série. Fosse genuína a disposição de fazer o certo, as regras para o uso do dinheiro teriam vindo junto com a instituição desse instrumento dito indenizatório e que nada mais é que um adicional de salário.

A primeira restrição, contudo, só apareceu - também por imposição de "fora"- em 2006, quando se descobriu que havia parlamentares apresentando notas fiscais de compra de combustíveis no valor total da "indenização" permitida. Um artifício contábil, claro.

Sinal evidente de que algo andava errado naquele setor. Mas, no lugar de se fazer uma revisão nos procedimentos, uma análise por amostragem da autenticidade das notas, limitaram-se os gastos com combustíveis a 30% da verba.

Uma providência cosmética, tal como as medidas adotadas agora.

A resistência em suprimir mesmo a possibilidade de fraude pode até impressionar, mas tem uma explicação: raros são os parlamentares que encaram a dita verba como de uso restrito ao ressarcimento de despesas relativas ao exercício do mandato.

A maioria vê os R$ 15 mil como complementação salarial. E, aí, ninguém quer abrir mão do manejo o mais livre possível do dinheiro nem considera que a prestação de contas correta e transparente seja um imperativo.

A verba é um truque, foi inventada para o Congresso fugir das pressões contra aumentos de salários e, na letra fria da Constituição, nem poderia existir.

Por força da Emenda 19, de 1998, o artigo 39 da Constituição diz o seguinte: "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado, os secretários estaduais e municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou qualquer outra espécie remuneratória."

Claríssimo. Em 2007, a juíza federal de Brasília Monica Sifuentes concedeu liminar a uma ação popular e suspendeu o pagamento da verba, baseada naquele dispositivo. A Câmara recorreu e uma semana depois o Tribunal Regional Federal refez a decisão.

A alegação é a de que a verba extra não caracteriza remuneração. Tecnicamente pode ser que não, mas é utilizada como tal. Além do que a proibição constitucional alcança recursos para "representação".

Mesmo que fosse legal, essa destinação é questionável. Parlamentares federais são eleitos para exercer seus mandatos em Brasília, onde já dispõem de moradia, assessorias, estrutura de correio, telefone, gráfica, serviço médico e mais o corpo técnico legislativo para auxiliar o trabalho.

Alegam necessidade de recursos para sustentar as estruturas nos Estados onde, nos fins de semana, fazem trabalho junto às bases. Ora, trabalho com vistas a manter azeitadas as intenções de voto das bases para as eleições seguintes.

Sendo um interesse do parlamentar, não é o Congresso que deve financiar ao longo dos quatro anos de exercício do mandato para o qual foi eleito, a pré-campanha da reeleição.

Para cuidar dos interesses da população nos municípios há os vereadores, bem como os deputados estaduais existem para se desincumbir do serviço estadual.

Logo, não há outro sentido para o uso na verba a não ser o do patrocínio da promoção pessoal, tarefa que está, constitucional, moral, social e politicamente falando, fora da alçada do Congresso.

Lula agravou a crise ao esconder situação do país, afirma líder do PPS

Diógenes Botelho
DEU NO PORTAL DO PPS

A irresponsabilidade do presidente Lula em esconder a atual situação econômica do país e a realidade sobre as contas do governo agravou os efeitos da crise econômica no Brasil. Essa é a análise do líder do PPS na Câmara, deputado federal Fernando Coruja (SC), para quem, com a revelação do "estouro" das contas públicas, será difícil para o presidente varar "marolinhas" e curar a "gripe" provocada pelo balde de água fria que atingiu a economia brasileira. (ouça a íntegra da entrevista)

Dados divulgados nesta semana mostram que as despesas do governo central cresceram 19,59%, enquanto as receitas caíram 3,05% no primeiro bimestre de 2009, situação provocada pela queda da atividade econômica, com consequente diminuição na arrecadação de tributos, e pelas desonerações fiscais. Realidade muito diferente de 2008, época em que Lula "surfava" na euforia financeira mundial, quando as receitas cresciam 19% e as despesas, em ritmo menor, 14,8%. Os números são um espelho da incompetência do governo para lidar com crise.

Para Coruja, essa cenário é a crônica de uma morte anunciada. "Essa questão da queda da receita só quem não reconhecia era o governo. Eu me lembro que, por diversas vezes, em reuniões com técnicos do Tesouro na Comissão de Fiscalização e Controle (da Câmara), perguntei explicitamente: Em que instante vai cair a receita e não vai haver superávit? E o governo sempre negava. Dizia: não vai cair", conta Coruja.

Essa postura, critica o líder do PPS, contribuiu para a postergação de medidas de combate a crise que já poderiam ter sido adotadas há muito tempo. E pior, atingiu diretamente as contas de estados e municípios, que agora sofrem com os efeitos das quedas de arredação e dos repasses do FPE e FPM (fundos de participação dos estados e dos municípios). "Você precisa ser realista, porque a queda da receita tem impacto nos municípios e nos estados. E se o governo dá uma informação equivocada, os municípios não vão conseguir se planejar adequadamente, ainda mais nesse momento em que assumem novos prefeitos. E o governo deu uma informação errada, o que motivou os novos prefeitos a gastarem, porque eles não têm noção da macroeconomia, não tem informações suficientes para isso. É uma irresponsabilidade do governo", condena Coruja.

De acordo com o líder do PPS, o principal crime cometido pelo governo Lula foi omitir dados, esconder previsões. O deputado afirma que quando algém tem a visão de que o governo tem que ser otimista (para não alarmar a população e a economia em geral), imediatemte cai num dilema.

"Otimista é mentir? Falar uma coisa irreal, fazendo com que as pessoas não se planejem adequadamente contra a crise? Isso não é otimismo, isso é irresponsabilidade!", critica. Coruja lembra, por exemplo, que no início do ano fazia reuniões com prefeitos para debater a crise e eles diziam: "Que crise? Não tem crise". Achavam que a oposição tinha uma visão alarmista. "Mas o Lula tá dizendo isso (que a Brasil não será atingido). Não vai ter crise", alegavam os prefeitos. Na avaliação de Coruja, trata-se de uma irresponsabilidade, "principalemente do presidente".

Cortes e "tesoura" na publicidade oficial

Coruja critica ainda a política equivocada que vem sendo adotada pelo governo, principalmente no que se refere ao corte de R$ 25 bilhões no Orçamento. "O governo teve uma queda de receita, que era previsível, mas ele não queria reconhecer. E agora, ao fazer o corte (no orçamento), ele corta mais nos investimentos do que no custeio. Ele precisa cortar na máquina pública para que esses recursos sigam para o investimento e você possa diminuir os impactos da crise, principlamente na questão do desemprego. O governo se equivoca ao cortar mais os investimento do que os gastos correntes de manutenção da máquina".

Segundo o deputado, o governo tem margem de manobra para cortar no custeio. "Só na propoganda do governo dá para cortar muito. O governo gasta mais em propagando do que toda a despesa do Congresso Nacional. Num período de crise é perfeitamente possível cortar essa propaganda maciça que se faz para alardear as coisas do governo", sugere o líder do PPS.

Ouvidos moucos

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Ao anunciar o seu pacote de bondades, reduzindo impostos para carros, motos e construção civil, o governo avisou solenemente que intermediara um acordo entre montadoras e trabalhadores, suspendendo cortes de vagas. Um legítimo e apropriado toma-lá-dá-cá. Mas...

Bem fez o meu colega Vinicius Torres Freire, que, logo abaixo da manchete sobre a redução dos impostos e o tal acordo, já foi logo avisando aos navegantes e ao pessoal do setor: "Acordo não deve impedir demissões". Na bucha.

No dia seguinte à boa notícia (da redução dos impostos), já vinha a má notícia (da redução de empregos). A Peugeot Citroën alegou uma queda de 30% nas exportações de veículos e demitiu cerca de 250 dos 700 funcionários de sua fábrica no Estado do Rio.

A medida foi justamente entre o anúncio, na segunda, e a entrada em vigor, ontem, do acordo e da prorrogação do IPI reduzido. E o Ministério da Fazenda saiu-se com essa: "O governo não pode obrigar as montadoras a não demitirem".

Se não pode, porque anunciou o acordo? Aliás, o acordo existe ou não? Por vias das dúvidas (e quantas dúvidas), a Fazenda fez um ligeiro ajuste na retórica. Não foi propriamente um acordo, foi só "um acordo de cavalheiros". Ah, bom!

Fica o dito pelo não dito, e cada um faz o que bem entende. A redução de tributos, parcialmente compensada pelo aumento do IPI e da Cofins sobre cigarros, visa aquecer a economia e manter aquecidas a popularidade de Lula e a candidatura Dilma.

Se esqueceram do tal acordo, não se devem esquecer da nítida sincronia entre o nível de emprego e o índice de Lula nas pesquisas. Cai um, cai o outro. O pacote de bondades é bem-vindo, mas, para se encaixar igualmente bem no formato político e no econômico, é preciso antes de mais nada garantir os empregos.

Senão não tem mesmo acordo.

O militante perfeito

Demétrio Magnoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Delúbio Soares, o famoso militante que quer retornar ao PT, é homem de Lula. Pelas mãos de Lula ele chegou à direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, pelas mesmas mãos, saltou da central sindical à tesouraria do partido. Depois que Lula entrou triunfante no Palácio do Planalto, Delúbio cumpriu duas missões sucessivas: operou o esquema do mensalão e, em seguida, imolou-se para salvar o núcleo duro da direção petista, enquanto José Dirceu se sacrificava na pira ardente da segurança presidencial. O seu pedido de reingresso no PT pode ser interpretado apenas como o gesto de alguém que almeja uma cadeira parlamentar a fim de cavar uma trincheira diante da ameaça posta pelos tribunais. Mesmo se assim for, Delúbio cumpre, agora inadvertidamente, uma terceira missão estratégica.

Lulismo e petismo são fenômenos distintos, porém entrelaçados. Lula é um político conservador, salvacionista, de rara sagacidade. No ocaso da ditadura, o suposto mago Golbery do Couto e Silva o imaginou como o agente da destruição da esquerda no Brasil. O PT é um fruto estranho, mas cheio de vitalidade, do encontro tríplice, no outono do socialismo soviético, entre a velha esquerda castrista, a militância católica da "Igreja da libertação" e uma nova burocracia sindical. Lula precisa do partido enquanto não puder substituí-lo. O partido precisa do apelo popular e do simbolismo histórico de Lula.

O mensalão serviu a um propósito de Lula, muito mais que do PT: estabilizar a maioria governista no Congresso. A denúncia do mensalão partiu de um contrariado Roberto Jefferson, presidente do PTB e confidente pessoal do presidente, a quem Lula entregaria, nas suas palavras célebres, "um cheque em branco". Na hora do desastre Jefferson protegeu Lula, que, por sua vez, desviou traiçoeiramente o raio para a precária casamata do PT. Curiosidades abertas a especulações políticas ou tramas ficcionais: hoje, Jefferson continua a presidir o PTB, que segue firme na base lulista e conserva seus valiosos cargos no governo e em empresas estatais.

Lula sobreviveu à tempestade do mensalão graças às ações paralelas e desconectadas de José Dirceu e FHC. A pátria do primeiro é o PT, como burocracia política poderosa, de alcance nacional e influência internacional. Ele sabia que seu partido seria convertido num monte de ruínas se o presidente desabasse. A pátria do segundo é a ordem emanada da redemocratização. Ele temia que as instituições cedessem sob o impacto de um segundo impeachment, agora contra o símbolo da elevação da classe trabalhadora ao papel de protagonista da história brasileira.

A pátria de Lula é Lula mesmo. Anos antes de chegar à Presidência, ele declarou que o partido de seus sonhos não é o PT, mas uma agremiação mais ampla, obviamente organizada em torno de sua liderança. Fechado o capítulo do mensalão, ao alcançar o píncaro de seu prestígio, o presidente tentou moldar o futuro, articulando uma aliança com o PMDB e emitindo sinais de fumaça na direção de Aécio Neves, o governador de Minas Gerais, que contesta a pré-candidatura de José Serra. Contudo, a utopia lulista parece ter alcançado um paredão intransponível. A rede do PMDB não inspira a confiança mínima para que Aécio se decida a empreender o triplo mortal carpado rumo aos braços do presidente. A burocracia e a base do PT rejeitam a hipótese de diluir o partido num "novo PMDB", liderado por Lula e gerenciado por Aécio. A terceira missão de Delúbio se inscreve na teia desse impasse.

Dilma Rousseff, uma outsider no PT proveniente do brizolismo, representa um compromisso entre dois fracassos. Lula a impõe ao partido como peça de reposição de seu impossível candidato ideal, que abriria as portas do futuro partido lulista. A burocracia do PT a recebe apenas porque foi privada pelas crises recentes de seu próprio candidato ideal, que seria um representante da máquina partidária. Sem Dirceu, Palocci, Mercadante ou Marta, e excluindo-se um jamais domesticado Eduardo Suplicy, resta apenas a candidata de proveta do Planalto. Mas nem todo o aparato de propaganda governamental é capaz de subordinar por completo o partido ao edito imperial de Lula. Para isso, só mesmo o fator Delúbio.

"Reintegrar Delúbio será fornecer farta matéria-prima para os ataques da direita, ajudando a reavivar a ofensiva lançada contra nós durante a crise de 2005", gritou um alarmado Valter Pomar. "Direita", para o secretário de Relações Internacionais do PT, é qualquer cidadão indignado com a compra em massa de parlamentares operada por Delúbio. Mas, abstraindo-se a notória delinquência de linguagem, é inevitável admitir que ele expõe com nitidez o sentido da missão delubiana. O gesto do homem que personifica o mensalão desarma politicamente o PT, prostrando-o diante da vontade de Lula.

Nos próximos meses, o PT realizará seus encontros internos. Deles resultarão uma nova direção e a unção do candidato à Presidência. A intervenção de Delúbio funciona como prelúdio para o assalto de Lula ao partido que despreza. Em meio ao caos provocado pelo ex-tesoureiro, Lula não enfrentará resistência aos seus projetos de consagrar a candidatura da ministra e, de quebra, fazer do assessor pessoal Gilberto Carvalho o novo presidente do PT.

Delúbio tem argumentos explosivos para justificar sua reivindicação. O militante perfeito, que sustentou até o fim a omertà, o código siciliano de honra e silêncio, salvando a burocracia partidária, almeja apenas a reciprocidade. A direção que votará seu pedido terá de optar entre a honra que desmoraliza, ao aceitá-lo, ou a desonra que protege, ao recusá-lo. Do alto de sua torre em Brasília, Lula beneficia-se do luxo de assistir ao desenrolar do drama insinuando presidencialmente que nada deve ser deliberado antes da palavra do Judiciário. É que, sob o seu ponto de vista, tanto faz se Delúbio volta ou não: a missão já está cumprida.

Demétrio Magnoli, sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Todos partidos para o castelo de areia

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Então, ficamos combinados: quando uma operação policial pegar um partido com a boca na botija, fazendo caixa dois com dinheiro de empreiteira, o responsável pela investigação deve acessar o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e copiar e colar (ctrl C, ctrl V) o nome de todos os partidos registrados oficialmente. Segundo os líderes dos partidos de oposição que foram citados na Operação Castelo de Areia - uma investigação originalmente motivada por denúncias de que a empreiteira Camargo Corrêa teria cometido supostos crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal - é pouco elegante denunciar como implicados na Operação apenas aqueles contra os quais foram levantadas provas. Não acusar o PT, o PV e o PTB é prova do partidarismo da Polícia Federal, que teria sido governista, segundo seus detratores, mesmo apontando igualmente, como beneficiários de supostas doações ilegais que teriam sido feitas pela construtora, os partidos governistas PP, PSB, PDT e PMDB.

A regra não conta, todavia, quando o PT e seus aliados são o centro da investigação. No escândalo do "mensalão", o caso levado de forma mais discreta foi o do caixa dois da campanha do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que usou em 1998 o mesmo esquema que o PT e seus aliados, para arrecadar dinheiro de campanha. Não seria de bom tom, afinal, dar grande publicidade ao caso do tucano mineiro.

O grosso dos que esperam julgamento no STF, por conta de suposto envolvimento no "mensalão", é governista. Nesse caso, pode-se dizer que a PF é oposicionista? Deixou de ser quando mencionou o PSDB, o DEM e o PPS em outra investigação? Se a Operação Castelo de Areia for julgada no futuro pelo STF, e este considerar que o suposto caixa dois da Camargo Corrêa não fez réus, e o suposto caixa dois do "mensalão" sim, a Corte será governista ou oposicionista? No caso do "mensalão", o trabalho conjunto do Ministério Público Federal constituiu o que o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes, chamou de "algo lítero-poético-recreativo"? Ou esteve adstrito às funções constitucionais das instituições envolvidas? O que diferenciou, então, o caso do "mensalão" da Operação Castelo de Areia?

E daí, ficamos também assim: o controle exercido pelo Ministério Público sobre a Polícia Federal é "algo lítero-poético-recreativo", e portanto o MP e a PF estão fora de controle, pelo menos no caso da Operação Castelo de Areia e na Operação Satiagraha, as que são objeto das indignações do presidente do STF. Diz Mendes: "Muitas vezes o Ministério Público Federal é parte naquilo que chamamos de ação abusiva da polícia (...). Quando o Ministério Público atua em conjunto com a polícia, quem vai ser o controlador dessa operação?" Ele defende uma "vara especializada no controle das atividades policiais", que poderia ser instituída "facilmente" pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual o presidente do STF é também presidente - ou seja, supõe-se que uma simples canetada de Mendes tem o poder de eliminar o controle constitucional que o MPF tem sobre a polícia. Isso quer dizer que a Constituição se submete ao CNJ? E, se assim for feito, Mendes, como o "presidente do Judiciário", passaria exercer o controle sobre a polícia e, com a sua serenidade e neutralidade, evitaria o "aparelhamento do aparato policial, um aparelhamento político" da PF, e a excessiva complacência do MPF?

A Operação Castelo de Areia foi movida pelo Ministério Público, investigada pela Polícia Federal e monitorada pela 6ª Vara da Justiça, da qual é titular o juiz Fausto De Sanctis, que o CNJ do ministro Mendes processa pelas sentenças discordantes tomadas por ele contra as suas próprias. Uma ação da PF que foi acionada pelo MP e teve o controle de uma autoridade judicial não é um complô partidário - é assim que legitimamente se processam as investigações. Isso está longe de ser um clube "lítero-político-recreativo". Na verdade, dá para apostar que os procuradores, policiais e juízes envolvidos num trabalho dessa envergadura tenham pouco tempo para frequentar clubes lítero-político-recreativos. Apenas nenhum promotor, policial ou juiz pediu licença ao STF para concluir quais eram os crimes passíveis de indiciamento e quem os cometeu, nem submeteram suas conclusões ao STF, porque não é esse o papel da alta Corte nesse momento. Vai ser no futuro, se algum indiciado recorrer de sentenças ou procedimentos que considerem injustos ou ilícitos. Como, normalmente, pessoas com poder econômico costumam recorrer até a última instância judicial, o STF em algum momento vai se posicionar sobre o caso. E como parlamentares podem estar implicados, o caso deve parar direto no Supremo. Outra razão para Mendes não emitir juízos sobre o trabalho do MP, da PF e do juiz de primeira instância: afinal, vai julgá-lo mais para a frente.

A PF virou alvo do presidente do STF desde a deflagração da Operação Satiagraha que, entre outras coisas, botou duas vezes na cadeia o empresário Daniel Dantas. Mas ainda assim, não percebe o risco que está correndo. As decisões que toma, mesmo técnicas, não estão apenas sendo combatidas por divergências quanto a métodos. O trabalho de descrédito da PF, do juiz De Sanctis e de mais alguns que têm levado adiante investigações por crimes de colarinho branco é para acuar toda a instituição policial. Se os grupos internos dão munição para essa ofensiva externa contra os seus adversários de corporação, por conta de uma disputa de poder, não perceberam que a PF é atingida sem poupar ninguém - e que esse movimento de opinião pública incitado por algumas figuras públicas torna cada vez mais arriscado, para qualquer grupo dela, a investigação de casos politicamente complicados, que envolvam interesses econômicos mais poderosos.

Outro risco que se corre é a instituição STF ficar identificada como aquela que pode estar permeável a interesses. Num país altamente injusto, a mais alta Corte perder sua imagem de mediadora - e justa - e fixar-se como aquela que zela exclusivamente por grandes interesses, é o fim de esperanças de uma parcela da população altamente desassistida. É melancólico.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

O desgaste do Congresso e dos partidos. E a imagem anticrise de Lula e Dilma

Jarbas de Holanda
Jornalista


Ao desgaste do Congresso nos últimos meses – desencadeada a partir da eleição de Edmar Moreira para a mesa da Câmara dos Deputados e para Corregedor (seguida de rápido expurgo dele dos dois cargos); desdobrado pela forte condenação da mídia ao papel relevante assumido no Senado por Renan Calheiros, como líder do PMDB; e ampliado pelas denúncias confirmadas dos enormes e abusivos custos do gigantismo burocrático das duas casas do Legislativo federal e das chamadas verbas indenizatórias de que os parlamentares dispõem, gastas irregularmente por muitos deles – a esse desgaste juntou-se mais recentemente o dos partidos, em decorrência da operação “Castelo de Areia” da Polícia Federal, sobre doações feitas a candidatos e a dirigentes partidários – pelo grupo empresarial Camargo Correa. Operação cujas revelações passadas à imprensa e cujo relatório final omitiram três partidos entre eles o PT, atingindo centralmente o DEM e o PSDB oposicionistas.

”O amplo destaque na mídia das distorções do comando e do funcionamento da Câmara e do Senado, bem como de tais revelações da operação da Polícia Federal, tem, de um lado, a dimensão positiva de propiciar o conhecimento social de sérias irregularidades na gestão de recursos públicos e político-institucionais, das que de pronto se confirmam e daquelas que precisam ser devidamente apuradas (no que diz respeito à referida operação, com o abandono da seletividade partidária), além de apontar para soluções de fundo dependentes de uma verdadeira reforma política.

De outro lado, ao deixar o governo federal fora de foco, isso tem favorecido a imagem popular de Lula como um presidente voltado ao enfrentamento da crise econômica e seus efeitos. Tanto quanto facilitado seu esforço político principal – a afirmação da pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff. A queda das avaliações favoráveis do presidente e do governo, registrada nas pesquisas do Datafolha e do Ibope da semana passada e reiterada na do Instituto Census, para a CNT, divulgada anteontem (respectivamente de 84% para 76,2% e de 72,5% para 62,4%) poderia ter sido maior se a mídia estivesse focada, centralmente ou também, em problemas do Palácio do Planalto (sobretudo o descontrole dos gastos correntes e a incompetência gerencial). E ela é compensada por dados positivos para Lula e sua candidata: crescente conhecimento dela pelo eleitorado e aumento do potencial de transferência de votos do presidente.

A marolinha e o tsunami

Fausto Matto Grosso
Professor da UFMS, engenheiro
DEU NO CORREIO DO ESTADO (MS)

O Presidente, sem querer, acertou em cheio o diagnóstico. A marolinha que varre o mundo nem de perto tem o impacto demolidor do maremoto silencioso que vem jogando por terra a civilização industrial e fazendo ascender a civilização do conhecimento.

Essa é a verdadeira crise. O velho já morreu e o novo ainda não se espraiou dominando definitivamente o mundo material e as consciências. Vivemos a dor do parto do novo, à qual se somou o nada desprezível resfriado da recente crise econômica mundial.

O tsunami destruiu todas as referências ideológicas, políticas, econômicas e sociais da velha sociedade industrial. Foi por água abaixo o sistema do socialismo real, o Estado do Bem-Estar Social e o Liberalismo que era a moda da temporada. Estão em processo de esgotamento os Estado Nacionais, os partidos e os sindicatos. Vivemos a tendência do fim do emprego, tal como o conhecemos nas décadas passadas, e a sua substituição por outras formas de trabalho e de obtenção de renda, inclusive com o fortalecimento de redes de cooperação produtiva de pequenos e médios empreendedores.

Apesar de muita produção intelectual e de reflexões estratégicas ocorridas na segunda metade do século passado, poucos líderes perceberam esse processo e se prepararam para aproveitá-lo. A China, a Índia e a Coréia, entre poucos outros jogaram todas as fichas no investimento nas pessoas, na produção de conhecimento e no desenvolvimento tecnológico.

Gorbatchov, a seu tempo, o percebeu encaminhando o arquivamento da corrida armamentista da guerra fria, destruidora de esforços produtivos, fazendo a Glasnost, a Prestroika, mas não tendo tempo de fazer a sua Uskorenie, nome que dava ao processo de aceleração do desenvolvimento tecnológico. A nova Rússia, companheira do Brasil nos BRICs também saiu da sua grande crise olhando para frente.

O Brasil não. Faltaram clareza e líderes com pensamento estratégico. Surfou imprudentemente na expansão da economia mundial, desperdiçando oportunidades e morrendo na praia, com taxas medíocres de crescimento, porque continuava, com raras exceções, produzindo commodities agrícolas e minerais, cada vez em maior quantidade, para receber, cada vez menos em valores reais. Adotou a ortodoxia monetarista quando poderia ter feito reformas estruturais de profundidade para gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento moderno.

Enquanto os outros apostavam na produção do futuro, sucateávamos nossas universidades e centros de pesquisas. A popularidade alta propiciada pela participação marginal na produção de riqueza dos outros, toldava a visão de todos e embalava os governos na frágil popularidade de curto prazo, garantida pelas ações de natureza compensatória e de resultados efêmeros. Faltou lucidez para aproveitar os bons momentos e mudar o Brasil, sem mudança não poderia haver esperança.

Há quem possa considerar as afirmações acima como alienadas, fora do contexto da crise da conjuntura, diletantes ou sonhadoras. Posso estar errando nas cores, mas tenho o convencimento de que o quadro é esse. Nada mais prático do que uma boa teoria.

Não podemos enfrentar a crise atual, de origem no mundo da especulação financeira, pensando em salvar o velho. É preciso ter um olho na crise financeira, mas é necessário deixar dois olhos atentos nos novos paradigmas. Essa postura permitirá priorizar a salvação do que tem futuro. Não é razoável combater a crise com medidas defensivas da velha economia, o desafio é ter proatividade na saída pra cima e para frente, dirigir os esforços para fomentar a economia portadora do futuro.

Não adianta olhar para trás na busca de receitas. Não adianta saborear a falência do liberalismo, pensando no retorno a modelos com prazos já vencidos. Não basta resgatar a frase, falsamente atribuída a Marx – todos os internautas devem tê-la recebido - prevendo, em 1867, que o consumismo levaria à quebra e à estatização dos bancos. É preciso sim resgatar a ciência da história no que ela tem de poderosa ao nos permitir entender que não se pode fugir para trás, o passado não se repete, a não ser como farsa. Vale disso tudo apenas uma verdade: ainda é preciso o Estado, não basta apenas o mercado. E para que os dois não fiquem sócios é inequívoca a necessidade do fortalecimento da sociedade para controlá-los.

A solução deverá vir de apostas fundamentadas na nova economia do conhecimento e não nas grandes montadoras automobilísticas, serviço de quarta categoria há muito já transferido para os países da periferia do mundo enquanto o centro cuida de coisas mais importantes como o projeto, o patenteamento e a logística mundial de colocação desses produtos. Existem empregos em jogo, é lógico, para esses a proteção social e uma vigorosa recapacitação, mas necessário perceber que quantidades muito maiores de postos de trabalhos estão nas micros, pequenas e médias empresas, nos arranjos produtivos locais - as primeiras que deveriam ser socorridas.

Não dá para sair dessa crise mais dependente ainda da produção de vulneráveis commodities agrícolas e minerais, com preços historicamente declinantes. Produzir alimentos sim, mas focado no mercado interno, felizmente fortalecido nas últimas décadas.

Desta forma se poderá abrir espaço para a democratização da economia agregando pequenos produtores da agricultura familiar.

Há que se olhar para a economia dos serviços modernos, para o turismo, para a ampliação da produção limpa de alimentos e de energia, apostar na nossa biodiversidade para sustentar a revolução da biotecnologia.

Há que se apostar na qualificação das pessoas, no empreendedorismo, em pesquisa e desenvolvimento, que nos Estados Unidos produziu o Vale do Silício e que no Brasil começa se formar como espaços de competência e prosperidade no eixo UFSCar – USP – UFRJ – ITA, este último que deu a base para a moderna indústria aeronáutica brasileira. Essas são as principais ocupações e empregos as serem salvas, pois são os que têm futuro.

Embora os economistas e os analistas políticos se dividam na interpretação da duração e de amplitude dessa crise, o fato é morrendo na praia a marolinha, o mundo não será mais o mesmo, porque é o tsunami é que está por trás de tudo.

Qual Lula está no G-20?

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO


O mundo ainda está numa emergência, ainda que a fase aguda da crise tenha passado.

O comércio global, que cresceu 8% ao ano por um bom tempo, registra quedas de 20% neste início de 2008. As exportações brasileiras, por exemplo, caíram 15% no primeiro trimestre deste ano contra o mesmo período de 2008. E as últimas previsões indicam que o produto mundial vai afundar quase 3% neste ano.

Os países do G-20 — os desenvolvidos e os principais emergentes — representam 85% da economia mundial.

Reunidos em Londres, hoje, seus governantes têm, portanto, poder e tema para agir. Trata-se de tomar medidas concretas para reanimar o comércio e a atividade econômica.

Tentar definir uma “nova arquitetura financeira global” ou lançar as bases de um “novo capitalismo” será o caminho do fracasso. Embora todos concordem que é preciso criar nova regulação para o sistema financeiro, não há entendimento sobre a extensão e o modo dessas normas. E quanto a um novo capitalismo, então, não há acordo nem dentro dos países.

Além disso, é uma discussão prematura.

A economia está na sala de emergência, não faz sentido querer estabelecer regras para quando ela tiver alta.

Seria como dizer a um paciente da UTI que ele precisa parar de fumar.

Já o tratamento imediato exige: restabelecer a saúde dos bancos, de modo a reanimar o crédito internacional; colocar mais dinheiro nas instituições internacionais (FMI, Banco Mundial e bancos regionais) para que estas financiem países emergentes e os mais pobres; combinar planos de investimentos públicos; definir comportamentos que impeçam um surto de protecionismo.

Se não for por aí, será mais uma reunião inútil. Na verdade, pior que inútil.

Um fracasso explícito abalaria ainda mais a já combalida confiança de investidores e consumidores mundo afora.

E o Brasil? Será preciso verificar qual Lula está em Londres. Na última terçafeira, na cúpula sul-americana/árabe, em Doha, Lula voltou à tese de que o mundo desenvolvido (dos brancos de olhos azuis) é culpado pela crise econômica, pela destruição do meio ambiente e pelos desequilíbrios da economia mundial. E que é preciso partir desse ponto de vista para resolver os problemas mundiais. Ou seja, qualquer solução tem de privilegiar as atuais vítimas, os emergentes, e punir os ricos, os quais, além disso, têm que entrar com mais dinheiro.

Mas nessa mesma terça, em Londres, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, em reunião com o presidente Barack Obama, citava uma frase de Lula, que ouvira do próprio presidente brasileiro, em Brasília.

Disse: “Eu estive na semana passada no Brasil e eu acho que o presidente Lula vai me perdoar por citá-lo.

Ele me disse: ‘Quando eu era sindicalista, eu culpava o governo.

Quando eu era da oposição, eu culpava o governo. Quando eu virei governo, eu culpei a Europa e os Estados Unidos’.” O próprio Brown tirou a conclusão da metáfora: “Lula, portanto, reconhece, como nós reconhecemos, que este é um problema global. É um problema global que exige uma solução global.” Este é o Lula respeitado no mundo desenvolvido, como o melhor representante da esquerda moderna.

Pode-se dizer que a reunião de Doha não valia nada — era apenas um convescote para falar mal da globalização e dos EUA. Assim, a verdadeira posição de Lula seria aquela da conversa com Brown. É o que saberemos hoje, com o desempenho do presidente brasileiro na reunião do G-20.

Mas não custa, desde já, deixar este ponto explicado: quem mais se beneficiou do recente surto de crescimento global foi o mundo emergente.

Enquanto o produto global cresceu na média de 4,5% ao ano, os países emergentes tiveram expansão de 8%.

É do interesse dos emergentes restabelecer o crédito e o comércio que permitiram esse extraordinário crescimento da renda e do emprego.

GASTO PÚBLICO

O governo brasileiro diz que está gastando mais para reanimar a economia.

Não é bem assim. O governo já vinha gastando muito e aumentando suas despesas bem antes da crise.

E, na verdade, gastando pouco em investimentos.

No primeiro bimestre deste ano, o governo federal gastou R$ 2,7 bilhões em capital, para uma despesa total de R$ 86,7 bilhões.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

É agora ou nunca

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O climão geral lembra a versão inglesa de O sole mio, na voz do falecido Elvis Presley: Tomorrow will be too late, it?s now or never, my love won?t wait (amanhã será tarde demais, é agora ou nunca, meu amor não irá esperar).

Parece tudo tão premente e inadiável a ponto de sugerir que bastará um comunicado algo desamarrado, como tantos que têm sido armados pelos senhores do mundo, para ser interpretado como senha para nova temporada de pânico nos mercados.

Mas quem acompanhou as manifestações ao longo dos preparativos desta reunião de chefes de Estado do Grupo dos 20 (G-20), que se realiza hoje em Londres, não pode esperar por sucesso absoluto pela simples razão de que cada canto do mundo quer uma coisa.

Não falta densidade para o G-20. Ele corresponde a 90% do PIB e 80% do comércio global. Mas as diferenças começam pelas divergências de foco.

Os americanos, por exemplo, entendem que não é hora de reconstruir a casa em ruínas, mas de continuar a apagar o incêndio. É por isso que advertem que, neste momento, os governos têm de despejar dinheiro para suprir a trombose do crédito.

Os europeus acham que já há dinheiro demais nas praças e que agora os esforços terão de se concentrar na regulamentação do mercado financeiro para que o desastre não se repita. Mas, nesse pleito, enfiam projetos que nada têm a ver com a crise, como a desativação dos paraísos fiscais ou o corte do salário dos executivos dos bancos.

Se não for por aí, disse há dois dias o presidente da França, Nicolas Sarkozy, melhor nem ir a Londres. Mas o fato é que ele vai beijar a cruz que lhe for apresentada. E alguns países emergentes querem mais recursos para o Fundo Monetário Internacional, desde que não venham acompanhados das exigências de praxe.

Também proliferam ataques de última hora a toda sorte de protecionismos. É o tipo do trololó oportunista que vai na contramão do "buy American", que viceja sob os auspícios do governo Obama, ou do "British jobs for British workers", que o primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, não faz questão de desestimular.

Também pouco sincera é a indignação contra o protecionismo financeiro que se espalha pela Europa e pretende impedir que bancos locais emprestem recursos para outros países ou empresas estrangeiras, especialmente se forem do Leste Europeu.

O principal comentarista econômico do mundo, Martin Wolf, do Financial Times, há semanas vem anunciando o fracasso desta reunião de cúpula. Para ele, o essencial não está sendo atacado e o essencial é o desequilíbrio estrutural do sistema global, que produz as bolhas financeiras e seu estouro. Trata-se do mesmo desequilíbrio que gerou a simbiose econômica ou a mútua dependência entre Estados Unidos e China, um como gastador de bens e importador de poupança; o outro como fornecedor de bens e exportador de poupança. Mas, convenhamos, conserto para esse nível de problema não poderá provir de um encontro de algumas horas entre chefes de Estado. É coisa que requer longa maturação.

A acolhida mais provável para o evento de hoje é uma saraivada de críticas. Mas daí a concluir que o efeito imediato inevitável será nova onda de pânico é ir longe demais. Até o amor pode esperar um pouco mais.

Retorno lento

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Nos últimos dias o Brasil colheu dados preocupantes: no primeiro bimestre as receitas públicas caíram 3%, as despesas subiram 19,6%, os gastos com pessoal aumentaram 24%. Um mix explosivo. A produção industrial caiu 17% em fevereiro na comparação com o mesmo mês de 2008. A visão otimista que o governo tem apresentado, até em conversas reservadas, não tem respaldo nos números.

A queda da produção industrial em fevereiro, na comparação do mês com o mesmo mês do ano anterior, foi a pior desde 1998. O resultado das contas do governo central foi o primeiro déficit primário num mês de fevereiro em 12 anos.

Lá fora, a tempestade está longe de passar, e economistas conhecidos por previsões sóbrias fazem cenários de arrepiar.

Ex-economista chefe do FMI, hoje professor em Harvard, Ken Rogoff está estimando que os Estados Unidos vão gastar US$ 7 trilhões no combate aos efeitos da atual crise. Numa época que desmoralizou o trilhão, é bom lembrar, para preservar a noção de grandeza, que isso é quase metade do PIB americano.

O G-20 tenta, com seu pacotão de financiamento ao comércio, lutar contra uma das forças que puxam a economia internacional para baixo. O comércio se expandiu de forma extraordinária nos anos dourados.

Ele cresceu a 8% ao ano, beneficiando países como China, Alemanha e até o Brasil. A nova forma globalizada de produzir, com partes de cada produto sendo fabricadas em países diferentes, fez o mundo ainda mais dependente do financiamento ao comércio.

Quando ele secou, em setembro do ano passado, todos sentiram o golpe. O comércio caiu 22% em janeiro deste ano e a previsão da OCDE é que, mesmo melhorando, feche 2009 com um encolhimento de 13%.

O Brasil enfrenta quedas de preços e de volumes vendidos em suas exportações, e isso tem efeito no ritmo de produção doméstico. As autoridades ressaltam dados positivos que refletem mais o crescimento do passado que a tendência do futuro. Se ficarem presos a essa ideia, não vão preparar o país adequadamente para a crise.

A produção industrial registrou quedas de mais de 20% em bens de capital, bens intermediários e até bens de consumo duráveis, onde estão os automóveis.

O setor de máquinas e equipamentos informou que teve queda de 50% de novos pedidos. Na área de máquinas ferroviárias a queda chega a 70%. O presidente da Abimaq, Luiz Aubert Neto, disse a Leonardo Zanelli que o momento é “desastroso” e que o setor já demitiu 13 mil pessoas.

Por isso, o resultado de um entendimento global para mitigar os efeitos da crise é tão importante para o Brasil. O mercado interno não basta, precisamos que o mundo saia desse labirinto. Os resultados das conversas não têm sido tão animadores. A Europa não tem um líder claro e nem a união que registra em seu nome. Vai para a reunião do G-20 com cinco líderes: o da Inglaterra, o da França, o da Alemanha, o da Itália e até um que representa a União Europeia.

Por isso, a estreia de Barack Obama cria tanta esperança.

A boa notícia é que a reunião está acontecendo e inclui mais países do que o limitado G-7, que era o único foro até recentemente.

Em 1933, quando o mundo, depois de três anos horríveis, decidiu reunir seus principais líderes, o presidente Franklin D. Roosevelt sabotou a reunião. Não compareceu e tomou decisões que minaram qualquer entendimento. Desta vez, Barack Obama está lá pessoalmente, no seu primeiro giro internacional, participando da reunião.

O Brasil, até agora, é o segundo país mais afetado dos Brics em crescimento. A China continua alegando que crescerá 8%, apesar de o prognóstico mais razoável ser de 6,5% ou menos. A previsão para a Índia é de 5%. Aqui, oficialmente, o governo aposta em 2%, as previsões independentes estão em torno de zero. Mas nós temos algumas vantagens neste momento nada desprezíveis: o sistema bancário não está afetado pela crise que desmonta os bancos pelo mundo afora. Além da vantagem de uma crise recente, de uma regulação mais rígida, o Banco Central agiu rapidamente para dissolver qualquer foco de crise.

Um risco grande rondava os bancos pequenos, mas o BC tomou várias providências para dar liquidez a eles, inclusive a última, que é usar o Fundo Garantidor de Crédito. Infelizmente, os bancos brasileiros, pequenos ou grandes, estatais ou privados, não entregam o que os clientes querem e precisam: spreads mais baixos.

O Banco Central admite que esse é um dos desafios da economia brasileira: reduzir os spreads bancários.

Dos Brics, a Rússia é que vai realmente mal. Perdeu reservas tentando inutilmente evitar a alta do dólar.

O Banco Central acha que o caso da Rússia prova que eles agiram bem aqui no Brasil, ao não aceitar a pressão para queimar logo as reservas tentando evitar a alta do dólar. De qualquer maneira, as reservas têm sido usadas para restabelecer o crédito às empresas exportadoras ou endividadas no exterior.

A tendência do governo é ver apenas o lado bom da economia brasileira, mas o fato é que os números acenderam sinais de alerta que não podem ser ignorados.

Até porque, não haverá saída mágica no G-20.

As saídas serão construídas lentamente.

Pessimismo com angu de caroço

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Trimestre se foi com baixa de 17% na indústria, de 20% na exportação, crédito parado e sangria no emprego formal

"ALGUMAS DAS últimas notícias econômicas têm sido ligeiramente melhores do que o esperado, o que decerto aconteceria em algum momento (na média, enfim, metade das notícias deveria ser melhor do que o esperado). Na maior parte dos casos, mostra que as coisas estão piorando mais devagar, mas não seria surpreendente que nós víssemos uma alta na produção industrial dentro de alguns meses, com o fim de um ciclo de queima de estoques."

Não se trata do Brasil. Isto é Paul Krugman, o Nobel de Economia. "[Se a indústria crescer nos EUA] isso não significará que o pior já passou. Houve uma pausa no início de 1931, e muitas pessoas passaram a respirar melhor. Estavam erradas. Até agora, não há nada que indique uma virada fundamental neste ano, ou no próximo, ou, aliás, até onde a vista alcança", completa Krugman.

Pode-se dizer que Krugman está ainda mais despeitado que de costume porque, por exemplo, a equipe econômica de Barack Obama não fez um pacote fiscal tão grande quanto o Nobel gostaria e é adepta de uma opinião oposta à dele no que diz respeito ao conserto da lambança financeira.

Mas alguém tem bons dados e informações para dizer que Krugman está mais errado do que o resto? Cartas para a Redação.

Descendo de nível e ao sul do Equador, vê-se torcida como a espezinhada por Krugman, e não só no governo e no mercado financeiro, ansioso por um tutu. Uma ala mais amena dos comentaristas econômicos se apega a migalhas de boas notícias, pois pessimismo é impopular.Decerto há os que tripudiam sobre Lula devido à história da "marolinha". Trata-se de viúvas do tucanato, as mesmas que baixavam a bola da crise antes que a bola de neve nos chegasse às fuças. Na sua versão da "marolinha", diziam que os alertas eram "catastrofismos" da turma "anticapitalista", de "heterodoxos", que se tratava de "coisa passageira", "crise normal do capitalismo", "breve hiato" no período de maior "prosperidade da história" (o que, aliás, é mentira) e outras palermices.

As análises relevantes ainda são um angu de caroço. Gente importante, informada e experimentada do "establishment" não se entende sobre o que se passa ou o que fazer. Vide o sururu do G20 (ou no "G4", o que interessa: EUA, China, Alemanha e Japão). Ou economistas de peso a dizer isso e seu contrário. Ou previsões diariamente furadas pelo ruído alto nos dados econômicos.

O nosso primeiro trimestre passou em branco no que diz respeito à "recuperação". Um ou outro indicador despiorou. Mas a produção industrial de fevereiro ficou 17% abaixo do que era em fevereiro de 2008. O estoque de crédito cresceu a 0,15% ao mês no primeiro bimestre, contra 2,3% na média de janeiro a setembro de 2008, antes da crise (ritmo insustentável, mas muito maior). O valor das exportações no trimestre inicial deste ano foi 20% inferior ao do início de 2008. De outubro de 2008 a fevereiro de 2009, o mercado formal deixou de criar 1 milhão de empregos (na comparação com o período anterior idêntico). O governo quase não tem como gastar mais sem fazer besteira maior. Inflação e déficit externo se comportaram, mas isso se deveu ao corretivo amargo da estagnação.